Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9677/15.1T8LSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
FIXAÇÃO DO MONTANTE
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE AS APELAÇÕES
Sumário: I. O n.º 8 do art.º 6.º do RCP (dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução) não se aplica a recursos.

II. O regime decorrente do disposto no art.º 6.º n.º 7 do RCP, conjugado com o disposto no art.º 31.º do RCP, nos termos do qual se nega à parte o direito de requerer a dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente, na sequência da notificação da conta de custas, é materialmente constitucional.



Sumário (art.º 663.º n.º 7 do CPC)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa


I.INTRODUÇÃO:


1.Em 06.6.2020 esta Relação proferiu acórdão com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação interposta pela requerente e procedente a apelação deduzida pelo 3.º requerido e pela Delegação da União Europeia no Mali e consequentemente:
1.ºJulga-se materialmente inconstitucional o regime decorrente do disposto no art.º 6.º n.º 7 do RCP, conjugado com o disposto no art.º 31.º do RCP, na medida em que tais normas negam à parte o direito de requererem a dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente, na sequência da notificação da conta de custas, mesmo em casos em que a taxa de justiça excede de forma gritante, intolerável, a proporção entre o serviço de justiça prestado pelo Estado e a contrapartida pecuniária exigível dos sujeitos processuais, assim violando o princípio da proporcionalidade (ou de proibição do excesso), decorrente do princípio do Estado de Direito (artigos 2.º e 18.º n.º 2, 2.ª parte, da CRP) e da tutela do direito de acesso à justiça (art.º 20.º da CRP);
2.ºRevoga-se o despacho recorrido e, em sua substituição:
a)-Concede-se à requerente A, S.A., redução, em 2/3, da taxa de justiça remanescente devida pelo recurso de apelação supra identificado, a qual assim se fixa em € 36 210,00 (trinta e seis mil duzentos e dez euros);
b)-Dispensa-se a requerente A, S.A. da taxa de justiça remanescente devida pelo recurso de revista supra identificado;
c)-Dispensa-se o Ministério dos Negócios Estrangeiros da República do Mali e a Delegação da União Europeia no Mali da taxa de justiça remanescente devida pelas duas apelações supra identificadas;
d)-Determina-se que as correspondentes contas de custas sejam alteradas, em conformidade.
As custas das duas apelações são a cargo dos respetivos recorrentes, sendo certo que as taxas de justiça já se encontram pagas”.
2.−O Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional desse acórdão, na parte referida em 1.º do seu dispositivo, atinente ao juízo de inconstitucionalidade material do regime normativo aí identificado.

3.−Pelo acórdão n.º 324/2022, de 28.4.2022, o Tribunal Constitucional deu provimento ao recurso, proferindo a seguinte Decisão:
Pelo exposto, decide-se:
a)-Não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação conjugada do n.º 7 do artigo 6.º com o n.º 1 do artigo 31.º do Regulamento de Custas Processuais, com o sentido de que a parte que tenha sido notificada da conta de custas não pode requerer a dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça no prazo para a reclamação daquela nos casos em que a taxa de justiça calculada em função do valor da causa exceda de forma gritante ou intolerável a equivalência com o serviço de justiça prestado.
b)- Conceder provimento ao recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade.

4.−Haverá, então, que reformar o dito acórdão nos termos determinados. Isto é, o acórdão mantém-se na parte que, não tendo sido alvo do recurso obrigatório interposto pelo Ministério Público, não foi beliscada pelo juízo sequentemente proferido pelo Tribunal Constitucional.
Nessa parte intocada o acórdão ora a proferir reproduzirá ipsis verbis o acórdão reformado.
5.−Foram colhidos os vistos do Srs Desembargadores Adjuntos que intervieram no acórdão ora a reformar.

II.−RELATÓRIO
Este acórdão tem por objeto duas apelações que incidem sobre despacho que indeferiu reclamações deduzidas pelas partes contra as respetivas contas de custas.
1.−Em 06.4.2015 A, S.A., intentou procedimento cautelar não especificado contra Caixa Geral de Depósitos S.A., Banco Comercial Português, S.A. e Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação Internacional da República do Mali.
A requerente alegou, em síntese, que no âmbito de um contrato de empreitada celebrado entre a requerente e o 3.º requerido, tendo em vista a construção de uma estrada, pela requerente, no Mali, os dois bancos requeridos emitiram, a pedido da requerente, garantias bancárias à primeira solicitação, no valor global de € 18 000 000,00, as quais estavam em vias de serem acionadas, sem justificação, pelo 3.º requerido. A requerente pretendia, pois, que os requeridos fossem intimados para que as garantias em causa não fossem acionadas.
2.−Ordenada a citação dos requeridos, os bancos não deduziram oposição e o terceiro requerido arguiu a incompetência internacional do tribunal.
3.−A requerente pugnou pela improcedência da exceção de incompetência e pela inoperância da oposição apresentada.
4.−Em 06.01.2016 foi proferida decisão em que se julgou o tribunal internacionalmente competente, considerou-se, face à ausência de oposição, confessados os factos articulados pela requerente e julgou-se a providência procedente, condenando-se em conformidade.
5.−Em 28.3.2016 a Delegação da União Europeia no Mali requereu a sua intervenção principal espontânea, associada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros do Mali, Ordenador Nacional do Fundo Europeu de Desenvolvimento e este, em simultâneo, requereu que fosse citado para deduzir oposição à providência.
6.−Em 16.4.2016 foi proferido despacho em que se considerou que os requeridos estavam todos citados e se determinou que a requerente fosse notificada para se pronunciar sobre a intervenção da Delegação da União Europeia.
7.−Em 06.5.2016 a requerente opôs-se à pretendida intervenção principal.
8.−Em 06.5.2016 a Delegação da União Europeia no Mali arguiu a nulidade do processado por falta de citação.
9.−Na mesma data, 06.5.2016, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Mali, Ordenador Nacional do Fundo Europeu de Desenvolvimento, arguiu a nulidade do processo, por falta da sua citação.
10.−Em 11.5.2016 o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Mali, Ordenador Nacional do Fundo Europeu de Desenvolvimento apelou da sentença que decretara a providência cautelar.

A requerente contra-alegou.

11.−Em 24.5.2016 foi proferido despacho em que se indeferiu a intervenção principal espontânea e as nulidades arguidas.
12.−Em 14.6.2016 o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Mali, Ordenador Nacional do Fundo Europeu de Desenvolvimento, apelou deste despacho, quanto ao indeferimento da arguição de nulidade do processado.

A requerente contra-alegou.

13.−Em 14.6.2016 a Delegação da União Europeia no Mali apelou do despacho de 24.5.2016, na parte em que indeferira a sua intervenção principal espontânea.

A requerente contra-alegou.

14.−As três apelações foram tramitadas conjuntamente e em 10.11.2016 foi proferido acórdão, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em que:
- se julgou procedente a apelação interposta contra a sentença que decretara a providência requerida, tendo-se revogado a decisão e julgado a providência improcedente, com custas pela apelada;
- julgou-se improcedente a apelação interposta pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros do Mali (questão da nulidade do processo por falta de citação), condenando o apelante nas custas do processado;
-considerou-se prejudicada a apreciação da questão da intervenção principal espontânea (apelação interposta pela Delegação da União Europeia no Mali), condenando-se a apelante nas custas.
15.−Em 29.11.2016 a requerente interpôs recurso de revista do dito acórdão da Relação, na parte em que revogara a sentença que decretara a providência requerida.

O 3.º requerido contra-alegou.

16.−Admitido o recurso e ingressando a revista no Supremo Tribunal de Justiça, a Exm.ª relatora determinou que as partes se pronunciassem acerca da inadmissibilidade da revista, o que a requerente e o 3.º requerido fizeram.

17.−Em 26.7.2017 foi proferida decisão pela Exm.ª relatora, que culminou nestes termos:
Assim, nos termos do disposto na al. h) do nº 1 do artigo 652º, conjugado com os artigos 679º e 370º, nº 2 do Código de Processo Civil, julga-se findo o recurso, por não ser admissível.
Custas pela recorrente.”

18.−Em 17.10.2019 foi elaborada conta de custas da responsabilidade da requerente, nos seguintes termos:

Recurso de apelação
Base tributável - € 18 018 567,22
Taxa de justiça devida - € 109 446,00
Taxa de justiça já paga - € 816,00
Recurso de revista
Base tributável - € 18 018 567,22
Taxa de justiça devida - € 109 446,00
Taxa de justiça já paga - € 816,00
Total em dívida - € 217 260,00.
19.−Também em 17.10.2019 foi elaborada conta de custas da responsabilidade do 3.º requerido, nos seguintes termos:
Recurso de apelação
Base tributável - € 18 018 567,22
Taxa de justiça devida - € 109 446,00
Taxa de justiça já paga - € 816,00
Em dívida - € 108 732,00.
20.−Também em 17.10.2019 foi elaborada conta de custas da responsabilidade da Delegação da União Europeia no Mali, nos seguintes termos:
Recurso de apelação
Base tributável - € 18 018 567,22
Taxa de justiça devida - € 109 446,00
Taxa de justiça já paga - € 816,00
Em dívida - € 108 732,00.
21.−O 3.º requerido e a Delegação da União Europeia no Mali requereram a reforma das respetivas contas, pedindo que o valor tributário da causa fosse fixado em € 275 000,00, não se considerando o remanescente na conta final e dispensando-se as partes do respetivo pagamento. Subsidiariamente, arguiram a nulidade constante da omissão da notificação às requerentes do despacho que ordenou a remessa dos autos à conta.
22.−A requerente também reclamou da conta de custas, alegando, quanto ao recurso de revista, que este não havia sido admitido e terminara antes de se ter chegado a fase equivalente à de instrução, pelo que não havia remanescente de taxa de justiça a pagar e, quanto à apelação, era manifesta a desproporção do valor exigido, pelo que se deveria pelo menos dispensar parte do remanescente.
23.−A secretaria prestou informação, no sentido do indeferimento das reclamações.
24.−O Ministério Público emitiu parecer, em que se exarou o seguinte:
Dado que é manifesta e exorbitante a desproporção entre o valor das contas e a actividade processual, não obstante os pedidos de dispensa de remanescente serem formulados após a elaboração das mesmas, atendendo ao princípio da proporcionalidade, nada a opor à dispensa do remanescente, ou pelo menos à sua redução, respectivamente, ao montante que o Mmº Juiz no seu criterioso e prudente arbítrio entenda proporcional ao caso concreto.
Mais se refira que a Lei 27/2019, de 28 de Março, entrou em vigor no dia 27 de Abril de 2019, pelo que terá aplicação nos presentes autos, e nas contas, objecto de reclamação, já que as mesmas foram elaboradas em 17/10 de 2019, portanto já abrangidas e na vigência da aludida Lei. 
Nada a opor a que sejam dadas sem efeito, devendo ser em conformidade, efectuadas novas contas.”

