Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
57/22.3YQSTR.S1.L1-PICRS
Relator: PAULO REGISTO
Descritores: INTERESSE EM AGIR
ILEGITIMIDADE
INTERESSE DIRECTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - De acordo com o regime específico da al. a) do n.º 1 do art. 55.º do CPTA, nas acções de impugnação, o autor tem legitimidade caso apresente um “interesse directo e pessoal” em anular o acto administrativo, designadamente por ser titular de um direito ou de um interesse legalmente protegido.
II – Existe “interesse pessoal” quando a anulação se repercuta na esfera jurídica do titular do direito ou do interesse legalmente protegido e “interesse directo” quando a utilidade ou o benefício decorre, de modo imediato, da procedência do pedido de declaração de invalidade do acto administrativo.
III - Não se encontra preenchido o pressuposto processual de legitimidade activa nos casos em que o autor pretende satisfazer, através da interposição da acção de impugnação do acto administrativo, um interesse considerado remoto, longínquo, hipotético ou eventual.
IV - A empresa, a quem não foi adjudicado, em concurso público, o uso privado do domínio público para efeitos publicitários, não tem legitimidade activa para impugnar a decisão da “Autoridade da Concorrência” - que não se opôs a essa adjudicação a uma outra empresa no quadro de um procedimento relativo a operações de concentração de empresas, ainda que a tenha sujeitado a condições e a obrigações - quando não demonstre possuir um “interesse directo e pessoal” decorrente da impugnação do acto administrativo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO:
“Dreammedia Portugal, SA”, com sede na Rua da Baiza, n.º 145, Frente, Vila Nova de Gaia, propôs acção administrativa de impugnação de acto administrativo contra a “Autoridade da Concorrência”, com sede na Avenida de Berna, n.º 19, Lisboa, pedindo, relativamente à decisão de não oposição com condições e obrigações proferida no âmbito do Proc. de Ccent 36/2021 – JCDecaux/concessão de publicidade exterior de Lisboa, que:
--seja declarada, ainda que a título incidental, a caducidade do acto de adjudicação e, consequentemente, a anulação da decisão por ser supervenientemente inútil;
Ou, caso assim não se reconheça,
--a decisão seja declarada nula, com fundamento nos vícios identificados na presente acção;
Ou, caso assim não se reconheça,
--a decisão seja anulada, por manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
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Por despacho saneador proferido no dia 07-07-2023 (que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – Juiz 2 decidiu julgar “(…) procedente a exceção dilatória de falta de interesse em agir da Autora DREAMMEDIA PORTUGAL, S.A. e, subsequentemente, absolve-se da instância a AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA e as contrainteressadas MUNICÍPIO DE LISBOA, JCDECAUX PORTUGAL MOBILIÁRIO URBANO, LDA. e MOP –MULTIMÉDIA OUTDOORS PORTUGAL – PUBLICIDADE, S.A., todas melhor identificadas nos autos (…)”.
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A recorrente “Dreammedia Portugal, SAveio interpor recurso desta decisão, que terminou com a apresentação das seguintes conclusões:
“A. O presente recurso é interposto diretamente para o STJ à luz do artigo 93.º, n.º 2, do RJC, na medida em que respeita auma questão de direito perfeitamente delimitada, que é a de saber se, in casu, existe ou não fundamento para a absolvição da instância em virtude de uma suposta exceção dilatória de falta de interesse em agir da Dreammedia.
B. O Despacho Recorrido incorre em flagrantes erros de direito, violando normas e princípios basilares, em especial da Constituição e do Direito da União Europeia, e conflituando com a melhor doutrina e jurisprudência nacional e europeia, estando, por isso, integralmente inquinado, conforme se demonstrou no presente recurso, devendo, por isso, ser revogado.
C. O Despacho Recorrido incorre em erro manifesto ao concluir que a Recorrente – terceira interessada no procedimento de controlo de concentrações – não teria interesse em agir ao propor uma ação de impugnação da decisão de não oposição da AdC, pelo facto de a procedência da ação não impactar ou implicar qualquer benefício ou utilidade direta e imediata na sua esfera jurídica.
D. São vários e inegáveis os factos subjacentes ao interesse processual da Recorrente:
(i) A Dreammedia é uma das principais operadoras económicas do mercado da publicidade exterior em Portugal, em especial, no que releva no âmbito da Decisão da AdC, do mercado da publicidade exterior em displays no formato de 2m2.
(ii) A Decisão da AdC corresponde ao desfecho do procedimento de controlo de concentrações Ccent. 36/2021, no qual a AdC encetou uma análise jus concorrencial no que respeita à operação de concentração no âmbito do referido mercado da publicidade exterior em displays no formato de 2m2, materializada através da celebração do Contrato de Lisboa.
(iii) No escopo do referido procedimento de controlo de concentrações, a Dreammedia (entre outros operadores) foi devidamente constituída terceira interessada, à luz do artigo 47.º do RJC, na medida em que é titular “de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos que possam ser afetados pela operação de concentração” – cfr. ponto 20. da factualidade assente no Despacho Saneador.
(iv) Em virtude da rejeição, pela Autoridade, dos argumentos aventados pela Dreammedia, na sua pronúncia em sede de teste de mercado (e, de igual forma, em sede de audiência prévia por referência ao projeto de decisão de não oposição), perante os compromissos propostos pela JCDecaux (em síntese, a cedência à MOP, em regime de subconcessão, de 40% do Lote 1 do Contrato de Lisboa), a Dreammedia viu-se obrigada a intentar a presente ação.
E. O interesse processual da Recorrente é, por isso, no imediato e como não poderia deixar de ser, o interesse na obtenção direta e imediata de uma vantagem na sua esfera jurídica – a de concorrer a um procedimento pré-contratual e vir a ser adjudicatária – e, bem assim, de proteção da concorrência de mercado no seu setor, em face de uma decisão ilegal da AdC, assente em inúmeros erros sobre os pressupostos de facto e vícios que conduzem à sua invalidade.
F. O interesse em agir resulta da própria anulação da Decisão da AdC – caso em que a concentração e os efeitos nefastos sobre a concorrência seriam afastados – porque esta decisão deixaria de vigorar na ordem jurídica (ainda que seja adotada outra, com uma autorização diferente, sustentada em pressupostos e requisitos também eles distintos).
G. A Decisão da AdC, tendo em consideração a relevância do mercado de Lisboa no computo do mercado das campanhas publicitárias nacionais, bem como a incapacidade da MOP para prestar os serviços objeto da subconcessão e a sua falta de independência face à JCDecaux, repercute-se, diretamente, na esfera jurídica da Dreammedia, determinando a sua incapacidade para disputar com a JCDecaux novas oportunidades de negócio, as quais reverterão muito mais facilmente para a JCDecaux, e terá um efeito muito gravoso sobre o mercado.
H. Ademais, com a anulação da Decisão da AdC – e como admite o Tribunal a quo – a Autoridade ficará vinculada a rever a decisão tomada no âmbito do procedimento de controlo de concentrações, o que obrigará, designadamente, à revisão dos compromissos propostos pela Contrainteressada e Notificante JCDecaux.
I. A revisão da Decisão da AdC determinará, inexoravelmente, o lançamento de um procedimento concorrencial para atribuição da subconcessão parcial do Contrato de Lisboa, entre os operadores de mercado aptos e adequados a assegurar a concorrência efetiva no setor (onde não se inclui, pelas razões também aduzidas nos autos, a MOP), ou, pelo menos, determinará a obrigação de apresentação de outros compromissos que afastem as ilegalidades que a inquinam.
J. Em linha com a doutrina e jurisprudência, que entende que o interesse processual se reflete na necessidade de usar o processo, é evidente que a Recorrente, enquanto operadora do mercado implicado na Decisão da AdC, não teria outra forma - que não mediante o recurso aos Tribunais – para suscitar a anulação ou declaração de nulidade da Decisão da AdC, reagindo, assim, a uma decisão que, além de profundamente ilegal, lhe é – a si e ao mercado – manifestamente lesiva.
K. A Recorrente não rejeita que a Autoridade, enquanto entidade administrativa independente com poderes de supervisão, regulamentação e sancionatórios, atua com discricionariedade, mas as suas decisões não deixam – nem podem deixar de estar – necessariamente sujeitas ao controlo por parte dos tribunais dentro dos limites legalmente aplicáveis, o que, aliás, foi sublinhado, designadamente, no Ac. do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 15.02.2005, proferido no proc. C-12/03 P, Comissão / Tetra Laval, EU:C:2005:87, no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.07.2018, proferido no proc. n.º 223/06.9TYLSB.L1, e no recente Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.09.2019, proferido no proc. n.º 2/18.0YQSTR.L1.S1.
L. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.09.2019, proferido no processo n.º 2/18.0YQSTR.L1.S1, com contornos semelhantes ao do caso sub judice, isto é, em que estava em causa uma decisão de não oposição da AdC a uma operação de concentração e um terceiro do procedimento de controlo de concentrações, envolvido no setor em discussão, intentou uma ação de impugnação daquela decisão, tendo, inclusive, obtido posterior provimento em sede de recurso de apelação, que resultou na anulação da decisão da Autoridade, não se verificou (nem sequer foi suscitada) qualquer falta de interesse em agir desse terceiro, sendo, também por isto, evidente que a Dreammedia tem manifestamente interesse em agir na presente ação.
M. Ademais, concorda-se com o Tribunal a quo no sentido de que o interesse processual é aferido, igualmente, de acordo com o disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea a), do CPTA.
N. In casu, resulta à evidência que o interesse da Dreammedia na ação originária e na tutela conferida pela mesma é um interesse objetivamente atual e efetivo, o qual assume extrema relevância no mercado português da publicidade exterior de displays de 2m2, na medida em que, quer a Dreammedia, quer o restante mercado de publicidade exterior, viu ser aceite, pela AdC, um conjunto de compromissos que não são aptos a garantir o funcionamento do mercado e da sã concorrência, atribuições que estão legalmente cometidas à AdC.
O. A anulação da Decisão da AdC, designadamente, com base na circunstância de os compromissos assumidos não serem aptos a garantir o funcionamento do mercado e da sã concorrência implicará a não execução da operação de concentração e, portanto, o fim de uma restrição concorrencial com efeitos diretos e imediatos na esfera jurídica da Recorrente (a possibilidade de explorar o mercado em causa).
P. Mesmo que a contrainteressada inicie um novo procedimento, sempre terão de ser adotadas novos e mais compromissos para salvaguarda do mercado (porquanto, embora a entidade demandada não se encontre impedida de emitir um novo ato não poderá emitir um ato que incida nos mesmos vícios), o que uma vez mais terá efeitos pessoais e diretos sobre a Requerente porque lhe permitirá ter um maior acesso ao mercado e, no limite, fazer-se o que é legalmente devido e ser o subconcessionário escolhido por concurso e não a pedido.
Q. Numa palavra, a Dreammedia tem um manifesto interesse na utilização desta ação administrativa, de modo a salvaguardar o mercado da publicidade exterior e a possibilidade de alcançar uma posição de adjudicatária no âmbito de um procedimento adjudicatório respeitador do bloco de legalidade concretamente aplicável (ou, pelo menos, novos e mais amplos compromissos).
R. Adicionalmente, o Despacho Recorrido enveredou por uma interpretação inconstitucional das disposições conjugadas dos artigos 51.º, n.º 1, 54.º, n.º 1, 55.º, n.º 1, alínea a), e 68.º, n.º 1, alínea a), do CPTA, no que concerne à exceção de falta de interesse em agir.
S. A interpretação propugnada pelo TCRS das referidas normas, nos termos da qual a Dreammedia se vê impossibilitada de questionar uma decisão de uma autoridade pública, é inconstitucional por violação do direito de acesso ao Direito e aos Tribunais (artigo 20.º da Constituição), e do princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigo 268.º da Constituição), bem como do desrespeito das regras previstas no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, no que respeita aos requisitos das leis restritivas de Direitos Fundamentais, devendo, por isso mesmo, ser desaplicada, nos termos previstos no artigo 204.º da Constituição.
T. A interpretação efetuada pelo Tribunal a quo é uma interpretação que, de forma absolutamente desproporcionada e sem quaisquer fundamentos factuais ou jurídicos para o efeito, manifestamente inviabiliza a possibilidade da Dreammedia (e, no fundo, de qualquer terceiro) de reagir perante um ato administrativo proferido pela Autoridade que lesa, de forma grave, os interesses do mercado da publicidade exterior, nos quais se inserem, também, os seus próprios interesses, devendo ser recusada pelo Tribunal ad quem, sob pena de violação da proteção de tutela jurisdicional efetiva conferida, pela Constituição e pela Lei, à Dreammedia.
U. O Despacho Recorrido encerra, ainda, uma clara violação de normas e princípios de Direito da União Europeia.
V. De acordo com a jurisprudência constante do TJUE – designadamente, Acórdão do Tribunal Geral, de 04 de julho de 2006, processo T-177/04, e Acórdão do Tribunal Geral, de 11 de dezembro de 2013, processo T-79/12 – em convergência com os parâmetros que vigoram no direito interno português, o recorrente tem interesse em agir se a lide for suscetível de lhe conferir um benefícioe se o seu interesse na lide for real e atual, por referência à data da propositura do mesmo.
W. No caso sub judice, a afetação da posição de mercado da Recorrente e da sua situação comercial bastar-lhe-iam para que as instâncias europeias lhe reconhecessem interesse em agir.
X. Acresce que impedir a Recorrente de impugnar a Decisão da AdC consubstancia uma clara violação do princípio da ação ou da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.º da CDFUE e nos artigos 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Y. A jurisprudência do TJUE salienta também a importância da observância do princípio da proporcionalidade aquando da análise a levar a cabo da verificação do respeito pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva, o que nem sequer foi ponderado aquando da decisão de julgar procedente a exceção dilatória de falta de interesse em agir da Recorrente no presente caso e que, em face das características do procedimento impugnado, deveria ter sido considerado, sob pena de ser desrespeitado como efetivamente foi.
Z. Ao impedir a Recorrente de impugnar, nos termos em que o fez, a Decisão da AdC, o Despacho Saneador redunda numa clara e inaceitável violação do Direito da UE, designadamente do princípio da tutela jurisdicional efetiva e do princípio da proporcionalidade, previstos, respetivamente, nos arts. 47.º e 52.º da Carta, que acompanham o art. 19.º do TFUE.
