Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4989/23.3T8LSB.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: SUSPENSÃO DOS CORPOS GERENTES
DESTITUIÇÃO DE GERENTE
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
PROCESSO EQUITATIVO
DECISÃO SURPRESA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Decorre do regime previsto no artigo 1055.º, n.ºs 1 e 2 do CPC ser legalmente admissível a cumulação da pretensão cautelar de suspensão de gerente com a pretensão definitiva de destituição de gerente, sendo que, não obstante ambas serem tramitadas num único processo, mantêm a sua autonomia e independência.
II. Tendo o tribunal a quo dispensado o prévio contraditório do requerido e, após inquirição das testemunhas arroladas pela requerente, proferido decisão cautelar de suspensão de gerente, prosseguindo depois os autos com a audição do requerido, tendo por objecto a dedução de oposição, quer à decretada decisão cautelar de suspensão, quer ao pedido de destituição (tendo, então, sido produzida apenas a prova testemunhal pelo mesmo arrolada), não podia aquele tribunal socorrer-se da prova testemunhal previamente produzida (e que suportou o juízo formulado em sede cautelar), para a avaliar/ponderar também agora na perspectiva do julgamento de facto pertinente à decisão de destituição, sem que previamente tivesse sinalizado essa intenção aos intervenientes e lhes tivesse permitido, mormente ao requerido, requerer o que tivesse por conveniente quanto a esse propósito, por forma a garantir um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da CRP).
III. Nada tendo sido assinalado para esse efeito, proferindo decisão final pela qual manteve a decisão cautelar e julgou procedente o pedido de destituição (com base, essencialmente, nos factos que anteriormente havia dado por provados na decisão cautelar) e motivando o julgamento de facto na ponderação global de todos os depoimentos prestados (testemunhas arroladas por ambas as partes), o tribunal a quo proferiu uma decisão surpresa, a qual padece do vício de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos previstos pela al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
IV. Não obstante, sempre a referida nulidade se assumirá como juridicamente irrelevante se, mesmo a desconsiderar-se os depoimentos produzido apenas em sede cautelar, a demais prova produzida – prova documental com relação à qual foi exercido o respectivo contraditório, confissão do requerido e depoimentos das testemunhas por este arroladas -, na qual igualmente se sustentou a decisão recorrida, permitirem que a Relação profira sentença substitutiva, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, n.º 1 do CPC.
V. Existe justa causa de suspensão e destituição de gerente quando o mesmo pratica actos (por acção ou omissão) que consubstanciam violação grave e culposa dos deveres a que está obrigado por inerência a tal cargo e que afectam de forma irreversível a relação de confiança que se impunha, nessa medida não sendo exigível à sociedade a manutenção desse vínculo.
VI. Mostram-se preenchidos os pressupostos exigidos para a destituição do gerente quando:
a) O mesmo procede à transferência do montante de 120.000€ de uma conta bancária da sociedade para a sua conta pessoal, deixando a mesma com um saldo de apenas 9.355,88€;
b) No dia seguinte tenta proceder a nova transferência de uma segunda conta bancária titulada pela sociedade (pelo valor de 34.000€), a qual apenas não se concretizou por a instituição bancária não o ter permitido; e
c) Sem que a sociedade assim o tivesse deliberado e sem que existisse qualquer justificação válida e juridicamente relevante para que tais transferências ocorressem;
actos esses que constituem justa causa para a destituição do exercício das funções de gerência, nos moldes a que se alude no ponto V, porquanto contrariam os interesses sociais que têm que ser salvaguardados e lesam objectivamente o património da sociedade, afectando irremediavelmente o vínculo de confiança que a mesma nele depositara – artigos 64.º, n.º 1, al. b), e 257.º, n.º 6, ambos do CSC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
R …, Lda. intentou processo especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais, nos termos do disposto nos artigos 257.º, n.º 5, do CSC e 1055.º do CPC, contra C …, Lda. e MM, todos devidamente identificados nos autos, peticionando:
“(…) I. deverá a presente ação ser julgada provada e procedente, devendo a final o 2.º Réu ser judicialmente destituído da gerência da sociedade 1.ª Ré “C …, Lda.”, nos termos do artigo 257.º, n.º 5 do CSC, com as devidas consequências legais.
II. Mais se requer que, como medida cautelar e antecipatória da referida decisão, o 2.º Réu seja imediatamente suspenso da gerência da referida sociedade, ficando impedido de exercer quaisquer funções inerentes ao cargo de gerente e consequentemente, seja condenado a: // a) entregar as chaves de acesso às instalações da sociedade 1.ª Ré; // b) entregar os códigos e cartões de acesso e movimentação das contas bancárias de que a sociedade 1.ª Ré é titular; // c) abster-se de praticar quaisquer atos em representação da sociedade 1.ª Ré, designadamente, movimentação das contas bancárias da sociedade, encomendas, compras, vendas, pagamentos e outros; // d) abster-se de assumir quaisquer compromissos ou obrigações em nome da sociedade 1.ª Ré; // e) abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade 1.ª Ré.”
Em síntese, alegou:
A requerente, o segundo requerido e, ainda, W … são sócios da primeira requerida (detendo, respectivamente, 51%, 42,42% e 0,58% do capital social), estando a gerência da mesma entregue ao requerido e aos filhos do mesmo – L … e R … (os quais exercem a gerência diária). A sociedade obriga-se com a assinatura de apenas um deles. O requerido tem estado ausente da actividade e gestão da sociedade nos últimos vinte anos, sendo que, quando está Portugal, tem praticado “atos perturbadores da actividade social”. A 1.ª requerida explora o Hotel X e necessita de fazer pagamentos mensais, entre os quais os salários dos seus funcionários (15.500€). Mais refere que a sociedade possui duas contas bancárias, as quais podem ser movimentadas por qualquer dos gerentes. No dia 15/02/2023, à revelia da sociedade e demais gerentes, e sem qualquer justificação, o requerido “apropriou-se do montante de 120.000€”, quantia que corresponde à quase totalidade das verbas depositadas numa dessas contas (do BPI), transferindo-a para a sua conta pessoal. Já no dia seguinte, deslocou-se ao balcão de Telheiras do BCP, onde tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da totalidade do saldo da conta bancária que a sociedade aí tem (o que apenas não se concretizou por a gerente da conta ter pedido ao gerente R …, que confirmasse a realização da operação). Em face de tais factos, os demais gerentes instruíram o banco para “bloquear as movimentações de tal conta”, sendo que a primeira operação pode levar a que a sociedade não consiga assumir os seus compromissos salariais e, caso a segunda se tivesse concretizado, poderia ter levado ao encerramento do estabelecimento hoteleiro em causa, para além de poderem conduzir à insolvência. Qualifica tais actos de atentatórios dos interesses da sociedade, prejudicando-os, mais acrescentando que o requerido assim também procedeu com relação a outras três sociedades de que também é gerente (transferindo para a sua conta pessoal um total de 720.000€), razão pela qual não reúne condições para continuar a exercer o cargo de gerente, do qual deverá ser destituído, por ter ocorrido “quebra definitiva de confiança” entre o requerido, a sociedade requerida e a requerente (sócia maioritária).
 Mais defendeu dever o mesmo ser imediatamente suspenso das funções de gerente, o que deverá ser decidido sem a sua audiência prévia, em face da urgência do seu afastamento.
Juntou certidão permanente da 1.ª requerida (Doc. 1), extracto da folha de férias dos funcionários da mesma e referente ao mês de Janeiro de 2023 (Doc. 2) e comprovativos das transferências bancárias efectuadas pelo 2.º requerido, com relação a todas as sociedades de que é gerente (Docs. 3 a 6).
Posteriormente, a requerente apresentou novo requerimento pelo qual veio, para além do mais, reiterar a urgência na prolação da decisão referente ao pedido de suspensão do 2.º requerido do cargo de gerente, invocando que o mesmo “continua a tentar levantar, desde o passado dia 16 de fevereiro e frequentemente, os restantes valores monetários existentes em todas as contas tituladas pelas várias sociedades das quais é gerente, incluindo as da 1.ª Ré C …, Lda., temendo a Autora que tais operações se venham a concretizar.”
Por despacho proferido em 28/02/2023 foi deferida a dispensa de audição dos requeridos e designado dia para inquirição das testemunhas arroladas pela requerente[1].
A inquirição teve lugar em 09/03/2023, tendo a prova sido gravada, como resulta da respectiva acta (Ref.ª/Citius 423926170)[2].
Em 10/03/2023 foi proferida decisão cautelar com o seguinte dispositivo:
“(…) julga-se a presente providência cautelar procedente e, consequentemente, determina-se a imediata suspensão das funções de gerente de MM na C …, Lda., devendo o mesmo: a) entregar as chaves de acesso às instalações da sociedade 1.ª Requerida; b) entregar os códigos e cartões de acesso e movimentação das contas bancárias de que a sociedade 1.ª Requerida é titular; c) abster-se de praticar quaisquer atos em representação da sociedade 1.ª Requerida, designadamente, movimentação das contas bancárias da sociedade, encomendas, compras, vendas, pagamentos e outros; d) abster-se de assumir quaisquer compromissos ou obrigações em nome da sociedade 1.ª Requerida; e) abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade 1.ª Requerida (…)”[3].
Mais se tendo consignado: “Notifique a Requerente para proceder ao registo da suspensão agora determinada, juntando aos autos o respetivo comprovativo. // Logo que o comprovativo seja junto, cite o requerido nos termos dos artigos 1055.º, 986.º n.º 1 e 293.º, nºs 1 e 2, 294.º e 366.º, n.º 6, todos do Código de Processo Civil.”
Tal decisão foi devidamente registada na CRComercial (Ref.ª/Citius 35420938).
Tendo-se procedido à citação dos requeridos (nos termos consignados pelo artigo 366.º do CPC, com cópia do requerimento inicial e respectivos documentos, bem como da decisão cautelar), veio o 2.º requerido apresentar oposição à providência e contestação à acção, pugnando pela total improcedência – “Termos em que se requer a V, Exa. se digne deferir a presente oposição, substituindo-se a sentença proferida nos presentes autos por decisão absolutória. E, caso seja o presente articulado admitido como contestação à ação principal, ser a acção julgada improcedente por não provada e assim, o Requerido ser absolvido do pedido”.
Em síntese, resulta do articulado apresentado:
Após suscitar como questão prévia a omissão de citação com relação ao pedido de destituição[4], insurgiu-se quanto à factualidade elencada pelo tribunal na decisão cautelar e alegou ser o responsável máximo pela gestão das sociedades (da 1.ª requerida e das demais), executando os demais gerentes apenas “tarefas do quotidiano” sob a sua autoridade, imputando aos mesmos a prática de actos manifestamente danosos. Assumindo ter transferido o valor de 120.000€ em 15/02/2023 e tentado realizar uma segunda transferência no dia seguinte, nega que pudesse a 1.ª requerida ficar impossibilitada de cumprir com os seus compromissos, seja porque a conta do BPI ficou com um saldo de 9.355,58€, seja porque o requerido “não hesitaria” em usar aquele primeiro valor para assegurar o cumprimento das obrigações da sociedade. Nega existir risco de insolvência. Defende não ter tido intenção de se apropriar do montante transferido (ou do que tentou transferir), antes tendo visado proteger o património social de “atos dolosos de delapidação” dos restantes gerentes (com os quais se encontra de relações cortadas e que praticaram actos de falsificação da sua assinatura, em actas de assembleias gerais do ano de 2019). Mais acrescenta ser-lhe negado o acesso aos elementos contabilístico-financeiros da sociedade – não podendo aceder às informações relativas à conta do BCP (desta e das demais sociedades familiares), nem realizar transferências a partir das contas daquele banco (apesar de “congeladas”, as contas foram movimentadas pelos demais gerentes – os quais “sacaram (…) um cheque no valor de 690.000€” sobre fundos de uma das outras sociedades, deixando-a “quase a zeros”, assim como retiraram valores elevados das contas pessoais do pai). Concluiu ter agido em defesa dos interesses da sociedade e dentro dos poderes que lhe eram legal e estatutariamente conferidos, não tendo violado qualquer dever funcional a que estava adstrito. Juntou prova documental.
A requerente veio responder em 15/05/2023, tendo solicitado a junção de documentação e peticionado a condenação do 2.º requerido como litigante de má fé – “(…) conheça da má-fé do Requerido e em consequência o condene em multa, a fixar por esse Tribunal, e em indemnização pelas despesas que a sua má-fé causou à Requerente fixadas de acordo com o prudente arbítrio de V. Exa. mas nunca em montante inferior a 2.000,00 euros.”.[5]
Por seu turno, o 2.º requerido exerceu o contraditório quanto aos documentos apresentados e respondeu ao pedido de condenação por litigância de má-fé, concluindo pela sua absolvição do mesmo.
Em 30/06/2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Em face da sentença já proferida e da citação do Requerido, o presente processo deixou de ter natureza urgente e confidencial.
O R. foi citado para a presente ação, tendo-lhe sido entregues cópias dos articulados juntos aos autos e da sentença proferida. // No mesmo articulado – a petição inicial – requereu o A. a suspensão e destituição do R. do cargo de gerente, assumindo o primeiro pedido natureza urgente e, como tal constituindo uma providência cautelar inominada. // Assim, a citação para a presente ação e respetivo procedimento cautelar enxertado tem lugar num só ato, considerando-se o R. devidamente citado e o articulado apresentado uma oposição à providência cautelar e contestação à ação principal. // Notifique.
Admite-se o requerimento apresentado em 15.05.2023, porque corresponde ao exercício do contraditório relativamente aos documentos juntos aos autos na oposição/contestação, pronuncia a que sempre teria direito no início da audiência de julgamento. // Admite-se o requerimento de 07.06.2023, uma vez que constitui uma pronúncia sobre os documentos juntos pela A. no requerimento de 15.05.2023, e uma resposta ao pedido de condenação por litigância de má fé.
(…) Indicou o R. testemunhas cuja inquirição requer. // Tal produção de prova será considerada para efeitos de oposição ao procedimento cautelar e impugnação dos factos constitutivos do pedido principal formulado pelo A., já que a matéria em apreciação é coincidente. // Assumindo os presentes autos a tramitação própria dos processos de natureza voluntária, não há lugar à fixação dos temas de prova. Contudo, tendo em atenção a elevada dispersão de matérias completamente alheias ao objeto destes autos, e com vista a que as partes foquem as inquirições nas questões relevantes para a decisão da causa, indicam-se os seguintes temas sobre os quais caberá produzir prova: // 1. Intervenção do R. MM na gestão da C …, Lda.; // 2. Uso a que o Requerido MM destinava os valores que pretendia transferir da conta da C …, Lda. sedeada no Banco Comercial Português; // 3. Uso que o Requerido deu aos valores transferidos da conta da C …, Lda. sedeada no Banco BPI.”.[6]
Mais foi designada data para inquirição das testemunhas arroladas pelo requerido.
Em 10/07/2023, para além do mais, o 2.º requerido solicitou o aditamento de um novo item aos temas da prova – “Motivação que presidiu à realização da transferência por parte do Requerido”- bem como a junção de dois relatórios periciais, sendo ambas as pretensões indeferidas por despacho do dia 12 do mesmo mês[7].
Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelo 2.º requerido, como resulta do teor da acta de 02/10/2023.
Nessa diligência foi proferido despacho a admitir a junção de cópia de um extracto bancário de uma conta do BPI titulada pela V …, Lda (cfr. requerimento de 26/09/2023, apresentado pelo 2.º requerido).
Por sentença proferida em 03/11/2023, decidiu-se:
“(…) julga-se improcedente, por não provada, a oposição deduzida pelo 2.º Requerido e, consequentemente, mantém-se a decisão de suspensão das funções de gerente de MM na C …, Lda., devendo o mesmo: // a) entregar as chaves de acesso às instalações da sociedade 1.ª Requerida; // b) entregar os códigos e cartões de acesso e movimentação das contas bancárias de que a sociedade 1.ª Requerida é titular;//  c) abster-se de praticar quaisquer atos em representação da sociedade 1.ª Requerida, designadamente, movimentação das contas bancárias da sociedade, encomendas, compras, vendas, pagamentos e outros; // d) abster-se de assumir quaisquer compromissos ou obrigações em nome da sociedade 1.ª Requerida; // e) abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade 1.ª Requerida.
Julgo procedente, por provada, a ação especial de destituição de titular de órgão social e, consequentemente, determino a destituição do Requerido MM do exercício das funções de gerente da C …Lda.
Custas pelo 2.º Requerido, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, tendo em atenção o disposto no artigo 539.º do mesmo diploma.”