25.−Em 17.12.2019 foi proferido o seguinte despacho:
Reclamação de 05.11.2019: 
Vieram os requeridos requerer a reforma da conta, requerendo a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça e invocando a nulidade consistente na omissão da notificação às reclamantes do despacho que ordenou a remessa dos autos à conta. 
As razões apontadas pelos reclamantes não constituem, verdadeiramente, fundamento de reforma ou reclamação da conta, pois que não lhe imputam qualquer vício, erro ou desconformidade com as decisões proferidas. 
Seja como for, apreciemos o requerido. 
A última decisão que colocou termo ao processo e, por conseguinte, que importou a sua contagem foi proferida em 26.07.2017 (despacho que não admitiu o recurso de revista) ou, quanto muito, em 19.10.2017 (despacho que apreciou a reclamação contra a nota discriminativa e justificativa de custas de parte). 
Desde essas datas, os reclamantes sabem qual a sua responsabilidade nas custas da acção e, por referência ao valor da causa e às tabelas anexas ao Regulamento das Custas Processuais, qual o montante das custas ou, pelo menos, das taxas de justiça que iriam suportar. 
Poderiam, desde então, requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça que considerassem desproporcional à sua actividade processual, mas optaram por não o fazer, aguardando, pois, a elaboração da conta e a sua notificação para pagarem o que fosse devido. 
Aliás, muito se estranha que as partes (devidamente representadas por Ils. Advogados) tenham sabido apresentar notas discriminativas e justificativas de custas de parte, após o trânsito em julgado da última decisão que colocou termo ao processo, mas tenham-se esquecido de pedir a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.  
Os autos foram, efectivamente, remetidos à conta em 14.10.2019 e contados no dia 17.10.2019, inexistindo qualquer preceito legal que importa a notificação às partes da remessa dos autos à conta (cfr. art. 29.º, n.º 3 do RCP e Portaria n.º 419-A/09, de 17.04, e suas sucessivas alterações). 
Também o despacho de 27.09.2017, proferido no apenso A., que ordenou a remessa dos autos à conta, não tinha que ser notificado às partes, traduzindo-se numa mera injunção à Secretaria para que procedesse à contagem do processo (dando-lhe, assim, a saber que nada mais havia a decidir), tanto que poderia ter sido omitido, sem que com isso a Secretaria pudesse deixar de elaborar a conta (art. 29.º, n.º 1 do RCP).  
A omissão dessa notificação, não sendo imposta por lei, nunca poderia gerar a nulidade invocada (nem, de resto, os reclamantes identificam a norma que impõe a formalidade supostamente omitida).   
Ora, na linha da recente jurisprudência do STJ «a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente a que se reporta o n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais só pode ter lugar, seja por determinação oficiosa do juiz seja a requerimento da parte interessada, até ser efectuada a conta final» (cfr. acórdão de 03.10.2017, in www.dgsi.pt).
 
No mesmo sentido, veja-se os recentíssimos acórdãos do TRL de 15.11.2018 e de 28.02.2019, ambos em www.dgsi.pt, sendo que neste último se decidiu que: 
«I-Nas acções de valor superior a €275.000,00 e relativamente ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, a parte que, não sendo evidente a simplicidade da actividade desenvolvida pelo sistema de justiça na sua acção, queira pedir a dispensa desse pagamento, deverá fazê-lo antes da decisão que põe termo ao processo ou quando notificada da mesma, se a decisão não tiver oficiosamente dispensado o pagamento, mas já não, por extemporaneidade, quando notificada da conta de custas e mediante reclamação desta. 
II-A interpretação que considera extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do artigo 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, quando deduzido após a notificação da conta de custas e em reclamação desta, não é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e do acesso à justiça». 
Aliás, por razões idênticas, tem a jurisprudência entendido que não pode ser concedida dispensa do pagamento das custas, por efeitos do benefício do apoio judiciário requerido após o processo estar findo, com decisão transitada em julgado. 
Uma última palavra, para dizer que não se compreende o sentido da doutra promoção que antecede, quando se pronuncia no sentido de a Lei n.º 27/2019, de 28.03, ser aplicável aos presentes autos, por a conta ter sido elaborada após a sua entrada em vigor. 
Com efeito, por um lado, a referida lei procede a diversas alterações ao Regulamento das Custas Processuais, não sendo referido na douta promoção que antecede qual a disposição legal relevante, que considera dever ser aplicada ao caso (a ser a alteração introduzida ao n.º 9 do art. 14.º, a dispensa de pagamento aí prevista não tem aplicação ao caso, porque os reclamantes foram condenados a final); por outro lado, a responsabilidade das partes pelas custas do processo e as obrigações tributárias de pagamento foram constituídas muito antes da entrada em vigor da lei referida, sendo irrelevante que a conta, que constitui um mero acto contabilístico, só tenha sido elaborada depois. 
Por todo o exposto, julgo não verificada a nulidade invocada pelos reclamantes e improcedente, por extemporâneo, o seu pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. 
Custas do incidente pelos reclamantes.   
Notifique.
***

Reclamação de 08.11.2019:

Veio a requerente reclamar da conta, defendendo que não deve ser cobrado qualquer valor remanescente de taxa de justiça pela interposição do recurso de revista, já que este não foi admitido e a requerente não foi condenada a final, sendo que os três recursos de apelação foram juntos num só processo e conduziram à prolação de um único acórdão. 
Aproveita a reclamação para pedir a dispensa, pelo menos em parte, do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso de apelação.
Comecemos pela reclamação da conta propriamente dita. 
O despacho que não admitiu o recurso de revista condenou, expressamente, a requerente nas custas. E como, naturalmente, tal despacho colocou termo ao recurso, a condenação referia é uma condenação “a final”. 
A taxa de justiça é devida pelo impulso processual (art. 6.º, n.º 2 do RCP), independentemente, portanto, do resultado do recurso e da sua instrução e apreciação conjuntamente com outros recursos, num único apenso. 
No que concerne à alegada aplicação do disposto no art. 6.º, n.º 8 do RCP, na redação da Lei n.º 86/2018, de 29.10., a reclamante carece, também, de razão, uma vez que a sua responsabilidade pelas custas do processo e as obrigações tributárias de pagamento foram constituídas muito antes da entrada em vigor da referida lei referida (como infra se verá), sendo irrelevante que a conta, que constitui um mero acto contabilístico, só tenha sido elaborada depois (art. 4.º da Lei n.º 86/2018). 
Quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no recurso de apelação, valem aqui as considerações já supra expendidas, que se repetem. 
Com efeito, a última decisão que colocou termo ao processo e, por conseguinte, que importou a sua contagem foi proferida em 26.07.2017 (despacho que não admitiu o recurso de revista) ou, quanto muito, em 19.10.2017 (despacho que apreciou a reclamação contra a nota a nota discriminativa e justificativa de custas de parte). 
Desde essas datas, a reclamante sabe qual a sua responsabilidade nas custas da acção e, por referência ao valor da causa e às tabelas anexas ao Regulamento das Custas Processuais, qual o montante das custas ou, pelo menos, das taxas de justiça que iria suportar. 
Poderia, desde então, requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça que considerasse desproporcional à sua actividade processual, mas optou por não o fazer, aguardando, pois, a elaboração da conta e a sua notificação para pagar o que fosse devido. 
Aliás, muito se estranha que as partes (devidamente representadas por Ils. Advogados) tenham sabido apresentar notas discriminativas e justificativas de custas de parte, após o trânsito em julgado da última decisão que colocou termo ao processo, mas tenham-se esquecido de pedir a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. 
Os autos foram, efectivamente, remetidos à conta em 14.10.2019 e contados no dia 17.10.2019. 
Ora, na linha da recente jurisprudência do STJ «a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente a que se reporta o n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais só pode ter lugar, seja por determinação oficiosa do juiz seja a requerimento da parte interessada, até ser efectuada a conta final» (cfr. acórdão de 03.10.2017, in www.dgsi.pt). 