AA. Ademais, os direitos que a Recorrente pretende ver reconhecidos no âmbito de um procedimento como o dos autos resultam não só do regime jurídico nacional, mas, a montante, do Direito da União, pelo que ao afirmar a falta de interesse em agir da Recorrente, o Despacho Saneador nega-lhe a possibilidade e o direito de ver a sua pretensão, decorrente do Direito da União, apreciada, supostamente, por uma questão processual de direito interno do Estado Membro.
BB. Pese embora seja concedido, na falta de harmonização ao nível da União e de acordo com o princípio da autonomia processual dos Estados-Membros, um espaço de autonomia quanto à definição de regras internas de processo para a apreciação de litígios, esse espaço de autonomia cede perante a possibilidade de ser colocado em causa o cumprimento do princípio da efetividade do direito da União Europeia, que tem como propósito assegurar que as regras de direito interno de um Estado-Membro não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício de direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União.
CC. Se é certo que as regras quanto às modalidades processuais do exercício de direitos são da responsabilidade dos Estados-Membros, não é menos certo que as mesmas, assim como a correspondente aplicação pelos Tribunais, necessariamente devem respeitar duas condições: equivalência (regras não podem ser menos favoráveis do que as regras aplicáveis a ações de direito interno que sejam similares) e efetividade (não podem tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União).
DD. Assim, tendo em consideração que o Despacho Saneador nega à Recorrente a possibilidade de ver efetivamente apreciado e reconhecido um direito decorrente do ordenamento jurídico nacional e europeu, fácil é constatar que está em causa a impossibilidade do exercício de direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União, também em clara violação do princípio da efetividade.
EE. Por fim, no caso de ao Tribunal ad quem restarem dúvidas quanto à violação do Direito da União pelo Despacho Recorrido, tal como acima descrita, e ponderar o Tribunal ad quem validar a solução do Tribunal a quo, não o deve fazer sem antes questionar o TJUE relativamente à correspondente compatibilidade da decisão de negar à Recorrente interesse em agir com normas e princípios de Direito da União e correspondente interpretação constante da jurisprudência do TJUE, antes devendo decidir pelo reenvio prejudicial da seguinte questão, ao abrigo do disposto no segundo parágrafo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia:
Considerando:
a. Que a Recorrente é uma das principais operadoras económicas no setor de mercado em que foi proferida a decisão de não oposição à concentração;
b. Que a Recorrente corre o risco de ver gravemente afetada a sua posição de mercado, caso a operação de concentração, aqui em causa, prossiga;
c. Que a recorrente participou como interessada no procedimento administrativo de controlo de concentrações;
1. É compatível com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, tal como consta do Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 04 de julho de 2006, EasyJet Arlines Co. Ltd contra Comissão das Comunidades Europeias, uma decisão judicial nacional que negue á recorrente o interesse em agir relativamente à decisão impugnada?
2. É compatível com o direito fundamental à ação ou princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 47.º da CDFUE, assim como com o princípio da proporcionalidade, previsto no art. 52.º da CDFUE, interpretados à luz do art. 19.º TUE e do princípio geral da efetividade do direito da União Europeia, tal como reconhecido pela jurisprudência do TJUE, uma decisão judicial nacional que negue o interesse em agir à Recorrente, dessa forma impedindo a Recorrente de sindicar a legalidade de um procedimento de controlo de concentrações, quando: (i) a Recorrente é um dos principais players do mercado em causa e (ii)
a decisão impugnada é suscetível de afetar gravemente a sua posição de mercado?”                                                 
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A “J.C.Decaux (Portugal) – Mobiliário Urbano e Publicidade, Lda.” veio responder ao recurso interposto nos seguintes termos:
“1. DO ALEGADO ERRO DE JULGAMENTO DO DESPACHO RECORRIDO
A. No seu Despacho Saneador, o Tribunal a quo entendeu que a DREAMMEDIA não dispunha de um interesse em agir, pois que “tendo em conta as consequências advindas de uma eventual procedênciada ação,(...)caso esta ocorra, não se antevê qualquer repercussão na esfera jurídica da Autora; esta manter-se-á igual, isto é, nos exatos termos em que se encontrava antes da propositura desta ação, não resultando da decisão a proferir, de forma direta e imediata, um qualquer benefício, uma qualquer utilidade para si”.
B. Contra este entendimento, vem a DREAMMEDIA invocar que disporia de dois tipos de interesses em impugnar a Decisão da AdC:
i. Interesse relacionado com a sua eventual participação num procedimento concorrencial que alegadamente deveria ser lançado para subcontratar um terceiro para executar parte do Lote 1 do Contrato de Lisboa;
ii. Interesse relacionado com a circunstância de a DREAMMEDIA ser uma operadora do mercado, que participou no procedimento de controlo de concentrações, pretendendo, com a demanda, proteger, em geral, a concorrência de mercado no seu setor.
C. Sucede que as alegações da DREAMMEDIA são manifestamente improcedentes.
D. Com efeito, por um lado, e como se demonstrou, ainda que a Decisão da AdC fosse declarada nula por preterição total do procedimento – o que apenas por absurdo se equaciona –, o alegado interesse, invocado pela DREAMMEDIA, em participar num eventual procedimento concorrencial que viesse a ser lançado na sequência dessa declaração não constitui um interesse direto e imediato, mas meramente um interesse reflexo, eventual e longínquo, não preenchendo assim o pressuposto processual do interesse em agir previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 55.º do CPTA.
E. Neste sentido, veja-se a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo citada supra, que tem vindo a reiterar que operadores económicos que, através da sua demanda, pretendam apenas vir ter a chance de participar num concurso futuro não detêm um interesse direto e imediato nessa instância, nos termos e para efeitos da al. a) do n.º 1 do art. 55.º do CPTA, mas apenas um interesse meramente reflexo, eventual e longínquo, pelo que carecerão de interesse em agir.
F. Ainda a este respeito, diga-se que, ainda que assim não se entendesse – o que não se admite e apenas à cautela se equaciona –, a verdade é que este suposto interesse da DREAMMEDIA em impugnar a Decisão da AdC apenas a legitimaria a invocar vícios deste ato administrativo que lhe permitissem, eventualmente e num futuro incerto, vir a celebrar o subcontrato relativo ao Lote 1.
G. Isto porque o interesse em agir tem de ser aferido em relação a cada causa de pedir da demanda, sendo que no contencioso administrativo cada vício da decisão que seja invocado constitui uma causa de pedir autónoma.
H. Ora, dos alegados vícios invocados pela DREAMMEDIA na sua Petição Inicial, e que se reconduzem à não escolha da DREAMMEDIA como subcontratada para a implementação do compromisso assumido pela JCDECAUX na decisão, o único cuja procedência poderia valer-lhe, na sua perspetiva, a possibilidade de vir a celebrar o subcontrato relativo ao Lote 1 seria o de a Decisão da AdC padecer de preterição total do procedimento, conforme por si alegado nos arts. 66.º a 77.º da Petição Inicial.
I. Termos em que, ainda que se reconhecesse que a DREAMMEDIA teria interesse em agir – o que não se admite e apenas à cautela se equaciona –,esse interesse apenas a legitimaria a impugnar a Decisão da AdC com base no vício de preterição total do procedimento, nos termos da al. l) do n.º 2 do art. 161.º do CPA, pelo que as Recorridas sempre deveriam ser absolvidas da instância, por falta de interesse em agir, em relação aos demais alegados vícios da Decisão invocados pela DREAMMEDIA.
J. Por outro lado, os interesses invocados e relacionados com a circunstância de a DREAMMEDIA ser uma suposta operadora de mercado também não justificam o seu interesse em agir.
K. Em primeiro lugar, porque os interesses genéricos e abstratos invocados pela DREAMMEDIA relacionados com a proteção da concorrência (parágrafo i. do ponto 19. supra) não constituem interesses pessoais, mas sim interesses difusos, sem concretização individual, pelo que tais interesses não preenchem o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art. 55.º do CPTA.
L. Em segundo lugar, a circunstância de a DREAMMEDIA ter participado no procedimento de controlo de concentrações que deu origem à Decisão da AdC não significa que esta tenha interesse em agir na presente instância, já que, entre outros motivos explanados supra, a circunstância de a AdC ter entendido que a DREAMMEDIA tinha legitimidade procedimental não vincula, naturalmente, este Tribunal.
M. Em terceiro lugar, ainda que a DREAMMEDIA venha agora alegar, como forma de demonstrar que teria interesse em agir, que é “uma das principais operadoras económicas no mercado da publicidade exterior em Portugal, em especial, no que releva no âmbito da Decisão da AdC, do mercado da publicidade exterior em displays no formato de 2m2” (cfr. ponto 26 das Alegações de Recurso) e que a operação de concentração determinaria “a sua incapacidade para disputar com a JCDecaux novas oportunidades de negócio, as quais reverterão muito mais facilmente para a JCDecaux” (cfr. ponto 34 das Alegações de Recurso), a verdade é que não foram dados como provados, no Despacho Saneador, quaisquer factos que pudessem, ainda que indiciariamente, sustentar tais alegações e tais interesses em impugnar a Decisão da AdC.
N. Porque assim é, torna-se manifesto que nunca se poderia dar como verificado, no presente recurso, que a DREAMMEDIA tem um interesse em agir, já que não foram dados como provados quaisquer factos dos quais se pudesse extrair que esta empresa obteria, num juízo verosimilhança, uma qualquer vantagem direta e imediata com a anulação da Decisão da AdC e a DREAMMEDIA não impugna a matéria de facto do Despacho Saneador.
O. Em quarto lugar e último lugar, ainda que esses genéricos prejuízos pudessem ser tidos em conta no presente recurso – o que não se admite e apenas à cautela se equaciona –, a verdade é que tais prejuízos – e.g. a alegada incapacidade de disputar o mercado com a JCDECAUX – nada têm a ver com a Decisão da AdC.
P. É que, a um tempo, a DREAMMEDIA não apresentou qualquer proposta ao Lote 1 do mencionado concurso (cfr. facto provado 5 do Despacho Saneador), pelo que a verificar-se um qualquer prejuízo relacionado com esse mercado, tal prejuízo não adviria da Decisão, mas sim do facto de esta não ter apresentado proposta ao Lote 1.
Q. A outro tempo, os genéricos prejuízos invocados pela DREAMMEDIA nunca seriam causados direta e imediatamente pela Decisão da AdC, mas sim e quando muito – quod non – pela celebração do Contrato de Lisboa e pela sua execução.
R. Neste sentido e pelo exposto, torna-se evidente que a DREAMMEDIA não dispõe de interesse em agir, visto que com a declaração de nulidade ou anulação da Decisão da AdC nunca obterá, de forma imediata e direta, uma qualquer vantagem.
2. DA ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO LEVADA A CABO NO DESPACHO SANEADOR
S. Nas suas Alegações de Recurso a DREAMMEDIA invoca que o Tribunal a quo teria realizado uma interpretação inconstitucional do artigo 51.º, do n.º 1 do artigo 54.º, da alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do CPTA, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva e dos artigos 20.º e 268.º da Constituição.
T. Sucede que, mais uma vez, a argumentação gizada pela DREAMMEDIA é absolutamente improcedente.
U. Por um lado, porque a DREAMMEDIA limita-se a afirmar que a interpretação realizada pelo Tribunal a quo é inconstitucional, sem explicitar que interpretação seria essa ou sem justificar porque é que essa alegada interpretação seria inconstitucional.
V. Sem prejuízo, como entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 27 de abril de 2011 (processo n.º 2732/10.6PTAVR.C1):“[a]suscitação da questão de inconstitucionalidade tem de traduzir-se numa alegação na qual se indique a norma ou dimensão normativa que se tem por inconstitucional e se problematize a questão da validade constitucional da norma (dimensão normativa) através da invocação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta”.
W. Ora, no caso concreto, verifica-se que a DREAMMEDIA não preenche minimamente o seu ónus de alegação, pelo que o Tribunal ad quem nem deve conhecer da suposta questão de inconstitucionalidade invocada, já que a mesma não foi suscitada de forma suficiente ou minimamente adequada.
X. Em qualquer caso, diga-se que o Tribunal a quo não realizou qualquer interpretação inconstitucional do artigo 51.º, do n.º 1 do artigo 54.º, da alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do CPTA.
Y. A um tempo, porque o Tribunal nem sequer aplicou ou interpretou o art. 51.º, o n.º 1 do art. 54.º ou a al. a) do n.º 1 do art. 68.º do CPTA.
Z. A outro tempo, porque no seu Despacho Saneador o Tribunal a quo limitou-se a explicitar quais os pressupostos de verificação da legitimidade ativa e do interesse em agir do particular impugnante – pressupostos esses que a DREAMMEDIA não põe em causa – e a aplicar o direito ao caso concreto, i.e. a justificar que os interesses invocados por esta empresa não preenchiam aqueles pressupostos.
AA. Neste sentido, deve a argumentação expendida pela DREAMMEDIA, nos pontos 68 a 78 das suas Alegações de Recurso, improceder, devendo manter-se na íntegra o Despacho Saneador.
3. DA ALEGADA VIOLAÇÃO DO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
BB. Nos pontos 79 a 111 das suas Alegações de Recurso, a DREAMMEDIA invocou a invalidade do Despacho Saneador uma vez que este redundaria numa violação do Direito da União Europeia, em particular dos artigos 47.º e 52.º CDFUE, 6.º e 13.º da CEDH e do artigo 19.º do TUE, bem como à luz dos critérios decorrentes da jurisprudência do TJUE para a interposições de recursos anulatórios das decisões da CE.
CC. Ora, em primeiro lugar, sempre caberá dizer que o problema levantado pela RECORRENTE é puramente processual e interno, pelo que encontra a sua resposta no ordenamento jurídico nacional, sendo este um campo em que a própria União Europeia reconhece o seu alheamento, em geral, pelo que não é sequer aplicável qualquer regra do Direito da União Europeia, na resolução da questão discutida.