*
Inconformado com tal sentença, o requerido MM dela interpôs RECURSO de apelação, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
i. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos presentes autos a 3 de novembro de 2023 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 7, que manteve a suspensão do ora Recorrente das funções de gerente da C …, Lda., devendo o mesmo (a) entregar as chaves de acesso às instalações da sociedade 1.ª Requerida; (b) entregar os códigos e cartões de acesso e movimentação das contas bancárias de que a sociedade 1.ª Requerida é titular; (c) abster-se de praticar quaisquer atos em representação da sociedade 1.ª Requerida, designadamente, movimentação das contas bancárias da sociedade, encomendas, compras, vendas, pagamentos e outros; (d) abster-se de assumir quaisquer compromissos ou obrigações em nome da sociedade 1.ª Requerida; (e) abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade 1.ª Requerida;
ii. Mais julgou a decisão ora recorrida procedente, por provada, a ação de destituição de destituição de titular de órgão social e, consequentemente, determinou a destituição do ora Recorrente do exercício das funções de gerente da C …, Lda.;
iii. A decisão recorrida enferma, antes de mais, de nulidades processuais ínsitas na valoração, a final, de prova produzida com preterição do contraditório prévio, prova essa que, por ter sido valorada na formação da decisão final, inquina a mesma com o desvalor da nulidade;
iv. E, caso assim não se entenda, o que não se concede, a decisão recorrida enferma de graves erros na decisão quanto à matéria de facto que culminam inelutavelmente numa errónea aplicação do Direito, impondo-se, por conseguinte e enquanto elementar dever de Justiça, a sua substituição;
v. Verifica-se que o Digníssimo Tribunal a quo considerou os pontos 1 a 20, 23 e 24 dos factos considerados provados com base na pretensa inexistência de prova que afaste a prova indiciária com base na qual foi proferida a sentença de 10 de março de 2023 que determinou a suspensão do Recorrente da gerência da C …, Lda. (cfr. ref.ª 423968126 do p.e.);
vi. Ou seja, ainda que o Digníssimo Tribunal a quo afirme, no início da motivação da decisão de facto, que baseou a sua convicção na análise crítica dos documentos juntos aos autos [e] dos depoimentos das duas testemunhas inquiridas”, acaba, de seguida, por reconhecer que considerou provada a maioria da matéria de facto pelo facto de a prova produzida após a prolação da sentença supracitada não ter afastado a prova indiciária então oportunamente realizada;
vii. Quer isto dizer que foi valorada para a formação da decisão final prova produzida com vista à prolação da decisão do pedido cautelar de suspensão, o qual é tramitado nos próprios autos, nos termos do art.º 1055.º, n.º 2, do CPC, onerando-se, por outro lado, o Recorrente com o afastamento da prova indiciária no plano da decisão do pedido – definitivo – de destituição, o que viola a regra geral do art.º 364.º, n.º 4, do CPC, a qual se reputa aplicável a fortiori ao caso vertente;
viii. Incorre o Digníssimo Tribunal a quo, quando valora prova indiciária produzida com vista à decisão do pedido cautelar de suspensão na formação da sua convicção relativamente ao pedido – definitivo – de destituição, no vício do excesso de pronúncia, porquanto conhece de matérias cujo conhecimento lhe era, desde logo, vedado, enfermando, desta forma, a decisão recorrida do desvalor da nulidade, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC;
ix. Caso assim não se entenda, cumpre notar que as testemunhas inquiridas na diligência de 10 de março de 2023 não foram disponibilizadas ao Recorrente para que o mesmo pudesse impugnar a sua admissão, nos termos do art.º 514.º do CPC, bem como para lhes formular os pedidos de esclarecimento que entendesse por bem, nos termos do art.º 516.º, n.º 2, do CPC;
x. Tudo isto quando, nos termos do art.º 415.º, n.º 1, do CPC, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas, competindo ao Digníssimo Tribunal a quo, nos termos do art.º 3.º, n.º 3, do CPC, assegurar a possibilidade de exercício do contraditório, o que não sucedeu, devendo, aliás, atendendo à inutilidade da prova produzida em sede de apreciação do pedido cautelar para a decisão da ação definitiva, nos termos do art.º 364.º, n.º 4, do CPC, ter-se procedido à renovação dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrida;
xi. Caso assim não se entenda, o que não se concede, deveria, ao menos, o Digníssimo Tribunal a quo ter procedido oficiosamente à notificação das testemunhas oferecidas pela Recorrida para que as mesmas ficassem à disposição do Recorrente para que o mesmo pudesse, em relação a elas, exercer os direitos que são facultados à parte contra a quem a prova testemunhal é oferecida;
xii. Não sucedendo tal iniciativa, ficou comprometida à igualdade de armas consagrada no art.º 4.º do CPC, o que inquina não só a decisão quanto ao pedido definitivo de destituição do Recorrente da gerência, como ainda a decisão quanto ao próprio pedido cautelar, uma vez que , citado o Requerido e deduzida oposição pelo mesmo, é imperativo realizar-se audiência contraditória;
xiii. Valorando, pois, o Digníssimo Tribunal a quo, para a formação da sua decisão final – referente tanto à destituição como à suspensão da gerência, prova produzida com violação do contraditório, cai-se novamente na nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, nulidade essa que se volta a arguir para os devidos efeitos, sendo destarte nula a sentença;
xiv. Caso assim não se entenda, cumpre proceder-se, desde logo, à impugnação da decisão quanto à matéria de facto, indo, desde logo, impugnada a decisão feita pelo Digníssimo Tribunal a quo quanto aos pontos 5, 7, 10, 12, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 23 e 24 dos factos considerados provados e aos pontos C, D e E dos pontos considerados não provados;
xv. Quanto ao ponto 5 dos factos provados, importa notar que o facto de o Recorrente se deslocar amiúde para o exterior não contende com o facto de ser este o responsável máximo pela Sociedade e que se preocupe em permanência com a mesma, sendo, aliás, certo que o Recorrente sempre assumiu o papel de supervisão máxima que lhe competia, mau grado os Exmos. Senhores R … e L … agirem reiteradamente no sentido de impedir o Recorrente de aceder às instalações da Sociedade (cfr. depoimento da testemunha Y … e que se encontra gravado nos minutos 00:14:25 a 00:15:55);
xvi. Deve, pois, ser reformado o ponto 5 dos factos provados para: “O 2.º Requerido, ainda que realizasse várias viagens ao estrangeiro, nunca deixou de controlar a sociedade 1.ª Requerida”;
xvii. Quanto ao ponto 7 dos factos provados, cumpre notar que inexistem elementos carreados para os autos que permitam substanciar tal alegação realizada pela Recorrida em sede de petição inicial e que permitam, pois, dar-se tal facto como provado;
xviii. É, aliás, a ocorrência de atos perturbadores da atividade social infirmada pela testemunha Y …, conforme depoimento que se encontra gravado nos minutos 00:10:06 a 00:10:40;
xix. Deve, portanto, o ponto 7 dos factos provados ser dado como não provado;
xx. Quanto ao ponto 10 dos factos provados, deve ter-se em consideração que decorre do documento a ref.ª 423967041 do p.e. que a Sociedade despendeu a 23 de fevereiro de 2023 o montante 13.714,00 € (treze mil, setecentos e catorze euros) em vencimentos;
xxi. Deve destarte o ponto 10 dos factos provados ser reformado para “A sociedade tem necessidade de fazer pagamentos mensais de Impostos, salários e a fornecedores, tendo pago, no final do mês de fevereiro, o montante de 13.714,00 € (treze mil, setecentos e catorze euros)”;
xxii. Quanto ao ponto 12 dos factos provados, é de se notar que o Recorrente viu serem levantados obstáculos à movimentação da conta da Sociedade domiciliada no Banco Comercial Português, sendo-lhe denegado, por determinação dos Exmos. Senhores R … e L …, o acesso até a um simples extrato de conta, para o qual lhe era exigido o consentimento dos demais gerentes (cfr. depoimento da testemunha Y … e que se encontra gravado nos minutos 00:16:25 a 00:16:58);
xxiii. Deve, por este motivo, ser reformado o ponto 12 dos factos provados para: “A conta bancária no Banco BPI podia ser movimentada por qualquer dos gerentes, enquanto que a conta no Banco Comercial Português não podia ser livremente movimentada pelo 2.º Requerido”;
xxiv. Quanto ao ponto 14 dos factos provados, há que notar que o valor aí identificado corresponde tão-só ao saldo existente no Banco BPI (cfr. documento a ref.ª 423967041 do p.e.), enquanto que, a 15 de fevereiro de 2023, existia, na conta domiciliada no Banco Comercial Português, um saldo de 34.195,62 € (trinta e quatro mil, cento e noventa e cinco euros e sessenta e dois cêntimos) – cfr. documento junto a ref.ª 423967048 do p.e.;
xxv. Deve, portanto, reformar-se o ponto 14 dos factos provados da seguinte forma: “Com tal transferência a conta bancária da 1.ª Requerida domiciliada no Banco BPI ficou com um saldo de € 9.355,88, tendo a conta bancária domiciliada no Banco Comercial Português, a essa data, um saldo de € 34.195,62.”
xxvi. Quanto ao ponto 15 dos factos considerados provados, impõe-se, nos termos do art.º 614.º, n.º 2, do CPC, proceder à retificação de lapsos textuais nesse ponto, devendo o mesmo passar a ficar formulado da seguinte forma: “No dia 15 de fevereiro de 2023, o 2.º Requerido deslocou-se ao balcão de Telheiras do Banco Comercial Português, S.A., onde tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da quantia de € 34.000,00 existente na conta bancária da 1.ª Requerida com o IBAN ….088 que a sociedade tem neste Banco”.
xxvii. Quanto ao ponto 16 dos factos provados, é de se notar que a transferência que o Recorrente tentou realizar a partir da conta do Banco Comercial Português foi bloqueada por iniciativa dos gerentes Exmos. Senhores R … e L …, que diligenciaram telefónica e presencialmente nesse sentido (cfr. depoimento da testemunha Y … que se encontra gravado nos minutos 00:16:25 a 00:16:58);
xxviii. Deve, portanto, o ponto 16 dos factos provados ser reformado para: “Tal tentativa de transferência não se realizou porque os outros gerentes da sociedade 1.ª Requerida, Exmos. Senhores R … e L …, deram instruções ao Banco Comercial Português para proceder ao bloqueio da transferência”.
xxix. Quanto ao ponto 19 dos factos provados e ao ponto E dos factos não provados, há que reter que o Recorrente procedeu à retirada dos fundos da Sociedade em consequência de os Exmos. Senhores R … e L … terem ingressado na estrutura de capital da sociedade – por intermédio da Recorrida – mediante à falsificação de atos societários;
xxx. Tais falsificações, levaram a ações criminais contra os mesmos em 2015 e 2016 que cessaram após promessas de que iriam retificar a situação em relação ao Recorrente;
xxxi. No final de 2022, sucedeu, porém, que, não tendo a situação sido resolvida, os Exmos. Senhores R … e L … continuavam a apropriar-se de fundos da Sociedade, negando ao Recorrente o acesso aos elementos contabilísticos e financeiros da Sociedade, o que levou o Recorrente a ter que retirar as quantias em causa para salvaguardar o património da Sociedade (cfr. depoimento da testemunha Y … que se encontra gravado nos minutos 00:14:25 a 00:15:52, 00:17:35 a 00:19:15, 00:22:30 a 00:23:50);
xxxii. Deve, portanto, o Venerando Tribunal ad quem dar como provado o ponto E dos factos não provados e dar como não provado o ponto 19 dos factos provados;
xxxiii. Quanto ao ponto 20 dos factos provados, o mesmo enferma de erros textuais que reclamam a sua retificação nos termos do art.º 614.º, n.º 2, do CPC, devendo do mesmo passar a constar o seguinte: “O 2.º Requerido não só procedeu a tal transferência relativamente à sociedade 1.ª Requerida, como fê-lo também relativamente a outras três sociedades das quais é gerente (V …, Lda., C …, Lda., E …, Lda.), num valor total de € 720.000,00”;
xxxiv. Quanto ao ponto 21 dos factos provados, encontram-se outrossim erros textuais que carecem de retificação, devendo o mesmo ser reformado para: “A conta pessoal do 2.º Requerido para onde foram transferidas as diversas quantias, domiciliada no BPI com o n.º …-001, tinha em 15.08.2023 um saldo de € 681.595,54 e em 15.09.2023 um saldo de € 677.680,53”.
xxxv. Quanto ao ponto 22 dos factos considerados provados, importa notar que o Recorrente permaneceu, a todo o tempo, integralmente disponível para proceder ao cumprimento de todas as obrigações a cargo da Sociedade;
xxxvi. Deve, pois, o ponto 22 dos factos provados ser reformado nos termos seguintes: “O 2.º Requerido permaneceu disponível para assegurar o cumprimento de todas as despesas a cargo da sociedade 1.ª Requerida”;
xxxvii. Quanto aos pontos 23 e 24 dos factos considerados provados, deve, antes de mais, notar-se que a Sociedade explora hotel no centro de Lisboa (cfr. ponto 8 dos factos provados), em momento de pico de turismo;
xxxviii. E que é, mau grado ser um hotel pequeno, lucrativo (cfr. depoimento da testemunha Y … que se encontra gravado nos minutos 00:21:55 a 00:22:20);
xxxix. Compulsados os extratos bancários carreados para os autos pela Recorrida, verifica-se que a Sociedade recebeu nas suas contas bancárias – enquanto receitas operacionais – entre 16 de fevereiro de 2023 e o final desse mês – o montante de 29.799,89 € (vinte e nove mil, setecentos e noventa e nove euros e oitenta e nove cêntimos) – cfr. documentos juntos a ref.as 423967041 e 423967048 do p.e.;
xl. Devem, portanto, serem dados como não provados os pontos 23 e 24 dos factos que o Digníssimo Tribunal a quo deu como não provados;
xli. Quanto ao ponto C dos factos não provados, deve ter-se em consideração que o Recorrente passou tão-só a gestão do quotidiano para o Exmo. Senhor R … (cfr. depoimento da testemunha Y … e que se encontra gravado entre os minutos 00:08:10 a 00:09:30), motivo pelo qual deve ser tal ponto da matéria de facto dado como provado;
xlii. Quanto ao ponto D dos factos não provados, importa atentar que era o Recorrente quem tomava as decisões estratégicas relativas à Sociedade (cfr. depoimento da testemunha Y … e que se encontra gravado entre os minutos 00:08:10 a 00:09:30), motivo pelo qual deve ser tal ponto da matéria de facto dado como provado;
xliii. Decorre do exposto supra que o Recorrente procedeu à retirada de fundos da conta da Sociedade com o intuito de proteger o património da mesma, proteção essa que se revela necessária em face do facto dos Exmos. Senhores R … e L … desconsiderarem gravosamente a separação de patrimónios entre Sociedade e sócios;
xliv. E, bem assim, o facto de terem os mesmos adquirido controlo sobre as sociedades familiares no seguimento de deliberações sociais realizadas com recurso à falsificação da assinatura do Recorrente, o que, aliado à gestão ruinosa praticada pelos mesmos, compromete irreversivelmente qualquer relação de confiança entre o Recorrente e os Exmos. Senhores R … e L …;
xlv. E é tal facto agravado pelo impedimento reiterado, imposto pelos Exmos. Senhores R … e L …f, do acesso do Recorrente à contabilidade e às contas bancárias da Sociedade, consubstanciando evicção do mesmo da gerência;
xlvi. Um gerente que impede a gerência de outro gerente não é, pois, apto a exercer tais funções e não é, portanto, merecedor da confiança necessária para o exercício das suas funções;
xlvii. É, pois, aos sócios a quem compete nomear e exonerar gerentes e não é a estes últimos a quem compete, por vias alternativas, coartar os poderes que os sócios lhes entenderam atribuir;
xlviii. Não é razoavelmente exigível que o Recorrente deixasse a almofada financeira da Sociedade ao alcance de pessoas que, desconsiderando o património social, adquiriram o controlo das mesmas em circunstâncias de cuja estranheza não poderiam deixar de suspeitar;
xlix. Corresponde ao interesse objetivo de a Sociedade assegurar que as suas reservas financeiras são colocadas fora do alcance de gerentes que se revelaram, salvo o devido respeito, indignos de serem depositários da confiança da Sociedade e dos seus sócios, sendo este outrossim o interesse de longo prazo dos sócios, bem como o dos credores e trabalhadores da Sociedade;
l. Os fundos foram retirados para conta pessoal enquanto solução de recurso porquanto a abertura de outra conta em nome da Sociedade possibilitaria o acesso à mesma por parte dos Exmos. Senhores R … e L …;
li. A situação em causa nos presentes autos é como aquela do gerente que, sabendo que é bastante elevado o risco de existir um assalto às instalações da sociedade, retira do cofre da mesma os montantes nela existentes e os leva para lugar apenas ao seu alcance, retirando, assim, a possibilidade aos assaltantes de se locupletarem com tais valores;
lii. A conduta reiterada pelos Exmos. Senhores R … e L … releva pois, mau grado não serem partes nos presentes autos, porquanto inevitabilizou o recurso à retirada dos fundos para proteger a Sociedade;
liii. Optou o Recorrente por não lançar mão dos meios jurisdicionais porquanto é prefere o mesmo, fruto da sua cultura, resolver os problemas entre pessoas adultas e não com o recurso a tribunais e porque são os Exmos. Senhores R … e L … seus filhos;
liv. A lealdade para com a Sociedade implica, por vezes, em situações como o caso vertente, que se tomem providências inusitadas porquanto o mundo dos negócios, maxime dos negócios familiares, nem sempre é retilíneo como o pensamento legislativo pautado pela abstração e pelo recurso a figuras paradigmáticas;
lv. Não houve qualquer ato de apropriação, até porque, segundo a própria admissão do Recorrente nos autos, o dinheiro pertence à Sociedade e permanece ao dispor da mesma e das suas necessidades;
lvi. Foi, pois, o Recorrente leal na sua atuação para os efeitos do art.º 64.º, n.º 1, alínea b), do CSC;
lvii. O gestor criterioso e ordenado que age lealmente para com a Sociedade procura as soluções mais eficazes para a resolução dos problemas da mesma, o que implica, naturalmente, que, tratando-se o problema em causa do perigo iminente de delapidação do património da Sociedade, se tomem providências imediatas, o que implicou, no caso vertente, proceder-se à retirada dos fundos até porque o recurso aos Tribunais implica uma demora que não se compadece com a urgência na resposta reclamada pela situação em apreço;
lviii. O Recorrente, assim, ao retirar os fundos para a sua conta pessoal, solucionou o problema de forma manifestamente mais célere do que qualquer outra que se possa admitir, tendo, portanto, sido cuidadoso na aceção do art.º 64.º, n.º 1, alínea a), do CSC;
lix. A retirada dos fundos da conta da Sociedade foi necessária para a proteção do património da mesma ou, pelo menos, conveniente para tais fins, sendo, portanto, o ato praticado dentro da competência que é legalmente conferida ao Recorrente pelo art.º 259.º do CSC, não se encontrando carecida de deliberação social para o efeito;
lx. Entendeu o Digníssimo Tribunal a quo que a transferência realizada “teve direta repercussão no funcionamento da Sociedade, prejudicando o seu normal funcionamento e o cumprimento das obrigações diárias decorrentes do exercício da sua atividade comercial”;
lxi. O que não corresponde, contudo, à verdade porquanto a Sociedade teve receitas operacionais não inferiores a 29.799,89 € (vinte e nove mil, setecentos e noventa e nove euros e oitenta e nove cêntimos) no período entre os factos objeto dos presentes autos e o final do mês de fevereiro de 2023 – isto, retenha-se, em época baixa;
lxii. Quando, por exemplo, o valor despendido nesse mês com salários foi de 13.714,00 € (treze mil, setecentos e catorze euros);
lxiii. Não foi, pois, comprometida nem o funcionamento nem muito menos a viabilidade da Sociedade com a atuação do Recorrente, até porque o mesmo se disponibilizou a providenciar pelo pagamento das despesas da Sociedade;
lxiv. As receitas correntes da Sociedade permitem, aliás, o cumprimento da totalidade das suas obrigações e, no final do exercício, a distribuição de um generoso dividendo a distribuir pelos sócios, chocando, aliás, que se considere que uma sociedade que explora hotel no centro de Lisboa possa ficar comprometida nestes moldes;
lxv. Os montantes retirados eram, pois, reserva da Sociedade que representava liquidez não necessária no curto, no médio e até no longo prazo, sendo evidente a má gestão levada a cabo pelos Exmos. Senhores R … e L … quando não deixam tão avultada quantia à ordem e não a rentabilizam;
lxvi. A destituição judicial de gerente depende, nos termos do art.º 257.º, n.º 4, do CSC, de justa causa, a qual corresponde, segundo o que é comumente entendido pela doutrina e pela jurisprudência, à inexigibilidade ex bona fide de manutenção da relação entre a sociedade e o gerente;
lxvii. Ora, o Recorrente agiu, como visto, plenamente em conformidade com os deveres funcionais aos quais estava adstrito e dentro das competências de que legalmente dispõe;
lxviii. Inexistem, pois, fundamentos para uma qualquer quebra de confiança da Sociedade no Recorrente e que, por esse motivo, tornem inexigível a continuação do exercício de funções;
lxix. É, portanto, improcedente tanto o pedido de destituição como, por conseguinte, o pedido cautelar de suspensão do Recorrente, impondo-se, portanto, substituir a decisão recorrida por decisão que absolva o Recorrente dos pedidos contra o mesmo deduzidos pela Recorrida;
lxx. Caso assim não se entenda, o que apenas a benefício de raciocínio se admite, cumpre notar que a decisão recorrida impõe, na parte referente à suspensão, que o Recorrente se abstenha de entrar ou permanecer nas instalações da Sociedade;
lxxi. Nota-se, desde logo, que a Sociedade explora o Hotel X (cfr. ponto 8 dos factos provados), o qual se encontra aberto ao público, não se justificando destarte a imposição de restrições de acesso do Recorrente ao mesmo quando todo o público interessado pode a ele aceder;
lxxii. Há que reter ainda que existem inúmeros direitos sociais dos quais o Recorrente é titular (cfr. ponto 4.a. dos factos provados) e cujo exercício deve ser feito na sede, como o direito a participar nas assembleias gerais, nos termos do art.º 377.º, n.º 6, aplicável ex vi art.º 248.º, n.º 1, ambos do CSC, o qual não pode, de modo algum, ser restringido, nos termos do art.º 248.º, n.º 5, do CSC, o direito de consulta das informações preparatórias da assembleia geral, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, aplicável ex vi art.º 248.º, n.º 1, ambos do CSC;
lxxiii. E ainda o direito à consulta da escrituração, livros e documentos da Sociedade, o qual deverá ser feito, nos termos do art.º 214.º, n.º 1, do CSC, na sua sede social;
lxxiv. Não é admissível que se utilizem os presentes autos – de destituição de gerente, note-se – para coartar a posição jurídica do Recorrente enquanto sócio, motivo pelo qual, caso o Venerando Tribunal ad quem confirme a decisão proferida em primeira instância, deverá, ao menos, retirar do dispositivo do acórdão a proferir o impedimento do Recorrente aceder à sede social sita no Hotel X.
lxxv. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa reconheceu, em acórdão proferido a 31 de outubro de 2023 no processo n.º 4984/23.2T8LSB.L1 a incindibilidade do acesso à sede do exercício de certos direitos sociais, sendo, contudo, em face do facto de a sede social ser hotel aberto ao público, possível ir-se mais longe, permitindo ao Recorrente utilizar os serviços do hotel em condições de igualdade com o público em geral.
