Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9521/05.8TBCSC-B.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: PENSÃO DE ALIMENTOS
ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
CESSAÇÃO
ALIMENTANDO COM DEFICIÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A pensão fixada em benefício de um filho durante a menoridade mantém-se para depois da menoridade e até que complete 25 anos de idade.

2. A cessação da obrigação de alimentos a cargo do pai está dependente de acção a propor por este, baseada nalguma das seguintes circunstâncias: a) que o processo de «ocupação educacional» concluiu-se antes dos 25 anos de idade; b) que tal processo foi livremente interrompido pelo filho; c) que a exigência de alimentos não é razoável.

3. Em relação às pessoas com deficiência, o artigo 1905.º, 2 CC tem de ser interpretado à luz das exigências enunciadas nos textos supranacionais e internos de tutela dessas pessoas, conduzindo a uma protecção adequada do deficiente mental, sob pena de violação do princípio da igualdade, com o seu corolário da prescrição da proibição da discriminação (artigo 13.º CRP).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

B deduziu embargos contra a execução que lhe moveu M.
Alega a prescrição dos alimentos peticionados e, subsidiariamente, que se considere que os mesmos não são devidos em virtude de não constar da sentença que fixou os alimentos que os mesmos seriam devidos para além da maioridade, pelo que sempre teriam os mesmos de ser pedidos judicialmente depois da maioridade. Deduz ainda oposição à penhora.
A exequente contestou. Pugna pela improcedência da excepção de prescrição e defende que a obrigação alimentícia se manteve para além da maioridade do jovem D em virtude da incapacidade de que padece (e relativamente à qual foi já proferida sentença a decretar o acompanhamento de maior) devendo ter sido o executado/embargante a requerer a sua cessação, se assim pretendesse, aquando da maioridade, uma vez que tinha conhecimento que o mesmo não «prosseguiria os estudos», ainda que se mantivesse no mesmo estabelecimento numa vertente exclusivamente ocupacional.
O tribunal julgou improcedente a excepção de prescrição e procedentes os embargos e, consequentemente, determinou a extinção da execução, ficando prejudicado o conhecimento da oposição à penhora.
Inconformada, interpôs a exequente competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:
a. A Douta Sentença da qual agora se recorre, o Tribunal de 1ª Instância decidiu julgar parcialmente procedente a oposição à execução e a oposição à penhora apresentadas pelo Executado e Embargante, B, e em consequência, julgou os respetivos embargos procedentes, por provados e, consequentemente, determinou a extinção da execução.
b. Para tanto, considerou procedente a alegada inexigibilidade dos alimentos peticionados pela Exequente e Embargada nos presentes autos, porquanto “… tendo o jovem D completado a maioridade a 8 de abril de 2015, antes da entrada em vigor da atual redação do artigo 1905º do Código Civil, não se pode deixar de concluir que tendo-se extinto a obrigação de alimentos que impendia sobre o Embargante, não podem os mesmos ser reclamados nesta sede, devendo o jovem, através da sua legal representante, requerer a (nova) fixação de alimentos nos termos preceituados nos artigos 2003º e seguintes do Código Civil.”;
c. referindo, ainda, quanto a este item que “ …considerando que o D não se encontrava, depois da maioridade, a prosseguir os seus estudos, antes permanecendo integrado no mesmo estabelecimento que se encontrava antes da maioridade, para efeitos ocupacionais, não seria aplicável a «extensão» prevista neste normativo, competindo à sua legal representante intentar a competente ação de alimentos para efeitos de serem fixados os alimentos (definitivos) devidos ao filho de ambos.”
d. Pelo presente, a ora Apelante recorre da fundamentação de facto e de direito.
e. Não se conforma com a factualidade dada como provada sob os números 9., 10., 11. e 12., por um lado, por entender que os mesmos não traduzem a verdade dos factos, seja por não corresponder ao que resulta da prova documental e da própria confissão das partes, e
f. Por outro lado, por entender que deixou de fora um facto essencial e determinante para a apreciação jurídica da matéria em análise, e que se foca no reconhecimento do Executado e Embargante da sua obrigação alimentícia relativamente ao filho D, mesmo após a sua maioridade, uma vez que efetuou o seu pagamento, em períodos da maioridade do filho;
g. E fê-lo, sem que, nalgum momento questionasse a necessidade ou razoabilidade ou acionasse os mecanismos legais ao seu dispor para alterar, reduzir ou fazer cessar tal obrigação.
h. Assim, e quanto ao Ponto 9. da factualidade dada como provada, refere a Douta decisão sob recurso: “O Embargante deixou de proceder ao pagamento dos alimentos e das despesas nos termos acordados em agosto de 2015.”, quando, de facto, o Executado e Embargante fez pagamentos à Exequente e ora Apelante até 09.12.2015 e de outubro de 2020 e até agosto de 2021, referentes a pensão de alimentos e despesas (parciais), conforme resulta os extratos juntos aos autos como Documento n.º 2 da Contestação.
i. Pelo que e salvo melhor opinião, o Ponto 9. da factualidade dada como provada deve ser substituído por outro que dê como provado que o Embargante procedeu ao pagamento dos alimentos e das despesas nos termos acordados na sentença de homologação das responsabilidades parentais até 09/12/2015 (decorridos sete meses sobre a maioridade do D), tendo retomado tais pagamentos em outubro de 2020 e até agosto de 2021 (tendo o D 23 e 24 anos de idade).
j. Resultando, daí, igualmente comprovado que o incumprimento no pagamento da pensão de alimentos na vertente, fixada em 100.00 Euros mensais, actualizáveis, apenas ocorreu em momento posterior à entrada em vigor da Lei 122/2015, de 01 de setembro, facto que poderá influir numa nova apreciação dos factos e no seu enquadramento legal.
k. Por outro lado, a Douta decisão sob recurso considerou provado, no Ponto 12: “Atenta a patologia de que padece o jovem D permanece integrado no estabelecimento em que se encontrava aquando da menoridade para efeitos meramente ocupacionais.”. (sublinhado nosso)
l. Sucede que tal não é o que resulta da factualidade alegada pela Embargante (artigos 38.º e 39.º da Resposta à Contestação), mas antes que o D, à data em que atingiu a sua maioridade frequentava exatamente o mesmo tipo de estabelecimento de ensino que frequentava anteriormente e não o mesmo estabelecimento.
m. Dela resultando evidenciado que no período a que se referem os presentes autos, o D teve um percurso educacional e formativo especial, numa vertente ocupacional, mor da sua condição (antes e depois da maioridade).
n. Quando a Douta Sentença proferida conclui que, mesmo se a Lei 122/2015 fosse aplicável aos presentes autos, nunca assistiria razão à Exequente, ora Apelante, uma vez que: “… o D não se encontrava depois da maioridade, a prosseguir os seus estudos, antes permanecendo integrado no mesmo estabelecimento que se encontrava antes da maioridade, para efeitos ocupacionais, não seria aplicável a «extensão» prevista neste normativo …”;
o. não está a considerar que a vertente ocupacional integra um processo educativo e ou formativo, ainda que, especial.
p. Tanto mais quando, o que a Exequente e Embargada pretendeu esclarecer, foi tão somente que o D manteve, após a maioridade, a mesma linha educacional na vertente ocupacional que já vinha da menoridade, conforme melhor descrito na Sentença que decretou o Acompanhamento de Maior (Documento n.º 1 junto com a Contestação)
q. Pelo que, o Ponto 12. da factualidade dada como provada deve ser substituído por outro que dê como provado que atenta a patologia de que padece o jovem D, à data em que atingiu a sua maioridade, frequentava exatamente o mesmo tipo de estabelecimento de ensino que frequentava aquando da menoridade.
r. Para a reapreciação da decisão de que ora se recorre, a Apelante entende ainda que, conjugados com os acima mencionados, os Pontos 10. “O D é portador de doença grave congénita tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente de 75%.” e 11. “A 30.06.2021 foi proferida sentença a decretar o acompanhamento a maior do jovem D, em razão de anomalia psíquica, sendo a medida de acompanhamento a representação geral, tendo sido nomeada acompanhante a sua mãe, ora Embargada e fixada a necessidade de acompanhamento desde o nascimento.” da factualidade dada como provada, são suscetíveis de demonstrar que in casu, se mantém a exigibilidade dos alimentos, conforme reclamado pela Apelante, carecendo estes de diferente valoração.