DD. Esta circunstância decorre não só da ausência de qualquer regulamentação europeia específica em relação a esta matéria – inexiste qualquer fonte de direito primária ou secundária que regule especificamente o direito de recurso de decisões de autoridades da concorrência nacionais em sede de controlo de concentrações perante tribunais nacionais –...
EE....como também da consequente inaplicabilidade de quaisquer princípios comunitários sobre esta matéria; esta é uma zona de autonomia processual dos Estados-Membros.
FF. Mesmo que fosse de atender, por motivos de harmonização, aos critérios do TJUE para admissão, perante si, de recursos anulatórios de decisões da CE, a verdade é que tampouco haveria qualquer desconformidade entres estes e o Despacho Saneador.
GG. Efetivamente, mesmo à luz da jurisprudência citada pela RECORRENTE, o interesse por si alegado é futuro e incerto, não lhe conferindo por isso qualquer benefício atendível à luz do ordenamento jurídico europeu.
HH. Em segundo lugar, cabe destacar que, em particular, no que concerne ao princípio da efetividade, alegado pela RECORRENTE nos pontos 101 a 110 das suas Alegações, a sua colação evidencia um manifesto erro de compreensão por parte da RECORRENTE.
II. Em termos gerais, decorre uniformemente da jurisprudência do TJUE que a obrigação de respeitar os direitos fundamentais garantidos na ordem jurídica da União apenas se impõe aos Estados-Membros quando estes agem no âmbito de aplicação do direito da União.
JJ. Em particular, o mesmo decorre expressamente do artigo 16.ºdo TUE, alegado pela RECORRENTE quanto ao princípio de efetividade: este apenas conflitua com a autonomia processual dos Estados-Membros quando estes estão a aplicar Direito da UE, por exemplo, transpondo uma diretiva.
KK. Na ausência de tal vínculo ao Direito da União Europeia – como é o caso – inexiste espaço para aplicação do princípio da efetividade, subsistindo, tão só, a autonomia processual dos Estados-Membros.
LL. Em terceiro lugar, e no que toca ao princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, resulta cristalinamente que o Despacho Saneador não viola qualquer disposição do Direito da União Europeia.
MM. Não só porque, como explicado, tal bloco de legalidade não é aqui aplicável, como, mesmo que fosse, quod non, a verdade é que o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva apenas visa tutelar quem tem efetivamente algum interesse legítimo e atendível em recorrer.
NN. Aliás, é necessário assegurar que existem alguns requisitos para se recorrer para que os direitos invocados se efetivem, caso contrário, seria impossível ter um sistema de justiça funcional a garantir tais direitos.
OO. Como explicado pelo próprio TEDH e pelo TJUE, o direito de acesso ao direito e a tutela jurisdicional não são direitos absolutos nem ilimitados, podendo ser restringidos licitamente desde que tal restrição tenha como finalidade salvaguardar outro direito ou interesse e respeite o princípio da proporcionalidade, i.e. quando a restrição seja adequada e necessária para alcançar o fim a que se propõe e seja benéfica para o ordenamento.
PP. De acordo com o TJUE, a resolução de litígios de forma mais célere, menos dispendiosa e o aliviar dos encargos sobre o sistema judicial, são alguns dos objetivos de interesse geral que legitimam a imposição de requisitos que restrinjam o direito ao recurso.
QQ. Tanto não há uma restrição desproporcional no acesso ao direito por se exigir o interesse pessoal e direto, que a própria União Europeia também o exige para que se interponha recurso para o TJUE, como resulta do artigo 56.º do Estatuto do TJUE.
RR. Neste sentido, deve a argumentação expendida pela DREAMMEDIA, nos pontos 79 a 111 das suas Alegações de Recurso, improceder, devendo manter-se na íntegra o Despacho Saneador.
4. DA INADMISSIBILIDADE DO PEDIDO DE REENVIO PREJUDICIAL 
SS. Em primeiro lugar, não se percebe minimamente qual a ligação do presente caso a qualquer norma ou princípio de Direito da União Europeia.
TT. Ora, o TJUE só se pronuncia, em sede de reenvio prejudicial, quando está a ser aplicado o Direito da União Europeia.
UU. Em segundo lugar, é manifesto que o pedido formulado nestes termos não cumpre os requisitos de admissibilidade do reenvio, porquanto consubstanciam questões gerais e não contextualizadas.
VV. Em terceiro lugar e último lugar, não se entende a pertinência do reenvio, na medida em que as perguntas não acrescentam nada de inovador, não se suscitam dúvidas reais quanto à aplicação das normas e, portanto, a sua resposta em nada vai auxiliar na resolução do litígio.
WW. Neste sentido, deve ser rejeitado o pedido de reenvio prejudicial formulado da DREAMMEDIA, nos pontos 112 a 120 das Alegações de Recurso.”
*
A “Mop – Multimédia Outdoors Portugal – Publicidade, SA” apresentou, em resposta, as seguintes conclusões ao recurso interposto pela empresa “Dreammedia Portugal, SA”:
“A. Pretendendo a remoção da Decisão do ordenamento jurídico, cabia à Recorrente demonstrar que tinha um interesse específico em obter a nulidade ou a anulação daquela Decisão sempre considerando os respetivos pressupostos: que a Decisão se limita a considerar como adequados os compromissos apresentados pela JCDecaux para que a operação notificada fosse insuscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva no mercado nacional, sendo certo que o ato em crise não decide que a JCDecaux deve celebrar um subcontrato com a MOP; a AdC não decide sobre como deve operar o procedimento prévio desse subcontrato; a AdC, em suma, não se pronuncia sobre nenhuma questão do ponto de vista da contratação pública;
B. Embora a AdC tenha promovido a audição da Recorrente no procedimento administrativo que culminou com o ato aqui impugnado, fê-lo enquanto entidade que atua na área da publicidade Out Of Home e não por ter um específico interesse no acordo que está em causa (nos termos da Decisão (cf. p. 1 do doc. n.º 1 junto com a PI – “Na sequência da publicação do aviso relativo à operação notificada, foram reconhecidos como terceiros interessados no procedimento…)”.
C. A Dreammedia não apresentou proposta ao Lote 1 do concurso público para atribuição do contrato de concessão de uso privativo do domínio público do Município de Lisboa para instalação e exploração publicitária de mobiliário urbano.
D. A Dreammedia litiga relativamente a uma Decisão que, de modo algum, pode vir a ter impacto na sua atividade uma vez que nem se apresentou no concurso para poder explorar este específico tipo de mobiliário urbano.
Do (pretenso) erro de julgamento quanto ao interesse em agir
E. O interesse em agir deve reportar-seao proveito ou ao prejuízo que o deferimento da pretensão deduzida em tribunal proporciona ou evita. Daí que o momento que releva para a sua constatação seja o momento em que o autor ou requerente deduz o respetivo pedido; deste modo, a necessidade de usar a via judicial, que constitui o fundamento do interesse em agir, deve ser justificada, razoável e fundada, o que significa que nem se exigirá que seja absoluta, nem se poderá diluir num mero interesse subjetivo, seja de ordem moral ou académica.
F. Em causa no presente recurso está a vontade de agir judicialmente, não para obter a adjudicação do subcontrato que foi feita à MOP, mas para conservar uma chance de vir a obter a adjudicação de um futuro e hipotético concurso que o Contrainteressado Município de Lisboa viesse a abrir em execução de uma eventual sentença anulatória… embora de uma decisão da AdC.
G. A questão tem sido discutida por vezes como uma questão de legitimidade, mas com ela não deve confundir-se; a questão é saber se a Recorrente tem interesse em fazê-lo quando a sua impugnação é, como agora, sobre uma questão externa à decisão de adjudicação, que aqui surge como um pressuposto para a concretização da decisão de adjudicação.
H. O facto de a Dreammedia ter tido o direito de participar no procedimento que a AdC tramitou não significa, inexoravelmente, que tenha interesse em agir no âmbito de uma ação impugnatória; para que a Recorrente Dreammedia tivesse interesse em agir, teria que demonstrar que em 11-07-2022 (data da ação) tinha algo a ganhar com a apresentação da impugnação, leia-se, que a procedência do pedido lhe daria um proveito direto e imediato.
I. Não o tendo conseguido fazer, deu azo a que o Tribunal a quo tenha julgado procedente a exceção dilatória, que veio a determinar a absolvição da instância; e fê-lo em termos tão absolutamente claros que a Recorrida MOP os dá por reproduzidos nas presentes conclusões.
J. Certo é que se a ação fosse julgada procedente (o que era manifestamente improvável, até considerando o julgamento que foi feito no processo cautelar em que a Recorrente tentou suspender esta mesma Decisão da AdC), a Dreammedia ficava na exata posição em que já se encontra, não conseguindo exercer qualquer direito em execução de sentença.
K. Da procedência de algum dos vícios alegados pela Recorrente na petição inicial nunca resultaria a abertura de um procedimento concorrencial para a atribuição da subconcessão, muito menos por parte da AdC ou imposto por esta.
L. Nestes termos, a AdC limitou-se a validar o acordo de subcontratação, enquanto parte dos compromissos assumidos pela JCDecaux, do ponto de vista da respetiva apreciação dos seus efeitos sobre a estrutura da concorrência, na apreciação do critério substantivo da suscetibilidade de criação de entraves significativos à concorrência efetiva no mercado nacional ou numa parte substancial deste, tendo presentes e no âmbito das competências que lhe assistem.
M. A eventual invalidade da Decisão só poderia ter utilidade se, da decisão renovada que desse julgamento resultasse, a Recorrente retirasse algum benefício; mas, como é completamente falso, ao contrário do alegado, que a AdC tenha assumido (ou devesse assumir) o papel de designar quem será a entidade subconcessionária e de determinar como a mesma se efetivará, a anulação da Decisão nunca faria com que a AdC passasse a designar essa putativa nova entidade nem a escolher como tal se executaria
N. Nunca olvidando que a ora Autora não concorreu ao Lote 1 do Concurso de Lisboa, razão adicional pela qual não tem qualquer interesse em agir em relação à impugnação do ato que autorize a subcontratação e na sua possível anulação.
O. Termos em que são manifestamente improcedentes as conclusões B. a Q. do recurso da Dreammedia.
Da (pretensa) inconstitucionalidade da interpretação feita pelo Despacho Saneador
P. Não só não se verifica qualquer inconstitucionalidade do Despacho recorrido, como os termos em que a mesma foi invocada pela Recorrente sempre farão ceder a respetiva alegação.
Q. Na verdade, a Recorrente limita-se a invocar a pretensa violação dos artigos 20.º, 268.º e 18.º, n.os 2 e 3, da CRP sem fundamentação concreta para qualquer segmento normativo aplicado; aRecorrente não fezo necessário recorte individualizador dos segmentos pertinentes, tal como não fez a construção dos enunciados interpretativos reputados de inconstitucionais com base nos dados casuísticos da decisão recorrida.
R. A Recorrente não só se limitou a enunciar meros preceitos legais e não verdadeiras normas ou enunciados normativos, suscetíveis de constituir objeto idóneo da análise de constitucionalidade, como não explicitou em que medida se poderiam entender afetados os aludidos artigos 20.º, 268.º e 18.º da Constituição, sendo insondável o sentido atribuído pela Recorrente aos artigos 51.º, n.º 1, 54.º, n.º 1, 55.º, n.º 1, alínea a), e 68.º, n.º 1, alínea a), do CPTA e que, de acordo com a sua perspetiva, cuja interpretação padecia de um vício de desconformidade constitucional – sobretudo quando, dessas três normas, apenas o artigo 55.º, n.º 1, alínea a) foi ponderado pela decisão recorrida.
S. Concluindo-se, por isso, que a Recorrente não logrou suscitar, de forma adequada, perante este Supremo Tribunal, a questão de constitucionalidade que agora pretende ver apreciada.
T. Se assim não se entender, sempre se dirá que as restrições de acesso aos tribunais não implicam, inexoravelmente, violação do artigo 20.º ou do artigo 268.º da Constituição.
U. Conforme já decidiu este Venerando Supremo Tribunal importa tomar em consideração, dentro deste quadro geral, o amplo poder de modelação e conformação do sistema processual que a Constituição da República Portuguesa confere ao legislador ordinário na escolha das soluções concretas concernentes à tramitação do processo e que, sem nunca ofender ou afetar, no plano substantivo, aqueles princípios, sejam idóneas a promover uma acção judicial célere, tramitada de forma expedita e verdadeiramente funcional.
V.  Sendo evidente que a Decisão da AdC não lesa quaisquer direitos concretos da Recorrente, é manifesto que a solução de desconsiderar o interesse em agir se coaduna com uma interpretação correta do artigo 55.º do CPTA no contexto do “amplo poder de modelação e conformação do sistema processual que a Constituição da República Portuguesa confere ao legislador ordinário na escolha das soluções concretas concernentes à tramitação do processo”.
W. A decisão aqui recorrida não coarta à Recorrente os direitos que diz deter, no que respeita à defesa da sua tese de que pode almejar a que seja celebrado um acordo de (suposta) subconcessão consigo.
X. Não sendo alcançável o direito, direto e imediato, que poderia resultar da eliminação da Decisão do ordenamento jurídico, não poderá nunca se dizer que o princípio da tutela jurisdicional efetiva foi violado.
Y. Termos em que são manifestamente improcedentes as conclusões R. a T. do recurso da Dreammedia.
Da (pretensa) violação de normas de Direito Europeu
Z. Como se demonstrou nestas alegações, à questão de apreciar se a Recorrente tem ou não interesse emagirna causanão foi aplicado nemé aplicável o Direito da União Europeia. Todos os casos a que a Recorrente faz referência, na vã tentativa de fazer valer a sua posição, são diferentes do dos presentes autos e não faz, também por isso, qualquer sentido a sua invocação como de seguida melhor se explanará.
AA. Relativamente aos acórdãos MCI, NBV, EasyJet Arlines e Cisco Systems, estávamos perante ações relativas a atos adotados por instituições da UE, incluindo em particular e no primeiro e últimos dois casos concentrações de dimensão comunitária. Em tais casos era obviamente normal e expetável que se aplicasse o Direito da União Europeia e não o direito nacional dos Estados-Membros. Tais decisões são adotadas econstituemo exercício,por parte da Comissão Europeia enquanto instituição da UE, de competências da União, conforme expresso nos arts 288.º e 3.º, n.º 1, al. b), do TFUE e 17.º, n.º 1, do TUE.