Termos em que V. Exas. darão provimento ao presente recurso, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”
Pela requerente R …, Lda. foram apresentadas CONTRA-ALEGAÇÕES, nas quais se conclui:
“1.ª O presente recurso está votado à improcedência, uma vez que a sentença sub judice não padece das nulidades nem dos erros imputados pelo Recorrente, tendo o Tribunal a quo bem decidido – de facto e de direito – ao manter a medida cautelar e ao julgar a ação procedente, tendo proferido a única decisão possível em face da prova produzida nos autos e do quadro legal aplicável ao litígio.
2.ª O que se constata, no presente recurso, é que se mantêm plenamente atuais e válidos os fundamentos – de facto e de direito – que alicerçaram a decisão do Tribunal de Primeira Instância, sendo evidente que o Recorrente considera legítimo atuar à margem da lei e na prossecução de interesses pessoais, que claramente são contrários e lesivos do interesse da Sociedade da qual era gerente.
3.ª A invocação, no presente momento, de alegadas nulidades consubstancia uma manifesta violação do princípio da cooperação das partes uma vez que as mesmas, a terem-se verificado ao longo do processo, deveriam ter sido invocadas em momento muito anterior ao presente, de forma a serem reparadas e evitando - em caso de procedência - a prática de atos inúteis.
4.ª Quanto à alegada apreciação de prova produzida com preterição do contraditório é manifestamente extemporânea qualquer arguição de nulidade quanto a este aspeto (cf. artigo 199.º do CPC), uma vez que o Recorrente bem sabia – tendo-o inclusivamente admitido e solicitado em sede de Oposição – que nos presentes autos se iria decidir o pedido de suspensão e o pedido de destituição em simultâneo.
5.ª Ao contrário do sufragado pelo Recorrente, não só não se verifica qualquer nulidade como foi assegurado ao longo do processo a igualdade de armas e garantidas todas as garantias de contraditório, improcedendo esta parte do Recurso.
6.ª Estava ao dispor do Recorrente poder solicitar ao Tribunal que notificasse as testemunhas indicadas pela Recorrida para lhes colocar os pedidos de esclarecimentos que entendesse necessários (realçando-se, em todo o caso, que o Recorrente, notificado da decisão cautelar, optou por apresentar oposição ao invés de interpor recurso da mesma, o que indicia que não pretendia atacar a factualidade já provada nos autos, nem requerer a renovação da prova – cf. artigos 372.º e 662.º, n.º 2 do CPC) ou tinha o mesmo a faculdade de poder arrolar no seu articulado as referidas testemunhas para lhes fazer instâncias e colocar todas as questões que entendesse pertinentes para a decisão da causa.
7.ª O Recorrente, consciente que ambos os pedidos seriam tramitados em simultâneo, nunca manifestou, seja para efeitos de oposição ao procedimento cautelar, seja para efeitos de contestação à ação principal, qualquer intenção de solicitar esclarecimentos às referidas testemunhas, nem as arrolou no seu Rol, conforme poderia fazer.
8.ª A lei admite e a forma de processo também, nos casos de cumulação do pedido de destituição com o pedido de suspensão do exercício de funções, que os dois pedidos sejam apreciados, a final - ao abrigo dos princípios da celeridade, da gestão processual, da economia processual e para a boa decisão da causa - em simultâneo, nada obstando – antes pelo contrário – a que os meios de prova produzidos em sede de procedimento cautelar sejam tomados em consideração no julgamento e fixação da matéria de facto a provar a final.
9.ª Face àquele que é o objeto do litígio da presente ação (de suspensão e destituição do Recorrente do exercício das funções de gerente da C …, Lda.), cumpre realçar que bem andou o Tribunal recorrido ao ter decidido como decidiu, uma vez que a factualidade que foi dada como não escrita é irrelevante para o thema decidendum dos presentes autos.
10.ª O Recorrente não pode neste momento, através de documentos que poderiam ter sido obtidos em momento anterior, tentar novamente produzir prova quando não o fez em sede própria, facto este que só à parte pode ser imputável.
11.ª Nas suas alegações de recurso, o Recorrente insurge-se contra a decisão de facto que foi proferida pelo Tribunal a quo, sufragando que a mesma “enferma de graves erros na decisão” e pugnando, a final, pela alteração da resposta dada aos pontos 5, 7, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 23 e 24 dos factos provados e pela inclusão na factualidade assente dos pontos C., D. e E. dados como não provados.
12.ª A factualidade do Ponto 5 dos Factos Provados, resulta dos depoimentos das testemunhas Aurora … (cf. depoimento cujos excertos têm início ao minuto 03:07 e fim ao minuto 05:01, início ao minuto 07:23 e fim ao minuto 07:56 do referido depoimento e início ao minuto 25:29 e fim ao minuto 25:50 do referido depoimento) e Ana …, devendo tal ponto ser mantido (cf. depoimento cujo excerto tem início ao minuto 01:03 e fim ao minuto 01:25 do referido depoimento; excertos têm início ao minuto 00:37 e fim ao minuto 02:04 e início ao minuto 10:07 e fim ao minuto 11:01 do referido depoimento), que referiram que o Recorrente esteve ausente da gestão das Sociedades nos últimos 20 anos, tendo estado inclusive ausente do país, sendo que este, como resulta do depoimento da Testemunha Ana …, nunca contactou com a gestora de conta durante o período em que esta começou a gerir as referidas contas.
13.ª A alteração à matéria de facto sugerida pelo Recorrente baseia-se, única e exclusivamente, no depoimento da testemunha Y …, depoimento que, para além de não merecer credibilidade (nos termos supra expostos e conforme resulta da ata da inquirição de testemunhas), é contrariado pela demais prova produzida e apreciada nos autos, pelo que, em face do exposto, deve ser mantida a resposta dada pelo Tribunal a quo, devendo ser consideradas improcedentes as conclusões xv. e xvi. das alegações de recurso do Recorrente.
14.ª A factualidade constante do Ponto 7 dos Factos Provados, resulta dos depoimentos das testemunhas Aurora … (cf. depoimento cujos excertos têm início ao minuto 09:09 e fim ao minuto 10:08 e início ao minuto 26:11 e fim ao minuto 26:30 do referido depoimento) e Ana … (cf. depoimento cujo excerto tem início ao minuto 12:51 e fim ao minuto 13:22 do referido depoimento), resultando dos referidos depoimentos que já anteriormente o Recorrente tinha praticado atos que tinham prejudicado uma sociedade do grupo, em concreto, a V …, Lda, devendo como tal as conclusões xvii. a xix. ser consideradas improcedentes, e, em consequência, ser mantida a sentença recorrida.
15.ª A factualidade constante do Ponto 10 dos Factos Provados, resulta do Documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, sendo de realçar que a factualidade concreta que o mesmo se destina a provar (valor dos vencimentos alegada no artigo 12.º do requerimento inicial e constante no ponto 10 da sentença proferida a 10 de março de 2023) não foi impugnada em sede de oposição pelo Recorrente, devendo ser aceite.
16.ª Além do mais, resulta ainda da oposição do Recorrente que o mesmo não exerceu qualquer contraditório quanto à admissibilidade e força probatória do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, pelo que, nada obsta a que o mesmo, por ser idóneo para a prova do facto alegado, seja tomado em consideração pelo Tribunal, uma vez que do mesmo resulta, expressamente, a factualidade a provar.
17.ª Os extratos bancários não só não colocam em causa o facto dado como provado, como não são por si só suficientes para afastar a prova produzida pelo Documento n.º 2, já que a única prova que os extratos bancários fazem é que montantes foram pagos por transferência bancária, e não que montantes são efetivamente devidos a título de vencimento aos trabalhadores da sociedade.
18.ª Ora, não tendo o Recorrente à data da sua oposição exercido o contraditório relativamente à admissibilidade e força probatória do documento, este faz prova plena, não podendo agora vir em sede de recurso, momento processual este que não é o próprio para impugnação de documentos, peticionar a reforma de um facto provado com base nesse documento, além de tal resultar do depoimento da testemunha Aurora … (cf. depoimento cujo excerto tem início ao minuto 21:26 e fim ao minuto 22:14 do referido depoimento), pelo que, em face do exposto, deverá manter-se inalterado o ponto 10 dos factos provados, devendo este Douto Tribunal considerar improcedentes as conclusões xx. a xxi. das alegações de recurso do Recorrente.
19.ª A factualidade constante do Ponto 12 dos Factos Provados, resulta do depoimento da testemunha Aurora … e dos extratos do saldo da conta existente no Banco BPI e extrato da conta existente no Banco Millennium BCP, juntos na sessão de inquirição de testemunhas de 09 de março de 2023, ref.ª 423967041 e 423967048.
20.ª Acresce, que para além da prova documental, tal factualidade constante do ponto 12 dos factos provados resulta também dos depoimentos das testemunhas Aurora … (cfr. depoimento cujo excerto tem início ao minuto 11:13 e fim ao minuto 11:56 do referido depoimento) e Ana … (cfr. depoimento cujos excertos têm início ao minuto 00:37 e fim ao minuto 02:04 e início ao minuto 07:26 e fim ao minuto 08:51 do referido depoimento).
21.ª Destes depoimentos e da prova carreada para os autos junto com o r.i. conclui-se que a realização das operações bancárias pelo Recorrente e a tentativa da realização de transferência, bem como o constante da certidão permanente da sociedade que refere que a sociedade se obriga através da assinatura de um gerente, demonstram que o Recorrente tinha poderes para movimentar as contas da sociedade sozinho, devendo como tal, manter-se inalterado o ponto 12 dos factos provados, e em consequência, ser consideradas improcedentes as conclusões xxii. e xxiii. das alegações de recurso do Recorrente.
22.ª A factualidade constante do Ponto 14 dos Factos Provados resulta do depoimento da testemunha Aurora … (cf. depoimento cujo excerto tem início ao minuto 12:15 e fim ao minuto 12:45 do referido depoimento) e do extrato do saldo da conta existente no Banco BPI, junto na sessão de inquirição de testemunhas de 09 de março de 2023, ref.ª 423967041.
23.ª Efetivamente, aquando da transferência bancária operada pelo Recorrente no Banco BPI (dada como provada no ponto 13 dos factos assentes), o saldo desta conta ficou com € 9.355,88, devendo como tal, manter-se o ponto 14 dos factos provados da sentença recorrida, e em consequência, considerar-se improcedentes as conclusões xxiv. a xxv. das alegações de recurso do Recorrente.
24.ª Quanto ao ponto 15 dos factos provados, resulta do depoimento das testemunhas Aurora … (cf. depoimento cujo excerto tem início ao minuto 14:07 e fim ao minuto 14:57 do referido depoimento) e Ana … (cf. depoimento cujos excertos têm início ao minuto 02:04 e fim ao minuto 02:56 e início ao minuto 04:29 e fim ao minuto 05:45 do referido depoimento), que o Recorrente no dia 16 de fevereiro de 2023 deslocou-se ao balcão de Telheiras do Banco Comercial Português, S.A., onde tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da quantia de € 34.0000, existente na conta bancária da C …, Lda.
25.ª Salienta-se que o Recorrente não só não fez qualquer prova no sentido de infirmar o depoimento desta testemunha, como confessa que tentou retirar os montantes desta conta bancária (confissão que se aceita para não mais ser retirada), não só em sede de oposição, mas também em sede de recurso, nada tendo alegado quanto aos montantes em causa (cf. artigos 27.º e 33.º da oposição).
26.ª Acresce que, incorre o Recorrente num equívoco quando refere que o Tribunal a quo se refere ao dia 15, ao invés do dia 16 de fevereiro (cf. facto provado 15 da matéria assente na sentença), bem como, em relação aos lapsos escritos da sentença que o Recorrente aponta, são apenas referências linguísticas que não alteram o sentido do facto provado, pelo que deverá manter-se inalterado o ponto 15 dos factos provados constantes da sentença recorrida, e em consequência, deverão ser consideradas improcedentes a conclusão xxvi. das alegações de recurso do Recorrente.
27.ª A factualidade constante do Ponto 16 dos Factos Provados resulta dos depoimentos das testemunhas Aurora … (cf. depoimento cujo excerto tem início ao minuto 14:57 e fim ao minuto 15:30 do referido depoimento) e Ana … (cf. depoimento cujo excerto tem início ao minuto 02:04 e fim ao minuto 04:29 do referido depoimento) em que a Testemunha refere que não abonou a assinatura do então gerente Sr. MM pois não havia um documento que demonstrasse o motivo para a transferência de tal valor para a sua conta pessoal, devendo como tal manter-se inalterado o ponto 16 dos factos dados como provados na sentença recorrida e, em consequência, ser consideradas improcedentes as conclusões xxvii. e xxviii. das alegações de recurso do Recorrente.
28.ª Quanto ao ponto 19 dos factos provados, a referida factualidade resulta do depoimento das testemunhas Aurora … (cf. depoimento cujo excerto tem início ao minuto 13:11 e fim ao minuto 13:44 do referido depoimento) e Ana … (cf. depoimento cujos excertos têm início ao minuto 02:04 e fim ao minuto 04:29 e início ao minuto 11:01 e fim ao minuto 11:38 do referido depoimento) que referiram que não existe qualquer atividade da Sociedade que justifique a mobilização das referidas quantias para a conta pessoal do Recorrente.
29.ª Ficou ainda demonstrado nos autos que a C …, Lda. não deliberou a transferência de quaisquer valores, muito menos da quase totalidade das verbas de que dispõe, para um dos gerentes ou sócios da sociedade em causa, não tendo existido qualquer atividade da C …, Lda. que justificasse a mobilização das referidas quantias para a conta pessoal do Recorrente.
30.ª E mais: o Recorrente sabia e sabe que não dispunha de qualquer título que lhe permitisse apropriar-se dos fundos da sociedade, sendo que, o Recorrente não podia ignorar que a sua conduta é totalmente contrária ao direito e aos interesses patrimoniais da C …, Lda. e que com o seu comportamento provocaria gravíssimos danos ao património da sociedade, devendo como tal, manter-se inalterado o ponto 19 dos factos dados como provados na sentença recorrida e, em consequência, ser consideradas improcedentes as conclusões xxix. a xxxii. das alegações de recurso do Recorrente.
31.ª Relativamente ao ponto 20 dos factos provados, tendo em conta que, da alteração de “Réu” para “2.º Requerido” não existem quaisquer consequências para a decisão material da causa, caberá ao douto tribunal a quo decidir se pretende retificar a sentença nesse ponto, referindo-se desde já que não é necessária qualquer produção de prova adicional, em caso de retificação do erro de escrita, pelo que deverão ser consideradas improcedentes as conclusões xxxiii. das alegações de recurso do Recorrente.
32.ª No que concerne ao ponto 21 dos factos provados, a única retificação que o Recorrente peticiona é aquela relativa ao lapso de escrita que consta da identificação da data em causa, deve ler-se “15.08.2023”, em vez de “5.08.2023”, visto que relativamente a tudo o resto apenas refere que em vez de “Requerido”, deveria constar o “2.º Requerido”, mantendo-se a redação, relativamente aos valores e à restante informação bancária.
33.ª Assim, tendo em conta que, se verifica um lapso de escrita relativamente à data, o que, contudo, não altera a discussão da matéria de facto em causa, caberá a este douto tribunal entender se pretende retificar a data na sentença e a identificação do Requerido, sublinhando se, contudo, que tal está demonstrado no documento e não implica qualquer repetição de prova, ou influi na decisão de mérito.
34.ª Relativamente ao ponto 22 dos factos provados, tal factualidade resulta, nomeadamente, do documento nº 1 junto com o requerimento datado de 26.09.2023, porém, esse mesmo documento é idóneo para provar que os gastos constantes no extrato bancário são para fins pessoais e que, não consta nenhum pagamento à referida sociedade.
35.ª Sustenta o Recorrente que os montantes retirados da Sociedade se encontravam arrestados devido ao Processo n.º …./23.8T8LSB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juiz 7, porém tal argumento não poderá ser considerado procedente, pois apenas foram arrestados montantes no valor de 600.000,00€, não se consubstanciando, nem na totalidade dos valores retirados das contas bancárias das várias sociedades do grupo (720.000,00€), nem tal facto o impedindo de administrar o seu património pessoal.
36.ª Neste sentido, na referida conta bancária, haveria montantes suficientes para efetuar alguns pagamentos em prol da Sociedade, porém, não o fez, pelo que deve manter-se inalterado o ponto 22 dos factos dados como provados na sentença recorrida e, em consequência, ser consideradas improcedentes as conclusões xxxv. e xxxvi. das alegações de recurso do Recorrente.
37.ª Quanto ao ponto 23 dos factos provados, resulta do depoimento da testemunha Aurora … (cf. depoimento cujo excerto tem início ao minuto 23:46 e fim ao minuto 24:28 do referido depoimento) que devido à transferência efetuada pelo Recorrente, a C …, Lda poderia não conseguir pagar a totalidade dos seus compromissos, pelo que, em face do exposto, deverá manter-se a factualidade constante do ponto 23 os factos provados na sentença recorrida, devendo ser consideradas improcedentes as conclusões xxxvii. a xl. das alegações de recurso do Recorrente.
38.ª Quanto ao ponto 24 dos factos provados, resulta do depoimento das testemunhas Aurora … (cf. depoimento cujo excerto tem início ao minuto 24:28 e fim ao minuto 24:49 do referido depoimento) e Ana … (cf. depoimento cujo excerto tem início ao minuto 04:29 e fim ao minuto 05:53 do referido depoimento) que se a transferência tentada a 16 de fevereiro de 2023 tivesse sido realizada, o estabelecimento hoteleiro da C …, Lda. poderia ter de ser encerrado e ser a Sociedade declarada insolvente.
39.ª Aplicam-se, mutatis mutandis, a este ponto da matéria de facto, os mesmos argumentos supra aduzidos quanto ao ponto 23 dos factos provados, sendo que, após a transferência, a conta ficou com um saldo de 9.355,88 €, pelo que, a tentativa de locupletamento do dia 16 de fevereiro, correspondia quase ao montante total da referida conta bancária, devendo como tal manter-se o ponto 24 dos factos provados na sentença recorrida, devendo ser consideradas improcedentes as conclusões xxxvii. a xl. das alegações de recurso do Recorrente.
40.ª Quanto aos Pontos C. e D. da Matéria de Facto Não Provada, para além de não ter sido produzida prova quanto à factualidade constante nos referidos pontos, foi inclusivamente realizada prova em sentido contrário, o que se verifica através do depoimento das testemunhas Aurora … (cf. depoimento cujos excertos têm início ao minuto 02:55 e fim ao minuto 09:09 e início ao minuto 18:59 e fim ao minuto 19:30 do referido depoimento) e Ana … (cfr. depoimento cujos excertos têm início ao minuto 00:37 e fim ao minuto 02:04 e início ao minuto 10:07 e fim ao minuto 11:01 do referido depoimento).