s. tal factualidade permitiria ao Douto Tribunal a quo concluir que assiste razão à Embargada e ora Apelante, quando leva à execução nos presentes autos a sentença relativa à obrigação de alimentos, do pai para com o filho, na medida em que tais factos são demonstrativos que não existe divergência ou alteração, quanto aos pressupostos da sua fixação;
t. e que, em qualquer circunstância sempre caberia ao pai – que o não fez - a iniciativa de requerer a alteração, redução ou extinção da sua obrigação alimentícia para com o filho D, a qual, como adiante veremos sempre correria por apenso aos autos principais onde foi fixada a pensão (artigo 989.º, n.º 2 do C.P.C.).
u. De facto, conforme exposto no ponto 7. do requerimento Executivo “Não ocorreu qualquer facto impeditivo ou extintivo da obrigação de alimentos a que foi condenado o ora Executado.”
v. Nessa sequência deve ser aditado à matéria de facto dada como provada o seguinte facto: “até à presente data, nunca o Executado e ora Embargante, fez uso dos meios ao seu alcance para fazer cessar a obrigação de alimentos a que estava obrigado, fixada na menoridade do filho.”
w. A introdução de tal facto, dado como provado, revela-se fundamental para a boa decisão de mérito da causa, na medida em que o progenitor que estava obrigado à prestação dos alimentos (o pai), ao não ter pedido a cessação de tal obrigação e tendo procedido ao seu pagamento após a maioridade - até dezembro de 2015, em 2020 e em 2021 - e, em qualquer dos casos, com a Lei 122/2015, de 01.09 em vigor, assumiu que a mesma se mantinha.
x. Com uma nova apreciação da matéria de facto, seja pela inclusão de fatos que deveriam ter sido dados como provados, quer pela correção de outros, a Apelante pretende demonstrar que a Mm.ª Juiz a quo poderia e deveria, na apreciação concreta deste caso, ter alcançado decisão diversa - no que respeita ao segmento decisório objecto do presente recurso - alcançando uma decisão legal e justa como se pretende sempre que seja.
y. A obrigação de alimentos de pais para filhos, decorre da Lei Fundamental, presente no artigo 36.º, n.º 5 da CRP, das normas internacionais (artigo 27.º, n.º 2 da Convenção sobre os Direitos da Criança), da tutela cível, prevista nos artigos 1878.º, n.º 1 do Código Civil e da tutela penal (artigo 250.º do Código Penal).
z. Na fixação do montante da pensão alimentícia, atende-se a dois critérios: a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante, sendo de considerar, ainda, a possibilidade do alimentando proceder à sua própria subsistência, nos termos do artigo 2004.º do CCiv.
aa. E esta última vertente da “possibilidade do alimentando proceder à sua própria subsistência” revela-se determinante na apreciação deste caso em concreto na medida em que, resultou demonstrado – desde logo por confissão do Pai e Executado que não contestou, que aquando da fixação da pensão de alimentos na menoridade daquele, era já conhecida por ambos os progenitores a deficiência do filho e a sua previsível incapacidade de um dia prover pela sua própria subsistência;
bb. Não tendo ocorrido, desde aquela data, qualquer facto superveniente que determinasse uma alteração das circunstâncias e consequente alteração, para menos, das necessidades do D, ao invés, apenas um aumento dessas mesmas necessidades e exigências enquanto jovem adulto que hoje é.
cc. A opção da Exequente e ora Apelante pelo recurso ao processo executivo especial por alimentos, regulado nos artigos 933.º e seguintes do CPC prendeu-se com o facto de ser a mesma detentora de um crédito sobre o Executado e ora Apelado que se traduz numa quantia pecuniária certa, líquida e exigível, correspondendo à componente fixa da pensão de alimentos, fixada na menoridade do D, filho de ambos, bastando multiplicar pelo número de meses/anos que o Pai não pagou.
dd. Por seu turno, o Executado, em sede de oposição à execução defendeu-se, subsidiariamente, com fundamento na inexigibilidade da obrigação exequenda, não alegando nem provando documentalmente, como poderia tê-lo feito, qualquer facto modificativo ou extintivo da obrigação (posterior ao encerramento do processo declarativo, in casu, da fixação da pensão de alimentos); nem tão pouco enxertou na acção executiva pedido de cessação ou alteração de alimentos definitivos (art.º 936.º do CPC).
ee. Nem tão pouco suscitou a ilegitimidade da Exequente para o fazer.
ff. Pelo que, salvo melhor opinião, a questão cingir-se-á a saber se, independentemente da Lei 122/2015, de 01.09 ter ou não aplicação à situação do D por este ter completado os 18 anos em 08 de abril de 2015, meses antes da entrada em vigor daquela, relativamente à pensão de alimentos definida na sua menoridade,
gg. se a mesma continua ou não a ser devida até que o obrigado a prestá-la, no caso o seu pai, aqui Apelado, venha pedir a sua cessação, provando que aquele já dela não necessita ou até que a sua mãe venha, em nome e representação do D, pedir a fixação de uma nova pensão de alimentos em conformidade com as suas actuais necessidades (muito superiores às atendidas aquando da fixação dos alimentos)?
hh. Sendo que para a Apelante, é certo que a nova Lei 122/2015 tem a bondade de esclarecer definitivamente aquele que já era o entendimento de alguma jurisprudência e da maioria da doutrina sobre a extensão dos alimentos para alem da maioridade e da obrigatoriedade de ser o obrigado a prestar os alimentos a pedir que a mesma cessasse.
ii. Constatando a ora Apelante que, aquela que era a jurisprudência até então maioritária – entendia que a obrigação de alimentos fixada por sentença se extinguia automaticamente com a maioridade e, por isso, teria de ser o filho, já maior, a pedir a manutenção da pensão ou uma pensão de alimentos nova, carecendo de alegar e provar os requisitos mencionados pelo art.º 1880º do CC - não foi a que vingou na construção jurídica da nova Lei 122/2015 que veio, a final, a dar razão ao entendimento propugnado pela corrente jurisprudencial minoritária,
jj. a qual já defendia que a mãe que sempre exerceu as responsabilidades parentais, tinha legitimidade processual, em nome próprio, para exigir do outro progenitor em incumprimento, o pagamento das prestações alimentares vencidas e não pagas durante a menoridade, após a maioridade do filho, não se verificando uma situação de inutilidade superveniente da lide.
kk. E, por outro lado, também já a nossa melhor doutrina defendia, mesmo antes das alterações introduzidas pela Lei 122/2015, que o artigo 1880º do CC consagrava uma extensão da obrigação alimentar dos pais para com os filhos e que a pensão de alimentos fixada durante a menoridade do filho devia continuar a ser devida após a maioridade, cabendo ao progenitor obrigado a iniciativa de fazer cessar tal obrigação (Rita Lobo Xavier, Maria Inês Pereira da Costa - Uma Visão Comparada de Crítica ao Critério da Razoabilidade, dissertação de mestrado, 2013, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito, Escola do Porto, pág. 29, nota 143, edição online, pág. 33);
ll. Igualmente, Clara Sottomayor preconizava que a letra e o espírito do art° 1880° do CC permitiam estabelecer uma presunção de manutenção da obrigação de alimentos fixados ao menor para depois da maioridade (Regulação do Exercício das Responsabilidades parentais nos Casos de Divórcio, 5 edição, Almedina, pág. 341).
mm. E, em qualquer caso, já antes da Lei 122/2015, a cessação da obrigação alimentar carecia de ser judicialmente ordenada, devendo o obrigado alegar e provar qualquer uma das causas de cessação da obrigação de alimentos constantes do artigo 2013.º do C. Civil.
nn. Por outro lado, importa atendermos ao que a nossa melhor jurisprudência tem expendido, já depois da entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, sobre a natureza de norma interpretativa da nova redação do art.º 1905.º, n.º 2 do CC para efeitos do disposto no art.º 1880.º;
oo. Neste sentido, o acórdão da Relação de Évora, de 09/03/2017 (Albertina Pedroso) e o acórdão da Rel. de Coimbra, de 15/11/2016 (Jorge Arcanjo).
pp. Não existindo, assim, dúvidas que esta Lei teve a bondade de interpretar e definir, de uma vez por todas, que a maioridade não é, por si só, causa automática de extinção da obrigação de alimentos a quem deles comprovadamente precisa.
qq. Por um lado, existe jurisprudência que sustenta a aplicação retroactiva da Lei n.º 122/2015 às relações jurídicas já existentes (in casu pela fixação de pensão de alimentos na menoridade do filho D) e ainda que a alteração introduzida pela referida Lei configura, acima de tudo, uma interpretação de normativo já existente (1880.º do CC), pretendendo com a mesma por termo às divergências existentes sobre a cessação automática da obrigação de prestação de alimentos pela maioridade, e que,
rr. por outro lado, mesmo que se entenda que a referida Lei n.º 122/2015 não tem efeito retroactivo, às relações jurídicas já existentes (in casu pela fixação de pensão de alimentos na menoridade do filho D), antes da mesma existir, a jurisprudência (ainda que minoritária) e a nossa melhor Doutrina defendiam que o artigo 1880º do CC já consagrava uma extensão da obrigação alimentar dos pais para com os filhos e que a pensão de alimentos fixada durante a menoridade do filho devia continuar a ser devida após a maioridade, cabendo ao progenitor obrigado a iniciativa de fazer cessar tal obrigação.