BB. Na perspetiva contrária, ou seja, numa concentração de empresas de mera dimensão nacional apenas se aplica o direito português e já não o Direito da União Europeia, em especial no que respeita a questões processuais como a controvertida.
CC. E por isso naqueles casos foi aplicável exclusivamente o direito da União Europeia, designadamente e desde logo os critérios estabelecidos para o efeito pela respetiva jurisprudência, no que se refere ao interesse em agir.
DD. Sendo que é manifesto que o acórdão MCI referido pela Recorrente a este respeito nada tem que ver com a sua situação: a Recorrente não é destinatária da Decisão da AdC, como sucedia no caso da recorrente no acórdão referido, pelo que, ao contrário do que naquele caso sucedia, não faz sentido discutir repercussões de supostos benefícios na sua esfera jurídica.
EE. Já no caso da alusão ao acórdão NBV, que se reportava a um caso de aplicação do atual art. 101.º do TFUE (ex-85.º CE), a Recorrente esqueceu-se de mencionar que o Tribunal considerou que as então recorrentes apenas invocaram situações futuras e incertas, para tentar justificar o seu interesse em requerer a anulação do ato impugnado (decisão da Comissão Europeia).
FF. Ao contrário do que a Recorrente insiste em não perceber, ainda que a Decisão da AdC viesse a ser anulada, esta não teria quaisquer obrigações de vincular a notificante à concreta adoção de quaisquer outros compromissos, em particular ao lançamento de procedimentos concorrenciais para a subconcessão do Contrato de Lisboa, como insiste a Recorrente no artigo 38.º das suas Alegações - cfr. artigo 51.º, n.ºs 1, 3 e 4, da LdC.
GG. E ainda que quod non assim não fosse (sem conceder), a verdade é que nem por isso estaria assegurado qualquer benefício para a Recorrente, porquanto uma sua suposta vitória num tal hipotético procedimento concorrencial seria sempre futura e incerta, conforme decorre da referida jurisprudência NBV.
HH. Para além de que a jurisprudência dos tribunais da UE, recorde-se, apenas interpreta os termos previstos no disposto no art. 263.º, 4.º parágrafo, do TFUE e não obviamente a letra e o espírito do legislador nacional, mormente do disposto nos arts. 50.º e ss. do CPTA, em particular no respetivo art. 55.º, n.º 1, al. a).
II. Por fim, a Recorrente alega que com o conhecimento da suposta “afetação da posição de mercado da Recorrente e da sua situação comercial”, as instâncias europeias reconhecer-lhe-iam interesse em agir.
JJ. Esta afirmação tem por base, desde logo, várias falácias associadas, como sejam o dar por provado a suposta afetação da sua posição de mercado e situação comercial, bem como o que acima referiu quanto às diferenças entre o direito processual nacional aplicável e o direito da União.
KK. Acresce que as decisões das instâncias europeias no âmbito dos casos concretos que lhe são apresentados não vinculam sem mais as instâncias nacionais - sobretudo quando a aplicação do Direito da União não está sequer em causa, como aqui sucede -, devendo, pelo contrário, cada caso concreto ser analisado de forma cuidadosa e casuisticamente.
LL. Não há, pois, em suma e em conclusão e ao contrário do que pretende a Recorrente, qualquer violação, por parte do Despacho Recorrido, do direito da União Europeia, porquanto e desde logo, porque o mesmo não foi por aquele aplicado. Depois, porque não precisava de ser aplicado nem tinha que ser aplicado, dado que inexistia qualquer obrigação legal imposta ao Douto Tribunal a quo para o aplicar. E finalmente e em qualquer caso, porque o Douto Tribunal a quo não tinha propriamente uma obrigação legal de interpretar o direito nacional à luz do Direito da União, dado tratar-se de matérias iminentemente processuais e atento o princípio da autonomia processual dos Estados-Membros.
MM. Demonstrou-se também nestas alegações que o Despacho Saneador não aplicou a Carta no caso dos autos, sendo que só quando os Estados-Membros apliquem o direito da União é que a mesma é aplicável.
NN. E a verdade é que a Recorrente não apresenta qualquer fundamento para o seu entendimento, limitando-se a invocar o artigo 101.º do TFUE e o Regulamento (CE) n.º 139/2004 (os quais não foram nem seriam aplicáveis), sem apresentar qualquer explicação quanto à suposta respetiva aplicabilidade.
OO. De igual forma, uma vez que o princípio da efetividade pretende assegurar que as regras de direito interno dos Estado-Membros não tornem impossível ou excessivamente difícil o exercício de direitos decorrentes da ordem jurídica da União europeia; e que o presente caso não consubstancia a aplicação de modalidades processuais de ações destinadas a garantir a proteção de direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, nunca poderia estar em causa o dito princípio da efetividade.
PP. Aliás, a não ser assim e a considerar-se a aplicação, sem mais, deste princípio (o que se concede apenas por mera cautela de patrocínio), estaríamos a conceder que o direito da União seria sempre aplicável, independentemente da respetiva aplicação ao caso concreto, o que obviamente não se coaduna com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º do TUE, n.º 1 do artigo 4.º do TUE, sendo que as competências daquela estão atualmente elencadas nos artigos 3.º, 4.º e 6.º do TFUE;
QQ. Assim e em conclusão, posto que nem o Despacho Recorrido nem a precedente Decisão da AdC aplicaram (ou deveriam ter aplicado) Direito da União na génese da sua decisão, não tendo sido (nem sendo), por isso, esse direito aplicado ao caso concreto por parte do Estado-Membro, como se exige no artigo 51.º, n.º 1, da Carta, nunca poderiam, por isso mesmo, ser aplicável o disposto em qualquer dos invocados artigo 19.º do TUE e/ou artigos 47.º e 52.º da Carta ou violado o princípio da efetividade.
RR. Termos em que são manifestamente improcedentes as conclusões U. a DD. do recurso da Dreammedia
Do (pretenso) preenchimento dos pressupostos de reenvio para o Tribunal de Justiça da União Europeia
SS. É condição indispensávelpara o reenvio de questões aoTJUE, a título prejudicial, que o direito da União Europeia se aplique no processo em causa – algo que, no presente caso, não sucede, nem nos termos constantes do Despacho Recorrido, nem nos termos constantes da Decisão da AdC impugnada, conforme supra se deixou claro.
TT. Não se vislumbra, pois, que normas, aspetos ou princípios de direito da União Europeia pudessem carecer de correta e concreta interpretação e aplicação, nem de que forma se afiguraria tal como necessário e pertinente para o julgamento do litígio principal, mormente obter esclarecimentos em relação às questões sugeridas pela Recorrente.
UU. Também não se pode dizer que estas supostas normas ou princípios tenham sido objeto de interpretação e aplicação diferenciada pelas partes, ou que exista um conflito de interpretação de uma norma de direito interno com o direito ou jurisprudência da União.
VV. Desde logo se reitera que as disposições legais que a Recorrente suscita, designadamente os arts. 47.º e 52.º da Carta, só se aplicariam caso se aplicasse o direito da União, conforme dispõe o art. 51.º, n.º 1, da própria Carta – algo que não se verifica. Para que o TJUE se pronunciasse a título prejudicial, sempre seria necessário que resultasse, de forma clara e inequívoca, que se aplica uma regra de direito da União diferente da Carta, não bastando que a Recorrente tenha referido o art. 19.º TUE para sustentar a sua posição.
WW. Ademais, nuncabastaria que a Recorrente referisseasdisposiçõeslegais decorrentes do direito da União Europeia que poderão suscitar dúvidas de interpretação, porque à semelhança do que o órgão jurisdicional de reenvio estaria obrigado a fazer, também a Recorrente deveria ter exposto os elementos pertinentes, de facto e de direito, que a levaram a considerar que haveria disposições do direito da União aplicáveis ao presente processo. O que manifestamente não sucedeu no presente caso, como anteriormente se aludiu e aqui se deve considerarreproduzido.
XX. De qualquer forma, questões como as sugeridas pela Recorrente parecem pressupor uma certa interpretação de regras de direito nacional, de que são exemplo as normas relativas à apreciação do seu concreto interesse em agir relativamente à Decisão da AdC, parecendo até mesmo pressupor uma análise mais profunda em relação à própria decisão impugnada – e quanto a estes aspetos, não existem já dúvidas de que estes nunca deverão ser objeto de um hipotético pedido de decisão prejudicial, estando unicamente sujeitos à análise do órgão jurisdicional nacional.
YY. A este respeito se refere que o TJUE apenas deverá responder a questões colocadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais através da interpretação abstrata de princípios e normas de direito da União, e nunca fornecer indicações específicas ao mesmo sobre como deveria resolver o caso concreto.
ZZ. Caso o TJUE o fizesse, a razão de ser do reenvio prejudicial-de garantir a uniformidade de aplicação do direito da União Europeia-seria completamente subvertida,  que a interpretação fornecida pelo TJUE não poderia ser transposta para outras situações, ao estar intrinsecamente ligada com o litígio principal e estritamente adaptada a este.
AAA. Mesmo considerando que se aplicariam disposições de direito da União (o que não sucede e nem se concede que possa suceder), e mesmo admitindo a situação de obrigatoriedade de reenvio prejudicial constante no terceiro parágrafo do art. 267.º do TFUE, o recurso ao mecanismo de reenvio prejudicial sempre seria dispensável, por estarem preenchidos os requisitos, decorrentes do acórdão do TJUE no caso CILFIT.
BBB. Como resulta à saciedade do que supra se disse, é manifesto que, no presente caso, não houve nem há lugar à aplicação do direito da União, pelo que, desde logo e só por essa razão, as questões suscitadas pela Recorrente não seriam pertinentes e o reenvio desnecessário e não obrigatório.
CCC. Mas mesmo assumindo que ao presente caso se aplicariam normas de direito da União (o que não é obviamente caso e se concebe apenas por mera cautela de patrocínio, sem conceder nem prescindir), é evidente que as questões suscitadas pela Recorrente não são pertinentes nem tão pouco necessárias, e as respostas às mesmas não poderiam, de forma alguma, afetar a resolução do litígio, uma vez que o Tribunal ad quem dispõe já de todos os meios e pressupostos necessários à tomada da sua decisão.
DDD. Por fim, refere-se que nem mesmo as questões formuladas pela Recorrente a título de sugestão são elaboradas de forma rigorosa e de acordo com os ditames amplamente reconhecidos para o efeito.
EEE. Acresce que o TFUE não concede poderes ao TJUE para decidir sobre jurisprudência, mas sim sobre a aplicação e interpretação de normas de direito da União (cfr. o art. 267.º do TFUE).
FFF. O problema, no presente caso, é que a norma em questão, nos casos da referida jurisprudência, era o supra referido art. 263.º, quarto parágrafo, do TFUE, o qual não tem qualquer aplicação no presente caso, claro está. O que a Recorrente tenta habilmente ultrapassar, referindo-se antes à necessidade de supostamente se ter que compatibilizarjurisprudência com uma “decisão judicial nacional”, o que, como é óbvio, não cabe nas atribuições do TJUE, no quadro do mecanismo previsto no art. 267.º do TFUE.
GGG. Em suma, e tendo em conta o conjunto de razões acabados de elencar, deverá ser indeferido o pedido de reenvio prejudicial realizado pela Recorrente.
HHH. Termos em que é manifestamente improcedente a conclusão EE. do recurso da Dreammedia.”
*
O Município de Lisboa também respondeu, sustentando, muito em síntese, que o recurso deve ser julgado improcedente, que deve ser julgada procedente a excepção da falta de interesse em agir da recorrente “Dreammedia Portugal, SA” e que não se justifica a formulação de quaisquer questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
*
Por seu turno, a “Autoridade da Concorrência” também respondeu ao recurso interposto pela “Dreammedia Portugal, SA”, que terminou com a formulação das seguintes conclusões:
“A. Em função das conclusões, as questões a dirimir, que inquinam o Despacho do TCRS objeto do presente recurso, segundo a sua sequência lógica, são as seguintes:
a) Do erro de julgamento do Despacho Recorrido
b) Da violação do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva
c) Da violação do Direito da União Europeia
d) Do preenchimento dos pressupostos de reenvio para o Tribunal de Justiça da União Europeia
Do alegado erro de julgamento
B. O Despacho faz uma correta aplicação e interpretação do artigo 55.º do CPTA quando conclui que a Recorrente não tem interesse em agir.
C. Resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º do CPTA, que tem legitimidade para impugnar atos administrativos quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato, neste caso a decisão da AdC, nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
D. Significa isto que a decisão da AdC deve, neste momento, provocar consequências desfavoráveis na esfera jurídica da Autora, de modo que a anulação ou declaração de nulidade da decisão lhe traga, àquela, pessoalmente uma vantagem direta ou imediata.
E. Não se antevê, nem é alegado, qualquer vantagem económica ou jurídica diretamente para a Dreammedia na anulação do ato administrativo, isto é, da decisão da AdC de não oposição com compromissos, como bem decidiu o tribunal a quo.
F. A Dreammedia pretende, com a ação de impugnação do ato administrativo emitido pela AdC, que o acordo de subconcessão seja celebrado tendo por base um procedimento concursal novamente aberto a todos os operadores de mercado, sendo celebrado novo contrato entre o Município de Lisboa e esse novo operador, de preferência a Dreammedia, pretensão esta sem qualquer respaldo na lei.
G. E que, em circunstância alguma, a AdC, na esfera das suas atribuições, poderia impor.
H. O interesse da Autora nesta ação administrativa é um interesse meramente hipotético, tal como acertadamente julgou a Sentença, do qual não advém diretamente qualquer utilidade para a Dreammedia, resultando na falta de interesse em agir da Autora, o que constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que se invoca para todos os devidos efeitos legais, a qual obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e determina a absolvição da Ré da instância (cf. n.º 2 do artigo 89.º do CPTA).