41.ª Verifica-se que o Recorrente não traz aos autos qualquer prova capaz de alterar os factos propugnados, devendo, para tal, os mesmos ser mantidos como não provados, e ser consideradas improcedentes as conclusões xli. a xliv. das alegações de recurso do Recorrente.
42.ª O Recorrente procedeu às transferências para as suas contas bancárias pessoais, sem qualquer justificação, sem que os demais gerentes soubessem do sucedido, tendo estes sido apanhados de surpresa, e tendo sido apenas avisados pela gerente da conta em causa do sucedido.
43.ª E mais: os valores de que se locupletou não foram entregues nem devolvidos à sociedade, daí que os demais gerentes tenham tomado medidas urgentes cautelares de forma a protegerem o património de quaisquer outros locupletamentos realizados por parte do Recorrente.
44.ª Relativamente à transferência em concreto, da prova concatenada nos autos ficou demonstrado que a sociedade não deliberou a transferência de quaisquer valores para o Recorrente.
45.ª Em face da referida factualidade provada e não provada, não se pode concluir que a atuação do Recorrente visou proteger o património social, tendo ficado demonstrado que inexiste justa causa para o comportamento do Recorrente, o que impõe, necessariamente, que seja mantida como não provada a factualidade constante do ponto E, devendo ser consideradas improcedentes as conclusões xlv. a lxix. das alegações de recurso do Recorrente.
46.ª Nas suas conclusões de recurso, o Recorrente apenas coloca em crise a decisão que foi proferida quanto ao pedido de destituição de gerente, nenhum erro de direito imputando à decisão de suspensão de funções de gerente, que não seja a admissibilidade das medidas aplicadas.
47.ª A decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância está não só devidamente estribada na matéria de facto provada (cf., nomeadamente, pontos 13 a 20 dos factos provados) e em concordância com a lei e a interpretação doutrinária da mesma, como ainda se encontra na senda daquela que é a posição sufragada pela Jurisprudência: “Constituindo os factos imputados ao gerente uma atuação ilícita, que se traduziu no aproveitamento em benefício próprio de numerário pertença da sociedade, sem razão justificativa, eles assumem relevo suscetível de preencher o conceito de justa causa, como fundamento de suspensão ou destituição” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 08-01-2008, proferido no Processo 0723957, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
48.ª As medidas impostas pelo Tribunal a quo enquadram-se no âmbito do pedido de suspensão do Recorrente da função de gerente, sendo todas elas necessárias a obstar que o mesmo continue a praticar atos, enquanto gerente, que possam ser contrários aos interesses da Sociedade.
49.ª Tais medidas não são ablativas, nem coartam, quaisquer direitos que o Recorrente possa ter enquanto sócio da C …, Lda.
50.ª A sentença recorrida deve manter-se, nos seus precisos termos, por ser a única que, em face do enquadramento factual, salvaguarda os interesses da Sociedade e é consentânea com o Direito e a Justiça.
NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, com as legais consequências. // SÓ ASSIM SE DECIDINDO SE FARÁ JUSTIÇA E SERÁ CUMPRIDO O DIREITO!”
O recurso foi admitido pelo tribunal a quo por despacho proferido em 04/04/2024, tendo a Mma. Juíza a quo se pronunciado no sentido de não padecer a sentença de nulidade[8].
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando estejam em causa questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado - artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Não está, porém, este tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio.
No caso, como expressamente refere o apelante, o recurso visa impugnar a decisão que manteve a suspensão do mesmo das funções de gerente e o destituiu desse cargo.
Assim, importa decidir:
1. Da nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia – artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;
2. Da impugnação do julgamento da matéria de facto;
3.  Da verificação dos pressupostos para a destituição do requerido como gerente da C …, Lda;
4. A estarem verificados tais pressupostos, aferir da manutenção da medida cautelar refente à proibição de acesso às instalações da 1.ª Requerida.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. A Autora é sócia maioritária da sociedade comercial por quotas “C …, Lda.”, sociedade que tem por objeto social a exploração da indústria hoteleira e similares.
2. São gerentes da sociedade, L …, R … e o requerido MM.
3. A sociedade obriga-se com a assinatura de um gerente.
4. São sócios da sociedade: a. O requerido MM, titular de uma quota de € 498.929,08, representando 42.42% do capital social; b. W …, titular de uma quota de €6.035,46, representando 0.58% do capital social; e c. A Requerente R …, Lda., titular de uma quota de € 525.535,46, representando 51% do capital social.
5. O 2.º Requerido tem estado ausente da gestão efetiva da sociedade nos últimos vinte anos, encontrando-se maioritariamente fora de Portugal.
6. A gerência diária da sociedade 1.ª Requerida é exercida pelos outros dois gerentes designados, filhos do aqui 2.º Requerido.
7. Já anteriormente o 2.º Requerido praticou atos perturbadores da atividade social, que os outros gerentes têm vindo a corrigir e a não denunciar, atenta a relação familiar.
8. A sociedade 1.ª Requerida explora o hotel denominado comercialmente Hotel X, localizado na Rua xxx, em Lisboa.
9. A sociedade 1.ª Requerida tem ao seu serviço 16 funcionários.
10. A sociedade tem necessidade de fazer pagamentos mensais de impostos, salários e a fornecedores, tendo no final do presente mês de pagar, só em salários, 15.500,00 euros.
11. A sociedade é titular de duas contas bancárias, a saber: a. Uma conta aberta junto do Banco BPI, SA, com o IBAN …197; e b. Uma conta aberta junto do Banco Comercial Português, SA, com o IBAN …088.
12. As referidas contas bancárias podem ser movimentadas por qualquer dos gerentes.
13. No passado dia 15 de fevereiro de 2023, o 2.º Requerido transferiu para a sua conta bancária pessoal o montante de 120.000 euros que a 1ª Requerida tinha depositado no banco BPI, na conta com o IBAN …197.
14. Com tal transferência a conta bancária ficou com um saldo de € 9.355,88.
15. No dia 16 de fevereiro de 2023, o Réu deslocou-se ao balcão de Telheiras do Banco Comercial Português, S.A., onde tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da quantia de € 34.000,00 existente na conta bancária da 1ª com o …088 que a sociedade tem neste Banco.
16. Tal tentativa de transferência só não se concretizou uma vez que a Gerente da Conta em causa, Sra. Ana …, não deu autorização por falta de documentação de suporte.
17. Quando os restantes gerentes da 1ª Requerida tomaram conhecimento de tal tentativa de transferência deram instruções ao banco no sentido de bloquear as movimentações da conta em causa.
18. A sociedade 1.ª Requerida não deliberou a transferência de quaisquer valores para o 2.º Requerido.
19. Não existe qualquer atividade da sociedade 1.ª Requerida que justifique a mobilização das referidas quantias para a conta pessoal do 2.º Requerido.
20. O 2.º Réu não só procedeu a tal transferência relativamente à sociedade 1.ª Requerida, como fê-lo também relativamente a outras três empresas das quais é gerente (V …, Lda, C …, Lda.), num valor total de € 720.000,00.
21. A conta pessoal do Requerido para onde foram transferidas as diversas quantias, domiciliada no BPI com o n.º 4-6128411-000-001, tinha em 5.08.2023 um saldo de € 681.595,94 e em 15.09.2023 um saldo de € 677.680,83.
22. Durante esse período de 30 dias o 2.º Requerido não efetuou qualquer pagamento respeitante à 1ª Requerida, sendo a diferença de valores resultado do uso pessoal feito pelo 2.º Requerido.
23. Em consequência da transferência realizada pelo 2.º Requerido, a sociedade 1.ª Requerida poderia não conseguir pagar a totalidade dos seus compromissos.
24. Se a transferência tentada em 16/02/2023 tivesse sido realizada, o estabelecimento hoteleiro da 1ª Requerida poderia ter de ser encerrado e a sociedade declarada insolvente.
E considerou não provados:
A. A sociedade é titular de duas contas bancárias, a saber: // a. Uma conta aberta junto do Banco BPI, SA, com o IBAN …153; e // b. Uma conta aberta junto do Banco Comercial Português, SA, com o IBAN …142.
B. A transferência referida em 15 não se concretizou porque a Gerente de Conta pediu ao Gerente da sociedade 1.ª Requerida, R …, que confirmasse a realização de tal operação, por estranhar o valor e o destino da mesma.
C. O 2.º Requerido é parte ativa na gestão das sociedades, limitando-se tão-só os seus filhos gerentes a executarem tarefas do quotidiano sob a autoridade do Requerido.
D. O 2.º Requerido é o responsável máximo pela Sociedade e incumbe-lhe delinear as grandes linhas estratégicas de todos os negócios familiares.
E. O 2.º Requerido realizou a transferência a partir da conta do Banco BPI com vista a proteger o património social.
Em sede de motivação consignou-se:
O Tribunal baseou a sua convicção na análise crítica dos documentos juntos aos autos dos depoimentos das duas testemunhas inquiridas, prova apreciada livremente nos termos do artigo 396.º do Código Civil.
Os factos 1 a 20, 23 e 24 foram considerados indiciariamente provados na sentença proferida em 10.03.2023, e a prova agora produzida não os afastou.
As testemunhas arroladas pelo 2.º Requerido e agora inquiridas revelaram falta de isenção, objetividade e imparcialidade, por um lado, e pouco conhecimento dos factos, por outro lado. // A testemunha Y …, filho do 2.º Requerido, encontra-se em claro conflito com os irmãos, gerentes da A., com quem se encontra de relações cortadas desde 2021. Referindo-se a eles, afirmou que “intitulam-se as joias da coroa e acham que ninguém os pode tirar do pedestal”. Esta animosidade latente, sempre presente ao longo de todo o depoimento, não permite à testemunha prestar o seu depoimento com isenção e objetividade. Na realidade, o seu depoimento constitui uma reconstituição da narrativa do pai, sem que se perceba qual a participação da testemunha ou sequer a sua presença nos factos que relata, tanto mais que não participa na atividade comercial da 1ª Requerida. // A testemunha J … é amigo do 2.º Requerido e apenas conhece o que por este lhe foi narrado.
Pelo contrário, as testemunhas arroladas pela Requerente e já ouvidas não tinham nenhuma relação de amizade com as partes ou a gerência da Requerente, sendo trabalhadores, e revelaram uma isenção, objetividade e imparcialidade a que não se assistiu na última inquirição de testemunhas.
Mantêm-se, por isso, provados os factos acima elencados, e bem assim os factos não provados A e B
Os factos 21 e 22 resultam do extrato bancário junto aos autos pelo 2.º Requerido em 26.09.2023.
No que respeita aos factos C e D, as testemunhas agora inquiridas vieram confirmar a presença do 2.º Requerido no estrangeiro ao longo dos últimos 20 anos e por diversas, e às vezes longas, temporadas, conforme havia sido alegado pela Requerente. Esta circunstância, aliada à admissão feita pelo 2.º Requerido de que não tinha acesso ao contabilista da 1ª Requerida, aos documentos contabilísticos e às contas bancárias da sociedade são reveladoras do seu afastamento da gerência da sociedade, e consequentemente, impedem a prova dos factos C e D.
Aliás, tais factos reforçam a prova do constante em 23 e 24, uma vez que o 2.º Requerido não conhecia o estado da contabilidade da 1.ª Requerida, desconhecendo se existiria ou não valores a receber que permitissem, tão só, pagar os ordenados dos trabalhadores.
Por último, o facto E é infirmado pelo extrato bancário junto aos autos pelo próprio 2.º Requerido e pelas afirmações feitas em sede de contestação. Por um lado, o extrato bancário revela que o 2.º Requerido tem gasto em proveito próprio o dinheiro que retirou das contas bancárias das diversas sociedades, incluindo a 1.ª Requerida. Tal utilização é incompatível com a salvaguarda do património da sociedade alegada pelo 2.º Requerido, já que a manutenção desta utilização fará desaparecer património da sociedade. // Mas é o próprio 2.º Requerido quem confirma tal postura de utilização pessoal de património da pessoa coletiva, ao afirmar que, se fosse necessário, não hesitaria em usar tal dinheiro para assegurar o completo e pontual cumprimento das obrigações da Sociedade. Daqui se depreende que o dinheiro da sociedade só seria usado para fins com esta relacionados caso tal fosse necessário. // Aliás, a transferência do valor para uma conta de uso pessoal é disso reveladora já que, se pretendesse efetivamente salvaguardar o património da sociedade, abriria uma conta para o efeito que não seria utilizada para outro fim que não a atividade societária. E se temesse a efetiva utilização indevida dos fundos societários pelos outros sócios, de acordo com o que, no seu entender, tem sido feito, poderia ter pedido a suspensão e destituição de funções dos restantes gerentes, ou requerido a realização de um inquérito judicial à sociedade, o que não fez. // Considera-se, por isso, não provado o facto E.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Não obstante a primeira questão a conhecer seja atinente à invocada nulidade da sentença recorrida, impõe-se, previamente, tecer umas breves considerações quanto à tramitação que rege o processo aqui em causa. 
Estatui o artigo 1055.º do CPC, para além do mais, que o interessado que pretenda a destituição judicial de titulares de órgãos sociais, indica no requerimento os factos que justificam o pedido (n.º 1) e, tendo sido requerida a suspensão do cargo, o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão, após realização das diligências necessárias (n.º 2). Mais prevê no seu n.º 3 que o requerido é citado para contestar, devendo o juiz ouvir, sempre que possível, os restantes sócios ou os administradores da sociedade.
Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, e em face das regras pelos quais é regulado[9], não se mostra o mesmo vinculado a critérios de legalidade estrita (artigo 987.º do CPC), antes prevalecendo neste âmbito critérios da conveniência e da oportunidade - em face do concreto litígio a dirimir, importa indagar da solução que melhor responda aos interesses em causa.
Vigora, inclusive, o princípio do inquisitório, tendo o tribunal o poder-dever de investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes (artigo 986.º, n.º 2 do CPC) – a factualidade a considerar para a resolução terá subjacente, não apenas a que for carreada pelos interessados, mas igualmente aquela que o juiz apurar no âmbito do exercício das suas funções.
Acresce que as resoluções alcançadas não assumem cariz definitivo – resoluções essas que poderão ser alteradas em face de circunstâncias supervenientes, embora com salvaguarda dos efeitos já produzidos (artigo 988.º, n.º 1 do CPC).
Nos termos do citado artigo, o processo especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais (gerente) comporta, pois, dois procedimentos que, não obstante serem autónomos e independentes entre si, podem ser cumulados, a saber: a) um procedimento de natureza cautelar (decretado a título provisório e antecipatório, pelo que deverá ser decidido de imediato) com vista à decisão do pedido suspensão; e b) um procedimento (acção principal) com vista ao pedido de destituição.
Tem, no entanto, a particularidade de ambos os procedimentos serem tramitados e decididos no âmbito do processo principal.
Decidido que seja o pedido de suspensão sem audição prévia, deverá o requerido ser citado para, querendo, deduzir oposição à mesma e para contestar o pedido de destituição.
Para que as referidas pretensões possam proceder, necessário é que sejam invocados e provados factos susceptíveis de constituir justa causa de suspensão e/ou destituição, sendo certo que existirá identidade quanto à factualidade justificadora de tais pedidos, os quais assentarão na mesma motivação jurídica[10].
Por versarem os autos os supra descritos procedimentos – suspensão e destituição da gerência -, tendo a decisão atinente à primeira natureza cautelar, cumpre ainda atender ao que, em sede de procedimentos cautelares, dispõe o CPC.
Decorre do artigo 364.º, n.º 1 do CPC que o procedimento cautelar é dependência[11] de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado, acrescentando o seu n.º 4 que “[n]em o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da ação principal”.
Daí que, como defendem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa[12], “Quer a decisão seja favorável, quer seja desfavorável ao requerente, é vedado extrair da mesma efeitos de caso julgado extensivos ao processo principal. Tão pouco a convicção fundada acerca dos factos considerados provados ou não provados ou quanto ao direito invocado pode influir na ação principal, cujo resultado deve ser o corolário da alegação e prova dos factos que nela venham a ser apreciados. Enfim, o que for decidido no procedimento cautelar não exercerá qualquer efeito sobre a ação principal (…)”.
Mas, acrescentam os mesmos autores, “[t]al proibição já não será tão rígida quando se trata de apreciar o relevo dos meios de prova que foram produzidos, importando estabelecer uma distinção em função da sua natureza: no que concerne aos documentos, a regra é a da sua atendibilidade pelo tribunal que julga a ação, de acordo com o princípio da aquisição processual (art. 413º), desde que seja dada a oportunidade de contraditório (arts. 415º e 423º e ss.); a confissão de factos feita no procedimento cautelar vale na ação correspondente (art. 355º, nº 3, do CC); quanto aos demais meios probatórios, deve observar-se o que dispõe o art. 421º: os depoimentos e arbitramentos produzidos num procedimento com audiência contraditória podem ser invocados no processo principal contra a mesma parte, salvo se o regime de produção de prova oferecer menores garantias, caso em que valerão apenas como princípio de prova”.
Aquele Conselheiro refere, contudo, que tratando-se de depoimentos produzidos no âmbito de um procedimento cautelar em que o requerido não tenha sido ouvido, não poderão os mesmos produzir quaisquer efeitos externos, nem sequer como princípio de prova.[13]
Já segundo Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre[14], a menção no n.º 4 do artigo 364.º ao “julgamento da matéria de facto” significa que tal julgamento nenhuma influência poderá ter na acção principal, não sendo de aplicar o disposto no artigo 421.º, n.º 1 do mesmo código (valor extraprocessual das provas), “mesmo na sua parte final (mero princípio de prova)”. Porém, como alertam, este n.º 4 não impede a aplicação do disposto no artigo 355.º, n.º 3, do CC, pelo que, feita uma confissão em procedimento cautelar, “ela guarda na ação o seu valor de confissão judicial”, já assim não sucedendo com “a admissão derivada da não impugnação de factos alegados pelo requerente da providência (… ) a admissão não ter qualquer valor de prova fora do procedimento cautelar.
De acordo com o artigo 372.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC, caso não tenha sido ouvido antes do decretamento da providência, pode o requerido recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou (se entender que, face aos elementos apurados, a mesma não devia ter sido deferida, seja por discordar da decisão da matéria de facto, seja por discordar juridicamente), ou deduzir oposição (quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução).[15]
Nesta segunda hipótese, tendo em conta os novos factos ou os novos meios de prova, o juiz profere nova decisão (assente em nova convicção) - que poderá ser de manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada -, a qual constituirá “complemento e parte integrante da inicialmente proferida” (cfr. n.º 3 do mesmo preceito).
Já não haverá que renovar a prova que tenha sido anteriormente produzida (arrolada pelo requerente e que esteve subjacente à decisão inicial).