ss. Ora, a Lei n.º 122/2015, de 01 de setembro, veio alterar o n.º 2 do artigo 1905.° do Código Civil, passando o mesmo a prever o seguinte: 2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880°, entende-se que se mantém, para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência. (sublinhado e negrito nosso)
tt. É, pois, inegável que daquele dispositivo legal, decorrem inequivocamente duas consequências: a primeira que a pensão fixada durante a menoridade mantém-se até que o filho complete 25 anos de idade (salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data ou se tiver sido livremente interrompido) ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência; a segunda que é ao obrigado à prestação que cabe o ónus da prova de que a manutenção da pensão é irrazoável.
uu. Conforme consta da Douta Sentença, a MM.ª Juiz a quo - reconhecendo uma circunstância em que se mantenham os pressupostos da necessidade dos alimentos por parte de filho maior e a possibilidade de o progenitor lhos prestar - aponta como solução que o filho venha a exigir alimentos do progenitor com quem não vive através de ação especialmente intentada para o efeito.
vv. Não obstante não desconhecer, a Exequente e ora Apelante, na sua atual condição de Acompanhante do seu filho D que estão reunidas todas as condições para esse efeito, também optou, por uma questão de economia processual, por executar os valores, que no seu entender, eram certos, líquidos e exigíveis, evitando dar origem a um novo processo judicial.
ww. Ao entender diferentemente, incorre a Douta Sentença recorrida, na violação do princípio da economia processual, princípio que consagra que o resultado processual deve ser atingido com a maior economia de meios.
xx. Acresce que a prestação de alimentos é uma obrigação ilimitada no tempo, isto é, é uma obrigação por termo incerto, na medida em que esta se prolonga no tempo consoante a duração das necessidades do alimentado, estando a sua cessação normalmente dependente da manutenção das possibilidades do devedor de alimentos. Trata-se de uma prestação com duração indefinida que perdurará enquanto se mantiverem os pressupostos que estiveram na sua origem.
yy. Por todo o supra exposto, entende a ora Apelante ser fundamental uma reapreciação dos factos dados como provados, nos termos acima expostos, assim como o seu enquadramento jurídico - legal, doutrinal e jurisprudencial – quer o pré-existente à entrada em vigor da Lei 122/2015 (através do qual se defendia já que a pensão de alimentos não cessava automaticamente com a maioridade e tinha de ser a pessoa obrigada a prestar os alimentos a pedir a sua cessação, alegando e provando, a sua superveniente desnecessidade);
zz. quer o posterior à sua entrada em vigor, porquanto dos factos dados como provados resulta que o Pai, Executado, Embargante e ora Apelado, além de tudo o mais, pagou as prestações de alimentos a que estava obrigado já na maioridade do D – até dezembro de 2015, e depois nos anos de 2020 e 2021, reconhecendo, também por essa via, que as mesmas eram devidas e deverão ser mantidas até novo pedido de fixação valor de pensão em conformidade com o que são as actuais necessidades do D.
aaa. O conteúdo das responsabilidades parentais está regulado no art.º 1878.º do CC e por força desse artigo, compete aos pais prover o seu sustento, na medida em que o sustento aqui em causa é faculdade-dever de prestar alimentos, no sentido mais amplo da expressão, isto é, englobando tudo o que seja indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do alimentado (art.º 2003.º do CC).
bbb. Ademais, nas circunstâncias conhecidas e judicialmente decretadas, do seu filho ser portador de anomalia psíquica e com uma incapacidade decretada de 75%, com necessidade de acompanhamento desde o nascimento e seguramente até ao fim dos seus dias.
ccc. Por todo o exposto, somos a concluir que a progenitora convivente com filho maior tem legitimidade para exigir do outro, progenitor inadimplente, as quantias vencidas e não pagas, de alimentos fixados durante a menoridade do filho de ambos e até ele atingir 25 anos de idade, que será a 08 de abril deste ano.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve, assim, o presente recurso ser julgado procedente por provado, e, daí resultando a alteração da matéria de facto dada como provada nos termos acima enunciados e requeridos e bem assim, uma nova e melhor aplicação do direito, e;
Em consequência, seja revogada a sentença recorrida no segmento decisório DA INEXIGIBILIDADE DOS ALIMENTOS, e substituída por outra que reconheça a exigibilidade dos alimentos, assim determinando a prossecução da execução contra o Executado e Embargante B. fazendo assim a COSTUMADA JUSTIÇA!».
O embargante apresentou contra-alegações em que pugna pela confirmação do julgado.
***
São duas as questões decidendas:
i) Saber se deve ser alterada a decisão de facto;
ii) Saber se o jovem D, o qual atingiu a maioridade em 8 de abril de 2015, sendo beneficiário de alimentos a prestar pelo seu progenitor, fixados por acordo dos pais homologado no domínio do regime anterior à Lei 122/2015, pode ou não continuar a exigir coercivamente do alimentante as prestações alimentares, e em que circunstâncias.  
***
São os seguintes os elementos de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:
1. D, nascido a 8 de abril de 1997 é filho de Embargante e Embargada.
2. Por sentença proferida a 3 de novembro de 2005 foi homologado o acordo a que os ora Embargante e Embargada chegaram de regulação das responsabilidades parentais do então menor D, nos termos da qual o D ficou à guarda e cuidados da mãe, tendo o pai se obrigado a contribuir com a quantia de 100€/mês a título de alimentos, a entregar à mãe até ao dia 8 de cada mês.
3. (…) O montante da pensão a pagar pelo pai será atualizado anualmente, por aplicação do índice geral dos preços ao consumidor publicado pelo INE relativo ao ano económico anterior, tendo a primeira atualização lugar em novembro de 2006.
4. (…) Mais suportará o pai as despesas do ATL, transporte escolar, senhas de almoço, procedendo ao pagamento direto à entidade pagadora.
5. (…) Suportará ainda as despesas respeitantes aos livros escolares e material escolar os quais serão adquiridos pela mãe e serão reembolsados em partes iguais por ambos os progenitores na parte não comparticipada.
6. (…) O pai adiantará o pagamento das despesas, antes da realização das mesmas, perante solicitação da mãe.
7. (…) O pai apresentará as mesmas para efeitos do Seguro de saúde que é beneficiário o menor, comprometendo-se o pai a mantê-lo em vigor.
8. (…) O pai será reembolsado em metade das despesas de saúde pela mãe, deduzido o valor da parte não comparticipada.
9. O Embargante deixou de proceder ao pagamento dos alimentos e das despesas nos termos acordados em agosto de 2015.
10. O D é portador de doença grave congénita tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente de 75%.
11. A 30.06.2021 foi proferida sentença a decretar o acompanhamento a maior do jovem D, em razão de anomalia psíquica, sendo a medida de acompanhamento a representação geral, tendo sido nomeada acompanhante a sua mãe, ora Embargada e fixada a necessidade de acompanhamento desde o nascimento.
12. Atenta a patologia de que padece o jovem D permanece integrado no estabelecimento em que se encontrava aquando da menoridade para efeitos meramente ocupacionais.
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Da alteração da decisão de facto
Pretende a recorrente que seja alterada a decisão de facto no que se refere aos factos 9 e 12, que devem passar a ter a seguinte redacção:
Facto 9. O Embargante procedeu ao pagamento dos alimentos e das despesas nos termos acordados na sentença de homologação das responsabilidades parentais até 09/12/2015 (decorridos sete meses sobre a maioridade do D), tendo retomado tais pagamentos em outubro de 2020 e até agosto de 2021 (tendo o D 23 e 24 anos de idade).
Facto 12. Atenta a patologia de que padece o jovem D, à data em que atingiu a sua maioridade, frequentava exatamente o mesmo tipo de estabelecimento de ensino que frequentava aquando da menoridade.
Da interpretação conjugada dos factos 10 e 11 entende que se deve dar como provado que:
O incumprimento no pagamento da pensão de alimentos na vertente fixa de 100.00 Euros mensais, actualizáveis, apenas ocorreu em momento posterior à entrada em vigor da Lei 122/2015, de 01 de setembro.