I. O interesse direto e real da Recorrente prende-se com a impugnação da adjudicação do contrato de Lisboa à JCDecaux, e que nada tem a ver com a decisão da AdC. A AdC apenas aprecia jusconcorrencialmente essa operação de concentração e se a mesma é suscetível ou não de criar entraves significativos à concorrência efetiva no mercado.
J. O que a Recorrente pretende, e efetivamente já se muniu dos meios adequados para o efeito, é a impugnação desse concurso e respetiva adjudicação, obtendo sim daí uma vantagem efetiva caso os tribunais considerassem anular tal ato administrativo, não existindo portanto um interesse direito, rela e pessoal na obtenção da anulação da decisão da AdC.
K. Quanto ao alegado interesse em agir para defesa da concorrência, a Recorrente não concretiza em que medida o seu interesse em agir resulta numa melhor defesa da concorrência, mormente, porque é um agente económico no mercado que não foi escolhida num procedimento de adjudicação, resultante de um compromisso apresentado pela JCDecaux.
L. Ora mais uma vez releva a natureza hipotética do seu direito, e falta do seu interesse em agir, conquanto não se trata de um interesse pessoal e direto pois o direito da concorrência que pretende defender, salvaguarda do mercado da publicidade de exterior, é um direito difuso de natureza coletiva.
M. Ou seja, é um direito coletivo, integra direitos de grupo, categoria ou classe de pessoas.  Logo, não são diretos, individuais e concretos. Pelo que esta para não seria a Ação própria.
N. O que a Recorrente pretende com a anulação da Decisão da AdC é ter acesso a um concurso público de adjudicação (Lote 1) mas como já se referiu a anulação da decisão nunca permitiria à Recorrente, e muito menos de forma direta ou imediata, explorar o Lote 1 (como decorre do próprio Despacho Saneador), pelo que, ao não se ter apresentado a concurso quando o mesmo foi lançado, não pode agora vir “corrigir” a sua decisão e alegar eventuais prejuízos, que são da sua única responsabilidade.
O. Quanto à alegada defesa da concorrência não concretiza em factos concretos onde a mesma foi violada pelo facto de não ter sido a empresa escolhida pela JCDecaux, para a exploração de 40% do direito de uso exclusivo do domínio público do Município de Lisboa relativo ao Lote 1 do Contrato de Lisboa, para satisfazer as dúvidas suscitadas pela AdC.
P. A Recorrente simplesmente não concorda com a entidade apresentada pela Notificante para subconceder parte do contrato de concessão a si adjudicado, não apresentando qualquer argumento concreto e plausível que coloque em causa a avaliação jusconcorrencial da AdC na sua Decisão.
Q. A posição que a Recorrente alega ter no mercado da publicidade não resulta da matéria de facto dada como provada, logo, não pode reivindicar a sua posição no mercado para fundar uma alegada violação da concorrência.
R. Decorrente do princípio da separação e interdependência de poderes a sindicância dos tribunais administrativos, não se debruça sobre os aspectos discricionários do acto (da conveniência ou oportunidade) da Administração, antes julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e da sua atuação – cf. n.º 1 do artigo 3.º do CPTA.
S. Por outro lado, a necessidade de convocar nos termos do artigo 47.º da lei da concorrência, os potenciais contrainteressados de uma operação de concentração, não confere interesse processual em agir na presente ação pelas razões supra expostas quanto à necessidade de obter um efeito útil com a Ação, conquanto o tribunal só tem um controlo de legalidade das decisões da AdC.
T. E como prescreve o n.º 3 do art. 55.º do CPTA: intervenção do interessado no procedimento em que tenha sido praticado o acto administrativo constitui mera presunção de legitimidade para a sua impugnação. E, consequentemente, do seu interesse em agir.
U. Ora, como defende Mário Aroso de Almeida, que acompanhamos: esta presunção não vincula os tribunais, que podem conhecer oficiosamente de factos que contrariem o preenchimento deste pressuposto processual , como se verificou in casu.
V. Sendo o interesse processual um requisito processual de admissibilidade da ação, a par da legitimidade, o não preenchimento daquele, redunda na excepção inominada de falta de interesse em agir.
Da alegada violação do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva – Da alegada inconstitucionalidade da interpretação das disposições do n.º 1 do art. 51.º, n.º 1 do art. 54.º, al. a), do n.º 1 do art. 55.º, e al. a), do n.º 1 do art. 68.°, todos do CPTA
W. A Recorrente não explicita o sentido da norma que foi aplicada pelo TCRS que implica que a Recorrente veja coartado o seu direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, pelo que se revela difícil declarar qualquer tipo de inconstitucionalidade.
X. As normas e doutrina que traz à colação para fundamentar a sua tese de  inconstitucionalidade são considerações gerais e de enquadramento sem qualquer sustento no Despacho-Saneador que invoca estar ferido de inconstitucionalidade e que, em abono da verdade, nem permitem afastar a decisão do Tribunal a quo, designadamente, por alegada aplicação e interpretação inconstitucional de normas do CPTA.
Y. É que os tribunais não devem ser chamados a decidir causas inúteis, tal como foi decidido em caso, sem que tal contenda com qualquer direito da Recorrente.
Z. Pois é claro que há falta de interesse em agir quanto o autor funda a sua causa de pedir num direito meramente eventual, não atual, hipotético sem que dai resulte qualquer violação à tutela jurisdicional efetiva e ao acesso aos tribunais, como o demonstram a doutrina e a jurisprudência onde se respalda o Despacho Saneador.
AA. As pretensões da Recorrente não podem ser satisfeitas pela presente ação, na medida em que o só putativamente podem ser efetivadas, como supra se explicou e como melhor desenvolvido e fundamentado na Sentença, logo, não há nenhuma violação da tutela jurisdicional efetiva ou do acesso ao direito.
BB. O que alega ser uma interpretação e aplicação inconstitucional das normas da alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º do CPTA não é mais do que a simples discordância com a decisão do TCRS, da qual resulta com meridiana clareza que a decisão é proporcional e assente em fundamentos factuais e jurídicos como supra se demonstrou.
CC. Resultando a sua discordância da decisão do TCRS e não de qualquer interpretação normativa que tenha sido aplicada então nenhuma inconstitucionalidade há a declarar.
DD. A Recorrente já por diversas vezes recorreu aos Tribunais para impugnar o concurso público de Lisboa – a nosso ver o meio adequado para a sua efetiva pretensão – conforme, a título de exemplo, a notícia de 22.09.2022 do jornal ECO
EE. O Despacho Saneador não convocou as normas conjugadas do n.º 1 do artigo 51.º, n.º 1 do artigo 54.º, alínea a), do n.º 1 do artigo 55.º, e alínea a), do n.º 1 do artigo 68.°, todos do CPTA, para julgar a exceção dilatória de falta de interesse em agir, logo, in casu, também por esta via, não há interpretação inconstitucional das normas alegadamente conjugadas que deva ser conhecida por este Venerando Tribunal.
FF. Pelo exposto não deve, assim, a alegada interpretação conjunta dos do n.º 1 do artigo 51.º, n.º 1 do artigo 54.º, alínea a), do n.º 1 do artigo 55.º, e alínea a), do n.º 1 do artigo 68.°, todos do CPTA, no respeitante à exceção dilatória de falta de interesse em agir, aventada pelo Tribunal a quo ser recusada pelo Tribunal ad quem, conquanto não há violação da proteção de tutela jurisdicional efetiva conferida à Dreammedia, pela Constituição e pela Lei que deva ser julgada.
Da alegada violação do direito da União Europeia
GG. A AdC não se revê nesta posição da Recorrente conquanto, para sustentar a sua alegação convoca vários acórdãos do TJUE para a interposição de recursos anulatórios das decisões da Comissão Europeia e as normas 47.º e 52.º da Carta e do 19.º do TUE, que não têm qualquer aplicação ao caso concreto pois não foi aplicada nenhuma norma de direito europeu para resolver o caso concreto.
HH. O que se analisa é a legitimidade processual para recorrer de uma decisão da AdC à qual, como não poderia deixar de ser, aplicam-se as regras processuais nacionais, nomeadamente, o arts. 9.º e 55.º do CPTA, ex vi art. 91.º da Lei da Concorrência.
II. O princípio que convoca da tutela jurisdicional efetiva está previsto na CRP e não requerer o auxílio/subsídio dos princípios do direito da União e da Carta para ser efetivado.
JJ. Ainda que assim não se concorde, o que se coloca por dever de patrocínio mas sem conceder, a jurisprudência do TJUE que convoca para defender a sua tese - “recorrente tem interesse em agir se a lide for suscetível de lhe conferir um benefício e se o seu interesse na lide for real e atual, por referência à data da propositura do mesmo”, não permite afastar a falta de interesse em agir que sempre teria.
KK. A pretensão da Recorrente não teria como consequência a reversão e substituição da Decisão da AdC por uma outra decisão de recusa do acordo de Subconcessão celebrado entre a JCDecaux e a MOP e, a jusante, o lançamento de um novo procedimento concorrencial no qual a Autora tem expectativas legítimas de vencer. Pelo menos, de forma direta e imediata.
LL. Da lide não resulta um benefício nem o seu interesse é real e atual conquanto, mesmo que por hipótese a decisão da AdC pudesse ser substituída por outra com outros compromissos, o compromisso de desinvestimento de 40% do lote 1 do contrato de adjudicação, não determina que a empresa escolhida seja a Dreammedia
MM. Do exposto só se pode concluir que é manifestamente improcedente a alegação da Recorrente.
Da alegada violação do princípio da proporcionalidade
NN. Como supra se referiu não se concede que estejamos perante a aplicação do direito da união europeia, não obstante, ainda que se estivesse, não se alcança em que medida a decisão do Tribunal a quo não é proporcional ao julgar que não está preenchido o pressuposto processual da falta de interesse em agir, quando é a mesma jurisprudência citada pela Recorrente que exige um benefício e um interesse real e atual.
OO. Naturalmente para evitar decisões desnecessárias e inúteis, pois como é bom de ver o TJUE também não aceita/admite todas os recursos que lhe são dirigidos, sem que com tal se esteja a violar o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
PP. Pelo que por esta via o recurso da Recorrente também se revela improcedente
Da alegada violação do princípio da efectividade
QQ. Estando em causa o princípio da tutela jurisdicional efetiva ou o direito de a Recorrente poder aceder aos tribunais para salvaguarda e tutela dos seus interesses, o exercício desse direito nunca foi obstaculizado.
RR. Tanto assim é que a Recorrente não só pode sindicar o Despacho Saneador, como efetivamente o fez. Coisa diferente seria se a Recorrente estivesse impedida de sindicar o teor do Despacho, o que não sucede.
SS. A invocação do princípio da efetividade, tal como consagrado no direito da União, não serve para contornar a não verificação de requisitos processuais nacionais na propositura de ações.
TT. Os princípios de direito da União não estão ao dispor das partes como ferramentas de correção e reinterpretação da posição dos tribunais nacionais de cada vez que essa posição não está harmonizada com as suas pretensões.
UU. No caso, o Despacho Saneador não torna nem difícil, nem excessivamente difícil à Dreammedia ver tutelados os seus direitos (mais a mais, quando o próprio Despacho Saneador considera que o interesse Recorrente na lide é eventual e hipotético). É que a reversão do Despacho e a substituição da Decisão da AdC por uma outra não teria, como efeito útil, lançamento de um novo concurso no qual a Dreammedia saísse efetivamente vencedora.
VV. ão se compreende de que forma é que o princípio da efetividade permite à Dreammedia alterar esta realidade
Do pedido de reenvio prejudicial
WW. Não há, nesta sede, lugar ao acionamento do mecanismo de reenvio prejudicial porquanto, no caso concreto, não se aplica o direito da união europeia mas o direito processual nacional pelo que não se suscitaram dúvidas quanto à interpretação de normas de direito comunitário, dado que a jurisprudência prolatada a este respeito fornece já consistentes subsídios para a resolução do caso cm concreto.
XX. A Recorrente não alega qualquer norma ou ato da Entidade que deva ser objeto de interpretação por parte do TJUE, pois não foi aplicado o direito da União, pelo que entende a AdC que o pedido de reenvio prejudicial, tal como vertido nas várias questões formuladas pela Autora, não tem razão de ser, devendo ser considerado improcedente.
YY. A não verificação dos pressupostos formais de reenvio prejudicial e falta de pertinência e necessidade das questões invocadas determina a desnecessidade de recurso ao TJUE para resolver as alegadas duvidas aventadas pela Recorrente.
ZZ. Das duas questões que a Recorrente suscita considera-se, em boa verdade, que não é uma uniforme e efetiva aplicação de direito da União que a Recorrente pretende, mas antes sindicar uma interpretação do direito processual interno diversa do Despacho Saneador (antecipando eventual discordância com aquela que vier a ser feita pelo Tribunal). Isto é, pretendem uma reapreciação que vá ao encontro das suas expetativas por um Tribunal da União Europeia.
AAA. As questões formuladas pela Recorrente a título prejudicial são, pois, impertinentes. São, igualmente, desnecessárias e hipotéticas, pelo que o pedido de reenvio prejudicial deve ser julgado improcedente.”
*
Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
a) Factos provados:
O tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:
1. O MUNICÍPIO DE LISBOA promoveu o Concurso Público com Publicidade Internacional para Concessão de Uso Privativo do Domínio Público do Município de Lisboa para Instalação e Exploração Publicitária de Mobiliário Urbano (n.º 04/CPI/DA/CCM/2017) tendente à celebração de um contrato de concessão de uso privativo de domínio público do Município de Lisboa para instalação e exploração publicitária de Mupis (mobiliário urbano para informação), Abrigos e Sanitários.
2. O referido contrato apresentou-se como uma nova geração de contratos de gestão do mobiliário urbano de Lisboa, com especial destaque para:
(i) A qualificação da oferta de serviços com clara utilidade pública aos cidadãos;
(ii) A valorização da acessibilidade, a redução de posições e a uniformização dos formatos;
(iii) A utilização de tecnologia moderna, como os formatos digitais, os quais representam uma nova era do mercado de OOH, de forma poder concorrer de forma mais efetiva com o comercial online; e
(iv) A otimização, em mais de 100%, da contrapartida financeira para o MUNICÍPIO DE LISBOA.