Veja-se, contudo, que Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre[16] defendem que, uma vez que a prova produzida o foi na ausência do requerido (sem contraditório), caso a decisão que ordena a providência se baseie na mesma, poderá aquele “exercer o direito a intervir que lhe é facultado pelo art. 415-2, sem pretender simultaneamente alegar novos factos ou produzir novos elementos de prova: contentar-se-á, por exemplo, em instar testemunhas inquiridas, de cujo depoimento adquire conhecimento pela gravação”.[17]
Tecidas estas considerações, e reportando ao caso, importa realçar os seguintes aspectos:
- O tribunal a quo, por despacho fundamentado, dispensou a audição dos requeridos em sede cautelar, tendo procedido à inquirição das duas testemunhas arroladas pela requerente;
- Por decisão de 10/03/2023 foi o pedido de suspensão deferido;
- Citado o 2.º requerido, o mesmo deduziu oposição ao pedido de suspensão e ao pedido de destituição;
- Procedeu-se à inquirição das testemunhadas arroladas na oposição, sendo que no despacho que designou data para o efeito, referiu-se expressamente que a prova apresentada pelo requerido seria “considerada para efeitos de oposição ao procedimento cautelar e impugnação dos factos constitutivos do pedido principal formulado pelo A., já que a matéria em apreciação é coincidente”;
- Em 03/11/2023 foi proferida decisão definitiva quanto ao pedido de suspensão (mantendo-se o já anteriormente determinado) e quanto ao pedido de destituição, o qual foi julgado procedente.
Cumpre, agora, conhecer das questões que constituem o objecto do presente recurso.
Da putativa nulidade da sentença por excesso de pronúncia
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, d), do CPC que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento[18].
O recorrente sustenta a nulidade da decisão impugnada por vício de excesso de pronúncia, defendendo ter existido violação do princípio do contraditório.
Mais concretamente, invoca que, para a decisão atinente ao pedido de destituição da gerência (pedido principal), foi valorada a prova pessoal produzida em sede cautelar (depoimentos das testemunhas arroladas pela requerente), sendo que havia sido dispensada a audição do requerido (pelo que o mesmo não exerceu qualquer contraditório quanto a tal prova, que motivou a factualidade considerada indiciariamente provada e que foi transposta para a decisão de destituição).
Actualmente, vigora no nosso ordenamento jurídico uma concepção ampla do princípio do contraditório[19], estando o mesmo associado, não apenas a uma efectiva participação das partes no desenvolvimento do litígio, mas também ao poder de influenciarem o que no processo se decide. Nessa medida, não é lícito ao tribunal conhecer de quaisquer questões (de facto ou de direito) sem que as partes tenham oportunidade de sobre elas se pronunciarem, razão pela qual não se admite a prolação das chamadas decisões surpresa. [20]
Assim, se uma decisão for proferida com preterição do contraditório, será a mesma intrinsecamente nula, por excesso de pronúncia, já que o foi sem que os autos estivessem processualmente preparados para tanto (por não ter sido possibilitada a pronúncia pela parte contrária).
Será esse o caso?
Prescreve o artigo 3.º, n.º 3, do CPC que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Já o artigo 4.º do mesmo código impõe que o tribunal assegure, “ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”, com isso se visando impedir o tratamento privilegiado ou discriminatório de alguma das partes, designadamente quanto ao exercício de determinadas faculdades ou uso de certos meios de defesa[21].
Como escreve Marco Carvalho Gonçalves[22], “O princípio do contraditório, consubstanciado na possibilidade de o requerido de uma determinada providência “oferecer as suas provas, de controlar as provas do adversário e de discretear sobre o valor e resultados”, insere-se no direito a um processo justo e equitativo, sendo, por isso, um importante “instrumento de procura da verdade provável”. Com efeito, o princípio do contraditório é concretizado, quer pelo direito à audição prévia da parte contra a qual foi requerida a providência judicial, quer pelo direito de resposta em relação a um determinado ato processual praticado pela contraparte ou pelo tribunal.”
Já segundo o Tribunal Constitucional[23], o direito de acesso aos tribunais “é, entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcia­lidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras»”.
Pronunciando-se sobre questão idêntica à aqui em causa, no  acórdão proferido em 07/05/2024[24] por esta mesma Secção do Comércio, pode ler-se:
“(…) à semelhança do que acontece com o procedimento cautelar comum, exercendo-se o contraditório subsequente ao decretamento da providência, deve atender-se às provas oferecidas pelo requerido, nomeadamente a prova pessoal arrolada por este, após o que o juiz decidirá da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada (cfr. o art. 372.º, n.ºs 1, alínea b) e n.ºs 2 e 3). Não se justifica, pois, a renovação da prova anteriormente produzida e indicada pelo autor, que motivou a prolação da decisão inicial, sem prejuízo da faculdade que assiste ao requerido de exercer a contra instância, no sentido de, quanto aos factos sobre os quais as testemunhas tiverem deposto, peticionar que completem ou esclareçam o depoimento (cfr. o disposto no art. 516.º, n.º 2 do CPC).
 Mais se acrescentando: “Trata-se de uma avaliação que deve ser feita pela parte e não pelo juiz, incumbindo ao requerido, quando apresenta a oposição à medida cautelar pedida pelo autor e fixada pelo tribunal, peticionar a esse propósito o que tiver por pertinente tanto mais que, sendo os depoimentos gravados, o respetivo conteúdo está acessível ao requerido e este não desconhece que o único objeto de discussão é exatamente o decretamento/indeferimento da concreta providência requerida. Assim, nada indicando o requerido quanto a essa matéria, o tribunal deve apenas assegurar que seja produzida a prova carreada pelo requerido no articulado da oposição, procedendo depois a uma avaliação global de toda a prova produzida com o consequente julgamento de facto em função dessa prova.”
Ressalva-se porém:  “Acontece que, no caso, não nos situamos apenas no contexto de uma decisão cautelar. // Efetivamente (…) a audição do requerido tinha por objeto quer a providência cautelar requerida pela autora, quer o pedido de destituição formulado, tendo os autos sido tramitados, corretamente, nesses termos. O que significa que, quanto ao pedido de destituição e avançando-se já na solução, não podia o tribunal socorrer-se da prova (testemunhal) anteriormente produzida e que suportou o juízo formulado em sede cautelar, para a avaliar/ponderar também agora na perspetiva do julgamento de facto pertinente à decisão de destituição, sem previamente sinalizar essa intenção ao demandado que não teve a possibilidade de influenciar aquela decisão, permitindo-lhe agora requerer, a esse propósito, o que tivesse por conveniente. (…) a circunstância de estarmos perante um processo de jurisdição voluntária, particularmente com a configuração que se assinalou, tem necessariamente reflexos nesta ponderação, afigurando-se-nos que não tem cabimento concluir pela inviabilidade do juiz atender à prova testemunhal já produzida - e que, insiste-se, foi objeto de gravação -, para a prolação da decisão atinente ao pedido (principal) de destituição, pedido este que tem por base, essencialmente, os mesmos factos que fundamentam o pedido cautelar de suspensão de funções, sendo ambos os pedidos deduzidos no mesmo processo, ainda que apreciados em diferentes fases processuais; conclusão diferente implicaria a renovação desse meio de prova, com a reinquirição global das testemunhas aos factos constantes do requerimento inicial, o que não tem qualquer sentido, a isso se opondo os princípios que conformam este tipo de processo, desde logo porque o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, ao invés, adotar a solução mais conveniente e oportuna em cada caso. Mas, se assim é, então impunha-se, até para salvaguarda do parâmetro constitucional da garantia do processo equitativo (art. 20.º, n.º 4 da CRP), como já se havia avançado, que o tribunal desse expressa indicação aos intervenientes processuais quanto ao tipo de procedimento que iria adotar, permitindo-lhes, perante essa concreta conformação da ação, adotar as soluções jurídicas que melhor se adequem aos respetivos interesses subjetivos. “O princípio do processo equitativo, na dimensão de "justo processo" ("fair trial"; "due process"), é integrado por vários elementos, um dos quais se afirma na confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual; os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar: é o princípio da confiança na boa ordenação processual determinada pelo juiz” (realces nossos).
Concluindo depois ser a decisão nula por excesso de pronúncia por constituir uma decisão surpresa, designadamente por ter o tribunal a quo valorado para a apreciação do pedido de destituição a prova produzida em sede cautelar para o pedido de suspensão (sendo que, nessa fase, o requerido não foi ouvido), sem que previamente tivesse assinalado tal intenção no processo. Nessa sequência, anulou a decisão e determinou o prosseguimento da audiência de julgamento, “com vista a que seja dada a palavra ao requerido para, a propósito da prova testemunhal arrolada pelo autor e inquirida em momento anterior, exercer a respetiva instância, com vista a que tais testemunhas completem e/ou prestem os esclarecimentos pertinentes, nos termos do art. 516.º, n.º2 do CPC. [25]
Pode ainda ler-se neste aresto:
“O apelante invoca a nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia (…), argumentando a autora/apelada, em síntese, ser extemporânea a arguição, atento o disposto no art. 199.º do CPC (…). // No contraponto entre as nulidades processuais, a que se reportam os arts. 195.º e seguintes do CPC, passíveis de reclamação dirigida ao tribunal perante o qual foi praticada a irregularidade e os vícios de nulidade que podem afetar a decisão judicial, previstos no art. 615.º do CPC, segue-se o entendimento de Miguel Teixeira de Sousa: distinguindo a sentença como trâmite ou como ato, refere o autor que “[d]ado que a decisão-surpresa corresponde a um único vício e porque este nada tem a ver com a decisão como trâmite, o vício de que padece a decisão-surpresa só pode ser um vício que respeita à decisão como acto. Em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se pode pronunciar”. Refira-se que, como também nota o autor, “esta solução é a única que é compatível com a impugnação da decisão-surpresa através de recurso e com o objecto do recurso. O objecto do recurso é sempre uma decisão, pelo que, se houvesse uma nulidade processual, a mesma não poderia constituir objecto de recurso e teria de ser reclamada no tribunal a quo” (…) // Analisando a decisão recorrida, constata-se que os factos ora dados como provados sob os números 1 a 20 e 23 têm inteira correspondência com os factos dados por provados na decisão cautelar proferida em 10-03-2023 (em respetivamente, 1 a 20 e 21), tendo o tribunal dado como provada, agora, ainda, a matéria enunciada sob os números 21 e 22. Quanto à matéria dada como não provada, manteve-se a indicação que já constava quanto ao enunciado em A. e B., aditando-se ainda a matéria indicada em C., D., e E. // O apelante impugna o julgamento de facto realizado pela primeira instância “quanto aos pontos 5, 7, 9, 10, 12, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22 e 23 dos factos considerados provados e aos pontos C, D e E dos pontos considerados não provados” (…). // Resulta da motivação do julgamento de facto que o tribunal ponderou globalmente os depoimentos prestados, incluindo, pois, as testemunhas inquiridas anteriormente, indicadas pelo autor e que prestaram depoimento sem que o requerido tivesse tido intervenção no processo, lendo-se na decisão recorrida: (…) // Da ata do julgamento realizado em 02-10-2023 resulta que foram inquiridas as testemunhas arroladas pelo requerido, (…) e, finda a produção de prova, foi dada a palavra para alegações, após o que foi encerrada a audiência de julgamento; não consta dessa ata, nem consta do processo, qualquer despacho pelo qual o tribunal assinalasse ao requerido que, para a prolação da decisão incidindo sobre o pedido de destituição iria ponderar a prova anteriormente produzida, numa fase processual secreta e em que estava apenas em causa avaliar da pretensão (cautelar) de suspensão, o que, como se referiu, temos por necessário.” (realces nossos).
Desde já se consigna concordarmos com a argumentação defendida no acabado de transcrever, porquanto não nos poderemos alhear que, não obstante estarmos em face de um só processo, tal como já anteriormente expusemos, o mesmo abarca dois procedimentos distintos e autónomos entre si. O pedido de suspensão configura, pois, um incidente de natureza cautelar que visa antecipar o resultado útil da decisão final de destituição do gerente (acção principal), nessa medida em tudo se assemelhando ao procedimento cautelar comum (pese embora enxertado no próprio processo de destituição)[26].
Nunca a decisão final de destituição equivalerá a uma decisão de manutenção da providência cautelar (de suspensão) anteriormente decretada (não se enquadrando na previsão da parte final do n.º 3 do artigo 372.º do CPC, no sentido de permitir afirmar que aquela “constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida”). E, por assim ser, a prova testemunhal anteriormente produzida (prova sumária e para a qual o 2.º requerido não foi ouvido, logo, prova não contraditada), e que foi valorada para efeitos da fundamentação da decisão de facto no que concerne ao pedido de destituição, não poderia dispensar a observância do contraditório.
Nessa medida, a decisão recorrida padece efectivamente do vício de nulidade por excesso de pronúncia, o que acarretaria a anulação da mesma e a baixa à 1.ª instância para prosseguimento dos autos.
Não obstante, dir-se-á igualmente que, no caso, como se demonstrará, a nulidade acabada de reconhecer revela-se juridicamente irrelevante para o mérito da decisão da causa, desde logo em face da prova documental junta e da factualidade que o recorrente aceita e que esteve subjacente ao seu afastamento da gerência.
Por assim se entender, juízo que desde já se antecipa, mostra-se desprovido de utilidade remeter os autos à 1.ª instância para os efeitos a que anteriormente se aludiu, estando os autos dotados dos necessários elementos para se conhecer do objecto do recurso[27].
Melhor concretizando, nenhuma utilidade para a apreciação do pedido de destituição decorrerá da eventual contra-instância pelo recorrente da prova pessoal produzida em sede cautelar (para o pedido de suspensão), desde logo considerando a confissão que o mesmo faz com relação a alguns dos factos firmados na sentença recorrida (os quais correspondem a factos essenciais para a tomada de decisão quanto ao pedido principal). A isto acresce que que, como decorre do artigo 410.º do CPC, a instrução deverá incidir sobre os factos “necessitados de prova[28] e que assumam pertinência para o objecto do processo. E, não se poderá deixar de enfatizar, a oposição deduzida pelo recorrente foi apresentada com relação a ambas as pretensões da requerente (pedido de suspensão e pedido de destituição).
Assim, nos termos permitidos pelo artigo 665.º, n.º 1 do CPC, cumprindo a regra da substituição ao tribunal recorrido, cumpre conhecer do mérito do recurso, sendo que, no caso, não se impõe ouvir para tanto as partes recorrentes, porquanto ambas já verteram nos autos as respectivas posições, para além de tal conhecimento se impor, inclusive, em face do teor da conclusão LXIX formulada pelo recorrente.
Da reapreciação/alteração da matéria de facto
Considerando que o apelante deu cumprimento às exigências previstas pelo artigo 640.º, n.º 1, do CPC, nada obsta à apreciação da requerida impugnação da matéria de facto.[29]
Importa, contudo, realçar que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5 do CPC[30]), pelo que o tribunal sustentará a sua decisão (relativamente às provas produzidas), na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (força probatória plena dos documentos autênticos – artigo 371.º do CCivil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o citado princípio.
Mais se dirá que resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC ser admissível que, através do recurso, seja alterada a decisão da matéria de facto, considerando-se provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, ou procedendo inversamente (o que poderá suceder a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa).
Insurge-se o apelante quanto aos pontos 5, 7, 10, 12, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 23 e 24 da factualidade provada e quanto aos pontos C, D e E da factualidade não provada.
A apelada refuta as pretensões do recorrente, defendendo dever manter-se a factualidade nos moldes em que foi firmada pela 1.ª instância.
Analisemos cada um deles em separado.
- Facto provado n.º 5
O mesmo tem como teor: “O 2.º Requerido tem estado ausente da gestão efetiva da sociedade nos últimos vinte anos, encontrando-se maioritariamente fora de Portugal”. O apelante pretende a sua alteração, propondo a seguinte redacção: “O 2.º Requerido, ainda que realizasse várias viagens ao estrangeiro, nunca deixou de controlar a sociedade 1.ª Requerida”.
Para além de o último segmento da redacção proposta assumir cariz conclusivo, o certo é que o mesmo decorre do alegado na oposição, sendo que não resultou provado – cfr. als. C) e D) da factualidade não provada. Acresce que o próprio requerido admite expressamente que está várias vezes ausente (em viagens) do nosso país, podendo, inclusive, ler-se nas suas alegações que o mesmo passa, pelo menos, “três ou quatro meses seguidos no estrangeiro”.
Porém, considerando que o facto impugnado, na sua íntegra, teve subjacente os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede cautelar (porquanto, quanto ao mesmos, inexiste qualquer prova documental ou confissão), em face do que já se defendeu quanto ao tratamento da primeira questão objecto do recurso, não poderá o mesmo manter-se nos moldes em que se mostra redigido.
Contudo, dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo próprio recorrente (aos quais se acedeu pela audição integral das respectivas gravações), resulta sem margem para dúvidas que o mesmo estava maioritariamente fora de Portugal – a testemunha Y … (seu filho) esclareceu que o pai viajava frequentemente para destinos diferentes (Moçambique, China, Hong Kong, Sudão, entre outros), seja em trabalho, seja em lazer (para aprofundar os seus conhecimentos quanto à cultura islâmica), sendo que sequer compareceu pessoalmente à outorga da escritura pública de constituição da sociedade requerida (tendo sido representado nesse acto). Mais acrescentou que quando o pai “voltava para Portugal residia no Hotel K”. Por seu turno, a testemunha J …, afirmou que o recorrido andava num “vai e vem Portugal-Moçambique” (sic).
Acresce que do primeiro desses depoimentos resulta inclusive que o recorrente se mostrava efetivamente afastado da gestão da sociedade (não tendo a testemunha concretizado qualquer acto de gestão que o mesmo levasse a cabo, para além de referir que o pai até desconhece quem será o actual contabilista, com o qual nunca contactou).
Por assim ser, deferindo-se parcialmente a pretendida impugnação, altera-se a redacção deste ponto da factualidade, o qual passará a ter o seguinte teor: “O 2.º Requerido encontra-se maioritariamente fora de Portugal, em viagens”.
- Facto provado n.º 7
Consta do mesmo: “Já anteriormente o 2.º Requerido praticou atos perturbadores da atividade social, que os outros gerentes têm vindo a corrigir e a não denunciar, atenta a relação familiar.”
O recorrente entende que o mesmo deve ser considerado como não provado.
Porém, uma vez mais estamos em face de uma redacção conclusiva, para além de a mesma poder conter, por si só, a questão de direito que importava decidir.
Nessa medida, terá o mesmo que ser eliminado.
- Facto provado n.º 10
Ficou provado que “A sociedade tem necessidade de fazer pagamentos mensais de impostos, salários e a fornecedores, tendo no final do presente mês de pagar, só em salários, 15.500,00 euros.”
O recorrente pretende a alteração nos seguintes termos: “A sociedade tem necessidade de fazer pagamentos mensais de Impostos, salários e a fornecedores, tendo pago, no final do mês de fevereiro, o montante de 13.714,00 € (treze mil, setecentos e catorze euros)”
A facticidade em causa tem subjacente a prova documental junta aos autos, sobre a qual o recorrente exerceu o direito ao contraditório.
Ora, analisado o Doc. n.º 2 junto com o requerimento inicial (Ref.ª/Citius 35150585), do mesmo resulta expressamente que, com remunerações, a sociedade requerida tem de suportar um custo de 15.500,29€. Tal documento não foi impugnado pelo recorrente.
E, se é certo que no extracto bancário (do BPI) junto aos autos na audiência realizada em 09/03/2023 (Ref.ª/Citius 423967041) se extrai ter sido pago (em Fevereiro/2023) o montante de 13.714€ a título de “remunerações … vencimentos”, não é menos certo que nem assim se poderá concluir ser esse o valor global correspondente a esse encargo (mas apenas ter sido paga essa concreta quantia).
Não assiste, pois, razão ao recorrente quanto à pretendida alteração.
Impõe-se, contudo, rectificar oficiosamente a redacção deste facto no sentido de aí ficar concretizado que o pagamento em causa se reporta ao mês de Fevereiro de 2023 (a redacção transcrita ter-se-á, certamente, ficado a dever a um lapso, causado por eventual copy/paste do constante da decisão cautelar).