No mesmo sentido, veja-se os recentíssimos acórdãos do TRL de 15.11.2018 e de 28.02.2019, ambos em www.dgsi.pt, sendo que neste último se decidiu que:

«I- Nas acções de valor superior a €275.000,00 e relativamente ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, a parte que, não sendo evidente a simplicidade da actividade desenvolvida pelo sistema de justiça na sua acção, queira pedir a dispensa desse pagamento, deverá fazê-lo antes da decisão que põe termo ao processo ou quando notificada da mesma, se a decisão não tiver oficiosamente dispensado o pagamento, mas já não, por extemporaneidade, quando notificada da conta de custas e mediante reclamação desta. 
II- A interpretação que considera extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do artigo 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, quando deduzido após a notificação da conta de custas e em reclamação desta, não é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e do acesso à justiça». 
Aliás, por razões idênticas, tem a jurisprudência entendido que não pode ser concedida dispensa do pagamento das custas, por efeitos do beneficio do apoio judiciário requerido após o processo estar findo, com decisão transitada em julgado. 
Uma última palavra, para dizer que não se compreende o sentido da doutra promoção que antecede, quando se pronuncia no sentido de a Lei n.º 27/2019, de 28.03, ser aplicável aos presentes autos, por a conta ter sido elaborada após a sua entrada em vigor. 
Com efeito, por um lado, a referida lei procede a diversas alterações ao Regulamento das Custas Processuais, não sendo referido na douta promoção que antecede qual a disposição legal relevante, que considera dever ser aplicada ao caso (a ser a alteração introduzida ao n.º 9 do art. 14.º, a dispensa de pagamento aí prevista não tem aplicação ao caso, porque os reclamantes foram condenados a final); por outro lado, a responsabilidade das partes pelas custas do processo e as obrigações de pagamento foram constituídas muito antes da entrada em vigor da lei referida, sendo irrelevante que a conta, que constitui um mero acto contabilístico, só tenha sido elaborada depois. 
Por todo o exposto, julgo improcedentes a reclamação em apreço e, por extemporâneo, o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso de apelação.
Custas do incidente pela reclamante.
Notifique as partes e o MP.

26.−A requerente apelou da referida decisão, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:

A.−Um requerimento de interposição de recurso indeferido deve ser tributado como incidente anómalo no processo, isto é, como “ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide”.
B.−Tributar um, indeferido, requerimento de interposição de recurso como se de um recurso admitido e julgado se tratasse é uma taxação por um serviço que, indubitavelmente, não foi prestado.
C.−Ao decidir de modo diverso, tratando um recurso não admitido como um recurso decidido, a decisão recorrida violou o artigo 7.º, n.º 4 e 8, do RCP, e os artigos 637.º, n.º 1, 639.º, 641.º e 643.º do CPC.
D.−Decorrendo do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na redação da Lei n.º 27/2019, de 28 de março, que o “responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento”, e não tendo havido um julgamento do recurso, porque não admitido, a Recorrente deve ser dispensada do pagamento do remanescente de taxa de justiça.
E.−Resultando do artigo 6.º, n.º 8, do RCP, na redação do Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de outubro, que “[q]uando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente”, sabendo-se que o recurso de revista não foi admitido, pelo que o processo terminou antes de qualquer fase correspondente à fase de instrução, a Recorrente deve ser dispensada do pagamento do remanescente de taxa de justiça.
F.−Ao indeferir a reclamação da conta de custas, mantendo um valor de taxa de justiça relativa ao recurso de revista, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1.º, n.º 2, 6.º, n.º 8, e 14.º do RCP, ambos na versão vigente na data de apresentação da reclamação da conta de custas.
G.−Um Estado de Direito, que consagra constitucionalmente o direito de acesso à justiça, não pode suportar que seja cobrado às partes, pela prolação de um Acórdão com um total de 25 páginas, das quais apenas 10 têm conteúdo decisório, um total de € 325.890,00 (trezentos e vinte e cinco mil, oitocentos e noventa euros), especialmente num contexto em que são ainda pedidos adicionais € 108.630,00 (cento e oito mil, seiscentos e trinta euros) por um recurso de revista que não foi admitido.
H.−É inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP, a interpretação dos artigos 6.º, n.º 7, e 14.º, n.º 9, do RCP, conjugada com a tabela I-B anexa, no sentido de que o montante devido a título de taxa de justiça é definido unicamente em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo e sem consideração das circunstâncias do caso concreto.
I.− A interpretação do artigo 6.º, n.º 7, do RCP no sentido de que uma parte não pode requerer a dispensa do remanescente de taxa de justiça após a notificação da conta de custas, independentemente do valor que da mesma resulte, mesmo que este seja indisputavelmente desproporcionado e iníquo face à função jurisdicional desempenhada, é inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva e do princípio da proporcionalidade, respetivamente consagrados nos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.os 1 e 4, da CRP.

Não houve contra-alegações.

27.−Também o 3.º requerido e a Delegação da União Europeia no Mali apelaram do referido despacho proferido em 17.12.2019, tendo redigido as seguintes conclusões:
1ª-O pedido de dispensa do remanescente das taxas de justiça pode ser deduzido com a reclamação da conta de custas;
2ª-Não há fundamento para se estabelecer um efeito preclusivo quando o prazo para exercer o correspondente direito não está claramente fixado;
3ª-Não há também qualquer fundamento para opor às partes um efeito preclusivo que é negado por abundante jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça;
4ª-A norma do artigo 6.º, n.º 7, do RCP se interpretada no sentido de que uma parte não pode requerer a dispensa do remanescente de taxa de justiça após a notificação da conta de custas, independentemente do valor que da mesma resulte, mesmo que este seja desproporcionado e iníquo face à actividade jurisdicional efectivamente desempenhada, é inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva e dos princípios da proporcionalidade e certeza e segurança jurídicas, respetivamente consagrados nos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.os 1 e 4, da CRP;
5ª-O recurso interposto do despacho que indeferiu o incidente de intervenção principal provocada requerido pela Delegação da União Europeia no Mali não foi sequer apreciado no Tribunal da Relação e por essa razão lhe deveria ser aplicada regra estabelecida no do artigo 6.º, n.º 8, do RCP, na redação do Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29/10 de que “quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente”.  
6ª-Todavia, in casu , as custas de cada um dos recursos foram contadas com base no valor atribuído pela Requerente do procedimento cautelar, i.e. de € 18.018.567,22 o que veio a resultar a que os respectivos montantes ascendam, em ambos os casos, à elevadíssima quantia de € 108.732,00, a que acresce ainda as custas imputadas à Requerente do procedimento de € 217,260,00, resultando num valor total de € 434.724,00.
7ª-A aplicação na íntegra as regras de cálculo de custas constantes do art.º 6.º, n.º 7, 1.ª parte, do RCP e respectiva tabela I-B, incluindo o seu segmento final, como sucedeu no presente processo, significa agravar a tributação em custas sem qualquer preocupação com o nexo sinalagmático que deve caracterizar a fixação de uma taxa e ultrapassar muito largamente os custos efectivamente incorridos com a actividade de administração da justiça, conduzindo ao referido montante manifestamente iníquo no caso concreto.
8ª-É inconstitucional a norma que resulta da interpretação dos artigos 6º nº 7 e 14º nº 9 do RCP, conjugada com a Tabela Anexa I-B, se entendida no sentido de que a taxa de justiça pode ser fixada tendo apenas em consideração o valor do processo, sem consideração do serviço judicial efectivamente prestado, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da proporcionalidade consagrados nos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, nºs 1 e 4, da CRP.
Os apelantes terminaram pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e substituída por outra que ordenasse a dispensa do pagamento das taxas de justiça remanescentes.

28.−Não houve contra-alegações.

29.−Foram colhidos os vistos legais.

III.−FUNDAMENTAÇÃO

1.As duas apelações reagem, na sua essência, à liquidação, nas contas de custas, da taxa de justiça remanescente a que se refere o art.º 6.º, n.º 7, do RCP, invocando-se a eventual inconstitucionalidade desse regime, face às suas consequências. Na apelação deduzida pela requerente suscita-se também a questão da indevida exigência de taxa de justiça remanescente no recurso de revista, por este recurso não ter sido admitido pelo STJ.

2.Apreciaremos, primeiro, a apelação da requerente.

APELAÇÃO DA REQUERENTE
2.1.-A apelação da requerente subdivide-se em duas questões: indevida exigência da taxa de justiça remanescente quanto ao recurso de revista; inconstitucionalidade do direito ordinário quanto à fixação do montante devido a título de taxa de justiça e quanto ao momento dies ad quem para requerimento da dispensa do remanescente da taxa de justiça.
2.2.-Primeira questão (indevida exigência da taxa de justiça remanescente quanto ao recurso de revista)
O factualismo a levar em consideração é o que consta no Relatório supra.

O Direito

Na conta reclamada entendeu-se que pelo recurso de revista, interposto pela requerente do acórdão proferido pela Relação em 10.11.2016 (cfr. n.ºs 14 e 15 do Relatório), era devida, ao abrigo da Tabela I-B do RCP, taxa de justiça no valor de € 109 446,00. Pelo que, tendo a recorrente pago, aquando da interposição do recurso, taxa de justiça no valor de € 816,00, estava em dívida o montante de € 108 630,00. Na conta mencionou-se a decisão do STJ quanto a custas, constante a fls 1333 do apenso de recurso (cfr. n.º 17 do Relatório). E na informação prestada pela secretaria na sequência da reclamação apresentada, exarou-se que “a taxa de justiça é devida pelo impulso processual, conforme o disposto no art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais. Ora, assim sendo, afigura-se-nos que em ambos os recursos deverá ser considerado o remanescente da taxa de justiça, previsto no art.º 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, já que o mesmo não foi dispensado.”

Na decisão recorrida concordou-se com a secretaria.
A apelante defende que não há lugar a tributação correspondente ao recurso de revista, porque não chegou a haver recurso, uma vez que ele não foi admitido. Admite, porém (agora, em sede de apelação, que não em sede de reclamação da conta), que a tramitação ocorrida constitui um incidente, devendo ser tributado como tal.
Paralelamente, à semelhança do alegado na reclamação da conta, a apelante invoca, como fundamento para a desoneração do pagamento de taxa de justiça remanescente, o disposto no art.º 14.º, n.º 9, do RCP, na redação introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28.3, e o disposto no art.º 6.º n.º 8 do RCP, na redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 86/2018, de 29.10.

Vejamos os três argumentos.