Por fim considera que se deve aditar um novo facto do seguinte teor:
Até à presente data, nunca o Executado e ora Embargante, fez uso dos meios ao seu alcance para fazer cessar a obrigação de alimentos a que estava obrigado, fixada na menoridade do filho.
Vejamos se deve proceder a pretensão da recorrente.
No n.º 5 do requerimento executivo, alega a exequente: O aqui Executado deixou de pagar os alimentos devidos ao filho a partir de agosto de 2015, o que fez, ciente das especiais necessidades do filho, o qual por ser portador de doenças congénitas graves, tem necessidade permanente e para o resto da vida de alimentos, dado que em nenhuma circunstância tem ou terá condições de prover pelo seu sustento.
Na petição de embargos, o executado impugnou expressamente, no artigo 10.º, entre outros, esse artigo 5 do requerimento executivo.
O facto de no artigo 24.º o embargante ter alegado que «mesmo depois de o seu filho ter atingido a maioridade, continuou e vai continuar sempre a dar toda a assistência a todos os níveis ao seu filho, e que tal será para toda a vida» não significa o reconhecimento como verdadeiro da factualidade só alegada pela embargada no artigo 37.º da contestação aos embargos. O documento n.º 2 destina-se a provar factos e esses, controvertidos, não foram, nem tinham de ser, julgados provados.
De resto, mesmo em sede de contra-alegações, o embargante não admite o referido pagamento (cfr. n.º 16).
Quanto ao facto 12, note-se que foi o embargante quem alegou, no artigo 19 que: «no caso em questão o jovem …, não frequentava à altura de ter atingido a sua maioridade, nem desde essa data até ao presente dia, a frequentar ou completar o seu percurso académico ou qualquer tipo de formação, ou seja, não se encontrava, nem se encontra a estudar».
A esta matéria de excepção respondeu a embargada nos artigos 38.º e 39.º da contestação, dizendo:
38.º: Ao contrário do que se pretende fazer crer o Executado, ora Embargante, designadamente no artigo 19.º dos seus embargos, o D, à data em que atingiu a sua maioridade frequentava exactamente o mesmo tipo de estabelecimento de ensino que frequentava anteriormente, e que , frequenta até hoje, numa vertente exclusivamente ocupacional.
39.º: Com a única diferença, de que, atingida a maioridade pelo D, o Estado Português deixou de comparticipar, diretamente por não dar acesso aos seus estabelecimentos de ensino, e indirectamente, por deixar de comparticipar monetariamente nos custos com o estabelecimento de ensino especial.
O primeiro grau deu como provado que o jovem D permanece integrado no estabelecimento em que se encontrava aquando da menoridade para efeitos meramente ocupacionais.
Fê-lo no exercício dos seus poderes de livre apreciação das provas ex artigo 607.º, 5 do CPC, nada indiciando que o fez de forma imprudente. Claro que essa factualidade pode ser objecto de interpretação. De qualquer modo, a preocupação da recorrente em dar a ideia de continuidade do processo ocupacional do filho não se resolve objectivamente com a introdução da palavra tipo (de estabelecimento).
Por sua vez, o facto que a recorrente pretende dar como provado a partir da conjugação dos pontos 10 e 11 é conclusivo, devendo por isso deduzir-se dos outros factos e não ser considerado de per se.
Finalmente, o facto que a recorrente pretende aditar, além de conclusivo (quais são esses meios ao alcance do embargante?) não logra apoio em matéria alegada e provada.
Improcede, por conseguinte, a pretensão da recorrente quanto à modificação do julgamento de facto.  
***
Do direito
O raciocínio do primeiro grau para julgar procedentes os embargados, foi o seguinte:
i) «atualmente, a lei estipula que a obrigação de alimentos se mantém após a maioridade sem necessidade do jovem a requerer, desde que este continue a sua formação profissional, cabendo ao obrigado a prestar os alimentos vir requerer judicialmente a cessação, caso entenda que não se verificam os pressupostos legais para a sua manutenção».
ii) «A Lei nº 122/2015, de 1 de setembro entrou em vigor a 1 de outubro de 2015, como decorre do seu artigo 4º».
iii) a alteração ao artigo 1905º do Código Civil, operada pela referida lei, só se aplica «às relações jurídicas constituídas entre filhos e pais antes da sua entrada em vigor, mas em que os filhos só atinjam a maioridade depois da entrada em vigor da nova redação do artigo, posto que não é possível a repristinação de relações jurídicas já extintas».
iv) Assim sendo, «tendo o jovem D completado a maioridade a 8 de abril de 2015, antes da entrada em vigor da atual redação do artigo 1905º do Código Civil, não se pode deixar de concluir que tendo-se extinto a obrigação de alimentos que impendia sobre o Embargante, não podem os mesmos ser reclamados nesta sede, devendo o jovem, através da sua legal representante, requerer a (nova) fixação de alimentos nos termos preceituados nos artigos 2003º e seguintes do Código Civil».
Discordamos deste entendimento.
Preceitua o artigo 1880º do Código Civil: «Se no momento que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir dos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.»
Por sua banda, o nº 2 do artigo 1905º do Código Civil, na redação dada pela Lei 122/2015, dispõe: «Para efeitos do disposto no artigo 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.»
Sabido é que a obrigação de alimentos a filhos maiores surge do facto de se assistir em todas as sociedades desenvolvidas do ocidente, e também na nossa, a um aumento exponencial de jovens que prosseguem os seus estudos e formação especializada, além da maioridade, carecendo portanto de meios de sustento durante esse período.
De acordo com o artigo 1878.º CC, compete aos pais prover ao sustento dos filhos, sendo que esta obrigação se traduz na faculdade-dever de prestar alimentos, englobando tudo o que seja indispensável ao sustento, habitação, instrução e educação do alimentado, no sentido amplo do artigo 2003.º.
Por sua vez o artigo 1879.º afirma que os deveres que integram as responsabilidades parentais só cessam quando os filhos estiverem em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, as despesas com o seu sustento e relativas à sua segurança, saúde e educação.
O artigo 1880.º, acima citado, constitui excepção ao artigo 1877.º e versa sobre os chamados «alimentos educacionais» (a designação é de Remédio Marques, mas é sujeita a crítica de Catarina Marques Fradeira que defende que estes «alimentos» se integram no «dever geral de assistência» não sendo de qualificar como «pensão de alimentos» ou «alimentos educacionais», Obrigações dos progenitores para com os filhos maiores que ainda não completaram a sua formação profissional, Pressupostos e natureza, dissertação mestrado, Faculdade de Direito do Porto, Universidade Católica, 2020:56) cujos pressupostos de atribuição estão sujeitos à cláusula de razoabilidade e de exigibilidade prevista neste artigo.
Resulta pois, do aludido regime legal, como diz a sentença impugnada, «que atualmente, a lei estipula que a obrigação de alimentos se mantém após a maioridade sem necessidade do jovem a requerer, desde que este continue a sua formação profissional, cabendo ao obrigado a prestar os alimentos vir requerer judicialmente a cessação caso entenda que não se verificam os pressupostos legais para a sua manutenção».
Discute-se a natureza da Lei 122/2015.
Uma primeira corrente entende que esta lei tem natureza interpretativa, pelas razões expostas no Ac. STJ de 8.2.2018, Proc. 1092/12.6T8LMG.C1.S1, in www.dgsi.pt.:
25. No que respeita à questão de saber se a lei em causa deve ou não ser considerada lei interpretativa que é a lei aplicável a factos e situações anteriores conforme decorre do disposto no artigo 13.º do Código Civil, importa atentar nas razões que levam a considerar assim determinada lei. Uma das razões "reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são da sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu conteúdo controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado […]. Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos; que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei" (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, J. Baptista Machado, Almedina, 1993, pág. 246/247).
26. As normas interpretativas visam definir o sentido da " lei cujo entendimento suscitou dúvidas ou pode vir a suscitá-las […]. As normas interpretativas implicam uma referência específica ao preceito por elas interpretado […]. A ideia de contradição entre normas é algo que não se concebe a propósito das normas interpretativas que, por natureza, fornecem o sentido (formalmente) verdadeiro da lei interpretada" (Introdução ao Estudo do Direito por J. Dias Marques, 1970, pág. 160/161).
27. A letra da lei - ver artigo 1880.º do Código Civil - expressamente refere que se mantém com a maioridade a obrigação de alimentos, expressão esta aqui utilizada no sentido amplo de abranger todas as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos.