A redacção passará pois a ser a seguinte: “A sociedade tem necessidade de fazer pagamentos mensais de impostos, salários e a fornecedores, tendo no final de Fevereiro de 2023 de pagar, só em salários, 15.500,00 euros.”
- Facto provado n.º 12
No mesmo pode ler-se: “As referidas contas bancárias podem ser movimentadas por qualquer dos gerentes”. O recorrente pretende a sua alteração para os seguintes termos: “A conta bancária no Banco BPI podia ser movimentada por qualquer dos gerentes, enquanto que a conta no Banco Comercial Português não podia ser livremente movimentada pelo 2.º Requerido”.
Sustenta a sua pretensão no facto de lhe terem sido “levantados obstáculos à movimentação da conta da Sociedade domiciliada no Banco Comercial Português, sendo-lhe denegado (…) o acesso até a um simples extracto de conta”.
Uma vez mais não poderá terá tal pretensão ser viabilizada.
Sendo certo que inexistem nos autos quaisquer documentos bancários que permitam afirmar quem podia ou não podia movimentar as contas, não se poderá deixar de realçar que, como está assente (resulta da certidão permanente da sociedade que foi junta com o requerimento inicial e do facto n.º 3, o qual não se mostra impugnado), a sociedade obriga-se com a assinatura de apenas um dos gerentes. Logo, não tendo o recorrente invocado quaisquer outros factos, e sendo ele sócio-gerente da sociedade titular da conta, sempre se imporia firmar o facto em causa nos moldes em que o foi - não sendo o depoimento da testemunha Y … suficiente para concluir em moldes distintos, o qual, aliás, no seu depoimento, referiu expressamente que o pai, até, pelo menos, “Dezembro de 2022 tinha acesso aos Bancos” (apenas não o conseguindo fazer online). Aliás, tanto assim é, que o mesmo logrou efectuar uma transferência bancária da conta da qual a sociedade era titular no BPI. Se, com relação à conta domiciliada no BCP, a partir de determinado momento, foram criados obstáculos a que o recorrente a pudesse movimentar é já questão diversa. Aliás, com relação a esta última, aludem já os factos 15 e 16 (aos quais mais à frente também aludiremos). [31]
- Facto provado n.º 14
Consta deste facto: “Com tal transferência a conta bancária ficou com um saldo de € 9.355,88”. O recorrente requer que o mesmo seja modificado nos seguintes moldes: “Com tal transferência a conta bancária da 1.ª Requerida domiciliada no Banco BPI ficou com um saldo de € 9.355,88, tendo a conta bancária domiciliada no Banco Comercial Português, a essa data, um saldo de € 34.195,62.”.
Atendendo, no entanto, que este facto está relacionado com o que o antecede, e que o facto n.º 13 se reporta apenas à conta do BPI, nada há a alterar, tanto mais que o montante aí referido (que, na verdade, o recorrente não impugna) resulta expressamente do extracto bancário junto em 09/03/2023 (Ref.ª/Citius 423967041).
- Facto provado n.º 15
Mostra-se consignado: “No dia 16 de fevereiro de 2023, o Réu deslocou-se ao balcão de Telheiras do Banco Comercial Português, S.A., onde tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da quantia de € 34.000,00 existente na conta bancária da 1ª com o …088 que a sociedade tem neste Banco.”
Com relação a este facto, refere o recorrente que a sua impugnação visa a “retificação de lapsos textuais”.
Pretende que do mesmo passe a constar: “No dia 15 de fevereiro de 2023, o 2.º Requerido deslocou-se ao balcão de Telheiras do Banco Comercial Português, S.A., onde tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da quantia de € 34.000,00 existente na conta bancária da 1.ª Requerida com o IBAN …088 que a sociedade tem neste Banco”.
Importa, porém, destrinçar cada uma das pretendidas rectificações.
No que respeita à substituição de “Réu” por “2.º Requerido” e de “conta bancária da 1.ª” por “conta bancária da 1.ª requerida”, por estarem em causa evidentes lapsos de escrita, defere-se a rectificação.
Diferente será já com relação à pretendida alteração da data mencionada neste facto, porquanto inexiste qualquer lapso de escrita, sendo a data correcta o dia 16/02/2023 (e não o dia 15/02/2023, como referido no recurso).
Para além de o próprio requerido, em sede de oposição, ter admitido expressamente ter intentado efectuar a transferência da conta domiciliada no BCP no mencionado dia 16 de Fevereiro (cfr. artigo 27.º da Oposição), a verdade é que do facto impugnado consta o dia 16 (e não o dia 15, como, por evidente lapso, se escreveu no recurso aquando da transcrição do mesmo, lapso esse que terá sido, dessa forma, transposto para a redacção proposta). 
Em face de assim ser, procedendo-se tão somente às identificadas rectificações, a redacção do facto 15 passará a ser: “No dia 16 de fevereiro de 2023, o 2.º Requerido deslocou-se ao balcão de Telheiras do Banco Comercial Português, S.A., onde tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da quantia de € 34.000,00 existente na conta bancária da 1.ª Requerida com o IBAN …088 que a sociedade tem neste Banco”.
- Facto provado n.º 16
Resulta deste facto que “Tal tentativa de transferência só não se concretizou uma vez que a Gerente da Conta em causa, Sra. Ana …, não deu autorização por falta de documentação de suporte”.
O recorrido pretende a alteração nos seguintes termos: “Tal tentativa de transferência não se realizou porque os outros gerentes da sociedade 1.ª Requerida, Exmos. Senhores R … e L …, deram instruções ao Banco Comercial Português para proceder ao bloqueio da transferência”. E sustenta a sua pretensão, uma vez mais, no depoimento de Y ….
Em face do teor da redacção proposta constata-se que o recorrente apenas questiona o motivo pelo qual não logrou fazer a transferência em causa (e já não que a mesma não tenha sido efectuada e que não o foi por razões alheias à sua vontade). Nessa medida, a alteração pretendida, mostra-se irrelevante para o desfecho do processo.
Sem prejuízo de assim ser, uma vez mais, importa ter em consideração que a razão adiantada neste ponto da factualidade terá assentado apenas nos depoimentos das duas testemunhas arroladas pela requerente (como se constata do cotejo da motivação do mesmo, seja em sede da decisão cautelar, seja em sede da decisão definitiva).
E, não obstante o depoimento da testemunha arrolada pelo recorrente não se revelar, por si só, susceptível de permitir viabilizar a alteração nos moldes pretendidos, não poderá esta Relação deixar de atender à prova documental que se mostra junta ao processo e que não foi impugnada.
Ora, com a oposição, o recorrente juntou cópia de uma mensagem de correio electrónico (Doc. n.º 5 – Ref.ª/Citius 35806308) que lhe foi enviada no dia 24/02/2023 pelo BCP (a qual foi subscrita pela testemunha Ana …), sendo que a requerente/recorrida não a impugnou (designadamente no requerimento de 15/05/2023, pelo qual se pronunciou quanto aos documentos juntos com a oposição).
Nessa mensagem pode ler-se: “Informo que os pedidos dos bloqueios às contas foram solicitados no dia 16 de Fevereiro, pelos gerentes das sociedades R … e L …, com o motivo de tentativa de abuso do património das sociedades em prejuízo destas. // Por prudência foi efetuado o bloqueio às contas até obtenção de Parecer Jurídico sobre o mesmo, considerando não existir fundamento legar para a manutenção destes bloqueios, informo que os mesmos foram removidos.”
Já nos arts. 78.º e 79.º da sua oposição, o recorrente afirma ter sido notificado pela gestora de conta (Ana …) de que as contas estavam “congeladas”.
Acresce que, no facto n.º 17 (que o recorrente não impugna), mostra-se já consignado que “Quando os restantes gerentes da 1ª Requerida tomaram conhecimento de tal tentativa de transferência deram instruções ao banco no sentido de bloquear as movimentações da conta em causa”.
Nenhuma prova foi carreada para os autos que permita descortinar se tais instruções foram prévias ou subsequentes à tentativa de transferência bancária do dia 16/02/2023 e se as mesmas foram ou não a razão para que a mesma não se tenha concretizado.
Nessa medida, altera-se a redacção do facto n.º 16 nos seguintes moldes:
“Tal tentativa de transferência só não se concretizou porque a agência bancária em causa não o permitiu”.
- Facto provado n.º 19 e al. E) dos factos não provados:
Consta do facto 19: “Não existe qualquer atividade da sociedade 1.ª Requerida que justifique a mobilização das referidas quantias para a conta pessoal do 2.º Requerido.”; podendo ler-se na al. E): “O 2.º Requerido realizou a transferência a partir da conta do Banco BPI com vista a proteger o património social.
A alteração pretendida (uma vez mais com suporte no depoimento da testemunha Y …) tem subjacente o facto de o recorrente imputar aos demais gerentes a autoria de actos prejudiciais à sociedade - “falsificação de atos societários” (os quais terão, inclusive, originado “ações criminais”), bem como apropriação de fundos da sociedade, mais acrescentando que os mesmos lhe negavam “o acesso aos elementos contabilísticos e financeiros da sociedade”.
Por assim ser, pretende que o facto 19 seja considerado não provado e que o constante da al. E) seja considerado provado.
Sucede que eventuais actos que tenham sido praticados pelos referidos gerentes não são objecto do processo (como, aliás, o tribunal a quo entendeu aquando do despacho proferido em 12/07/2023, despacho esse que o recorrente não referiu também pretender impugnar nesta sede). Porém, a este tema voltar-se-á aquando da apreciação da terceira questão do objecto do recurso.
Apenas a conduta do recorrente está aqui em análise, pelo que não poderão proceder as solicitadas alterações, tanto mais que o mesmo tão pouco “justificou” a conduta com qualquer acto atinente à actividade da sociedade, propriamente dita.[32]
Ainda quanto à al. E) sempre haverá que acrescentar que o objectivo visado pelo recorrente com a transferência que realizou sempre teria que ter sido demonstrado com factos concretos (o que não ocorreu) e não com declarações de intenções.
- Facto provado n.º 20
Pode ler-se no mesmo: “O 2.º Réu não só procedeu a tal transferência relativamente à sociedade 1.ª Requerida, como fê-lo também relativamente a outras três empresas das quais é gerente (V …, Lda, C …, Lda., E …, Lda), num valor total de € 720.000,00”.
O recorrente apenas pretende que a substituição de “2.º Réu” por “2.º Requerido” e de “empresas” por “sociedades”, o que se defere.  
- Facto provado n.º 21
No mesmo consta: “A conta pessoal do Requerido para onde foram transferidas as diversas quantias, domiciliada no BPI com o n.º …-001, tinha em 5.08.2023 um saldo de € 681.595,94 e em 15.09.2023 um saldo de € 677.680,83.”
Uma vez mais, apenas se pretende a rectificação de lapsos de escrita, a saber: ficar a constar “2.ª Requerido” (em vez de “Requerido”) e “15/08/2023” (em vez de “05/08/2023”), sendo que, do extracto bancário junto pelo 2.º requerido em 26/09/2023, confirma-se que o dia correcto é o 15 (e não o 5).
Defere-se, pois, o requerido.
- Facto provado n.º 22
Deste facto consta: “Durante esse período de 30 dias o 2.º Requerido não efetuou qualquer pagamento respeitante à 1ª Requerida, sendo a diferença de valores resultado do uso pessoal feito pelo 2.º Requerido.”, e o recorrente pretende que passe a constar: “O 2.º Requerido permaneceu disponível para assegurar o cumprimento de todas as despesas a cargo da sociedade 1.ª Requerida”.
Ou seja, não impugna o que do facto consta, antes pretendendo que o mesmo seja substituído por um outro completamente distinto e de cariz conclusivo, o que carece de fundamento, para além de que sequer é sustentada em qualquer meio probatório (como não poderia ser, já que se trata se um alegações que se prendem com questões do foro interno do recorrente).
Acresce que a própria testemunha Y …, quando ouvida, afirmou que o pai apenas suportou “despesas pessoais” (e não quaisquer despesas referentes à sociedade requerida) com o montante que se encontrava na sua conta bancária (conta pessoal).
Por fim, não se poderá deixar de consignar que a expressão “permaneceu disponível para assegurar o cumprimento de todas as despesas” nenhuma relevância jurídica assume.
Termos em que nada há a alterar.
- Factos provados n.º 23 e 24:
Consta do primeiro: “Em consequência da transferência realizada pelo 2.º Requerido, a sociedade 1.ª Requerida poderia não conseguir pagar a totalidade dos seus compromissos.”; e do segundo: “Se a transferência tentada em 16/02/2023 tivesse sido realizada, o estabelecimento hoteleiro da 1ª Requerida poderia ter de ser encerrado e a sociedade declarada insolvente.”
Defende o recorrente que ambos deverão ser considerados não provados.
A factualidade em causa foi, mais uma vez, transposta da já vertida na decisão cautelar de suspensão (correspondem aos factos indiciariamente considerados provados sob os n.ºs 21 e 22) e a convicção do tribunal quanto aos mesmos assentou nos depoimentos das duas testemunhas inquiridas nessa sede.
Consequentemente, reiterando a nossa anterior posição, terão os mesmos que ser eliminados. 
- Factos não provados sob as als. C):
Do primeiro resulta: “O 2.º Requerido é parte ativa na gestão das sociedades, limitando-se tão-só os seus filhos gerentes a executarem tarefas do quotidiano sob a autoridade do Requerido.”; do segundo consta: “O 2.º Requerido é o responsável máximo pela Sociedade e incumbe-lhe delinear as grandes linhas estratégicas de todos os negócios familiares.”
Ambos têm subjacente o que na oposição foi alegado e o recorrente entende que deverão ser considerados provados com fundamento no depoimento da testemunha  Y ….
Porém, do depoimento deste último não é possível concluir no sentido pretendido pelo recorrente, tanto mais que, como aquele referiu expressamente, nunca foi sócio, nem gerente, da sociedade requerida, pelo que nunca poderá ter conhecimento directo de tal matéria. Como referido pela Mma. Juíza a quo em sede de motivação, esta testemunha “não participa na atividade comercial da 1.ª Requerida”. Dir-se-á, ainda, que também a testemunha J… afirmou não ter conhecimento de “qualquer acto de gestão” do recorrente para com a sociedade requerida.
Decidida que se encontra a impugnação da matéria de facto, e para melhor compreensão do que daí resultou, proceder-se-á de seguida à sua transcrição, com as alterações introduzidas:
Factos provados:
1. A Autora é sócia maioritária da sociedade comercial por quotas “C …, Lda.”, sociedade que tem por objeto social a exploração da indústria hoteleira e similares.
2. São gerentes da sociedade, L …, R … e o requerido MM.
3. A sociedade obriga-se com a assinatura de um gerente.
4. São sócios da sociedade: a. O requerido MM, titular de uma quota de € 498.929,08, representando 42.42% do capital social; b. W …, titular de uma quota de €6.035,46, representando 0.58% do capital social; e c. A Requerente R …, Lda., titular de uma quota de € 525.535,46, representando 51% do capital social.
5. O 2.º Requerido encontra-se maioritariamente fora de Portugal, em viagens”.
6. A gerência diária da sociedade 1.ª Requerida é exercida pelos outros dois gerentes designados, filhos do aqui 2.º Requerido.
7. Eliminado.
8. A sociedade 1.ª Requerida explora o hotel denominado comercialmente Hotel X, localizado na Rua xxx, em Lisboa.
9. A sociedade 1.ª Requerida tem ao seu serviço 16 funcionários.
10. A sociedade tem necessidade de fazer pagamentos mensais de impostos, salários e a fornecedores, tendo no final de Fevereiro de 2023 de pagar, só em salários, 15.500,00 euros.
11. A sociedade é titular de duas contas bancárias, a saber: a. Uma conta aberta junto do Banco BPI, SA, com o IBAN …197; e b. Uma conta aberta junto do Banco Comercial Português, SA, com o IBAN …088.
12. As referidas contas bancárias podem ser movimentadas por qualquer dos gerentes.
13. No passado dia 15 de fevereiro de 2023, o 2.º Requerido transferiu para a sua conta bancária pessoal o montante de 120.000 euros que a 1ª Requerida tinha depositado no banco BPI, na conta com o IBAN …197.
14. Com tal transferência a conta bancária ficou com um saldo de € 9.355,88.
15. No dia 16 de fevereiro de 2023, o 2.º Requerido deslocou-se ao balcão de Telheiras do Banco Comercial Português, S.A., onde tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da quantia de € 34.000,00 existente na conta bancária da 1.ª Requerida com o …088 que a sociedade tem neste Banco.
16. Tal tentativa de transferência só não se concretizou porque a agência bancária em causa não o permitiu.
17. Quando os restantes gerentes da 1ª Requerida tomaram conhecimento de tal tentativa de transferência deram instruções ao banco no sentido de bloquear as movimentações da conta em causa.
18. A sociedade 1.ª Requerida não deliberou a transferência de quaisquer valores para o 2.º Requerido.
19. Não existe qualquer atividade da sociedade 1.ª Requerida que justifique a mobilização das referidas quantias para a conta pessoal do 2.º Requerido.
20. O 2.º Requerido não só procedeu a tal transferência relativamente à sociedade 1.ª Requerida, como fê-lo também relativamente a outras três sociedades das quais é gerente (V …, Lda., C …, Lda, E …, Lda.), num valor total de € 720.000,00.
21. A conta pessoal do 2.º Requerido para onde foram transferidas as diversas quantias, domiciliada no BPI com o n.º 4-6128411-000-001, tinha em 15.08.2023 um saldo de € 681.595,94 e em 15.09.2023 um saldo de € 677.680,83.
22. Durante esse período de 30 dias o 2.º Requerido não efetuou qualquer pagamento respeitante à 1ª Requerida, sendo a diferença de valores resultado do uso pessoal feito pelo 2.º Requerido.
23. Eliminado.
24. Eliminado.
Factos não provados:
A. A sociedade é titular de duas contas bancárias, a saber: // a. Uma conta aberta junto do Banco BPI, SA, com o ….153; e // b. Uma conta aberta junto do Banco Comercial Português, SA, com o IBAN …142.
B. A transferência referida em 15 não se concretizou porque a Gerente de Conta pediu ao Gerente da sociedade 1.ª Requerida, R …, que confirmasse a realização de tal operação, por estranhar o valor e o destino da mesma.
C. O 2.º Requerido é parte ativa na gestão das sociedades, limitando-se tão-só os seus filhos gerentes a executarem tarefas do quotidiano sob a autoridade do Requerido.
D. O 2.º Requerido é o responsável máximo pela Sociedade e incumbe-lhe delinear as grandes linhas estratégicas de todos os negócios familiares.
E. O 2.º Requerido realizou a transferência a partir da conta do Banco BPI com vista a proteger o património social.
Da verificação dos pressupostos para a destituição do requerido como gerente
Dando aqui por reproduzido o que já se expôs quanto ao objetivo visado com o processo de suspensão e destituição de gerente, e em face do que se determinou quanto à matéria de facto, passemos à apreciação do mérito do presente recurso.
Na sentença recorrida consignou-se:
“Cabe apreciar nestes autos se a decretada suspensão das funções de gerente de MM deve ser mantida, alterada ou revogada, e decidir o pedido da sua destituição dessas mesmas funções.
Suspensão das funções de gerente // (…) Da análise da matéria de facto provada e não provada, conclui-se que o 2.º Requerido não logrou provar quaisquer factos impusessem uma decisão diversa da já proferida. Pelo contrário, o por ele alegado e demonstrado confirma a utilização dos valores monetários retirados da sociedade 1ª Requerida em proveito próprio, numa clara confusão entre o património pessoal e o património societário. // Este comportamento mostra-se contrário aos interesses da sociedade, princípio que deve nortear o comportamento dos seus gerentes e, nessa medida, inexiste motivo para a alteração da decisão já proferida nesta matéria.