3. O objeto do procedimento estava organizado em 3 Lotes:
3.1. O LOTE 1 integrava os Mupis, os Abrigos e os Sanitários (900 Mupis, 2000 abrigos e 75 sanitários);
3.2. O LOTE 2 integrava os painéis digitais de grande formato e os Mupis digitais (painéis de grande formato em número não superior a 125 com área de faces publicitárias entre 2500m2 e 3000m2 e 20 mupis digitais e 5 painéis digitais 4x3m, a utilizar exclusivamente como equipamento informativo municipal) e
3.3. O LOTE 3 correspondia à totalidade dos equipamentos que integravam os Lotes 1 e 2.
4. O critério de adjudicação fixado foi o da remuneração mais alta, sendo que o Lote 3 apenas seria objeto de adjudicação se a remuneração proposta para esse Lote por qualquer dos concorrentes fosse superior em pelo menos 5% à soma das remunerações mais altas propostas para os Lotes 1 e 2.
5. Apresentaram proposta nesse Concurso, as seguintes empresas, nos seguintes termos:
LOTE 1:
Cemusa – €4.000.000,00;
CP-I – €5.240.001,00;
JCDecaux – €4.100.000,00;
LOTE 2:
CP-II – €3.161.251,00;
Alargâmbito (atualmente DreamMedia) – €3.150.050,00;
Cemusa – €2.250.000,00;
JCDecaux – €2.800.000,00.
LOTE 3:
Cemusa – €7.678.125,00;
JCDecaux – €8.300.000,00.
6. Foram excluídas do procedimento as seguintes propostas:
LOTE 1: CP-I;
LOTE 2: CP-II e Cemusa;
LOTE 3: Cemusa.
7. O que veio a resultar na seguinte ordenação das propostas não excluídas:
LOTE 1:
1.º classificado: JCDecaux – €4.100.000,00;
2.º classificado: Cemusa – €4.000.000,00.
LOTE 2:
1.º classificado: Alargâmbito (atualmente DreamMedia) – € 3.150.050,00;
2.º classificado: JCDecaux – €2.800.000,00.
LOTE 3:
Único classificado: JCDecaux – €8.300.000,00.
8. No que concerne ao LOTE 3, atendendo ao critério de adjudicação definido pelo Contrainteressado MUNICÍPIO DE LISBOA nos artigos 19.º e 20.º do Programa do Concurso, a adjudicação recaiu sobre a proposta da Contrainteressada JCDECAUX, dada a respetiva remuneração anual proposta (€ 8.300.000) ser superior em mais de 5% da soma das remunerações anuais mais altas propostas para os Lotes 1 e 2, soma essa que perfazia € 7.250.000.
9. No âmbito do referido procedimento, em 14-07-2018, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou a Resolução n.º 348/CM/2018, adjudicando à JCDecaux a concessão para o uso privativo do domínio público do Município de Lisboa para a instalação e exploração de publicidade em mobiliário urbano.
10. Após a adjudicação do Contrato de Lisboa à JCDecaux, a MOP e a Associação Portuguesa de Anunciantes (“APAN”) apresentaram denúncias de gun jumping, junto da AdC, alegando que a adjudicação do Contrato de Lisboa à JCDecaux consubstanciaria uma concentração, nos termos do artigo 36.º da LdC, e, por isso, sujeita à obrigação de notificação prévia à implementação do contrato, nos termos do artigo 37.º do mesmo diploma, obrigação esta que, segundo estas empresas, não teria sido cumprida pela JCDecaux.
11. Assim, a AdC desencadeou um procedimento com vista a determinar se a adjudicação do Contrato à JCDecaux consubstanciava uma operação de concentração e, em caso de resposta positiva, se estava sujeita à obrigatoriedade de notificação prévia, tendo concluído que, efetivamente, estaria em causa uma operação de concentração sujeita a notificação ao abrigo do Regime Jurídico da Concorrência.
12. Tendo concluído, por decisão datada de 21-02-2019, o seguinte: «[...]
--A transferência do direito de uso privativo em causa para a JCDecaux configura uma operação de concentração nos termos do artigo 36.° da Lei da Concorrência.
--A aquisição do direito de uso privativo será de notificação prévia obrigatória à luz da alínea a) do n.° 1 do artigo 37.° da Lei da Concorrência.
--A operação correspondente à aquisição do direito de uso privativo pode ainda ser notificada dentro do prazo para o efeito estabelecido nos termos do n.° 2, in fine, do artigo 37.° da Lei da Concorrência. [...]».
13. Com efeito, a AdC entendeu que a aquisição de controlo exclusivo sobre o Footprint Adicional resultaria da adjudicação à JCDecaux, em 2018, do direito de uso exclusivo do domínio público municipal para instalação de mobiliário urbano e do direito de operar displays publicitários a serem integrados em alguns destes equipamentos para exploração de publicidade exterior.
14. Sendo que, na sequência da adjudicação em causa, seria celebrado um contrato de concessão entre a Câmara Municipal de Lisboa e a JCDecaux, conferindo a esta o referido direito exclusivo de uso e exploração económica.
15. A operação de concentração resultaria, assim, da adjudicação à JCDecaux do uso do mobiliário urbano no Município de Lisboa, em regime de exclusividade, por um período de 15 anos.
16. Em resultado da operação de concentração, a JCDecaux reforçaria a sua quota de mercado de 56,8 para 66,8, passando, assim, a controlar 2/3 da publicidade exterior em displays de pequeno formato, a nível nacional.
17. A AdC, depois da definição e análise do mercado relevante, concluiu que a operação de concentração, tal como inicialmente notificada e na ausência de quaisquer compromissos pela JCDecaux, seria passível de resultar na criação ou reforço de entraves significativos à concorrência efetiva no mercado da publicidade exterior em displays de pequeno formato.
18. Neste seguimento, em 15-07-2021, a JCDecaux dirigiu à AdC, nos termos do artigo 44.º da LdC, notificação prévia, à cautela, relativa à adjudicação em causa, considerando que a concessão à JCDecaux do Contrato de Lisboa, adicionado aos outros contratos de exploração publicitária, poder eventualmente consubstanciar uma operação de concentração de empresas, sujeita a notificação prévia à AdC nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 36.º, n.º 1, alínea b), n.º 3, alínea b), do mesmo artigo e 37.º, n.º 1, da LdC.
19. Considerando essa possibilidade, nessa mesma data, foi celebrado entre a JCDecaux e a MOP um Memorando de Entendimento, no qual se previa a subcontratação de 20% do Lote 1 do Contrato de Lisboa, permitindo deste modo que um segundo operador tivesse acesso à exploração das localizações concessionadas pelo Município de Lisboa e, consequentemente, se pudessem afastar problemas de concorrência.
20. Na sequência da publicação do aviso relativo à operação, notificada nos termos do n.º 2 do artigo 47.º da LdC, foram reconhecidos como terceiros interessados no procedimento, para efeitos do n.º 1 do artigo 47.º do mesmo diploma:
--A Alargâmbito – Publicidade Exterior, Unipessoal, Lda., do Grupo DreamMedia, empresa concorrente da JCDecaux, ora Requerente;
--A APAN – Associação Portuguesa de Anunciantes, que representa 94 empresas que publicitam os seus bens e serviços em Portugal, clientes da JCDecaux;
--A APEPE – Associação Portuguesa das Empresas de Publicidade Exterior, que representa pequenas e médias empresas de publicidade exterior, concorrentes da JCDecaux;
--A Cemark – Mobiliário Urbano e Publicidade, S.A, empresa concorrente da JCDecaux;
--A MOP – Multimédia Outdoors Portugal – Publicidade, S.A., empresa concorrente da JCDecaux;
--A PD Publicidade Dinâmica, Lda., detentora da marca APSmedia, empresa concorrente da JCDecaux;
21. Em 7-10-2021, a AdC informou a JCDecaux que, tendo em vista as informações que havia solicitado e recebido das partes interessadas relevantes na atividade, tinha feito os seus próprios cálculos de participação de mercado, os quais levaram à conclusão de que o escopo da subcontratação do Lote 1 do Contrato, conforme consta do MdE, não seria suficiente para resolver as preocupações concorrenciais identificadas pela mesma AdC.
22. Consequentemente, a JCDecaux comprometeu-se a subcontratar à MOP 40% do direito concedido pelo Município de Lisboa no âmbito do Lote 1 do Contrato, nos termos e condições do MdE, e, nesse sentido, em 29-11-2021, celebrou com a MOP uma Adenda ao MdE, alargando o âmbito da subcontratação e incluindo disposições adicionais suscetíveis de resolver as referidas preocupações jusconcorrenciais suscitadas pela AdC.
23. No dia 28-01-2022, a Contrainteressada JCDecaux, no âmbito da notificação da operação, que veio a ser identificada como procedimento CCent. n.º 36/2021, e nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 51.º da Lei da Concorrência, apresentou uma proposta formal de Compromissos.
24. Esta proposta de Compromissos foi submetida a teste de mercado, o qual decorreu entre 28-01-2022 e 8-02-2022.
25. Nesse âmbito, a AdC recebeu observações da APAN, da Cemark e da DreamMedia, e, ainda, da Agência de Meios PowerMedia.
26. A AdC realizou, ainda, diligências adicionais de investigação, designadamente junto de várias Agências de Meios, através da formulação de pedidos de informação dirigidos àquelas entidades.
27. Na sequência das observações submetidas à AdC, no âmbito do referido teste de mercado, a JCDecaux apresentou, em 14-03-2022, uma versão revista dos Compromissos, a qual foi descrita e avaliada pela AdC.
28. Na referida versão de Compromissos, consta que a JCDecaux celebrará um Acordo de Subconcessão com a MOP, nos termos e condições indicados no anexo à decisão onde constam os compromissos assumidos e no MoU celebrado com esta empresa, incluindo:
(i) A transferência para a MOP da exploração comercial de um footprint, em termos de localizações, sujeita à aprovação da AdC, sensivelmente semelhante em termos de cobertura geográfica às localizações diretamente utilizadas pela JCDecaux, assegurando a proporção estabelecida de 40% do Lote 1, a fim de garantir que o valor comercial da Subconcessão é equitativamente adequado e que, em cada localização, o footprint transferido pode constituir uma alternativa ao footprint da JCDecaux;
(ii) O aluguer dos equipamentos de mobiliário urbano a explorar comercialmente pela MOP, no âmbito do Acordo de Subconcessão, de acordo com as condições normais de mercado, a fim de cumprir os requisitos de equipamento do Caderno de Encargos, em particular as cláusulas 10.ª, 14.ª, n.º 3, e 20.ª, garantindo a homogeneidade dos equipamentos de mobiliário urbano, especialmente em termos de qualidade;
(iii) O ajustamento, se aplicável, de forma proporcional, incluindo no que se refere à divisão entre equipamentos digitais e não digitais, do número de equipamentos alugados à MOP necessário no âmbito do Contrato de Lisboa;
(iv) A transferência para a MOP da exploração comercial de 7 (sete) expositores digitais de dupla face de tamanho médio (12 m2) incluídos no Lote 2 do Contrato de Lisboa, sujeito aos termos e condições das Seções B.2.b) e C.2, mediante o pagamento da renda e demais remunerações devidas, em termos proporcionais.
29. Após a análise dos compromissos assumidos pela JCDecaux, isto é, da avaliação jusconcorrencial de tal proposta de desinvestimento [subsecções 6.2 e 6.3 da Decisão], a AdC concluiu que os Compromissos assumidos pela JCDecaux são exequíveis, para além de suficientes, adequados e proporcionais à eliminação das preocupações jusconcorrenciais que, na ausência dos mesmos, poderiam resultar da operação de concentração [subsecção 6.4 da Decisão].
30. Em 18-03-2022, atento o sentido dessa Decisão e considerando que alguns dos terceiros interessados no presente procedimento se manifestaram em sentido desfavorável à realização da operação notificada, promoveu-se a audiência prévia da JCDecaux e dos terceiros interessados em relação ao Projeto de Decisão de Não Oposição com Condições e Obrigações.
31. A JCDecaux, a APAN e a Cemark apresentaram observações.
32. Tal como fez a aqui Autora DreamMedia, no dia 01-04-2022, pugnando que os compromissos assumidos eram manifestamente insuficientes e inadequados à resolução das questões que foram suscitadas pela AdC, e defendendo, ainda, que a solução proposta se traduz numa construção ilegal por referência ao quadro jurídico aplicável à celebração de contratos públicos e à respetiva execução.
33. Não obstante, após análise das referidas observações, a AdC concluiu que nenhuma delas alterava a decisão e a análise da AdC constantes do Projeto de Decisão.
34. E, assim, em 11-04-2022, o Conselho de Administração da AdC adotou a Decisão de Não Oposição acompanhada da imposição de condições e obrigações, nos termos do Documento de compromissos anexo como parte integrante da Decisão, à luz do n.º 1, alínea b), e do n.º 2 do artigo 50.º da LdC, por considerar que a operação notificada, com as alterações introduzidas pelos Compromissos propostos, não é suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva no mercado nacional ou numa parte substancial do mesmo.”
b) Enquadramento jurídico dos factos:
Como decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, as conclusões do recorrente delimitam o recurso apresentado, estando vedado ao tribunal hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão recorrida conhecer de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso.
Deste modo, compete à parte que se mostra inconformada com a decisão judicial proferida indicar, nas conclusões do recurso que interpôs, que segmento ou que segmentos decisórios pretende ver reapreciado(s), delimitando o recurso quanto aos seus sujeitos e/ou quanto ao seu objecto. 
A delimitação (objectiva e/ou subjectiva) do recurso condiciona a intervenção do tribunal hierarquicamente superior, que se deve cingir à apreciação e à decisão das matérias indicadas pela parte recorrente, com excepção de eventuais questões que se revelem de conhecimento oficioso.
Isto significa que está vedado ao tribunal de recurso proceder a uma reapreciação de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas e, por consequência, que os seus poderes de cognição se encontram delimitados pelo recurso interposto no âmbito de um processo da iniciativa das partes.
A iniciativa das partes condiciona a intervenção do tribunal de recurso e delimita os seus poderes de cognição, sem prejuízo do caso julgado já formado e de eventuais questões que possam ser apreciadas a título oficioso.