28. Daí que se considerasse que essa obrigação não cessava com a maioridade e, por conseguinte, fixado durante a menoridade um valor a suportar pelo progenitor, tal valor deve manter-se até estar concluída a formação do filho salvo se não for razoável exigir aos pais o respetivo cumprimento. A maioridade ou a emancipação não determinavam a cessação dessa obrigação e, por isso, constituída que fosse durante a menoridade, a obrigação mantinha-se e, por isso, cumpriria ao obrigado provar que a obrigação devia considerar-se cessada por não ser exigível ou obviamente por já estar concluída a formação do jovem.
29. Vejam-se, entre outros, o Ac. do STJ de 21-4-2016, rel. Orlando Afonso, revista n.º 6687/07 e, anteriormente. o Ac. do STJ de 6-7-2005, rel. Lucas Coelho, P. 1171/2004 e muito incisivamente o Ac. do STJ de 15-2-2001, rel. Sousa Inês, agravo n.º 67/2001 assim sumariado:
"A força obrigatória de uma decisão judicial que declarou a obrigação de o progenitor prestar alimentos ao filho menor mantém-se para lá da maioridade, caso o filho não tenha ainda completado a sua formação profissional, não necessitando, pois, o filho maior de instaurar nova ação para reconhecimento do seu direito a alimentos, já que aquela decisão só caduca quando tal formação se completar".
30. Ao nível das Relações, entre outros, atente-se no Ac. da Relação de Évora de 30-1-1997, rel. Armindo Luís, BMJ, 463-662, no Ac. da Relação do Porto de 9-9-2013, rel. Carlos Gil, CJ, 4, pág. 167 e nos acórdãos mencionados na decisão recorrida, o Ac. da Relação do Porto de 16-12-2003, rel. Armindo Costa, de 9-3-2006, rel. Fernando Batista e de 26-5-2009, rel. Vieira e Cunha, todos estes em www.dgsi.pt.
No sentido de que, mantendo-se a obrigação, o facto de esta ser fixada na menoridade não obsta à sua extensão, dado o seu caráter executório, entendimento este aceite no direito espanhol, ou seja, "a obrigação de alimentos devida a filhos, chegada a sua maioridade, não cessa automaticamente, sendo apenas o seu regime jurídico diferente", vejam-se as Notas ao Código Civil por Jacinto Rodrigues Bastos, Vol. VII, Lisboa, 2002, pág. 106/107 e também Obrigação de Alimentos Devida a Filhos/as Maiores que Ainda Não Completaram a Sua Formação – Uma Visão Comparada de Crítica ao Critério da Razoabilidade por Maria Inês Pereira da Costa, Universidade Católica, Porto, Agosto 2013.
31. No sentido de que a obrigação se extingue com a maioridade, encontra-se jurisprudência maioritária, mencionando-se a título de exemplo, o Ac. do STJ de 22-4-2008, rel. Pereira da Silva, revista n.º 389/08, o Ac. do STJ de 12-9-2013, revista n.º 323-D/2000, rel. Ernesto Calejo e o Ac. do STJ de 12-1-2010, rel. Fonseca Ramos, revista n.º 158-B/1999.
32. Constata-se assim que a Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, surge no quadro de uma controvérsia jurisprudencial não resolvida definitivamente sendo certo que a lei expressamente assinala a sua natureza interpretativa quando refere que " para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém[…] a pensão fixada […] durante a menoridade".
33. A clarificação da lei era recomendada na doutrina. Assim, em "Responsabilidades Parentais no Seculo XXI", Rita Lobo Xavier referia, no termo do estudo, que " tendo em conta a incerteza que existe quanto à interpretação da norma do artigo 1880.º, será de sugerir uma clarificação no sentido de que a pensão de alimentos fixada para o filho durante a menoridade continua a ser devida após a maioridade, cabendo ao progenitor obrigado a iniciativa de fazer cessar tal obrigação e o ónus de alegar e provar os factos que constituem os pressupostos dessa extinção" (in Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 5, n.º10, 2008, pág. 17/23.
34. A jurisprudência tem vindo a sustentar que a referida lei tem natureza de lei interpretativa: para além do acórdão recorrido, rel. Maria João Areias, veja-se o Ac. da Relação de Coimbra de 15-11-2016, rel. Jorge Arcanjo, CJ, 5, pág. 19, o Ac. da Relação do Porto de 16-6-2016, rel. Pedro Lima da Costa, CJ, 3, pág. 168, o Ac. da Relação do Porto de 6-3-2017, rel. Miguel Baldaia de Morais, CJ, 2, pág. 153 e o Ac. da Relação de Évora de 9-3-2017, rel. Albertina Pedroso, CJ, 2, pág. 219».
Uma segunda corrente rejeita esse caracter interpretativo. É o caso do acórdão, também do STJ, de 17 de abril de 2018, Proc. 109/09.5TBACN.1.E1.S1, no qual se lê:
«Como lucidamente explicava BAPTISTA MACHADO a respeito das normas interpretativas autênticas, “(…) se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a LN que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma não pode ser considerada realmente interpretativa (…), mas inovadora.
Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.(…)”.
Ora, como vimos (e como dá nota a própria exposição de motivos supra transcrita), era praticamente assente, no domínio da redacção do art.º 1880.º pré-vigente, a interpretação segundo a qual a obrigação alimentícia a que, em caso de ruptura da vida em comum dos pais do menor, o progenitor não convivente estava adstrito para com o seu descendente cessava com a maioridade deste, cabendo a este o ónus de, em acção a intentar para o efeito, alegar e demonstrar os factos de que aquele preceito fazia depender a outorga de alimentos educacionais.
Como também vimos, a Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, alterou decididamente este enquadramento, adoptando uma solução que, nos seus contornos mais salientes (a desnecessidade de o filho intentar a falada acção e os motivos pelos quais pode cessar a obrigação alimentícia estabelecida a seu favor), não era razoavelmente extraível da interpretação do pretérito regime legal sem ofensa clara às regras contidas no art.º 9.º do Cod. Civil.
Por estes motivos, cremos que não pode ser acolhida a posição da recorrente, não se tratando de uma lei interpretativa (art.º 13.º do Cod. Civil), considerando o carácter inovador do normativo introduzido no art.º 1905.º (n.º 2) do Cod. Civil».
Que pensar destas duas posições, ambas com bastantes seguidores nos diversos graus da hierarquia judiciária?
Em primeiro lugar constatamos, com certa normalidade, que quem no domínio do regime anterior defendia a cessação automática do dever de alimentos logo que alcançada a maioridade pelo alimentado, passou a defender, após a entrada em vigor da lei n.º 122/2015, a natureza inovadora desta lei, ao passo que, pelo contrário, aqueles que afirmavam a tese oposta, passaram, por sua vez, a defender a natureza interpretativa da nova lei.
Se não erramos, para se chegar à primeira conclusão necessário será rasurar a existência de uma pretérita controvérsia jurisprudencial, e dar por assente que o legislador se limitou a consagrar o que já era entendimento pelo menos hegemónico na altura, entendimento esse que era o esperado e de certo modo protegido pelo princípio da confiança.
Diga-se desde já que concordamos com o entendimento explanado no Ac. do STJ de 8.2.2018, cuja fundamentação nos parece extremamente clara e convincente. Vejamos porquê.
Seguindo a lição de Oliveira Ascensão (O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma perspectiva luso-brasileira, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997:560 segs.) «lei interpretativa é a que realiza interpretação autêntica». Para uma lei ser interpretativa terá de satisfazer os seguintes requisitos:
i) a fonte interpretativa deve ser posterior à fonte interpretada.
ii) deve ter por objectivo esclarecer dúvidas, «evitar uma instabilidade que a todos prejudica e a diversidade de tratamento de casos semelhantes».
iii) a nova lei deve ter por fim interpretar a lei antiga.
iv) a nova fonte não deve ser hierarquicamente inferior à fonte interpretada.
Destes requisitos o único cujo preenchimento pode levantar dúvidas é o segundo.
A questão que se suscita é: como se sabe que a lei é interpretativa?
Oliveira Ascensão equaciona três hipóteses:
«1) Antes de mais por declaração expressa contida no texto do diploma.
2) Tem igualmente significado a afirmação expressa do carácter interpretativo constante do preâmbulo do diploma (…).
3) Se a fonte expressamente nada determinar, o carácter interpretativo pode resultar ainda do texto, quando for flagrante a tácita referência da nova fonte a uma situação duvidosa preexistente» (561).
O autor esclarece que «não vemos razão para exigir que o carácter interpretativo seja expressamente afirmado, quando a retroactividade não tem de o ser».