Como é sabido, a taxa de justiça é o montante legalmente devido por um sujeito processual em virtude de um determinado ato ou impulso processual (artigos 529.º n.º 2 e 530.º n.º 1 do CPC; art.º 6.º n.º 1 do RCP).
A taxa de justiça deve ser paga no momento do respetivo impulso processual, em uma ou duas prestações (artigos 13.º e 14.º do RCP), por meio de autoliquidação da parte.
Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B (art.º 6.º n.º 2 do RCP) e é paga pelo recorrente, numa única prestação, com a apresentação da respetiva alegação (art.º 7.º n.º 2 do RCP).
Uma vez que o valor tributário do recurso excedia € 275 000,00, o recorrente pagou apenas o correspondente a esse limite, no valor de € 816,00, nos termos do art.º 6.º n.º 7 do RCP.
Desde logo se conclui que o enquadramento tributário dos recursos se faz na tabela I-B, que não na tabela II, que se aplica, nomeadamente, aos incidentes (art.º 7.º n.º 4 do RCP).
A apelante destrinça entre uma fase de “interposição do recurso”, que na apelação está prevista nos artigos 644.º a 651.º do CPC e que na revista se contém nos artigos 671.º e 678.º e uma fase de “julgamento do recurso”, que na apelação é versada nos artigos 652.º a 670.º e na revista está prevista nos artigos 679.º a 685.º. Segundo a recorrente esta destrinça teria efeitos ao nível da tributação. Apenas haveria recurso, para efeitos de taxa de justiça, se este fosse admitido a julgamento.
O problema, no caso destes autos, é que o recurso foi admitido no Tribunal da Relação e deu entrada no STJ onde seguiu tramitação que, na linha do apontado pelo apelante, se integra já na fase processual de julgamento. Na sequência dessa tramitação a Exm.ª Relatora entendeu pôr-lhe termo, por entender que o recurso não era admissível (por considerar que entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento não ocorria contradição relevante) julgando-o findo, nos termos da al. h) do n.º 1 do art.º 652.º (segundo o qual compete ao relator, nomeadamente “Julgar extinta a instância por causa diversa do julgamento ou julgar findo o recurso, por não haver que conhecer do seu objeto”). E, assim julgando e decidindo, na mesma decisão houve pronúncia quanto a custas: “Custas pela recorrente”.

Dúvidas não há que a espécie processual sub judice não se configurou, nem foi configurada como tal na decisão do STJ que lhe pôs termo, como incidente … mas sim como recurso.

Pelo que, nesta perspetiva, a conta elaborada não merece censura, ao reclamar da recorrente o remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º 6.º do RCP.

Porém, a apelante também aventa, como se disse, a aplicação ao caso da previsão do art.º 14.º, n.º 9, do RCP, na redação introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28.3.

Vejamos.

Como se sabe, a filosofia subjacente ao RCP é a de que os sujeitos processuais deverão pagar taxa de justiça pelo serviço de prestação de justiça que desencadeiem, independentemente do sucesso ou insucesso da tutela judicial pretendida, ou seja, independentemente do seu decaimento ou vencimento no processo respetivo. O vencedor deverá reclamar do vencido aquilo que ele, tutelado, suportou a título de taxa de justiça (além de outros elementos das custas).

Na versão inicial do RCP, nas tabelas I-A, I-B e I-C previa-se um limite máximo para o valor da taxa de justiça exigível.

Com este sistema, segundo consta no Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 34/2008, “o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção.” Partindo da constatação de que “o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial”, procurou-se “um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça”, estabelecendo-se “um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.” Assim, segundo o legislador, visou-se “adequar[-se] o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores.”

O Dec.-Lei n.º 52/2011 de 13.4, alterou, de forma significativa, as referidas tabelas. O legislador apresentou tais alterações pela seguinte forma: “…as tabelas, anexas ao Regulamento das Custas Processuais, são alteradas no sentido de prever algumas situações que estavam omissas. Constatou-se que a taxa de justiça nalguns casos não estava adequada à complexidade da causa, pelo que se prevê um aumento progressivo da taxa de justiça a partir do último escalão da tabela, embora os valores se mantenham muito inferiores aos do regime anterior ao do Regulamento.”

Assim, as tabelas (I-A, I-B e I-C) deixaram de prever um montante máximo da taxa de justiça. A tabela I-A, por exemplo, passou a ter, como escalão mais elevado expressamente previsto, o correspondente aos processos com valor de € 250 000,01 a € 275 000,00, a que caberá a taxa de justiça equivalente a 16 UC e, para além daquele valor de € 275 000,00, ao valor da taxa de justiça acrescerá, “a final”, 3 UC por cada € 25 000,00 ou fração. Ou seja, por exemplo, aquando da propositura da ação o autor, numa ação com valor superior a € 275 000,00, autoliquidará taxa de justiça correspondente a 16 UC, e a final pagará o correspondente ao remanescente.

Tal solução passou a determinar que em ações de valor muito elevado fossem cobradas taxas de justiça por vezes exorbitantes, sem qualquer correspondência com o serviço de administração de justiça prestado. Esse regime foi, por isso, qualificado de materialmente inconstitucional, por ofensa ao princípio da proporcionalidade (ou de proibição do excesso), decorrente do princípio do Estado de Direito (artigos 2.º e 18.º n.º 2, 2.ª parte, da CRP) e da tutela do direito de acesso à justiça (art.º 20.º da CRP) – cfr., v.g., acórdão do TC, n.º 421/2013, de 15.7.2013.

Consequentemente, a Lei n.º 7/2012, de 13.02, alterou o art.º 6.º do RCP, adicionando o atual n.º 7:
Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
Simultaneamente, em coerência com o princípio de que a taxa de justiça é devida ao Estado independentemente do vencimento ou decaimento na causa, a Lei n.º 7/2012 acrescentou ao art.º 14.º do RCP um n.º 9, com a seguinte redação:
9- Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.”

Isto é, a parte que não fosse julgada (total ou parcialmente) responsável pelas custas deveria, na mesma, pagar a taxa de justiça remanescente que se mostrasse em falta e que correspondesse ao respetivo “impulso processual”. Depois, a parte poderia reclamar da parte contrária a taxa de justiça que pagara a mais (de acordo com a responsabilidade em custas que lhe fosse atribuída pela decisão final – artigos 527.º, 607.º n.º 6 do CPC), a título de custas de parte, até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão condenatória (art.º 533.º n.º 1, n.º 2 alínea a) e n.º 3 do CPC; artigos 25.º n.º 1 e n.º 2, alíneas b) e e) e 26.º, n.ºs 1, 2 e 3 alínea a) do RCP, na redação introduzida pela Lei n.º 7/2012; atualmente, o prazo foi alargado para dez dias, nos termos das alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 86/2018, de 29.10).

Esta exigibilidade da taxa de justiça remanescente face a quem havia obtido ganho de causa no processo, sujeitando-o ao encargo de posteriormente diligenciar do vencido o respetivo reembolso mereceu do Tribunal Constitucional um juízo de desconformidade com a Constituição da República Portuguesa, por comprimir “excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição(TC 615/2018, de 21.11.2018).

Foi na sequência de tal juízo de inconstitucionalidade que a Lei n.º 27/2019, de 28.3, alterou a redação do mencionado n.º 9 do art.º 14.º, o qual passou a ter a seguinte redação:
Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.”

No caso sub judice, a norma em causa (que reputamos ser imediatamente aplicável a todos os processos pendentes, nos termos previstos no art.º 11.º do Código Civil) beneficia não a requerente/apelante/vencida no recurso de revista, mas sim o 3.º requerido, que, tendo contra-alegado no recurso de revista, e como tal tendo pago € 816,00 de taxa de justiça, face ao novo regime não é chamado – como não foi - a pagar a taxa de justiça remanescente.

Assim, esta norma não é aplicável à apelante, não a dispensando do pagamento do referido acréscimo tributário.

Finalmente, cabe apreciar o terceiro argumento apresentado pela apelante. Segundo a apelante, ao caso deveria aplicar-se o disposto no art.º 6.º n.º 8 do RCP, na redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 86/2018, de 29.10.

A redação do aludido n.º 8, introduzido no art.º 6.º do RCP pelo Dec.-Lei n.º 86/2018, é a seguinte:

8- Quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente.”

O Dec.-Lei n.º 86/2018 contém normas de direito transitório, inscritas no art.º 4º, de que se destacam as alíneas a), b) e d):
a)-Relativamente aos processos pendentes, as alterações apenas se aplicam aos atos praticados a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei, considerando -se válidos e eficazes todos os pagamentos e demais atos regularmente efetuados ao abrigo da legislação aplicável no momento da prática do ato, ainda que a aplicação do Regulamento das Custas Processuais, com a redação dada pelo presente decreto-lei, determine solução diferente;
b)-Todos os montantes cuja constituição da obrigação de pagamento ocorra após a entrada em vigor do presente decreto-lei, nomeadamente os relativos a taxas de justiça, a encargos, a multas ou a outras penalidades, são calculados nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais, com a redação dada pelo presente decreto-lei;
d)-Nos processos em que há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e o mesmo ainda não se tenha tornado exigível, o montante da prestação é fixado nos termos da redação que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pelo presente decreto-lei, ainda que tal determine um montante diverso do da primeira prestação”.

Destas normas se deduz que a obrigação de pagamento de taxa de justiça se regula pelo regime que estiver em vigor à data da sua exigibilidade. No caso do vencido em custas, a exigibilidade da taxa de justiça remanescente só surge com a notificação da conta de custas, pelo que a referida alteração legislativa deve ser levada em consideração aquando da elaboração da conta, na medida em que a lei já esteja em vigor.

In casu, a conta de custas foi elaborada em 17.10.2019, pelo que já se regeu por este diploma.