No caso vertente, são as seguintes as questões jurídicas a decidir:
1. Absolvição da instância das recorridas “Autoridade da Concorrência”, “Município de Lisboa”, “J.C.Decaux (Portugal) – Mobiliário Urbano e Publicidade, Lda.” e Mop – Multimédia Outdoors Portugal – Publicidade, SA”:
A recorrente “Dreammedia Portugal, SA” insurge-se contra a decisão do tribunal a quo que no despacho saneador julgou verificada a excepção dilatória da falta de interesse em agir, em virtude de ter considerado, com particular relevância, que “(…) de uma eventual procedência da ação (…), caso esta ocorra, não se antevê qualquer repercussão na esfera jurídica da Autora; esta manter-se-á igual, isto é, nos exactos termos em que se encontrava antes da propositura da acção, não resultando da decisão a proferir, de forma directa e imediata, um qualquer benefício, uma qualquer utilidade para si (…)”.
 Veio alegar, muito em síntese, em abono da sua tese, que o seu interesse processual é, no imediato, o interesse na obtenção directa e imediata de uma vantagem na sua esfera jurídica (a de concorrer a um procedimento pré-contratual e a de vir a ser designada como adjudicatária) e de protecção da concorrência do mercado, bem como ainda o afastamento da concentração e dos seus efeitos nefastos resultante da própria anulação da decisão.
Esclarece que a revisão da decisão da autoridade administrativa determinará, inexoravelmente, o lançamento de um procedimento concorrencial para atribuição de subconcessão parcial entre os operadores do mercado aptos e adequados a salvaguardar a concorrência efectiva do sector.
Por seu turno, a “Autoridade da Concorrência”, o “Município de Lisboa”, a “J.C.Decaux (Portugal) – Mobiliário Urbano e Publicidade, Lda.” e a empresa “Mop – Multimédia Outdoors Portugal – Publicidade, SA” pronunciaram-se, sem excepção, pela improcedência do recurso, pela manutenção da decisão recorrida e pela falta de fundamento do recurso em apreciação.
Apreciando e decidindo:
Atendendo aos fundamentos apresentados e aos pedidos deduzidos pela recorrente “Dreammedia Portugal, SA” não subsistem quaisquer dúvidas que a legitimidade activa para a acção deverá ser avaliada de acordo com o art. 55.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Para além de ter intentado “acção administrativa de impugnação de acto administrativo”, pretende que o tribunal anule ou que declare a nulidade, com diferentes fundamentos, da decisão da “Autoridade da Concorrência” (decisão de não oposição, ainda que acompanhada de condições e de obrigações) relativa à adjudicação realizada pela Câmara Municipal de Lisboa, no dia 14-07-2018, do uso privado do domínio público do município de Lisboa para instalação e para exploração de publicidade em mobiliário urbano.
Deste modo, estando em causa, formal e substancialmente, uma acção de impugnação da decisão da “Autoridade da Concorrência”, o tribunal deve socorrer-se do regime especial decorrente do mencionado dispositivo, afastando-se do regime geral da legitimidade activa que se encontra vertido no art. 9.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Aliás, parece tratar-se de matéria não controvertida, uma vez que a recorrente “Dreammedia Portugal, SA” deixou consignado que “concorda-se com o Tribunal a quo no sentido de que o interesse processual é aferido (…) de acordo com o disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea a), do CPTA”.
Deste modo, estabelece a al. a) do n.º 1 do art. 55.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob a epígrafe “legitimidade activa”, que “(…) tem legitimidade para impugnar um acto administrativo (…)” quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (…)”.
“Parecia imediato que em processo administrativo valesse plenamente uma regra de legitimidade assente na titularidade da relação material controvertida tal como configurada pelo Autor, daí lhe advindo o seu interesse em demandar, à semelhança do que se passa no art. 26.º do CPC. Porém, no que respeita à acção administrativa especial, o art. 55.º do CPTA vem de certo modo perturbar tal genérica conclusão (…)” – vide Pedro Marchão Marques, in “Revista do Ministério Público”, ano 27, Número 106, págs. 139 a 161.
Acrescenta este autor, em jeito conclusivo, que os arts. 40.º a 55.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos consagram uma noção de legitimidade especialmente qualificada, não obstante a regra geral se afigurar semelhante àquela que decorre do processo civil (art. 30.º do CPC).
De acordo com este regime específico, nas acções de impugnação, o autor tem legitimidade (activa) quando alega que apresenta um “interesse directo e pessoal” em anular o acto administrativo, designadamente por ser titular de um direito ou de um interesse legalmente protegido.
Este requisito legal tem merecido atenção por parte da jurisprudência e da doutrina nacionais, o que permitiu consolidar o sentido interpretativo a atribuir ao conceito indeterminado de “interesse directo e pessoal”, com vista a aferir da legitimidade nestas acções de impugnação do acto administrativo.
Em termos muitos gerais, existe “interesse” em agir quando o autor possa vir a retirar utilidades ou vantagens (v.g. patrimoniais) da impugnação do acto administrativo, esse interesse é considerado “pessoal” quando a anulação se venha a repercutir na esfera jurídica do titular do direito ou do interesse legalmente protegido e este é considerado “directo” quando decorre, de modo imediato, da procedência do pedido de declaração de invalidade do acto.
Deste modo, não se mostra preenchido o pressuposto processual da legitimidade activa, previsto pelo art. 55.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos casos em que o autor pretenda, através da interposição da acção de impugnação do acto administrativo, satisfazer ou obter um interesse considerado remoto, longínquo, hipotético ou eventual.
Conforme se deixou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2023, proferido no Proc. n.º 28/22.0YFLSB, Secção de Contencioso (acessível em www.dgsi.pt ): “(…) a impugnação de um ato administrativo depende da legitimidade do impugnante e esta é conferida pelo art. 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA, a quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (…) O interesse em agir em juízo será «direto» quando o benefício resultante da suspensão/impugnação do ato tiver repercussão imediata no interessado de natureza patrimonial ou não patrimonial e será «pessoal» quando a projeção daquela suspensão/impugnação (nulidade/anulação) do ato se refletir de forma juridicamente relevante na própria esfera jurídica do impugnante (…)”.
Por seu turno, sobre esta questão jurídica da legitimidade activa nas acções de impugnação do acto administrativo, o Tribunal Central Administrativo do Norte, pronunciou-se nos seguintes moldes, no acórdão de 08-04-2022, proferido no Proc. n.º 624/20.0BEAVR-A (in www.dgsi.pt ): “(…) A verificação da legitimidade processual ativa dependerá da sua alegação (i) de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesada pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, ou (ii) da invocação de valores constitucionais integrados no campo de proteção preconizado no nº. 2 do artigo 9º do CPTA (…)  O Autor não invoca nenhum benefício direto – imediata repercussão na sua esfera jurídica - e pessoal - ganho de utilidade ou vantagem - na procedência da sua pretensão anulatória, pelo que não estão reunidas as condições para se caracterizar o interesse do Autor como sendo «direto e pessoal» na impugnação do ato administrativo visado nos autos, o que afasta a previsão vertida na alínea a) do nº. 1 do artigo 55º do CPTA (…)”.
Ou ainda, entre muitos outros, o acórdão de 10-09-2020 do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido no âmbito do Proc. n.º 576/20.6BELSB (in www.dgsi.pt): “(...) não sendo o contencioso administrativo de impugnação de atos um contencioso de mera legalidade – exceção feita à ação pública – o interesse direto e pessoal na demanda, que se manifesta na lesão que se repercutirá na esfera jurídica do particular interessado, tem de se revelar como uma consequência direta dos vícios imputados ao(s) ato(s) impugnado(s) e não como consequência meramente eventual (…)”.
A doutrina administrativista também se tem pronunciado sobre o pressuposto processual da legitimidade activa nestas acções de impugnação.
Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha afirmam, em comentário ao art. 55.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que “(…) o requisito exigido para o impulso processual a título individual consiste no interesse direto e pessoal na anulação do ato (n.º 1, alínea a)). O interesse pessoal traduz-se na utilidade, benefício ou vantagens de natureza patrimonial ou meramente moral, que poderá advir da anulação do ato impugnado e que não tem de corresponder à titularidade de um direito subjetivo ou interesse legalmente protegido, mas também pode resultar da simples invocação de um mero interesse de facto (…) – vide “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2021, págs. 396 a 398.
Acrescentam estes autores na obra acima mencionada que “(…) o interesse direto, por sua vez, pressupõe que o demandante tem um interesse atual e efetivo na anulação ou declaração de nulidade do ato administrativo, permitindo excluir as situações de em que o interesse invocado é reflexo, indireto, eventual ou hipotético. É assim de excluir a legitimidade ativa, com fundamento na falta de interesse directo, para a impugnação do ato de admissão de um concorrente num concurso por parte dos demais concorrentes admitidos, na medida em que este ato não prejudica direta e imediatamente a posição relativa dos outros concorrentes na graduação final (…)”. 
Por seu turno, a este propósito, afirmam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira que “(…) o requisito de um interesse directo e pessoal na impugnação significa que a anulação (ou declaração de nulidade) do respectivo acto administrativo há-de traduzir-se numa vantagem ou num benefício específico imediato para a esfera jurídica ou económica do autor”in Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Vol. I, págs. 364 e 365.
 Estes autores deixam ainda consignado, de modo paradigmático, com particular relevância, que “(…) interesses meramente «eventuais» ou «hipotéticos» (…), «longínquos» (…) «mediatos» ou «indirectos» (…) «remotos» ou «diferidos» (…) não conferem legitimidade – ou [depende da perspectiva] interesse em agir – para a impugnação dos actos administrativos (…)”.
No caso vertente, não se vislumbra que a recorrente “Dreammedia Portugal, SA” venha a obter alguma vantagem ou utilidade pessoal e imediata decorrente da procedência do pedido de anulação ou de declaração de nulidade da decisão da “Autoridade da Concorrência”, que, como se referiu, não se opôs à adjudicação, determinada pela Câmara Municipal de Lisboa, do uso privado do domínio público, dentro da área do município de Lisboa, para instalação e para exploração de publicidade em mobiliário urbano, ainda que tenha sujeitado essa operação a condições e a obrigações.
A eventual procedência desta acção de impugnação determinaria unicamente a substituição do acto administrativo viciado por outro, sem atribuir ou sem reconhecer à recorrente “Dreammedia Portugal, SA” um direito ou interesse directo e pessoal, muito em particular a qualidade de adjudicatária perante o lançamento de um procedimento concorrencial.
A esfera jurídica da recorrente “Dreammedia Portugal, SA” permaneceria intocada, ou seja, não sofreria qualquer alteração, decorrente da anulação ou da declaração de nulidade do acto administrativo em causa, que se pronunciou unicamente sobre se adjudicação do uso privado do domínio público do “Município de Lisboa”, para efeitos de publicidade em mobiliário urbano, respeitava (ou não) as regras da concorrência.  
Aliás, como se viu, a recorrente “Dreammedia Portugal, SA” centra o(s) seu(s) pedido(s) na anulação ou na declaração de nulidade, ainda que com diferentes argumentos, da decisão proferida pela “Autoridade da Concorrência”, sem qualquer referência expressa, aliás, a um pedido de lançamento de um procedimento concorrencial para a atribuição da subconcessão parcial da publicidade em mobiliário urbano no “Município de Lisboa” ou para que ela própria viesse a ser considerada adjudicatária. 
Deste modo, não se acompanha a recorrente “Dreammedia Portugal, SA” quando afirma que, com a procedência desta acção, a “Autoridade da Concorrência” ficaria, inexoravelmente, obrigada a proceder ao lançamento de um procedimento concorrencial entre os vários operadores do mercado. 
Ainda que assim fosse, a anulação ou a declaração de nulidade do acto administrativo nada garantia, em concreto, à recorrente “Dreammedia Portugal, SA”, muito em particular que viesse a ser considerada adjudicatária ou subconcessionária de uso privado do domínio público para efeitos de instalação e de exploração de publicidade em mobiliário urbano no “Município de Lisboa”, por forma a reconhecer-lhe um interesse pessoal e directo na eliminação da ordem jurídica do acto administrativo viciado.
Naturalmente que tem a expectativa que, através da pretendida anulação ou da declaração de nulidade, venha a ser revista a solução anteriormente preconizada pela “Autoridade da Concorrência” (que, como se viu, considerou que a adjudicação à empresa “J.C.Decaux (Portugal) – Mobiliário Urbano e Publicidade, Lda.” não criava “entraves significativos à concorrência efectiva no mercado nacional”), que sejam impostas outras ou novas condições ou obrigações (v.g. lançado um procedimento concorrencial em que venha a participar, conjuntamente com outros operadores do mercado) ou que, porventura, seja manifestada oposição à adjudicação atribuída à empresa “J.C.Decaux (Portugal) – Mobiliário Urbano e Publicidade, Lda.”, por ser lesiva da livre e sã concorrência.
Todavia, trata-se de um interesse indirecto, remoto, diferido e hipotético, que nunca resultaria satisfeito pela decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão e que, por isso, se mostra insuficiente para efeitos de atribuição de legitimidade activa à recorrente “Dreammedia Portugal, SA”, nos termos do disposto no art. 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA.
O alegado “(…) interesse em agir (…)” resultante “(…) da própria anulação da Decisão da AdC (…) porque esta decisão deixaria de vigorar na ordem jurídica (ainda que seja adotada outra, com uma autorização diferente, sustentada em pressupostos e requisitos também eles distintos)” não traduz um “interesse directo e pessoal” para efeitos de atribuição de legitimidade activa à recorrente “Dreammedia Portugal, SA”, com vista à impugnação da decisão (de não oposição ainda que condicionada) da “Autoridade da Concorrência”.
Por outro lado, importa salientar, a este propósito, que não podem “(…) os tribunais substituir-se às entidades administrativas quanto a valorações que se inscrevem no âmbito da discricionariedade administrativa, por envolveram apenas juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua situação. Relativamente a tais atos, os «espaços de valoração próprios do poder judicial» confinam-se à apreciação dos requisitos de forma, tais como a competência, vinculação ao procedimento legal adequado e dever de fundamentação expressa, compreendendo a apreciação de desvio de poder, quando se verifique um erro manifesto ou a violação de princípios gerais de direito (…)”vide Miguel Moura e Silva, in “Direito da Concorrência”, 2020, AAFDL, pág. 1341.