Destituição de gerente // (…) Dos factos provados resulta a transferência de valores pertencentes à 1ª Requerida para a conta bancária pessoal do 2.º Requerido, a pedido deste. Tais valores mostram-se avultados e muito relevantes considerando o saldo total da conta, que ficou reduzida a menos de um décimo do existente antes da transferência. // Essa transferência teve direta repercussão no funcionamento da sociedade, prejudicando o seu normal funcionamento e o cumprimento das obrigações diárias decorrentes do exercício da sua atividade comercial. // Acresce que, para além de tal transferência alcançada, o 2.º Requerido tentou efetuar outra transferência de valores da 1ª Requerida para a sua conta pessoal, o que a verificar-se tornaria ainda mais difícil, senão impossível, a sua gestão diária, uma vez que veria um saldo global de € 163.670,50 ser reduzido a € 9.551,50, montante manifestamente insuficiente para fazer face às despesas correntes. // Este comportamento do 2.º Requerido viola, seguramente, o seu dever de cuidado, já que era desconhecedor da situação contabilística da sociedade e, ainda assim, decidiu realizar tais transferências sem cuidar da capacidade para a manutenção da atividade social. Ao atuar da forma descrita, o 2.º Requerido privilegiou o seu interesse pessoal em detrimento do interesse da sociedade, violando igualmente o dever de lealdade que sobre si impende, já que não honrou a confiança que lhe foi depositada aquando da sua nomeação. // Trata-se de uma violação grave dos deveres de gerente, que necessariamente quebra a relação de confiança necessário ao exercício do cargo de gerente e que justifica, de forma objetiva, a destituição do 2.º Requerido requerida.”
Prescreve o artigo 257.º, n.º 1 do CSC que os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes.
Já segundo o seu n.º 4, “[e]xistindo justa causa, qualquer sócio pode requerer a suspensão e destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade”, acrescentado no n.º 6 que integra o conceito de justa causa de destituição, “designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções”.[33]
Para tanto, não basta que tenha ocorrido uma mera violação de deveres de conduta impostos ao gerente ou qualquer impedimento do mesmo para o exercício do cargo (como, por exemplo, originado por doença) – justa causa de cariz subjectivo ou justa causa de cariz objectivo, respectivamente -, antes se impondo que tal violação/impedimento assuma uma gravidade tal que comprometa a confiança dos sócios no gerente (levando a que não possa ser exigível à sociedade/demais sócios a permanência daquele nesse cargo).
Como se escreveu no acórdão da Relação de Coimbra de 28/11/2018 (Proc. n.º 4039/17.9T8LRA-A.C1, relator Barateiro Martins), “constitui justa causa de destituição “(…) a situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do administrador, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este, designadamente porque o administrador violou gravemente os seus deveres (…)”; isto é, configuram “justa causa” todas as situações que prejudicam a sociedade, afectando o equilíbrio societário e ponham em causa a confiança entre os vários intervenientes, todas as violações graves dos deveres de administrador, que tornem objectivamente insustentável a sua manutenção em funções, designadamente por constituírem uma quebra irreversível do elo de confiança imprescindível para o exercício de tais funções e para o correcto desenvolvimento do escopo social e para a realização do seu objecto. // Podemos dizer, em síntese, que os administradores duma sociedade têm o dever de se absterem de comportamentos susceptíveis de se concretizarem em alguma desvantagem para a sociedade, o dever de se absterem de comportamentos susceptíveis de se concretizarem em alguma vantagem para si próprios ou para terceiros à custa da sociedade e o dever de se absterem de actuar em conflito de interesses (…)”.
Mais se podendo ler no mesmo aresto: “havendo justa causa para destituição, não faz sentido que o pedido principal não seja acompanhado de um pedido cautelar de suspensão; se foi irremediavelmente quebrado o vínculo de confiança que deve existir entre o administrador da sociedade e a sociedade/sócios, dificilmente se justificará que seja tolerado na sociedade um administrador alegada e potencialmente incumpridor, até ao trânsito em julgado da decisão de destituição. // Ora, foi exactamente esta situação/constatação que levou, em 95/96, o legislador a dar tratamento particular (como consta do actual art. 1055.º do NCPC) ao processo de suspensão, antecipatório e provisório, relativamente ao pedido principal de destituição. // Assim, é o nosso ponto de vista, quando os fundamentos que justificam a destituição estão/ficam fortemente consolidados no julgamento da decisão cautelar, fica justificada também, só por si, a suspensão provisória do administrador.
 (…)
a ser real a imputação dirigida ao administrador, fundada nas violações das normas de conduta e/ou dos deveres funcionais, é legítimo que surja no espírito do requerente o receio de dissipação dos meios de prova que fundamentam o pedido de destituição. Pode inclusive assistir-se à paralisação da sociedade ou à irrecuperável dissipação do seu património; sendo ainda vulgar a subtracção efectiva de documentação contabilística, em prejuízo da prova do litígio e bem assim do direito que o requerente pretende fazer valer em juízo. (…) Quanto mais grave for a factualidade alegada pelo requerente e mais forte o juízo de verosimilhança que daí resulte mais facilmente se demonstrará o perigo de afectação do fim ou a perda de eficácia do procedimento.
(…)
No presente processo especial, tudo tem origem na mesma alegação do mesmo requerimento (na mesma materialidade-fundamento: a justa causa de destituição) e embora os pedidos (de suspensão e destituição) mantenham a sua autonomia, em termos de produção de prova e julgamento/decisão, acaba por ser produzida toda a prova aquando da apreciação do pedido de suspensão, sendo apreciados todos os elementos essenciais da decisão definitiva de destituição (…)”.[34]
Defende Coutinho de Abreu[35] que justa causa será “a situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do gerente, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este, designadamente porque o gerente violou gravemente os seus deveres, ou revelou incapacidade ou ficou incapacitado para o exercício normal das suas funções.”.
Segundo o mesmo Professor, os deveres cuja violação grave (com dolo ou negligência forte) constituirá a referida justa causa, podem ser legais específicos (os que resultem imediata e especificamente da lei), legais gerais (deveres de cuidado e deveres de lealdade: art. 64º, 1), ou estatutários.
Para que se possa concluir pela existência de justa causa de destituição de gerente é necessário que tenha ocorrido um comportamento doloso ou gravemente negligente (elemento subjectivo) e que que se mostre insubsistente a relação de confiança entre a sociedade e o gerente (elemento objectivo), sendo que o exercício das funções de gerência sempre terá que ser regido em respeito pelos princípios da confiança e da boa fé.[36]
Reportando ao caso, com relevo para o conhecimento da pretensão deduzida pela requerente no processo, mostram-se demonstrados os seguintes factos essenciais (os quais foram expressamente reconhecidos pelo recorrente):
- Em 15/02/2023 o recorrente transferiu para a sua conta bancária pessoal o montante de 120.000€ que a 1ª Requerida tinha depositado no banco BPI, tendo a conta em apreço ficado com um saldo de 9.355,88€.
- Em 16/02/2023, o recorrente tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da quantia de 34.000€ existente na conta bancária de que a 1.ª Requerida era titular no BCP, apenas não o tendo feito porque a agência bancária não o permitiu.
- Não existe qualquer atividade da sociedade 1.ª Requerida que justifique a mobilização das referidas quantias para a conta pessoal do 2.º Requerido.
O recorrente assume ter procedido à primeira dessas transferências (conta do BPI) e ter intentado efectuar a segunda (conta do BCP), o que apenas não se concretizou por razões alheias à sua vontade.
Argumenta, no entanto, que tais actos visaram única e exclusivamente proteger o património da 1.ª Requerida, desde logo em face da conduta que os demais gerentes vinham assumindo e que atentavam contra os interesses dos sócios, credores e trabalhadores da sociedade – cfr. conclusões XLIII a LIV. 
Nega, ainda, ter ocorrido “qualquer ato de apropriação”, já que o montante em causa “permanece ao dispor” da sociedade “e das suas necessidades” – conclusão LV.
Conclui que a sua actuação se mostra conforme ao estatuído nas als. a) e b) do n.º 1 do artigo 64.º do CSC, estando enquadrada no âmbito das suas competências, como decorre do artigo 259.º do mesmo código, refutando existirem fundamentos para qualquer quebra de confiança por parte da sociedade (acrescentando que o acto praticado não carecia de deliberação da mesma para o efeito) - conclusões LVI a LIX e LXVIII.
Não poderemos subscrever tal entendimento.
Estatui o citado artigo 64.º, n.º 1 que os gerentes devem observar: “a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.”, acrescentando no seu n.º 2 que, estando em causa titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização, “devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade”.
Já o artigo 259.º, sob a epígrafe competência da gerência, diz-nos que “[o]s gerentes devem praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios”. Porém, para além de este dever ter que ser completado com um outro - o não praticar actos que excedam o objecto social (artigo 6.º n.º 4 do mesmo código) -, para efeitos dessa actuação, sempre terão que ser respeitados os deveres previstos no transcrito artigo 64.º, n.º 1[37].
No caso, para além de inexistir qualquer deliberação no sentido de serem efectuadas transferências bancárias dos montante existentes nas contas tituladas pela sociedade, sequer se encontra justificação para o facto de tais transferências terem tido como destino a conta bancária pessoal do recorrente, a tal conclusão não obstando as razões invocadas pelo mesmo e que se prendem com as putativas condutas assumidas pelos demais gerentes.
Sendo certo que a matéria incidente sobre essas alegadas condutas sequer foi admitida e valorada pelo tribunal recorrido, também o é que, mesmo que tivessem sido demonstradas, não seriam susceptíveis de justificar a conduta praticada pelo recorrente. Não sendo os demais gerentes visados pelo presente processo, quaisquer condutas praticadas pelos mesmos e que o recorrente repute de ilícitas ou ilegais, sempre terão de ser objecto de reacção em processo próprio (pelos meios legalmente previstos para o efeito). Por outras palavras, mesmo que assim tenha sucedido, nunca ao recorrente seria legítimo actuar nos moldes descritos, dessa forma afectando os interesses da sociedade requerida.  
Porém, não se poderá deixar de referir que, como resulta do alegado nos artigos 45.º e ss. da Oposição, sempre estariam em causa condutas alegadamente ocorridas em 2019, pelo que se poderá questionar por que razão só agora o recorrente entendeu que teria de defender o património da sociedade[38].
Acresce que, a conduta levada a cabo pelo recorrente sempre dificultaria a própria gestão diária da sociedade (a qual nem sequer lhe estava afecta, como resulta do facto provado n.º 6), de nada relevando o argumento de que o mesmo sempre terá estado disponível para canalizar a verba transferida para satisfação de eventuais necessidades da 1.ª requerida (para, dessa forma, sem razão, defender não ter existido qualquer apropriação da mesma).
Inexiste, pois, qualquer fundamento válido e objectivo que permita validar os actos praticados pelo recorrente, os quais se assumem, inequivocamente, lesivos dos interesses da sociedade.
Foi retirado da esfera de disponibilidade desta última um montante significativo - de 120.000€ -, o qual até poderia ter sido superior caso o recorrente tivesse logrado concretizar a sua tentativa de efectuar também a transferência a partir da segunda conta titulada pela sociedade, com os evidentes inconvenientes e prejuízos que daí decorrem.
Tal acto sempre originará (como origina) que fique inviabilizada a dissociação entre o património social e o património pessoal do recorrente (e o distanciamento que entre os mesmos sempre terá que ocorrer)[39].
A conduta praticada violou, de forma assaz grave e culposa, o dever de lealdade para com a sociedade, sendo contrária aos interesses sociais (de sócios, credores, trabalhadores e demais interessados que com a sociedade se relacionem), para além de, com a mesma, apenas o recorrente ter sido beneficiado (porquanto, permanecendo o dinheiro na sua conta bancária pessoal, só ele dela podia dispor, o que traduz uma clara apropriação de fundos alheios). E sequer importa apurar quais as “intenções” que o poderão ter motivado a agir pelo modo como agiu, porquanto releva apenas apurar e decidir se é ou não exigível impor à sociedade a continuidade do recorrente no cargo de gerente.
Ora, a relação de confiança que se exige para tal cargo ficou, inevitavelmente, comprometida, não sendo minimamente exigível à sociedade que continue a permitir ao recorrente manter-se nesse cargo.
Aliás, a gravidade do comportamento do recorrente sai reforçada em face do que também ficou provado nos factos 20 a 22, o que é revelador de ser compreensível a perda de confiança, tanto mais que a requerente é igualmente sócia da sociedade V … Lda (como consta do Proc. n.º 4987/23.7T8LSB.L1).
Mostram-se, pois, preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 257.º do CSC para a destituição do recorrente enquanto gerente da sociedade requerida, tal como decidido pela 1.ª instância, nessa medida, impondo-se igualmente a manutenção da decisão cautelar de suspensão (até que o presente acórdão transite em julgado), sem prejuízo do que a seguir se referirá.
Da medida cautelar de proibição de acesso do recorrente às instalações da sociedade requerida:
Alegou o recorrente que, caso se entenda ser de manter a decisão recorrida (como se entendeu), sempre se deverá “ao menos, retirar do dispositivo do acórdão a proferir o impedimento do Recorrente aceder à sede social sita no Hotel X.
Defende que, estando o mesmo aberto ao público, não se justifica que fique o recorrente impedido de ao mesmo aceder.
Mais alega que tal medida lhe coarta a posição jurídica enquanto sócio e o exercício dos respectivos direitos sociais – “existem inúmeros direitos sociais dos quais o Recorrente é titular (…) e cujo exercício deve ser feito na sede, como o direito a participar nas assembleias gerais, nos termos do art.º 377.º, n.º 6, aplicável ex vi art.º 248.º, n.º 1, ambos do CSC, o qual não pode, de modo algum, ser restringido, nos termos do art.º 248.º, n.º 5, do CSC, o direito de consulta das informações preparatórias da assembleia geral, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, aplicável ex vi art.º 248.º, n.º 1, ambos do CSC (…) o direito à consulta da escrituração, livros e documentos da Sociedade, o qual deverá ser feito, nos termos do art.º 214.º, n.º 1, do CSC, na sua sede social”.
Sendo incontrovertida a qualidade de sócio do recorrente, está também assente que a 1.ª Requerida explora o referido hotel, o qual se localiza na Rua xxx, Lisboa (facto n.º 8).
Já da certidão permanente que se mostra junta ao processo, resulta ser igualmente essa a morada da sede da sociedade.
Em face de assim ser, assiste razão ao recorrente quanto a esta pretensão.
Nesse sentido, decidiu o acórdão desta Secção de 31/10/2023[40], com o qual se concorda e que o recorrente cita nas suas conclusões, o qual se sustenta na seguinte argumentação: “Os sócios têm, entre outros, os direitos de participar nas deliberações e de obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato – cfr artº 21º, nº 1, alíneas b) e c) do CSC. // De acordo com o disposto no artº 377º, nº6, alínea a), aplicável ex vi do artº 248º, nº1, do aludido código, as assembleias são efectuadas na sede da sociedade ou noutro local, escolhido pelo presidente da mesa dentro do território nacional, desde que as instalações desta não permitam a reunião em condições satisfatórias (podem ainda ser realizadas através de meios telemáticos, desde que a tal não se oponha o contrato de sociedade – cfr alínea b) do mesmo nº1 do artº 377º). // Nos termos do nº 5 do artigo 248º, nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por disposição do contrato, de participar na assembleia, ainda que esteja impedido de exercer o direito de voto. // Durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral, devem ser facultados à consulta dos sócios, na sede da sociedade, os documentos referidos no artº 289º, nºs 1 e 2, sem prejuízo de os mesmos poderem ser enviados, aos sócios que o requeiram, nos termos do nº 3, deste mesmo artigo. // Por sua vez, estabelece o artº 214º, nº1, que “os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos. A informação será dada por escrito, se assim for solicitado.”
Impõe-se, assim, alterar o identificado segmento do dispositivo da sentença recorrida, na parte referente à manutenção da decisão de suspensão do cargo de gerência, no sentido de, onde consta: “e) abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade 1.ª Requerida”, passar a constar: “e) abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade 1.ª Requerida, salvo para participar em assembleias gerais da mesma para as quais tenha sido convocado e proceder à consulta dos documentos referidos no artigo 289.º, nºs 1 e 2 do CSC, bem como da respectiva escrituração, livros e documentos”.
*
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes da Secção do Comércio deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, nessa sequência:
1. Julgar procedente a invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia;
2. Considerar ser essa nulidade juridicamente irrelevante para a decisão e o desfecho do processo;
3. Fazendo uso da regra da substituição prevista no n.º 1 do artigo 665.º do CPC, conhecer do objecto do recurso e, nessa medida,:
a) Alterar a decisão da matéria de facto nos moldes constantes do presente acórdão;
b) Alterar o segmento do dispositivo da sentença, na parte referente à manutenção da decisão de suspensão do cargo de gerência, no sentido de, onde consta: “e) abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade 1.ª Requerida”, passar a constar: “e) abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade 1.ª Requerida, salvo para participar em assembleias gerais da mesma para as quais tenha sido convocado e proceder à consulta dos documentos referidos no artigo 289.º, nºs 1 e 2 do CSC, bem como da respectiva escrituração, livros e documentos”;
c) Manter, quanto ao mais, a sentença recorrida.
Custas pelo apelante e pela apelada, na proporção de 2/3 para o primeiro e 1/3 para a segunda.

Lisboa, 15 de Outubro de 2024
Renata Linhares de Castro
Nuno Teixeira
Paula Cardoso
_______________________________________________________
[1] No mesmo se podendo ler: “(…) Estando em causa uma providência antecipatória, cabe a aplicação da regra geral do contraditório do requerido, prevista no artigo 366.º do Código de Processo Civil, só assim não se verificando quando a sua audição puser em risco sério o fim ou eficácia da providência. // Pretendendo a Autora evitar a delapidação da sociedade através do levantamento dos saldos existentes nas contas bancárias, necessariamente se conclui que, conhecendo o 2º Requerido a propositura da presente ação, o risco de tentar alcançar os objetivos até agora só parcialmente conseguidos mostra-se sério e plausível, o que tornaria a providência antecipatória ineficaz. // Como tal, defere-se a requerida dispensa de audição dos Requeridos. // Notifique. // Assinale os presentes autos como processo urgente e confidencial. (…)”
[2] No início da diligência, a requerente procedeu à junção de nova prova documental – certidão permanente actualizada da 1.ª requerida, extractos do mês de Fevereiro de 2023 de ambas as contas bancárias tituladas pela mesma e carta dirigida ao BCP, pela gerência da sociedade, autorizando o levantamento de sigilo bancário.