A apelante defende que este preceito (n.º 8 do art.º 6.º do RCP) é aplicável ao recurso de revista sub judice, na medida em que o processo terminou antes de qualquer fase correspondente à fase de instrução.

Este preceito visou aplicar, em sede de pagamento de taxa de justiça remanescente, a mesma solução que vigorava e vigora quanto ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, prevista nos artigos 13.º n.º 2 e 14.º n.º 2 do RCP (defendendo esta equiparação entre o regime da segunda prestação da taxa de justiça e o da taxa de justiça remanescente, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 21.01.2020, processo 12080/16.2T8LRS.L2-7, ponto IV-2, consultável, tal como todos aqueles que adiante se citarem, em www.dgsi.pt).

Nos processos mencionados nesses artigos, de que estão excluídos os recursos (desde logo, o art.º 13.º n.º 2 não menciona a tabela I-B), a segunda prestação de taxa de justiça deverá ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final (art.º 14.º n.º 2). Porém, nos termos do art.º 14.º-A, não há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, além de outros que estão mencionados no artigo, nos seguintes casos:
b)-Ações que não comportem citação do réu, oposição ou audiência de julgamento;
c)-Ações que terminem antes de oferecida a oposição ou em que, devido à sua falta, seja proferida sentença, ainda que precedida de alegações;
d)-Ações que terminem antes da designação da data da audiência final.

A atenuação do rigor tributário, justificado pela simplificação processual referida, é considerada tão só em processos que correm em primeira instância, como resulta da tramitação mencionada no preceito (note-se que, para efeitos tributários, considera-se processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso – art.º 1.º n.º 2 do RCP).

Também o n.º 8 do art.º 6.º do RCP tem em vista a tramitação dos processos em primeira instância, únicos em que há lugar à fase da instrução (Título V do Livro II do CPC). Deste preceito resulta que, além da dispensa de pagamento da segunda prestação, nos casos em que o processo termine antes da passagem à fase da discussão e julgamento será dispensado o pagamento da taxa de justiça remanescente. Trata-se de um incentivo ao termo precoce do processo - o que faz pouco (ou muito menos) sentido em sede de recurso.

Entende-se, pois, que o aludido preceito também não é aplicável à situação sub judice.

Nesta parte, pois, a apelação improcede.

2.3.Segunda questão (inconstitucionalidade do direito ordinário quanto à fixação do montante devido a título de taxa de justiça e quanto ao momento dies ad quem para requerimento da dispensa do remanescente da taxa de justiça)

O factualismo a levar em consideração é o que consta no Relatório supra.

O Direito

A apelante dá de barato que o requerimento de dispensa da taxa de justiça remanescente que apresentou no âmbito da reclamação da conta de custas é, face ao direito ordinário, extemporâneo.
E, com efeito, assim é.
No acórdão relatado pelo também aqui relator, proferido em 28.4.2016 no processo n.º 473/12.9TVLSB-C.L1-2, deu-se conta das divisões que existem ao nível da jurisprudência quanto ao momento processual da apreciação dos requisitos de dispensa (ou redução) da taxa de justiça remanescente.
Volvidos quatro anos, mantêm-se as divergências, embora se possa discernir uma corrente largamente maioritária, que defende que a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente não podem ser requeridas após a elaboração da conta de custas, e uma corrente minoritária que admite que a dispensa ou redução da dispensa de taxa de justiça permanente seja requerida no prazo de 10 dias após a notificação da conta de custas.

A opinião maioritária, em que nos inserimos, assenta na constatação de que:
- para aí aponta o texto da lei: “Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento;
- as partes sabem de antemão, por força das tabelas legais, qual o valor da taxa de justiça que é devido, as quais devem liquidar aquando de cada impulso processual – pelo que não carecem da conta para se aperceberem do encargo que sobre elas incide;
- elaborada a conta, esta apenas poderá ser questionada por erro ou lapso face à lei ou ao decidido pelo tribunal quanto a custas, nos termos processuais legalmente previstos no art.º 31.º do RCP;
- de acordo com a já analisada anterior redação do n.º 9 do art.º 14.º do RCP (“nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo”) resultava claro que o remanescente era reclamado à parte vencedora antes mesmo da elaboração da conta, isto é, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que tivesse posto termo ao processo, o que pressuporia que a questão da dispensa da taxa de justiça remanescente se poria antes da elaboração da conta.

Neste sentido, cingindo-nos às decisões do STJ, cfr. acórdão de 13.7.2017, processo 669/10.8TBGDR-B.C1.S1; acórdão de 03.10.2017, processo 473/12.9TVLSB-C.L1.S1; acórdão de 08.11.2018, processo 4867/08.6TBOER-A.L2.S1; acórdão de 11.12.2018, processo 1286/14.9TVLSB-A.L1.S2; acórdão de 31.01.2019, processo 478/08.4TBASL.E1.S1; acórdão de 26.02.2019, processo 3791/14.8TBMTS-Q.P1.S2; acórdão de 04.7.2019, processo 314/07.9TBALR-E.E1.S1.

No sentido minoritário, defendendo que o poder oficioso de o juiz dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça não se converte num ónus das partes, que as impeça de requerer a dispensa com a notificação da conta, cfr. STJ, acórdão de 12.10.2017, processo 3863/12.3TBSTS-C.P1.S2.

Dentro da tese maioritária, parte da jurisprudência (em que se insere o supra mencionado acórdão da Relação de Lisboa, relatado pelo ora relator, datado de 28.4.2016, processo n.º 473/12.9TVLSB-C.L1-2 e os já mencionados acórdãos do STJ, datados de 13.7.2017, de 08.11.2018, de 31.01.2019, de 26.02.2019, de 04.7.2019 e de 24.10.2019), na linha aliás do defendido pelo Conselheiro Salvador da Costa (As Custas Processuais, 2017, 6.ª edição, Almedina, pp. 134 e 135, e, no Blog do IPPC,Algumas questões sobre taxa de justiça e custas processuais”, de 20.11.2017, “Algumas questões sobre taxa de justiça e custas processuais (II)”, de 25.12.2017 e “Dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na globalidade do processo”, de 15.7.2019), defende que o momento processual adequado para a decisão sobre a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, que corresponde a um poder-dever a ser exercido oficiosamente pelo juiz, é o da decisão quanto a custas, que deve inserir-se na decisão final do processo (no sentido que a este conceito se atribui no RCP). As partes poderão requerer a reforma da decisão quanto a custas, nos termos do art.º 616.º n.º 1 do CPC (quanto aos recursos, vide artigos 666.º e 685.º do CPC), no prazo de 10 dias (art.º 149.º n.º 1 do CPC) ou, se couber recurso da decisão que condene em custas, na alegação do recurso (n.º 3 do art.º 616.º do CPC).

O Tribunal Constitucional pronunciou-se acerca da conformidade constitucional de um regime preclusivo que obste a que a dispensa da taxa de justiça remanescente seja requerida após a elaboração da conta final: no acórdão n.º 527/2016, proferido em 04.10.2016, concluiu-seque a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem se vê que interfira com qualquer outro parâmetro constitucional, o que conduz à improcedência do recurso.

Porém, no já acima mencionado acórdão da Relação de Lisboa, datado de 28.4.2016, relatado pelo ora relator (acórdão que é citado pela apelante), exarou-se, acerca da questão da conformidade deste regime de custas com a CRP, o seguinte:

Como se sabe e foi exposto supra, a possibilidade concedida ao juiz de dispensar o pagamento de taxa de justiça remanescente em ações de valor tributário superior a € 275 000,00 foi introduzida para fazer face à inconstitucionalidade material de que padecia o regime então em vigor, o qual permitia que fossem impostas às partes custas de valor absolutamente desproporcionado, sem qualquer correspondência com o serviço de administração da justiça prestado, podendo assumir montantes tais que as pessoas se viam compelidas a afastarem-se dos tribunais, num atropelo do direito de acesso à justiça.
O facto de a lei permitir, atualmente, o referido movimento corretor do valor das custas, poderá fundamentar um juízo de constitucionalidade da lei quanto a esta questão, como, por exemplo, se decidiu no acórdão do STA, de 20.10.2015, processo 0468/15. Mais, existem decisões jurisprudenciais que defendem que, tendo o tribunal rejeitado a reclamação da conta de custas consubstanciada em extemporâneo requerimento de dispensa do pagamento de taxa de justiça remanescente, a aludida questão de inconstitucionalidade nem sequer se põe (vide STA, acórdão de 29.10.2014, processo 0547/14; Relação de Lisboa, de 15.10.2015, processo 6431-09.3TVLSB-A.L1-6).
Porém, à semelhança do que foi ponderado no acórdão desta Relação, de 03.7.2012, processo 741/09.7TBCSC.L2-L2-7, afigura-se-nos que é possível ao tribunal averiguar, como nesse acórdão se diz, “se a aplicação estrita das normas jurídicas, vocacionadas à hipótese concreta, pelos resultados atingidos (…) não será passível de esbarrar com disposições de natureza constitucional (…) de tal maneira se impondo algum ajustamento normativo.”