Do que se deixa exposto resulta que a “Autoridade da Concorrência” goza, nestas matérias de natureza administrativa, de poderes discricionários e que, por isso, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão não pode, por princípio, substituir-se à autoridade administrativa, invadindo a esfera dos seus poderes de supervisão e de regulamentação (o art. 5.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2012, de 08-05, dispõe que “(…) o respeito pelas regras de promoção e defesa da concorrência é assegurado pela Autoridade da Concorrência (AdC), que, para o efeito, dispõe dos poderes sancionatórios, de supervisão e de regulamentação estabelecidos na presente lei e nos seus estatutos (…)”), designadamente impor que a recorrente “Dreammedia Portugal, SA” viesse a ser adjudicatária ou subconcessionária, com vista a assegurar a concorrência do mercado publicitário na área do “Município de Lisboa”.
Mesmo na óptica da defesa do “funcionamento do mercado” e da tutela da “sã concorrência”, não se vislumbra que a recorrente “Dreammedia Portugal, SA” apresente um interesse directo e pessoal na presente acção judicial, destinada, grosso modo, a decretar a anulação da decisão administrativa, para efeitos de reconhecimento da sua legitimidade activa.
Deste modo, subscreve-se a decisão do tribunal de primeira instância quando afirma que “(…) o interesse de agir da Autora nesta ação não se dirige a uma utilidade efetiva e imediata que possa advir diretamente da declaração de anulabilidade ou de nulidade do ato impugnado, necessária para que se verifique o seu interesse em agir para os termos da presente ação, tal como exigido pelo disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea a), do CPTA (…)”.
Ou, as alegações da “Autoridade da Concorrência”, quando afirma que “ é claro que há falta de interesse em agir quanto o autor funda a sua causa de pedir num direito meramente eventual, não atual, hipotético sem que dai resulte qualquer violação à tutela jurisdicional efetiva e ao acesso aos tribunais (…)”.
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente “Dreammedia Portugal, SA” e, em consequência, confirma-se a decisão proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – Juiz 2, que absolveu da instância a “Autoridade da Concorrência”, o “Município de Lisboa”, a “J.C.Decaux (Portugal) – Mobiliário Urbano e Publicidade, Lda.” e a “Mop – Multimédia Outdoors Portugal – Publicidade, SA”.
2. Inconstitucionalidade da interpretação dos arts. 51.º, n.º 1, 54.º, n.º 1, 55.º, n.º 1, al. a) e 68.º, n.º 1, al. a), todos do CPTA, por violação dos arts. 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, 204.º e 268.º, todos da Constituição:
A recorrente “Dreammedia Portugal, SA” veio sustentar, a este respeito, que a interpretação sufragada pelo tribunal de primeira instância constitui uma violação aos preceitos constitucionais relativos ao direito de acesso aos tribunais (art. 20.º), ao princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 268.º) e aos requisitos das leis restritivas dos direitos fundamentais (art. 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição).
Neste particular, a “Autoridade da Concorrência”, o “Município de Lisboa”, a “J.C.Decaux (Portugal) – Mobiliário Urbano e Publicidade, Lda.” e a empresa “Mop – Multimédia Outdoors Portugal – Publicidade, SA” também de pronunciarem, de modo unânime, pela improcedência do recurso.
Apreciando e decidindo:
O art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, sob a epigrafe “força jurídica”, dispõe que “(…) A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (…)”, enquanto que o n.º 3 deste dispositivo acrescenta que “(…) As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (…)”.
“(…) a Constituição prevê aberta e explicitamente a possibilidade de restrições aos direitos, liberdades e garantias: existe o direito em si mesmo, em toda a sua extensão potencial e existe depois o direito restringido, como posição jurídica concreta e definitiva; existe o direito em abstracto, definido apenas pelo seu conteúdo semântico, e existe depois o direito em concreto, para o qual o respectivo titular pode reclamar efectiva tutela jurídica (…) vide “Constituição Portuguesa Anotada”, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, pág. 317.
Conforme se deixou assinalado, muito a este propósito, no acórdão n.º 155/2007 do Tribunal Constitucional, proferido no dia 02-03-2007: “(…) não proibindo a Constituição, em absoluto, a possibilidade de restrição legal aos direitos, liberdades e garantias, submete-a a múltiplos e apertados pressupostos (formais e materiais) de validade. Da vasta jurisprudência constitucional sobre a matéria decorre, em síntese, que qualquer restrição de direitos, liberdades e garantias só é constitucionalmente legítima se (i) for autorizada pela Constituição (art. 18.º, n.º 2, 1.ª parte) (ii) estiver suficientemente sustentada em lei da Assembleia da República ou em decreto-lei autorizado (art. 18º, nº 2, 1ª parte e 165º, nº 1, alínea b), (iii) visar a salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (artigo 18º, nº 2, in fine); (iv) for necessária a essa salvaguarda, adequada para o efeito e proporcional a esse objectivo (art. 18.º, n.º 2, 2.ª parte); (v) tiver carácter geral e abstracto, não tiver efeito retroactivo e não diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (art. 18.º, n.º 3, da Constituição) (…)“.
Por seu turno, estabelece o disposto no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, que “(…) a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)”.
Escrevem os autores acima mencionados, em anotação a este preceito  constitucional, muito a propósito da questão em apreço, que “(…) o legislador ordinário tem competência para delimitar os pressupostos ou requisitos processuais de que depende a efectivação da garantia de acesso aos tribunais, incluindo aqueles que se prendem com a legitimidade (assim, a propósito do requisito do interesse directo, pessoal e legítimo (…)”in ob. cit., pág. 436 .
No acórdão n.º 416/99, proferido no dia 29-06-1999, a respeito do então vigente art. 46.º, n.º 1, Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, o Tribunal Constitucional deixou consignado o seguinte: “(…)  A Constituição garante o direito ao recurso contencioso, deixando à lei ordinária a definição dos requisitos ou pressupostos da legitimidade (…) A norma questionada no presente processo limita-se a concretizar os requisitos ou pressupostos de efectivação da garantia geral de «acesso ao direito e aos tribunais», para «defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos», consagrada na norma do art. 20º da Constituição, bem como da garantia dos administrados à justiça administrativa, para «tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos», a que se refere o art. 268.º, nº 4 (e n.º 5), da Constituição. Não existe por isso violação dos arts. 2.º, 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (…)”
Considerou, a respeito do art. 46.º, n.º 1, do mencionado regulamento (recorde-se que este artigo dispunha que “os recursos interpostos directamente para o Supremo Tribunal Administrativo podem ser interpostos pelos que tiverem interesse directo, pessoal e legítimo na anulação de acto administrativo (…)”), que a Constituição não garante o acesso indiscriminado a tribunal e que exige o preenchimento do pressuposto processual do interesse das partes para impugnar judicialmente a validade de um acto administrativo e para obter a sua anulação ou a declaração da sua nulidade.
Por último, dispõe o art. 268.º, n.º 1, da Lei Fundamental, relativo aos direitos e garantias dos administrados, que “(…) Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas (…)”.
No caso vertente, afigura-se que a interpretação sufragada pelo tribunal de primeira instância, a respeito dos normativos invocados pela recorrente “Dreammedia Portugal, SA”, não consubstancia uma violação dos normativos constitucionais acima mencionados, muito em particular não traduz uma violação (intolerável) do acesso ao direito, da tutela jurisdicional efectiva ou dos direitos, liberdades e garantias, incluindo os direitos e as garantias dos administrados perante o Estado ou perante outros organismos públicos.
Nenhum dos direitos constitucionais tem natureza absoluta, a própria Constituição admite que os direitos, as liberdades e as garantias possam ser restringidos pela lei, o que significa, no caso vertente, que não se afigura inconstitucional e que consubstancie uma violação do princípio da proporcionalidade que a lei ordinária venha a estabelecer pressupostos processuais que possam condicionar o prosseguimento das acções judiciais.
Em termos gerais, não ocorre violação das garantias acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva quando o tribunal, aplicando as normas adjectivas, determina a absolvição dos réus da instância, com fundamento na falta de verificação, no caso concreto, de um dos pressupostos processuais.
Como se disse, a recorrente “Dreammedia Portugal, SA” centra o(s) seu(s) pedido(s) na anulação ou na declaração de nulidade, ainda que com diferentes argumentos, da decisão proferida pela “Autoridade da Concorrência”, sem qualquer referência expressa, aliás, a um pedido de lançamento de um procedimento concorrencial para a atribuição da subconcessão parcial da publicidade em mobiliário urbano no “Município de Lisboa” ou para que ela própria viesse a ser considerada adjudicatária. 
Até de acordo com o princípio da economia processual, é caso para perguntar de que servia prosseguir com a apreciação da presente acção judicial, quando a recorrente “Dreammedia Portugal, SA”, por esta via, nunca poderia vir a obter a satisfação dessas suas pretensões, uma vez que o(s) pedido(s) apresentado se centra(m) na anulação ou na declaração de nulidade da decisão da autoridade administrativa, o que, por si só, não lhe confere quaisquer direitos ou lhe reconhece interesses juridicamente protegidos.
O acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva não ficaram postergados pela interpretação jurídica sufragada pela decisão recorrida, que determinou a absolvição das recorridas da instância, na medida em que a recorrente “Dreammedia Portugal, SA” não está impedida de instaurar outra(s) acção(ões) destinada(s) a defesa de direitos que considera violados, cujo pedido poderá vir a ser apreciado, desde que se mostrem preenchidos os pressupostos processuais que são estabelecidos pela lei ordinária.
In casu, o tribunal a quo limitou-se a afirmar que a acção judicial não podia prosseguir por não estar verificado um pressuposto processual estabelecido pela lei (ou seja, por a recorrente “Dreammedia Portugal, SA” não apresentar um “interesse directo e  pessoal” decorrente da impugnação do acto administrativo), sendo certo que, conforme deixou assinalado o acórdão n.º 416/99, a Constituição não garante o acesso indiscriminado a tribunal.
Repete-se: existem diferentes meios processuais admissíveis e a recorrente “Dreammedia Portugal, SA” não está impedida de defender os seus direitos, através de outras acções judiciais, relativamente às matérias que dizem respeito à adjudicação do uso privado do domínio público do município de Lisboa para exploração de publicidade em mobiliário urbano.
Em face do exposto, como não se vislumbra que a decisão recorrida proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão tenha procedido a uma interpretação inconstitucional dos normativos em causa, julga-se improcedente o recurso interposto pela “Dreammedia Portugal, SA”.
3. Violação das normas e dos princípios da União Europeia:
A recorrente “Dreammedia Portugal, SA” veio também sustentar que a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância consubstancia uma violação das normas e dos princípios da União Europeia, muito em particular do art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e dos arts. 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A “Autoridade da Concorrência”, o “Município de Lisboa”, a “J.C.Decaux (Portugal) – Mobiliário Urbano e Publicidade, Lda.” e a empresa “Mop – Multimédia Outdoors Portugal – Publicidade, SA” também de pronunciarem, de modo unânime, neste particular, pela improcedência do recurso.
Apreciando e decidindo:
O art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia preceitua que “toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei (…)”.
O art. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sob a epigrafe de “direito a um processo equitativo”, dispõe que “(…) qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações (…)”.
O art. 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, garante o direito a um recurso efectivo para a defesa de direitos e de liberdades.
Por seu turno, o art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece que “O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: (…) b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.”
 Do confronto dos dois parágrafos resulta que o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça é meramente facultativo quando a decisão a proferir pelo tribunal nacional admita “recurso judicial previsto no direito interno”.
 Isto significa que a questão de direito da União Europeia pode ser suscitada perante um tribunal de primeira ou de segunda instância, desde que se revele necessária ou pertinente para o julgamento da causa.
Por seu turno, o reenvio prejudicial é obrigatório, ou seja, o tribunal pertencente a um dos Estados-Membros da União Europeia está obrigado a sobrestar a decisão e solicitar a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia quando se verifiquem, de modo cumulativo, os seguintes requisitos: o tribunal nacional esteja a julgar em última instância; a apreciação da questão de direito da União Europeia seja necessária para a decisão do litígio;
Isto significa que a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia está dependente do litígio suscitar uma questão de direito da União Europeia e que a sua apreciação seja necessária para a decisão da causa.
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2023, proferido no Proc. n.º 28/22.0YFLSB, Secção de Contencioso (acessível em www.dgsi.pt ): “(…) nos termos do art. 267.º TFUE, o tribunal nacional pode, sempre que surja alguma dúvida quanto à validade e interpretação do direito da UE, «pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie» através do reenvio prejudicial. O reenvio prejudicial tem de reportar a uma questão cuja consulta e decisão preliminar seja necessária para a justa composição do litígio concreto, pressuposto sem o qual não é admissível o reenvio.  A declaração dos valores estado de Direito da União constante no art. 2.º do TUE bem como o art. 47.º da CDFUE postulando que toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal, não interferem nem reclamam esclarecimentos prévios através do reenvio prejudicial para a questão de decidir a legitimidade do impugnante do ato administrativo. Legitimidade que se encontra determinada, em enunciação geral, no art. 30.º do CPC e se concretiza na jurisdição administrativa nos arts. 9.º e 55.º do CPTA (…)”.
No caso vertente, não se vislumbra, tendo por base todas as considerações acima tecidas, que a decisão recorrida tenha procedido a uma interpretação que seja violadora das normas de direito da União Europeia, nem tão-pouco que, para a apreciação do presente recurso, se torne necessário determinar o reenvio prejudicial das questões jurídicas suscitadas pela “Dreammedia Portugal, SA” ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
Em face do exposto, sem necessidade de outras considerações, o recurso interposto pela recorrente “Dreammedia Portugal, SA” deverá ser julgado, totalmente, improcedente, por falta de fundamento.

III – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela “Dreammedia Portugal, SA”.
Custas a cargo da recorrente “Dreammedia Portugal, SA”.
                                                         
Lisboa, 16 de Outubro de 2024
Paulo Registo
Carlos M.G. de Melo Marinho
Eleonora Viegas