Diga-se de passagem que é este o entendimento maioritário na doutrina italiana, sendo que Riccardo Guastini, por exemplo, refere as duas respostas que normalmente se dão à questão «como identificar uma lei interpretativa?, a saber:
«a) Um primeiro modo de ver é aquele segundo o qual as leis interpretativas se identificam na base de indícios puramente textuais, tais como o título da lei («lei de interpretação autêntica», «Norma interpretativa», etc.) e/ou a formulação das suas disposições («a disposição tal deve ser entendida no sentido que…», ou semelhante).
b) Um segundo -e mais difuso- modo de ver é aquele segundo o qual as leis interpretativas se identificam na base de um elemento não textual, mas estrutural, e precisamente pelo facto de as disposições interpretativas ditarem não propriamente normas (reguladoras de uma qualquer factispecie), mas acima de tudo matanormas (ou normas de segundo grau), que têm por objecto nada mais do que o significado das disposições interpretadas. Pelo que uma disposição só é interpretativa na condição de não ser só por si idónea a resolver uma controvérsia, mas sim em combinação com a disposição interpretada, com a qual se une (si salda), de modo a formar, por assim dizer, um único texto normativo (sujeito bem entendido a ulterior interpretação» (L´interpretazione dei documenti normativi, Giuffrè, Milano, 2004:89/90).
Ora, apesar de a Lei n.º 122/2015 não conter qualquer título que a qualifique lei interpretativa, nem falar textualmente de interpretação autêntica, a verdade é que, como demonstra e conclui o Ac. RE de 05.11.2020, Proc. 416/17.3T8FAR-E.E1, «os critérios hermenêuticos de interpretação, nomeadamente ao nível dos trabalhos preparatórios, a mens legislatoris e o elemento racional ou teleológico, levam-nos a concluir que o nº 2 do artigo 1905º tem natureza interpretativa».
Demonstração que se encontra também no citado Ac. STJ de 8.2.2018 acima citado (cfr. n.º 32), para o qual se remete. Pode concluir-se que o enquadramento estrutural da norma para isso aponta.  
Ao contrário do que acontece comumente de a lei só dispor para o futuro artigo 12.º, 1 CC), o artigo 13.º deste diploma prevê a existência de leis interpretativas que se integram na lei interpretada, «no sentido de que deve ser considerada como se fizesse parte da lei interpretada desde que esta entrou em vigor. Trata-se, evidentemente, de uma ficção temporal ─ a ficção de que um facto presente (a entrada em vigor da lei interpretativa) ocorreu no passado (a entrada em vigor da lei interpretada). A retroatividade das normas interpretativas resulta dessa ficção. E é precisamente pelo facto de, através dessa ficção, atribuir eficácia retroativa às normas interpretativas, que o legislador sentiu a necessidade de acautelar ─ «ficando salvos» ─ uma série de efeitos já produzidos no momento em que a lei interpretativa entra em vigor, nomeadamente o «cumprimento da obrigação», a «sentença passada em julgado» e a «transação, ainda que não homologada» (Ac. Tribunal Constitucional 395/17).
Não são só estes os casos ressalvados pela norma: o artigo 13.º refere-se ainda, na última parte do n.º 1, aos efeitos produzidos por «actos de análoga natureza».
Pires de Lima e Antunes Varela explicam que «são de natureza análoga todos os actos que importem a definição ou reconhecimento expresso do direito e, de uma maneira geral, os factos extintivos, tais como a compensação e a novação» (Código Civil, Anotado, Vol I, 4.ª ed. Coimbra Editora, Coimbra 1987:63).
Baptista Machado, por sua vez, opina que devem também ser considerados actos de natureza análoga «a confissão e a desistência judicialmente homologadas» (op. cit:248; cfr. também Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, Coimbra, 2018:290).
Esta referência aos actos análogos, ressalvados no artigo 13.º, 1, justifica-se porque o Ac. RC de 11.12.2018, Proc. 1216/09.0TBCTB.C1, considerou que «interpretando a 2.ª parte do artigo 13.º do Código Civil com o sentido exposto, é de afirmar que o acordo relativo a alimentos celebrado entre o ora recorrida e a filha, em Junho de 2015, cabe nos actos de natureza análoga aí previstos. Com efeito, com ele, a credora e o devedor de alimentos estabeleceram uma nova regulação dos alimentos, que passou a ser observada pelos intervenientes, como o comprova o facto de, em Junho de 2015, o ora requerido ter entregado à filha 120 euros, de em Julho ter entregado 200 euros, e de, nos meses subsequentes, ter entregado 120 euros, para além de ter suportado as despesas com o vestuário e o calçado.
Esta nova regulação tinha amparo na interpretação dominante do artigo 1880.º do Código Civil, na altura em que foi estabelecido o acordo, segundo a qual com a maioridade cessava a obrigação de alimentos fixada na menoridade, cabendo ao filho maior, caso necessitasse de alimentos, exigi-los aos pais».
Não nos parece que seja de seguir, neste caso, semelhante opinião. Oliveira Ascensão, procurando dar uma ideia geral das situações que são ou não atingidas pela lei interpretativa, diz que «esta abrange todos os casos que se encontrarem em aberto, que comandem ainda as actuações das partes, mas que deixa de fora as situações consumadas, cuja eficácia se extinguiu, e persistem só nos efeitos definitivamente produzidos» (op. cit:563).
Este autor aproxima a ressalva do n.º 1 do artigo 12.º da do artigo 13.º, 1, para esclarecer que «no primeiro ressalvam-se todos os efeitos produzidos pelo cumprimento da obrigação e outros factos de idêntica relevância. No primeiro caso atinge-se a fonte geradora mas deixam-se subsistir os efeitos dela resultantes – a pretensão já concretizada, por exemplo – enquanto no segundo só subsiste o que estiver protegido por cumprimento de obrigação ou facto de relevância análoga» (ibidem:566).
Ora, um acordo homologado sobre alimentos, criador de uma obrigação por termo incerto que se manterá enquanto se mantiverem os respectivos pressupostos, não sendo de exigir, quando foi celebrado, que os outorgantes pudessem prever em 2005 qual seria o sentido da evolução da doutrina e da jurisprudência no que se refere ao momento da respectiva cessação, não se pode considerar acto análogo para efeito da ressalva contida no n.º 1 do artigo 13.
Conferir caracter interpretativo à lei 122/2015, nos termos expostos, não desrespeita, pelo contrário, quaisquer direitos adquiridos, caso julgado ou actos de idêntica relevância, já que o acordo ainda não estava fechado.
Resolvida esta questão, importa dizer algo mais, a fundamentar a nossa opção.
A embargada deu à execução a sentença proferida a 3 de novembro de 2005 que homologou o acordo a que os ora Embargante e Embargada chegaram de regulação das responsabilidades parentais do então menor D, nos termos da qual o D ficou à guarda e cuidados da mãe, tendo o pai se obrigado a contribuir com a quantia de 100€/mês a título de alimentos, a entregar à mãe até ao dia 8 de cada mês.
Reclama o pagamento das prestações devidas desde agosto de 2015, pese embora a maioridade do filho.
Cremos que o pode fazer.
Perante um tema tão estudado é difícil inovar.
Citaremos, no entanto, em complemento do que dissemos:
1. – O Ac. RC. de 15.11.2016, Proc. 962/14.0TBLRA.C1, quando argumenta: «O direito a alimentos devidos a menores, inerente às responsabilidades parentais, não cessa com a maioridade ( 18 anos de idade ), já que a obrigação mantém-se com vista a completar a formação profissional, nas condições previstas no art.º 1880 do CC (“ Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”).
Por isso, segundo determinado entendimento, o art.º 1880 do CC não prevê um direito novo, mas a extensão da obrigação alimentar dos pais para com os filhos, que se projecta na maioridade, rejeitando-se a tese da extinção automática (cf., por ex. Maria Inês Pereira da Costa, A Obrigação de Alimentos Devida a Filhos/as Maiores que Ainda não Completaram a Sua Formação – Uma Visão Comparada de Crítica ao Critério da Razoabilidade, UCP, 2013 ).
E esta interpretação funda-se tanto no argumento literal (“ manter-se-á a obrigação”) , pois se a obrigação se mantém não se exige uma nova fixação, como pelo argumento teleológico, sendo que o art.º 2013 CC não enuncia a maioridade como causa de cessação da obrigação de alimentos.
No dia 1 de Outubro de 2015 entrou em vigor a Lei nº 122/2015 de 1/9 que alterou o Código Civil e o Código de Processo Civil quanto ao regime dos alimentos aos filhos maiores ou emancipados.
Estatui agora o nº2 do art.º 1905 do CC – (…).
O legislador, para evitar o ónus da propositura de acção por parte do filho maior em formação, com os inconvenientes naturalmente reconhecidos, estabeleceu a manutenção da pensão fixada (durante a menoridade) por um período temporal (até completar 25 anos de idade), cabendo ao progenitor obrigado aos alimentos o ónus de cessar tal obrigação, com a demonstração de uma das três condições previstas.