De facto, como se diz no acórdão n.º 421/2013, do Tribunal Constitucional, de 15.7.2013, “os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito”.
Se é certo que, como se disse, o sistema legal tem atualmente a referida válvula de escape, capaz de refrear a tributação que uma tabela tributária sem limites poderia implicar, e reiterando-se que tal sistema deverá ser acionado aquando da decisão final (sentença; decisão sumária ou acórdão proferido em sede de recurso), com a disponibilização de reação contra essa decisão em sede de pedido de reforma ou de recurso contra a mesma, haverá que reconhecer que, como se infere da diversidade de entendimentos que esta temática suscita, o atual dispositivo legal aparenta falta de clareza, podendo levar a que a associação de inércia desatenta do lado do julgador com descuido do lado das partes conduza a uma tributação que, pela sua exorbitância, imponha os efeitos de uma fiscalização concreta de constitucionalidade.
Aqui se sufragando o exarado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 301/2009, de 22.6.2009, segundo o qual “…estando em causa o apuramento da proporcionalidade ou não de um valor quantitativamente determinado, as configurações casuísticas, no plano da fiscalização concreta da constitucionalidade, contam como elemento de valoração, sem pôr em cheque a natureza normativa do nosso sistema de controlo. Daí a admissibilidade, sem contradição, de juízos discordantes sobre o mesmo critério normativo, dada a sua diferente projecção consequencialista sobre distintas realidades, do ponto de vista da natureza e do valor do serviço prestado.”
Atendendo a que, como se disse, a lei já permite o controlo do montante de taxa de justiça a cobrar às partes, a correção a operar por aplicação direta de critérios constitucionais só deverá ocorrer em situações de manifesta iniquidade, de insuportável desequilíbrio entre o que é reclamado das partes e o que foi prestado pelo sistema de justiça, em termos tais que não poderão deixar indiferente o aplicador do direito.

E, mais adiante:

Porém, tendo as partes omitido atempada intervenção naquele sentido, decisão contrária à lei ordinária só se justificaria se, como se disse, os valores cobrados à A. ultrapassassem flagrantemente padrões de proporcionalidade, em termos qualificáveis de iníquos, atingindo níveis que impusessem o afastamento do regime legal. Situações como algumas daquelas que demandaram do Tribunal Constitucional a sua intervenção corretora da legislação tributária-processual, antes da alteração do direito ordinário já exposta, seja no RCP, seja, anteriormente, no CCJ: cobrança de € 118 360,80 de taxa de justiça (sem considerar a devida pela parte vencedora), em ação, com o valor tributário de € 10 000 000,00, que terminara ainda antes de decorrido o prazo da contestação, com a homologação da desistência do pedido apresentada pelo autor (TC 421/2013, de 15.7.2013); cobrança de custas no valor total (sem consideração de custas da outra parte) de € 584 403,82, num procedimento cautelar com recurso para a Relação, com o valor tributário de € 51 742 000,00 (TC 227/2007, de 28.3.2007); cobrança de € 15 204,39 (sem consideração das custas das outras partes) de taxa de justiça pela mera interposição de recurso de decisão interlocutória por terceiro por ela afetado, em ação com o valor tributário de € 2 334 408,57.

Tal possibilidade de se proceder a uma excecional formulação de um juízo de inconstitucionalidade face a intolerável desproporção do valor da taxa de justiça exigida pela aplicação do regime legal ordinário foi admitida pelo STJ, no já acima citado acórdão de 03.10.2017, processo 473/12.9TVLSB-C.L1.S1, que incidiu sobre o mencionado acórdão desta Relação, de 28.4.2016. Aí se exarou o seguinte:
Isto só não deveria ser assim, se acaso estivéssemos perante uma situação de intolerável desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que é imputada à Autora. Efetivamente, não repugna aceitar que em casos-limite a parte possa requerer e o juiz possa oficiosamente dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente para além do momento da conta final. Estes casos-limite deverão, porém, corresponder a situações de gritante ou iníqua desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que o Estado arrecada. Em tais hipóteses, não é só em nome de um inaceitável comprometimento do acesso à justiça que a dispensa deve ser admitida, mas essencialmente em nome do princípio do Estado de direito democrático consagrado no art. 2º da Constituição, e a que está submetido funcionalmente o relacionamento impositivo do Estado no confronto dos cidadãos. Pois que, como significam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª ed., p. 206), o preceito do Estado de direito democrático também assegura a proteção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça, especialmente por parte do Estado. Podemos dizer que o preceito garante também a decência nas relações funcionais impositivas do Estado (neste caso o sistema de justiça) para com os cidadãos. Este será o último subsídio para o evitamento de graves injustiças.

Ensaiou-se a concretização de tal jurisprudência, v.g., no acórdão da Relação de Lisboa, de 21.01.2020, processo 12080/16.2T8LRS.L2-7.

No caso a que se reporta a presente apelação, temos dois “processos”: apelação da sentença que decretara a providência cautelar; revista.

No que concerne à revista:

Num despacho de 3 páginas, a Exm.ª relatora pôs em dúvida a admissibilidade do recurso e convidou as partes a pronunciarem-se.

A requerente e o 3.º requeridos pronunciaram-se, cada um, em duas páginas.

A Exm.ª relatora julgou findo o recurso, por inadmissibilidade da revista, em decisão que consumiu 5 páginas.

A taxa de justiça exigida da apelante em relação a esta tramitação, que do ponto de vista da atuação do sistema de justiça, se resumiu, no essencial, a um despacho de 3 páginas e a uma sentença de 5 páginas, incidente sobre a não admissibilidade do recurso, é de € 109 446,00. Este valor é, manifestamente, gritantemente absurdo, pela desproporção entre o serviço prestado e o valor reclamado em troca.

No que concerne à apelação:

O requerimento inicial da providência tinha 232 artigos, que ocupavam 79 páginas. Era acompanhado de 44 documentos, que preenchiam cerca de 350 páginas. A tradução desses documentos ocupou mais cerca de 750 páginas.
Os dois primeiros requeridos não deduziram oposição.
O terceiro requerido apresentou resposta em uma página, em que invoca a incompetência dos tribunais portugueses para julgarem o litígio, face à cláusula 46.7 do contrato de empreitada.
A requerente respondeu ao terceiro requerido, em 71 artigos, juntando mais 8 documentos, que ocuparam 138 páginas, mais 123 páginas com a sua tradução.
A decisão que decretou a providência ocupou 14 páginas, tendo-se julgado os tribunais portugueses competentes quanto à nacionalidade e baseado a decisão de fundo na confissão dos factos articulados decorrente da falta de oposição.
A apelação do 3.º requerido (incidente sobre a sentença que julgou a providência) tinha 26 páginas, contendo 14 conclusões.
A contra-alegação da requerente tinha 31 páginas, contendo 19 conclusões.
O acórdão da Relação de Lisboa, que incidiu sobre esta apelação e ainda sobre outras duas, interpostas pelo 3.º requerido e pela Delegação da União Europeia no Mali, tem, no total, 25 páginas.
A apreciação de direito concernente à apelação da sentença que decretou a providência ocupa 9 páginas. Nela o tribunal da Relação julgou improcedente a exceção de imunidade de jurisdição que havia sido arguida pelo 3.º requerido, arredou a exceção de preterição de litisconsórcio necessário que também havia sido suscitada pelo apelante, julgou improcedente a arguida violação do pacto privativo de jurisdição e, apreciando os pressupostos do decretamento da providência cautelar, no que diz respeito ao bloqueio de garantias bancárias autónomas on first demand, ajuizou não se verificarem as especiais circunstâncias que o permitiam, pelo que concluiu pela revogação da sentença que decretara a providência requerida.
A utilidade económica da apelação corresponde ao valor tributário que lhe foi atribuído - € 18 018 567,22 – isto é, é muitíssimo elevada.
Quanto ao grau de complexidade das questões que a Relação teve de resolver, atender-se-á que os pressupostos da providência cautelar de paralisia da execução de garantias bancárias autónomas estão muito tratados na jurisprudência e na doutrina – mas ainda assim suscitou-se divergência entre as instâncias. As questões da preterição de litisconsórcio necessário e de violação de pacto privativo de jurisdição, atentas as particularidades das relações jurídicas em questão - empreitada envolvendo empreiteiro português, dono da obra estado africano, financiador União Europeia, garantes bancos portugueses, não eram de resolução imediatamente linear. A exceção da imunidade de jurisdição é mais um aspeto que não surge na rotina diária dos tribunais. Por outro lado, o tribunal apenas teve de analisar questões de direito, não carecendo de se embrenhar em controvérsias quanto à matéria de facto.
O aparato do procedimento cautelar, no seu início, acabou por se reduzir a bem menos, em termos de litigiosidade e complexidade, do que aquilo que é frequente em procedimentos desta índole.
Dir-se-á, tudo ponderado, que a apelação assumiu complexidade mediana -alta.
Quanto ao comportamento processual do apelante e da apelada, pautou-se pela adequação e normalidade.
Os aspetos aqui enunciados apontam para que a tributação exigida, em troca da reapreciação do litígio pelo tribunal da Relação, seja elevada, mas não elevadíssima.

In casu, reclama-se o pagamento de uma taxa de justiça de € 109 446,00 (descontando-se os € 816,00 já pagos, estão em dívida € 108 630,00).

Trata-se de uma tributação elevadíssima, que está muito acima do limite máximo mais elevado que é possível aceitar-se que seja cobrado, em casos como o destes autos (apelação incidente sobre providência cautelar, sobre questões exclusivamente de direito, cuja análise, embora não simples e linear, ocupou não mais de nove páginas), mesmo tendo em conta a penalização inerente à inércia das partes na utilização dos mecanismos processuais ordinários e regulares que lhes permitiriam furtar-se a tal desfecho.

Pensar-se-ia, pois, que também aqui haveria que efetuar uma imperativa intervenção fortemente moderadora, embora, neste caso, não no sentido da total dispensa da taxa de justiça remanescente. Tal dispensa total acarretaria a aplicação única de uma taxa de justiça de € 816,00, o que determinaria um desajustamento da tributação num sentido fortemente inverso, nomeadamente em comparação com litígios envolvendo utilidade económica muito inferior à destes autos.

A redução da taxa de justiça remanescente, em lugar da mera dispensa, é unanimemente admitida pela jurisprudência (estando proficientemente fundamentada, v.g., no acórdão do STJ, de 12.12.2013, processo 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1).

Assim ponderado, e porque aqui haveria que levar em consideração que a redução visa apenas colocar a tributação em valores que obstem a uma desproporção gritante, justificativa de um juízo de inconstitucionalidade, entender-se-ia que a taxa de justiça remanescente deveria ser reduzida em 2/3, fixando-se, assim, o valor em falta no montante de € 36 210,00 (€ 108 630,00 : 3).