[3] Em tal decisão considerou-se indiciariamente provado: “1. A Autora é sócia maioritária da sociedade comercial por quotas “C …, Lda.”, sociedade que tem por objeto social a exploração da indústria hoteleira e similares. // 2. São gerentes da sociedade, L …, R … e o denunciado MM. // 3. A sociedade obriga-se com a assinatura de um gerente. // 4. São sócios da sociedade: a. O Requerido MM, titular de uma quota de € 498.929,08, representando 42.42% do capital social; b. W …, titular de uma quota de €6.035,46, representando 0.58% do capital social; e c. A Requerente R …, Lda., titular de uma quota de € 525.535,46, representando 51% do capital social. // 5. O 2.º Requerido tem estado ausente da gestão efetiva da sociedade nos últimos vinte anos, encontrando-se maioritariamente fora de Portugal. // 6. A gerência diária da sociedade 1.ª Requerida é exercida pelos outros dois gerentes designados, filhos do aqui 2.º Requerido. // 7. Já anteriormente o 2.º Requerido praticou atos perturbadores da atividade social, que os outros gerentes têm vindo a corrigir e a não denunciar, atenta a relação familiar. // 8. A sociedade 1.ª Requerida explora o hotel denominado comercialmente Hotel X, localizado na Rua xxx, em Lisboa. // 9. A sociedade 1.ª Requerida tem ao seu serviço 16 funcionários. // 10. A sociedade tem necessidade de fazer pagamentos mensais de Impostos, salários e a fornecedores, tendo no final do presente mês de pagar, só em salários, 15.500,00 euros. // 11. A sociedade é titular de duas contas bancárias, a saber: a. Uma conta aberta junto do Banco BPI, SA, com o IBAN …197; e b. Uma conta aberta junto do Banco Comercial Português, SA, com o IBAN …088. // 12. As referidas contas bancárias podem ser movimentadas por qualquer dos gerentes. // 13. No passado dia 15 de fevereiro de 2023, o 2.º Requerido transferiu para a sua conta bancária pessoal o montante de 120.000 euros que a 1ª Requerida tinha depositado no banco BPI, na conta com o IBAN …197. // 14. Com tal transferência a conta bancária ficou com um saldo de € 9.355,88. // 15. No dia 16 de fevereiro de 2023, o Réu deslocou-se ao balcão de Telheiras do Banco Comercial Português, S.A., onde tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da quantia de € 34.000,00 existente na conta bancária da 1ª com o …088 que a sociedade tem neste Banco. // 16. Tal tentativa de transferência só não se concretizou uma vez que a Gerente da Conta em causa, Sra. Ana …, não deu autorização por falta de documentação de suporte. // 17. Quando os restantes gerentes da 1ª Requerida tomaram conhecimento de tal tentativa de transferência deram instruções ao banco no sentido de bloquear as movimentações da conta em causa. // 18. A sociedade 1.ª Requerida não deliberou a transferência de quaisquer valores para o 2.º Requerido. // 19. Não existe qualquer atividade da sociedade 1.ª Requerida que justifique a mobilização das referidas quantias para a conta pessoal do 2.º Requerido. // 20. O 2.º Réu não só procedeu a tal transferência relativamente à sociedade 1.ª Requerida, como fê-lo também relativamente a outras três empresas das quais é gerente (V …, Lda.,C …, Lda., E …, Lda.), num valor total de € 720.000,00. // 21. Em consequência da transferência realizada pelo 2.º Requerido, a sociedade 1.ª Requerida poderá não conseguir pagar a totalidade dos seus compromissos. // 22. Se a transferência tentada em 16/02/2023 tivesse sido realizada, o estabelecimento hoteleiro da 1ª Requerida poderia ter de ser encerrado e a sociedade declarada insolvente”. E considerou-se indiciariamente não provado: “A. A sociedade é titular de duas contas bancárias, a saber: a. Uma conta aberta junto do Banco BPI, SA, com o IBAN ….153; e b. Uma conta aberta junto do Banco Comercial Português, SA, com o IBAN ….142. // B. A transferência referida em 15 não se concretizou porque a Gerente de Conta pediu ao Gerente da sociedade 1.ª Requerida, R …, que confirmasse a realização de tal operação, por estranhar o valor e o destino da mesma.”
[4] Para tanto referindo: - “Compulsada a nota de citação, verifica-se que não foi feita qualquer menção relativa à ação principal na qual deduziu a requerente pedido de destituição” (art. 2.º), “Entende o Requerido que, atento tal facto e o entendimento jurisprudencial dominante, deve o contraditório a ser exercido quanto à ação principal ser exercido após citação a tanto dirigida” (art. 3.º), ”Sem conceder e por cautela de patrocínio, requer o Requerido, caso entenda o Digníssimo Tribunal ser este o momento processual adequado para o oferecimento de contestação que seja o exposto infra admitido como contestação, com as legais consequências.” (art. 4.º) e, a final, “caso se admita o presente articulado como contestação à ação principal, deve, pois, em face da falta de fundamento do peticionado, ser a ação julgada improcedente por não provada e assim, o Requerido ser absolvido do pedido” (art. 127.º).
[5] E, em requerimento de 23/06/2023, solicitou a requerente a junção de duas sentenças pelas quais foi decidida a destituição do 2.º requerido da gerência das sociedades “E …, Lda” e “C …, Lda”. Tal requerimento foi mandado desentranhar no despacho proferido em 30/06/2023.
[6] A referência neste despacho ao “requerimento de 07.06.2023”, corresponderá a um lapso, porquanto, nessa data nenhum requerimento foi apresentado. A data correcta será antes “29/05/2023” (Ref.ª/Citius 36103371).
[7] Consta do despacho de 12/07/2023: “Veio o Requerido alegar que o tribunal excluiu dos temas da prova e, por conseguinte, do objeto da instrução, a produção de prova destinada a demonstrar o animus subjacente à atuação do Requerido de retirar os fundos da conta da C …, Lda., tema que entende ser fundamentalmente relevante para afastar a ilicitude da conduta. // O animus de uma atuação é revelado, no entender deste tribunal, pelo fim visado com essa mesma atuação. O animus de uma compra, por exemplo, é revelado pelo fim dado pelo comprador ao objeto comprado. Por esse motivo inclui o tribunal nos temas a fazer prova o uso a que o Requerido destinava os valores que pretendia transferir e o uso que deu aos valores efetivamente transferidos, pois é este uso que revela o fim de tais atuações. // A existência de utilização abusiva de contas bancárias pessoais do Requerido e a falsificação da sua assinatura é matéria completamente alheia a estes autos, e de uma natureza que nem sequer se compadece com a competência material deste tribunal, que não aprecia atos passíveis de integrar ilícitos criminais. // Por esse motivo, não se admite a junção a os autos do relatório pericial apresentado em 10.07.2023. // No que respeita à ocorrência de atos societários praticados em detrimento do interesse do Requerido, cabe a este último agir em conformidade e em processo próprio para o efeito. // Isto porque o objeto destes autos é definido pelo pedido e pela causa de pedir, que se mantêm estáveis após a citação do Réu, nos termos do artigo 260.º do Código de Processo Civil. // Sendo os pedidos formulados pela Requerente a suspensão e destituição do Requerido da gerência da 1ª Requerida, e a causa de pedir a utilização indevida de verbas da 1ª Requerida para fins alheios à atividade social desta, é esta a matéria sobre a qual cumpre produzir prova. // Face ao exposto, mantém-se integralmente os temas de prova indicados.
Pelo mesmo despacho deferiu-se, ainda, a alteração do rol de testemunhas do 2.º requerido (que havia sido também solicitada no requerimento apresentado em 10/07/2023).
[8] “Por ser admissível, estar em tempo (mostrando-se assegurado o pagamento da multa pela prática do ato no primeiro dia útil após termo do prazo, conforme consignando no antecedente despacho) e o recorrente ter legitimidade, admito o recurso interposto da sentença pelo réu MM, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo [artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, 638.º, n.º 1 e nº 7, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a) e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil], não se verificando quaisquer dos pressupostos previstos neste último preceito legal para atribuição de efeito suspensivo. // A autora recorrida R … Lda. apresentou contra-alegações no prazo legal. // Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, // Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se vislumbra que a decisão recorrida padeça das nulidades invocadas, mostrando-se a mesma fundamentada, quer de facto, quer de direito, com cumprimento, ao longo do processo, do contraditório. // Face ao exposto, entende-se que a decisão recorrida não padece de nulidade, nada havendo, portanto, a suprir (artigo 617º nº 1 do Código de Processo Civil). // Vossas Excelências, porém, com mais elevado critério, farão a habitual Justiça. // Notifique. // Após, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa”
[9] Os processos de jurisdição voluntária, enquanto processos especiais, são regulados pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns, e, subsidiariamente, pelas normas do processo comum – cfr. artigo 549.º, n.º 1 do CPC.
[10] Cfr. JOÃO LABAREDA, Notícia sobre os processos destinados ao exercício de direitos sociais, Direito e Justiça, 01/01/1999, Universidade Católica Portuguesa, págs. 79/80, acessível online, o qual, ao defender não ser possível requerer a suspensão sem que simultaneamente se peça a destituição, escreveu: “(…) a ponderação dos interesses em jogo aconselha que, ao apreciar a questão da suspensão, o tribunal conheça já suficientemente os fundamentos do pedido de destituição, ainda que não possa considerar-se em condições definitivas para melhor o decidir, visto não ter auscultado as razões do requerido. A verdade é que a factualidade que justifica os dois diferentes pedidos tem de ser substancialmente a mesma e a motivação jurídica que legitima a destituição não pode deixar de ser comum à que determina a suspensão.”
[11] Como defendem ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2020, pág. 442, entre o procedimento cautelar e a respectiva acção existe uma relação de dependência e de instrumentalidade, o que impõe que o primeiro “vise a tutela antecipada ou a conservação do concreto direito cuja efetividade se pretende por via da ação principal. Por isso, o objeto da providência há-de ponderar não apenas o direito em causa, mas especialmente a pretensão envolvida na causa principal.
[12] Obra citada, págs. 442/443.
[13] ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do processo Civil, Vol. III, Almedina, 1998, pág. 134.
[14] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Almedina, 4.ª edição, 2022, pág. 22.
[15] Cfr. LEBRE DE FREITAS/RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, obra citada, pág. 56, segundo os quais, “se pretender alegar novos factos ou produzir novos meios de prova, o requerido deduzirá oposição (em que, acessoriamente, pode invocar fundamento que, a não haver oposição, constituiria fundamento de recurso), atualmente nos termos dos arts. 293, n.ºs 1 e 2, e 294-1 (…)”.
[16] Obra citada, pág. 57.
[17] Cfr., por pertinente, o acórdão do STJ de 28/04/2015 (Proc. n.º 465/14.3T8OER-A.L1-1, relatora Maria da Graça Araújo), disponível in www.dgsi.pt, como os demais que vierem a ser citados, no qual se considerou que, para demonstração dos novos factos trazidos para o processo pelo requerido, poderá o mesmo oferecer quaisquer meios de prova (mesmo que o requerente os tivesse já apresentado), enquanto que relativamente aos factos alegados pelo requerente, poderá o requerido apresentar meios de prova diversos dos já produzidos.
[18] Como decorre desta norma, as causas de nulidade aqui previstas reportam-se à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, consubstanciando as mesmas vícios formais da sentença ou vícios referentes à extensão/limites do poder jurisdicional (não contendendo, pois, com o mérito da decisão). Cfr.,  nesta matéria, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018 (Proc. n.º 1867/14.0TBBCL-F.G1. Relator José Alberto Moreira Dias).
[19] Princípio que tem consagração legal e constitucional - cfr. artigos 3.º e 4.º do CPC e artigo 20.º, n.º 1 da CRP.
[20] Como escrevem Teixeira de Sousa e Castro Mendes, in Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pág. 633, a decisão é nula quando “o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia: art. 615.º, n.º 1, al. d)); a não possibilidade do conhecimento de uma questão pode ser absoluta, se o tribunal não pode conhecer, em circunstância alguma, dessa questão (…), ou relativa, se o tribunal não pode conhecer, em certas condições, dessa questão, mas poderia conhecê-la em outras circunstâncias (por exemplo: (…) o tribunal não pode proferir uma decisão-surpresa (art. 3.º, n.º 3) (…)”.
[21] Cfr. ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil, 6.ª edição actualizada, 2020, Almedina, pág. 98.
[22] Providências Cautelares, Almedina, 4.ª edição, 2021, pág. 373.
[23] Acórdão n.º 86/88, de 13/04/1088 (Proc. n.º 235/86, relator Messias Bento).
[24] Acórdão relatado por Isabel Fonseca, no âmbito do Proc. n.º 4987/23.7T8LSB.L1, no qual, com excepção da sociedade aí requerida (V …, Lda), as demais partes são as mesmas dos presentes autos (ou seja, também é requerente R … Lda e requerido MM).
[25] O n.º 2 do artigo 516.º do CPC estatui: “O interrogatório é feito pelo advogado da parte que ofereceu a testemunha, podendo o advogado da outra parte fazer-lhe, quanto aos factos sobre que tiver deposto, as instâncias indispensáveis para se complementar ou esclarecer o depoimento”. Este número, consagrando o sistema da cross examination, permite “sindicar a razão da ciência invocada e o grau de credibilidade do depoimento” (nesse sentido, ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, obra citada, pág. 590).
Em anotação a este preceito, LEBRE DE FREITAS/RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRA, obra citada, pág. 395, escrevem: “A testemunha pode narrar factos por ela própria praticados; mas, as mais das vezes, narra factos que observou, incluindo narrações que lhe hajam sido feitas por quem diretamente observou os factos a provar. Nestes termos, não basta o simples relato, com a indicação das circunstâncias em que os factos ocorreram; é também necessária à valoração do depoimento a indicação da razão de ciência da testemunha, isto é, de como os factos relatados vieram ao seu conhecimento, também ela devendo ser feita com precisão e pormenor. Finalmente, tanto quanto ao objeto do depoimento (incluindo a razão do conhecimento dos factos) interessa à livre apreciação do julgador o modo como o depoimento é produzido, razão por que o interrogatório da testemunha decorre em audiência contraditória.
[26] Cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 16/06/2015 (Proc. n.º 203/14.0T8FND.C1, relator Fonte Ramos), no qual, aludindo-se às dificuldades que a tramitação conjunta acarreta, se pode ler: “a tramitação paralela e simultânea do dito procedimento cautelar e da acção especial principal (de jurisdição voluntária) poderá trazer dificuldades derivadas da tramitação do incidente/procedimento se poder “confundir” e “englobar” no processo da causa principal (o que não sucederia se tivesse processo próprio e distinto do processo da causa principal, como no caso de ser autuado por apenso), dificuldades também porventura traduzidas/plasmadas em determinados actos processuais praticados no âmbito das citações/notificações, e, subsequentemente, pelas partes, o que, naturalmente, não poderá deixar de ser levado em conta pelo tribunal, tanto mais por estarmos no domínio da jurisdição voluntária.”
[27] Cfr. ABRANTES GERALDES, in Recursos …, pág. 382, segundo o qual, “verificando-se que, pela posição adotada pelas partes ou pela análise dos autos, todos os elementos de facto necessários ao enquadramento jurídico do mérito da causa se encontram presentes”, a Relação deve proferir decisão de mérito.
Veja-se, ainda, o acórdão do STJ de 18/01/2022 (Proc. n.º 6798/16.7T8LSB-A.L2.S1, relator Jorge Dias).
[28] LEBRE DE FREITAS/RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, obra e vol. citados, págs. 206/2017 – “A produção da prova só tem lugar quanto aos meios de prova constituendos (art. 604-3), já que os meios de prova pré-constituídos se produzem, por definição, fora do processo”. Ora, a prova documental enquadra-se neste segundo grupo.
[29] Decorre desta norma que o recorrente que impugne a matéria de facto deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da requerida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Mais acrescenta na alínea a) do número seguinte que incumbe ao recorrente o ónus de “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
[30] Segundo este preceito, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
[31] E, não será despiciendo referi-lo, nas suas alegações de recurso, o recorrente, aquando das razões invocadas para que a transferência aqui em causa tenha sido efectuada para a sua conta pessoal e não para uma nova conta que fosse aberta em nome da sociedade requerida, invoca expressamente que, a verificar-se a segunda hipótese, sempre os demais gerentes (nessa qualidade), a ela poderiam aceder.
[32] Sendo que, do facto n.º 18 (não impugnado), consta expressamente que a sociedade requerida “não deliberou a transferência de quaisquer valores para o 2.º Requerido”, o que, diga-se, o mesmo reconhece na oposição que apresentou (desde logo quando, no seu art. 117.º refere que “a movimentação de contas bancárias não depende de deliberação dos sócios”).
[33] Estamos, contudo, em face de “noções orientadoras e meramente exemplificativas”, como alerta DIOGO PEREIRA DUARTE, Código das Sociedades Comerciais Anotado (coordenação de António Menezes Cordeiro), Almedina, 4.ª edição, 2021, págs. 906/907.
[34] Cfr., ainda, os acórdãos do STJ de 30/05/2017 (Proc. 4891/11.1TBSTS.P1.S1, relator Alexandre Reis), no qual se pode ler: “o conceito de justa causa, para este efeito de destituição de gerente, deve ser encarado pelo prisma da protecção da confiança e com a dose de maleabilidade ou plasticidade que a lei concede na sua aplicação, perante as concretas circunstâncias de cada caso: verifica-se a justa causa para a destituição do gerente quando, dos factos provados, se retire a prática por este de actos que impossibilitem a manutenção da relação contratual de gerência, por quebrarem gravemente a relação de confiança que o exercício do inerente cargo supõe, ou que, segundo a boa-fé, tornem inexigível à sociedade o prosseguimento do seu exercício. Existe justa causa para a destituição se não for justo exigir que a sociedade mantenha o contrato vinculante.”, mais acrescentando: “A invocação de justa causa assente em «violação grave dos deveres do gerente», supõe, naturalmente, a ilicitude dos imputados comportamentos e, por outro lado, por se tratar da violação do contrato celebrado entre o gerente e a sociedade, a censurabilidade, a título de culpa, de tais comportamentos ilícitos do gerente, deve presumir-se nos termos do artigo 799 nº 1 do CC.” – e de 30/09/2014 (Proc. n.º 1195/08.0T8LSB.L1, relator Fonseca Ramos) – “Constitui justa causa de destituição de gerente, actuação sua que exprima violação grave dos deveres de gerente, mormente, dos deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, que impliquem perda irreparável da confiança dos afectados por essa actuação, seja no contexto interno da sociedade, seja na sua relação com terceiros a justificar a impossibilidade da manutenção do vínculo que o une ao ente societário, por existir conflito de interesses gerador de danos efectivos ou potenciais, que devam ser consideradas razão inequívoca da inexigibilidade da manutenção daquele vínculo jurídico.” 
[35] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. IV, Almedina, 2.ª edição, 2017, pág. 128.
Cfr. ainda, quanto à noção de justa causa, do mesmo autor, Curso de Direito Comercial, vol. II, Almedina, 7.ª edição, 2021, págs. 591-596.
[36] Cfr., acórdão do STJ de 22/02/2022 (Proc. n.º 1917/18.1T8AMT.P2.S1, relatora Graça Amaral) - “A destituição de funções de gerência pressupõe a demonstração da justa causa traduzida na violação dos deveres cometidos ao gerente, que não se basta com a simples violação de algum deles, exigindo a lei que se trate de uma violação grave que comprometa a confiança, desaconselhando ou impedindo a manutenção do vínculo contratual.”
[37] Nesse sentido, COUTINHO DE ABREU, CSC em comentário, volume já citado, pág. 144/145.
[38] Sendo de todo irrelevante para que se possam considerar justificados actos praticados com relação à sociedade as eventuais motivações de que o recorrente se socorre (vínculos familiares, idade do recorrente, celeridade na resolução do litígio e tentativa de evitar o recurso aos tribunais).  
[39] Aliás, em sede de alegações de recurso, o recorrente invoca que a sua conduta terá tido subjacente a defesa da sociedade em face de os demais gerentes “desconsiderarem gravemente a separação de patrimónios entre sociedade e sócios”, o que compromete “de forma irreversível qualquer relação de confiança até então existente entre o recorrente e aqueles gerentes”. Censura a possibilidade de os bens da sociedade poderem ser usados como bens pessoais. Porém, foi precisamente isso que o mesmo fez.  
[40] Proc. n.º 4984/23.2T8LSB.L1, relatora Manuela Espadaneira Lopes.