No plano processual alterou, em conformidade, o art.º 989 do nCPC, atribuindo ao progenitor que assume o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores a legitimidade para exigir do obrigado a alimentos a respectiva contribuição.
A Lei nº 122/2015 não criou uma nova obrigação, e por isso não se trata de uma lei sobre o modo de constituição do direito, mas antes de uma lei sobre o modo de exercício desse direito, tendo aqui plena aplicação. Noutra perspectiva, quanto ao regime substantivo sempre teria aplicação imediata, visto estar-se perante uma relação jurídica duradoura.
A Lei nº122/2015 acrescentou o nº 2 ao art.º 1905 do CC, com a seguinte redacção – (…)
E neste segmento a lei é interpretativa do art.º 1880, como parece evidenciar-se do próprio texto (“para efeitos do disposto no art.1880 entende-se (…)”, procurando superar-se a controvérsia jurisprudencial sobre a tese de cessação automática (cf., por ex., Ac RP de 16/6/2016 (proc. nº 422/03), em www dgsi.pt).
2. O recentíssimo Ac. RL, de 03.02.2022, Proc. 8063/07.1TBCSC-E.L2-6, analisou em profundidade a questão:
«A lei 122/2015, entrou em vigor no dia 01 de Outubro de 2015, por força do art.º 4º desse diploma legal.
Poderá a nova solução legislativa, levada a efeito pela Lei 122/2015, ser aplicada à situação de incumprimento do regime de alimentos fixado pela sentença homologatória do Regime das Responsabilidades Parentais quanto à filha MC?
Isso implicaria uma aplicação retroactiva dessa Lei. É conhecido o princípio geral da aplicação das leis no tempo: a lei dispõe para futuro (art.º 12º do CC).
No entanto, outra norma consagra regra diversa sobre direito transitório e aplicação da lei no tempo.
Na verdade, o art.º 13º nº 1 do CC, relativo às leis interpretativas, estabelece, na parte que interessa:
1-A lei interpretativa integra-se na lei interpretada…”
Como é sabido, este artigo consagra a doutrina tradicional de que as leis interpretativas têm eficácia retroactiva, reportada ao momento do início da vigência da lei interpretada (C. Freitas do Amaral, CC Anotado, coordenação de Ana Prata, AAVV, Vol. I, pág. 35).
Quando o legislador elabora uma lei para resolver dificuldades de interpretação que tenham sido suscitadas, nos tribunais, pelo primitivo texto, esta lei interpretativa, integra-se na lei interpretada e tem a mesma esfera de aplicação do que esta; ela aplicar-se-á, portanto, normalmente, aos factos anteriores à sua entrada em vigor.
A razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei anterior com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. (Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 25ª reimpressão, Almedina, 2018, pág. 246).
Mas para que uma lei seja verdadeiramente interpretativa é preciso que haja matéria a interpretar, que tenha havido uma controvérsia a resolver (Cf. Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. I, 1987, pág. 50).
Deve considerar-se lei interpretativa, aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado (Batista Machado, Introdução ao Direito…, pág. 246).
São, pois, requisitos para se poder considerar uma lei como interpretativa de outra: (i) o tempo: a lei interpretativa deve ser posterior à lei interpretada; (ii) a finalidade: a lei interpretativa deve interpretar a lei anterior, cuja solução, que oferece, se apresenta controvertida ou incerta; (iii) fonte: a lei interpretativa não deve ser hierarquicamente inferior à lei interpretada. (Cf. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 9ª edição, 2018, pág. 392; veja-se ainda Miguel Nogueira de Brito, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª edição, 2018, pág. 389; Baptista Machado, Introdução ao Direito… cit., pág. 247, refere dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o legislador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei).
Pois bem, no caso dos autos, verificámos que existia divergência na jurisprudência quanto à interpretação do art.º 1880º do CC: a maioria da jurisprudência entendia que a obrigação de alimentos fixada por sentença se extinguia automaticamente com a maioridade e, por isso, teria de ser o filho, já maior, a pedir a manutenção da pensão ou uma pensão de alimentos nova, carecendo de alegar e provar os requisitos mencionados pelo art.º 1880º do CC.
Outra corrente jurisprudencial, então minoritária, defendia que o progenitor que sempre exerceu as responsabilidades parentais, tinha legitimidade processual, em nome próprio, para exigir do outro progenitor em incumprimento, o pagamento das prestações alimentares vencidas e não pagas durante a menoridade, após a maioridade do filho.
Vimos igualmente que com a solução dada pela Lei 122/2015, o legislador pretendeu por cobro a esse entendimento de cessação automática da pensão de alimentos aos 18 anos, consagrando expressamente a solução de, nos casos em que havia sido fixado regime de alimentos na menoridade, manterem-se os respectivos termos até que o filho complete os 25 anos de idade (artº 1905º nº 2, primeira parte) cabendo ao progenitor obrigado a suportá-los lançar mão de procedimento processual em que invoque e prove os pressupostos da cessação da obrigação (art.º 1905º nº 2, 2ª parte, do CC).
Portanto, nestas circunstâncias, à luz dos pressupostos enunciados, relativos ao momento de surgimento da lei 122/2005, à finalidade da lei e à hierarquia das normas, entendemos que a lei em causa tem natureza interpretativa.
Note-se que ao caso dos autos não há fundamento para aplicar a regra da 2ª parte do art.º 13º nº 1 do CC: a aplicação retroactiva da lei interpretativa detém-se perante a res iuducata vel transacta vel praescrita.”
Poder-se-ia acrescentar muita outra jurisprudência, publicada quer antes quer após aquele nosso acórdão de 07/02/2019 no mesmo sentido aqui expresso. Porém, entende-se ser desnecessária essa indicação (salientando-se, no entanto, os Ac. RL, de 30/06/2016 e de 21/12/2017, relatados pela ora 2ª adjunta, publicados em www.dgsi.pt). Apenas se dá nota da posição de Clara Sottomayor em edição posterior àquele nosso acórdão:
A melhor solução será aquela que alarga a amplitude do direito fundamental dos jovens à educação, aplicando a Lei Nova também aos jovens que completaram 18 anos antes do início do seu início de vigência, uma vez que se trata de uma lei que dispõe directamente sobre o conteúdo de uma relação jurídica (deveres dos pais em relação aos filhos maiores) e que, nos termos do art.º 12º nº 2, 2ª parte do CC é aplicável imediatamente.” (Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais em Casos de Divórcio, 7ª edição revista, aumentada e actualizada, 2021, pág. 511)».
3. A estes elementos recentes podemos ainda acrescentar, no  sentido em que havendo pensão de alimentos fixada, na menoridade, por decisão judicial ou acordo homologado, a mesma constitui título executivo para reclamação das pensões devidas no âmbito do artigo 1880.º do CC, até que o filho complete os 25 anos de idade, excepto se o obrigado fizer prova de que o processo de educação ou formação profissional foi concluído antes daquela data, foi livremente interrompido ou que deixou de ser razoável a sua exigência, o Parecer n.º 53/CC/2016 do Conselho Consultivo do Instituto dos Registos e do Notariado e a dissertação de mestrado de Diana Gomes Rodrigues Mano, A obrigação de alimentos a filhos maiores e o princípio da razoabilidade, Universidade do Minho, Outubro 2016:31 segs.
No tratamento do tema não queremos deixar de referir o Acórdão da RC de 0.03.2017, Proc. 6.782/16.0T8CBR-A.C1, que «tentando compatibilizar o aparentemente incompatível» sustentou que «antes da Lei 122/2015, sem prejuízo de ter que ser intentada acção a exigir a obrigação alimentar consagrada no art.º 1880.º, sem ser judicialmente ordenada (excluído o caso previsto no art.º 2013.º/1/a) do C. Civil) também a cessação da obrigação alimentar não se verificava.
Ou seja, na data em que a Lei nº 122/2015 entrou em vigor a situação estava consolidada/arrumada até tal data (não podendo ser reaberta até tal data), mas a obrigação alimentar (fixada no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais) não estava ainda extinta, motivo pelo qual se pode dizer que a relação jurídica subsistia (não representando assim a aplicação da Lei n.º 122/2015, a partir da data da sua entrada em vigor, o «renascer» duma obrigação alimentar inexistente).
Em síntese, não tendo havido, até à entrada em vigor da Nova Lei, uma decisão judicial a declarar cessada a obrigação alimentar fixada durante a menoridade, é o art.º 1905.º/2 do C. Civil aplicável, desde, repete-se, a data da sua entrada em vigor: 1/10/2015».