Porém, há que atentar naquilo que se ponderou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 324/2002, de 28.4.2022, que ditou a prolação do presente acórdão reformado:

“Tendo-se firmado o caráter restritivo da norma sindicada no presente recurso, importa determinar se a mesma está orientada a uma finalidade legítima, como passo anterior e condição necessária da aferição da sua adequação, exigibilidade e proporcionalidade. Ora, a preclusão da faculdade de requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça após a notificação da conta de custas encontra a sua razão de ser na própria natureza do processo como sequência ordenada e progressiva de atos tendente a uma decisão final dotada de estabilidade. A existência de prazos preclusivos do exercício de faculdades processuais e a imposição de ónus cuja inobservância é cominada com desvantagens são os mecanismos normais da marcha do processo, sem os quais a administração da justiça seria, não apenas intoleravelmente morosa, como em boa verdade inviável. «São, pois, imperativos de racionalidade e funcionalidade do próprio processo» que justificam «a disciplina da conduta dos sujeitos processuais, nomeadamente através da imposição de prazos razoáveis», uma vez que «[t]odo o direito processual constitui um encadeamento de atos ordenados a uma finalidade, a de se obter uma decisão judicial que componha determinado litígio» (Acórdão n.º 46/2019). Assim, a norma sindicada, ao disciplinar e facilitar a administração da justiça, prossegue uma dimensão objetiva do direito fundamental de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva – uma finalidade não apenas constitucionalmente legítima, como até certo ponto imperativa (v. a alínea c) do artigo 9.º e os n.º 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição).

E mais adiante:

12.Reunidos os pressupostos da aplicação do princípio da proibição do excesso – uma medida restritiva de direitos orientada a uma finalidade legítima −, cabe agora apreciar se o objeto do recurso passa nos crivos da adequação, exigibilidade e proporcionalidade.
A norma deve ter-se por adequada se contribuir de alguma forma, mais ou menos eficaz, para atingir ou prosseguir a finalidade a que se destina. Tal é evidentemente o caso da norma sindicada: ao determinar que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, mesmo nos casos em que o valor a liquidar excede de forma largamente desproporcionada o valor do serviço prestado, só pode ser requerida antes da notificação da conta de custas, contribui para uma ordenação racional da sequência de atos que integram o processo. Como se afirma no Acórdão n.º 527/2016, uma solução legal como a que decorre da norma que constitui o objeto do presente recurso é «coerente com a sucessão de atos do processo: a decisão final é proferida; depois transita em julgado; após o trânsito em julgado, o processo é contado; a conta é notificada às partes, que dela podem reclamar». As partes condenadas em custas têm a oportunidade de requerer o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, quando haja lugar ao seu pagamento, até ao momento em que sejam notificadas da conta liquidada pela secretaria através da aplicação das tabelas legais constantes do Anexo I ao RCP. O período normal para esse efeito, tendo em conta o ordenamento processual civil como um todo, é o que medeia entre a condenação em custas, que deve ser integrada no final da sentença, e o prazo para requerer a respetiva reforma ou para interposição de recurso − consoante se aplique o n.º 1 ou o n.º 3 do artigo 616.º do CPC −, após o qual a decisão judicial transita em julgado, adquirindo a força obrigatória do caso julgado, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 619.º do CPC.”

E prosseguindo:

O teste da exigibilidade ou necessidade da norma determina que esta será excessiva se existir um meio alternativo menos lesivo que se mostre comprovada e igualmente eficaz na prossecução da mesma finalidade. No caso vertente, em que a censura constitucional que a norma mereceu na decisão recorrida baseia-se especificamente no facto de não conter uma cláusula de exceção contemplando certa categoria de casos, os termos da comparação são explícitos: trata-se de saber se não seria igualmente eficaz na prossecução da finalidade de ordenar racionalmente o processo um regime alternativo nos termos do qual o pedido de dispensa, nos casos em que o remanescente da taxa de justiça se revelasse largamente desproporcional em relação ao valor do serviço prestado, pudesse ser formulado no prazo para a reclamação da conta de custas.
A resposta não pode deixar de ser negativa. A impossibilidade de se lançar mão da reclamação prevista no artigo 31.º do RCP para fazer atuar o inciso final do n.º 7 do artigo 6.º do mesmo diploma tem a sua razão de ser, pelo menos nos termos da interpretação da lei perfilhada na própria decisão recorrida, na necessidade de distinguir a matéria da condenação em custas, sobre a qual incide um julgamento geralmente integrado na sentença, da matéria da liquidação da conta, um ato da secretaria que implica somente a contagem das unidades de conta de acordo com os dados do processo e as tabelas legais. A possibilidade excecional de o interessado requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça após a notificação da conta de custas constituiria, neste quadro, um caso atípico de revisão da sentença em matéria de custas – atípico porque não previsto no elenco dos fundamentos de revisão consagrado no artigo 796.º do CPC −, com relevantes implicações em matéria de estabilidade do caso julgado, e consequente perturbação da sucessão entre o trânsito em julgado da sentença e a etapa subsequente e essencialmente mecânica de contagem do processo pela secretaria. Ainda que tenha por referência o regime homólogo constante do então vigente Código das Custas Judiciais, é inteiramente pertinente a este respeito a seguinte reflexão no Acórdão n.º 83/2013:
«A elaboração da conta – que, nos termos do artigo 50.º do citado Código das Custas Judiciais, ocorre necessariamente após o trânsito em julgado da decisão final da causa – compreende, deste modo, a liquidação da taxa de justiça, ou seja o apuramento das UC a pagar por cada sujeito processual condenado em custas, de acordo com os critérios fixados na aludida tabela e, bem assim, o apuramento dos encargos previstos no artigo 32.º daquele Código a suportar pela parte responsável pelo pagamento das custas).
Importa, por conseguinte, distinguir duas realidades: a condenação no pagamento das custas – que ocorre na decisão final e que, entre outros aspetos, e conforme referido no despacho da primeira instância de fls. 2139, pode apreciar e decidir da verificação dos pressupostos da dispensa do pagamento de taxa sobre o remanescente dos € 250 000 000,00 a que alude o artigo 27.º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais (mas que, em qualquer caso, não faz aplicação nem do artigo 13.º do Código das Custas Judiciais nem da tabela constante do anexo I do mesmo diploma!); e a elaboração da conta de custas, com a inerente liquidação da taxa de justiça».

E o acórdão do Tribunal Constitucional continua:

Finalmente, cumpre determinar se a norma sindicada, constituindo um meio adequado e necessário para a prossecução da finalidade a que se encontra ordenada, passa no crivo da proporcionalidade em sentido estrito. Trata-se agora de saber se o grau de satisfação das finalidades da norma justifica o grau de sacrifício do direito restringido, num domínio em que o escrutínio judicial da constitucionalidade não deve exceder o patamar mínimo de um controlo de evidência (v. os Acórdãos n.ºs 349/2001, 151/2009, 301/2009, 534/2011 e 361/2015), atenta a ampla liberdade de conformação do legislador em matéria de organização do processo, designadamente na definição dos prazos e das formalidades inerentes (v. o Acórdão n.º 636/2011), bem como a verificação de que a norma sindicada não atinge de forma específica ou assimétrica grupos sociais denotados por um «classificação suspeita», como as catalogadas no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição (v. o Acórdão n.º 308/2018). Neste quadro de referência, o juízo de que a norma sindicada é desproporcional carece de fundamento, visto não poder dizer-se que tutela interesses negligenciáveis nem que, em si mesma, implique sacrifícios desmesurados.
Por um lado, se o regime autorizasse a formulação do pedido de dispensa após a notificação da conta de custas, as partes condenadas em custas deixariam de ter forte incentivo para exercerem tal faculdade no momento processual mais adequado – o mais tardar, no pedido de reforma da sentença quanto a custas previsto no n.º 1 do artigo 616.º do CPC −, o que geraria um efeito normalizador de uma solução de exceção e a necessidade de nova elaboração da conta de custas nos processos em que, sendo devido remanescente da taxa de justiça, se verificassem os pressupostos da sua dispensa. O próprio juiz, sabendo que os interessados têm a possibilidade de requerer a dispensa ou redução do remanescente após a notificação da conta de custas, pode optar por não exercer o controlo oficioso que lhe é cometido pelo n.º 7 do artigo 6.º do RCP. Acresce que uma cláusula de exceção como a indicada na decisão recorrida, estritamente aplicável em casos de «gritante» ou «intolerável» desproporcionalidade, geraria inevitavelmente uma litigância adicional em torno da verificação concreta dos respetivos pressupostos, traduzida num volume considerável de recursos de apelação interpostos de despachos que viessem a recusar a dispensa ou redução por extemporaneidade. Não é exagerado supor, tendo em conta os valores envolvidos, que os tribunais fossem inundados de recursos em que se colocaria a questão de saber se a falta de equivalência entre o remanescente da taxa de justiça e o valor do serviço prestado atingiria o limiar de iniquidade ou desproporcionalidade que faria atuar o regime de exceção. Tudo isto, como é bom de ver, perturbaria o curso normal dos processos, implicaria sacrifícios relevantes de economia processual e agravaria a morosidade da justiça.
Por outro lado, o sacrifício imposto pela norma sindicada é moderado. Como se refere no Acórdão n.º 527/2016, «pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exato conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça prevista na Tabela I do RCP, por referência ao valor da ação», de modo que, «ressalvada a ocorrência de situações anómalas excecionais (…), a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça refletido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos». Este conhecimento é indispensável para que a parte condenada em custas possa requerer a dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos processos em que seja aplicável, no prazo para a reforma da sentença quanto a custas. Demonstra ainda que a eventual desproporcionalidade entre o valor da conta e o serviço prestado não é em caso algum imputável ao regime legal, que confere ao interessado um prazo razoável para exigir a aplicação do «mecanismo moderador» (Acórdão n.º 361/2015) previsto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP. Ao invés, aí onde se venha a verificar, tal desproporcionalidade deve-se exclusivamente ao efeito combinado da incúria do juiz no exercício de um poder-dever de controlo oficioso e da parte que negligencia a condenação em custas até ao momento da notificação para o respetivo pagamento. Em suma, o sacrifício imposto pela lei ao interessado não é o pagamento de uma taxa de justiça exorbitante, mas um ónus de diligência na defesa da sua posição, sendo certo que «a gravidade da consequência (…) é ajustada ao comportamento omitido», não se vendo «que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal» (Acórdão n.º 527/2016).
Conclui-se, assim, que a norma que constitui o objeto do presente recurso não ofende o princípio da proibição do excesso, uma vez que restringe de forma adequada, necessária e proporcional o direito de acesso aos tribunais, com o fito de promover a racionalidade processual de que, em última análise, depende a capacidade do sistema judicial de dispensar uma tutela efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos.