Não é esta espécie de «quadratura dogmática do círculo» que aqui nos interessa. O que nos interessa é quando se objecta: «aplicar o novo art.º 1905.º/2 do C. Civil a momentos temporais anteriores à data da sua entrada em vigor seria – em face do que se começou por dizer sobre o contexto legal e entendimento jurisprudencial anteriores à Lei 122/2015 – claramente violador do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dedutíveis do art.º 2.º da CRP».
Com o devido respeito não é assim. Diz o AC. TC 395/17 acima citado: «Se os tribunais, aos quais cabe a autoridade de dizer o direito ─ através de decisões juridicamente fundamentadas e no termo de um processo de partes com igualdade de armas ─, refletem e alimentam a controvérsia propiciada pela ambiguidade da lei, é inevitável concluir que a questão jurídica é, no momento presente, incerta ou insanável; os destinatários desta não têm, nessas circunstâncias, qualquer razão para formarem expectativas na prevalência de uma das posições compreendidas nos «quadros da controvérsia», e não podem, por essa mesma razão, invocar a frustração das suas expectativas legítimas contra a decisão do legislador de interpretar a lei num dos sentidos já acolhidos em decisões judiciais».
A sentença impugnada afirma ainda: «E sempre se dirá que, ainda que se considerasse que a nova redação se aplicava mesmo às relações já extintas atenta a anterior redação do artigo 1905º do Código Civil e que, nos termos preceituados no nº 2 daquele preceito, se estendesse em abstrato ao caso em concreto a obrigação de prestar alimentos para além da maioridade, considerando que o D não se encontrava, depois da maioridade, a prosseguir os seus estudos, antes permanecendo integrado no mesmo estabelecimento que se encontrava antes da maioridade, para efeitos ocupacionais, não seria aplicável a «extensão» prevista neste normativo, competindo à sua legal representante intentar a competente ação de alimentos para efeitos de serem fixados os alimentos (definitivos) devidos ao filho de ambos».
Também neste ponto não podemos acompanhar a opinião do primeiro grau. Sabemos muito bem que os deveres de educação e instrução dos progenitores destinam-se, prioritariamente, à preparação para a «entrada na vida» profissional ou no mercado de emprego dos seus filhos. Por sua vez, a obrigação de alimentos tem uma vocação de perpetuidade, pois tem como finalidade a conservação da vida. Exemplo do acabamos de dizer é justamente o caso de filhos portadores de deficiência cuja assistência impõe que a obrigação dure toda a vida. Disso tem aliás consciência clara o embargante.
Por outro lado, o artigo 1880.º fala em formação profissional, sendo que se tem entendido que a cláusula de razoabilidade legalmente consagrada exige uma densificação que passa pela verificação de determinados elementos de carácter objectivo e subjectivo.
De entre estes últimos, a capacidade intelectual do filho e respectivo aproveitamento escolar. Será razoável exigir aos pais sacrifícios económicos quando as capacidades intelectuais do filho maior faltem ou se mostrem inadequadas e insuficientes?
A resposta tem sido normalmente negativa. Ao filho maior não basta ser aluno é preciso que também estude…
Assim postas as coisas, o jovem D não estaria em condições de beneficiar do novo regime de alimentos dos filhos maiores.
Não encontramos, porém, razões ponderosas, para assim ser. Pelo contrário.
A Declaração dos Direito das Pessoas Deficientes Mentais, proclamada pela resolução 2856(xxvi) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 20 de dezembro de 1971, consigna que:
1. A pessoa deficiente mental tem, na máxima medida possível, os mesmos direitos que os demais seres humanos.
2. A pessoa deficiente mental tem direito a cuidados médicos e tratamentos físicos adequados, bem como a educação, formação, reabilitação e orientação que lhe permitam desenvolver as suas capacidades e aptidões (o Bold é nosso).
Por sua vez, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência adoptada em Nova Yorque em 13 de dezembro de 2006, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009, de 7 de março (DR, I série, n.º 146, de 30 julho de 2009), ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de julho, além de consagrar a não discriminação, a participação e a inclusão plena e efectiva na sociedade e a igualdade de oportunidades, entre outros, como princípios gerais da Convenção (artigo 3.º), dedica um artigo – o 24.º- à educação dos deficientes.
Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. Com vista ao exercício deste direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes asseguram um sistema de educação inclusiva a todos os níveis e uma aprendizagem ao longo da vida.
Para efeitos do exercício deste direito, os Estados Partes asseguram que as pessoas com deficiência não são excluídas do sistema geral de ensino com base na sua deficiência e recebem o apoio necessário para facilitar a sua educação efectiva.
Por outro lado, os Estados Partes asseguram também que as pessoas com deficiência podem ainda aceder à formação e aprendizagem ao longo da vida sem discriminação e em condições de igualdade com as demais, provocando as adaptações razoáveis para essas pessoas.
Registe-se também que o artigo 14.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem prescreve a proibição de discriminação, entre outros motivos, em razão da deficiência.
Segundo a jurisprudência do Tribunal EDH a discriminação consiste numa diversidade de tratamento reservado a pessoas que se encontram em situações análogas ou significativamente semelhantes, baseada numa característica identificada (dir. por Sergio Beltrani, La Convenzione Europea dei Diritto dell´Uomo, Zanichelli Editore, 2022:1099).
A este propósito interessa referir o Ac. TEDH de 10.09.2020, caso G-L. c. Italia que fez severa advertência à Itália sobre uma questão relativa à exigência de garantir, de modo concreto e efectivo, uma educação realmente inclusiva, qualificada e continuada aos estudantes em situação de deficiência.
Com uma sentença proferida em 10 de setembro de 2020, os juízes do TEDH acordaram, por unanimidade, que houve violação por parte do Estado italiano do artigo 14.º da CEDH, conjugado com o artigo 2.º do Protocolo adicional I que assegura, por sua vez, o direito à instrução.
Na base dessa condenação esteve a impossibilidade para uma criança autista de dispor de uma assistência especializada para poder frequentar em condições de igualdade com as outras crianças o ensino.
A estes dados de nível supranacional importa ainda acrescentar o artigo 13.º do Pacto internacional relativo aos direitos económicos, sociais e culturais e o artigo 15.º da Carta Social Europeia (cfr. mais instrumentos de direito supranacional citados no acórdão do TEDH).
Ao nível interno não podemos naturalmente esquecer o artigo 71.º da CRP:
                                           Artigo 71.º
                        (Pessoas portadoras de deficiência)

1. Os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados.
2. O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores.
3. O Estado apoia as organizações de cidadãos portadores de deficiência.
Em relação às pessoas com deficiência o artigo 1905.º, 2 tem de ser interpretado à luz das exigências enunciadas nos textos supramencionados, conduzindo a uma proteccção adequada do deficiente mental, sob pena de violação do princípio da igualdade, com o seu corolário da prescrição da proibição da discriminação (artigo 13.º CRP).
Só uma interpretação demasiado formalista e declarativista da norma levaria a cingir a norma aos maiores não deficientes, relegando os deficientes para o circuito mais gravoso da necessidade de recorrer a prévia acção declarativa autónoma para obter a satisfação das suas necessidades junto dos progenitores.
Até uma razão de economia processual justifica este entendimento.
E não se diga que o menor tem uma incapacidade de 75%. Sempre lhe restarão 25% de capacidade a aproveitar ao máximo e a exponenciar.
A propósito da deficiência muitas vezes acontece que as previsões normativas adoptadas pelo Estado, em abstracto, perfeitamente conformes às obrigações internacionais e aos standards europeus existentes na matéria, permanecem meras afirmações de princípio, sem receber concreta actuação por parte das autoridades, determinando consequentemente um grave prejuízo para os indivíduos pertencentes às categorias mais vulneráveis da sociedade.
Talvez seja também neste caso preciso inverter esta tendência.
É altura de concluir.
Tendo a lei 122/2015 carácter interpretativo no que se refere à redacção dada ao n.º 2 do artigo 1905.º CC, tal significa no caso sujeito que:
i) a pensão fixada em benefício do filho D durante a menoridade mantém-se para depois da menoridade e até que complete 25 anos de idade;
ii) A cessação da obrigação de alimentos a cargo do pai estava dependente de acção a propor por este, baseada nalguma das seguintes circunstâncias: 1) que o processo de «ocupação educacional» concluiu-se antes dos 25 anos de idade; 2) que tal processo foi livremente interrompido pelo filho; 3) que a exigência de alimentos não é razoável.
O recurso procede.
***
Pelo exposto, acordamos em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em revogar a decisão impugnada que se substitui por outra que ordena o prosseguimento dos autos.
Custas pelo recorrido.
***
17.11.2022
Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Maria do Céu Silva