Também releva a seguinte consideração autónoma contida no citado acórdão do TC:
13.−Merece consideração autónoma a seguinte alegação conjunta do segundo recorrido e da terceira recorrida: «(…) o próprio enunciado da interpretação normativa que é objecto do presente recurso revela, com meridiana clareza, a sua inconstitucionalidade e o acerto da decisão recorrida», pois, «se às partes é negado o direito de requererem a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou a sua redução, na sequência da notificação da conta de custas, mesmo nos casos em que a taxa de justiça excede de forma gritante e intolerável a proporção [entre o serviço prestado e o valor exigido], é inequívoco (…) que [o regime] viola necessariamente o princípio da proporcionalidade». Com efeito, pode parecer absurdo que se conclua não violar o princípio da proporcionalidade a extensão de uma norma a casos em que daí resulta uma desproporção larga e manifesta, e os recorridos procuram fundar nessa verosimilhança uma espécie de juízo apodítico de inconstitucionalidade. Trata-se, porém, de um raciocínio falacioso – um exemplo de argumentum ad consequentiam−, como demonstram as seguintes observações.
Em primeiro lugar, importa distinguir «proporcionalidade» como sinónimo de equidade ou justiça no caso concreto e como sinónimo de justificação ou razão tudo visto e ponderado. É um truísmo dizer-se que há outros valores para além da equidade que merecem a tutela do direito e em nome dos quais esta é em maior ou menor medida sacrificada – valores como a segurança jurídica, a praticabilidade administrativa, o interesse público, a autonomia privada, a economia de meios ou a prevenção do arbítrio. Entre tantos exemplos, pense-se na não admissão do recurso de uma condenação injusta por extemporaneidade; na fixação da maioridade em certa idade, sem atender ao grau de maturidade de cada indivíduo; em benefício fiscais concedidos para incentivar investimentos produtivos, em detrimento da capacidade contributiva; na execução de dívidas emergentes de um contrato mal negociado pelo devedor; ou na fixação de prazos perentórios para a tomada de decisões complexas. Quando o Tribunal Constitucional é chamado a apreciar a proporcionalidade de um regime jurídico, todas aquelas considerações, desde que recondutíveis ao elenco de valores ou bens constitucionalmente protegidos, são prima facie merecedoras de ponderação. No caso da norma sindicada no presente recurso, não se pode ignorar o facto de a eventual desproporcionalidade do remanescente da taxa de justiça não resultar diretamente das opções do legislador, mas de o interessado não exercer tempestivamente a faculdade de requerer ao juiz a reforma da sentença quanto a custas, alegando para o efeito a verificação dos pressupostos da dispensa ou redução prevista no inciso final do n.º 7 do artigo 6.º do RCP. Dizer que a preclusão dessa faculdade, que pode ser exercida num prazo razoável e com pleno conhecimento de causa, viola o princípio da proporcionalidade, tem cogência bem menor, atenta a delicadeza constitucional relativa das consequências geradas, do que dizer o mesmo da preclusão do direito ao recurso em matéria penal, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 414.º do Código de Processo Penal. Ora, em ambos os casos, como em numerosos regimes processuais de alcance semelhante, é plenamente aplicável a velha máxima: sibi imputet, si, quod saepius cogitare poterat et evitare, non fecit.
Em segundo lugar, importa distinguir, no regime do remanescente da taxa de justiça, o domínio ocupado pelo legislador e o que este cometeu ao juiz. A lei fixa o valor da taxa de justiça em função do valor da causa e determina que o remanescente seja considerado na conta a final, confiando ao juiz o poder-dever oficioso de dispensar o pagamento. A eventual incúria do julgador no exercício deste poder, condenando as partes em custas sem apreciar os pressupostos da dispensa de pagamento, só a este pode ser imputado – é um defeito do juízo, não da norma que o autoriza. Num sistema de controlo de constitucionalidade em que se admitissem queixas constitucionais ou recursos de amparo, estas decisões judiciais seriam impugnáveis junto do Tribunal Constitucional, desde que verificados certos requisitos processuais e observados os indispensáveis prazos legais. Nos presentes autos, não se trataria obviamente de impugnar o acórdão ora recorrido, mas as decisões anteriores que condenaram as partes em custas, sem nenhum indício de que tenha sido devidamente considerado o regime da dispensa. Não é essa a natureza do nosso sistema de justiça constitucional, nem é esse o objeto deste recurso – cabe-nos apenas decidir se a norma cuja aplicação foi recusada nos autos é inconstitucional. Como se escreveu no Acórdão n.º 695/2016, «[t]odo o sistema português de controlo da constitucionalidade normativa assenta na ideia de que a jurisdição constitucional deve ser o juiz das normas e não o juiz dos juízes. O papel do Tribunal Constitucional na arquitetura da nossa democracia constitucional é o de controlar a atuação do legislador e dos seus sucedâneos; os erros judiciais são corrigidos através do regime de recursos próprio da ordem jurisdicional a que as decisões pertencem». Ora, o presente juízo de não inconstitucionalidade – e a aferição da proporcionalidade em que repousa – incide sobre uma norma e só a ela respeita. Tudo o mais que se tenha apreciado e decidido no processo extravasa o objeto do recurso e excede os poderes cognitivos da jurisdição constitucional.”

Há, pois, que concluir que a cristalização do valor da taxa de justiça remanescente nos montantes suprarreferidos não é imputável a um regime normativo contrário à Constituição, mas a fatores individuais quais foram a inação do tribunal e das partes.
Assim, sibi imputet, pelo que a apelação da requerente improcede in totum.

3.−APELAÇÃO DO 3.º REQUERIDO E DA DELEGAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA NO MALI
3.1.-Nesta apelação os recorrentes pretendem que lhes seja concedida dispensa do pagamento de taxa de justiça remanescente, respeitante a cada uma das apelações que haviam interposto perante a Relação de Lisboa e em que decaíram. Defendem a tempestividade do seu requerimento de reforma das contas e a inconstitucionalidade do regime que contrarie tal asserção, face ao resultado daí resultante. Quanto ao recurso que incidiu sobre a decisão de indeferimento da intervenção principal espontânea, entendem que deve ser aplicado o disposto no art.º 6.º, n.º 8 da RCP, na redação do Dec.-Lei n.º 86/2018, de 29.10.
Apreciemos estas questões.

3.2.-O factualismo a levar em consideração é o supra constante no Relatório e ainda o seguinte:
1.−A apelação que o 3.º requerido interpôs do despacho que indeferiu a arguição da nulidade do processado por falta da sua citação tem 10 páginas e contém 10 conclusões.
2.−A requerente contra-alegou, em 13 páginas, com 12 conclusões.
3.−No acórdão da Relação de Lisboa, emitido em 10.11.2016, que julgou esta apelação e as outras duas já referidas, dedica-se uma página à questão da nulidade do processado, confirmando-se a decisão recorrida.
4.−A apelação que a Delegação da União Europeia no Mali deduziu contra o despacho que indeferiu a sua intervenção principal espontânea no procedimento cautelar tem 14 páginas, com 14 conclusões.
5.−A contra-alegação da requerente tem 14 páginas, com 15 conclusões.
6.−O acórdão da Relação de Lisboa, que julgou as três apelações, considerou prejudicada a apreciação desta apelação, face à procedência da apelação deduzida contra o decretamento da providência cautelar, mas condenou a apelante nas custas do recurso.

3.3.O Direito

Quanto à aplicabilidade do disposto no n.º 8 do art.º 6.º do RCP (“8- Quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente”), reitera-se aqui o já supra exarado quanto à sua inaplicabilidade a recursos.

Reitera-se também o acima exposto quanto à extemporaneidade do requerimento de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente e à constitucionalidade, em tese geral, do respetivo regime.

E, atendendo à jurisprudência fixada nestes autos pelo Acórdão n.º 324/2022, de 28.4.2022, já acima exposta, julga-se que o regime normativo assim aplicado é conforme à Constituição, nessa parte também improcedendo esta apelação.

Quanto à tributação das duas apelações ora julgadas, as respetivas custas correm por conta dos apelantes, que nelas decaíram (art.º 527.º n.ºs 1 e 2, do CPC, sendo certo que essas custas (taxa de justiça) já foram pagas (tendo em conta o valor tributário de cada um dos recursos, que é, conforme indicado pelos apelantes, € 217 260,00 no caso da requerente e € 217 464,99 no caso do 3.º requerido e da Delegação da União Europeia no Mali).

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se as apelações improcedentes e consequentemente mantém-se o despacho recorrido.
As custas das duas apelações são a cargo dos respetivos recorrentes, sendo certo que as taxas de justiça já se encontram pagas.



Lx, 07.7.2022



Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins