Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1271/19.4T8CSC-A.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DE GRUPO
MEIOS DE DEFESA OPONÍVEIS AO SEGURADO
RISCO DE ACTIVIDADE PROFISSIONAL
CLÁUSULAS “CLAIM MADE BASIS”
VALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - O contrato de seguro celebrado entre a “Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas”, atual “Ordem dos Contabilistas Certificados”, e uma companhia seguros, com vista a dar cumprimento à obrigação legal de constituição de seguro de responsabilidade civil profissional estabelecida atualmente no Art.º 70.º n.º 4 do Estatuto dessa Ordem, e em que as pessoas seguras são identificados como sendo os «Técnicos Oficiais de Contas, pessoas singulares, inscritos na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, que exerçam efetivamente a profissão», é um contrato de seguro de grupo, de responsabilidade civil, que tem a natureza de seguro obrigatório, para os efeitos da aplicação do disposto nos Art.ºs 146.º a 148.º do Regime Jurídico do Contrato (RJCS) aprovado em anexo ao Dec.Lei n.º 72/2008 de 16/4.
II - Nos termos do Art.º 147.º n.º 2 do RJCS, o segurador pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro, nomeadamente a cessação desse contrato.
III - Estando em causa um seguro de responsabilidade civil relativa ao risco duma atividade profissional, são lícitas as cláusulas “claim made basis”, que circunscrevem a delimitação temporal da garantia de pagamento da indemnização que seja devida tendo em atenção o momento da reclamação, independentemente do facto gerador da obrigação ter sido praticado antes do início da vigência do contrato (cfr. Art.º 139.º n.º 2 do RJCS).
IV- Tendo a reclamação do sinistro, que consistiu apenas na citação das seguradoras para a presente ação, sido comprovadamente feita depois de cessada a vigência do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, e já no âmbito da vigência doutro contrato de seguro posterior, que cobre o mesmo risco, sendo que em ambos os seguros sucessivos é estabelecida uma cláusula “claim made”, a responsabilidade civil em causa ficou coberta apenas pelo seguro onde a reclamação foi feita em primeiro lugar, não se justificando a extensão da vigência temporal do seguro anterior, relativamente ao qual não foi feita qualquer reclamação oportuna.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A…, Lda. veio intentar a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra a B, contabilista certificado, e a Companhia de Seguros C…, S.A., pedindo a condenação do 1.º R. a: i) Proceder à entrega das declarações contabilísticas e fiscais em falta referentes ao ano de 2015, nomeadamente a declaração periódica de rendimentos (modelo 22 do IRC) e a declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES); ii) Pagar à A., a título de indemnização por danos diretos e lucros cessantes, a quantia de €40.802,55, acrescido dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal, desde a data da citação até integral pagamento; iii) Proceder ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de pagamento da quantia que seja por esse Tribunal fixada segundo critérios de razoabilidade, mas não inferior a €100,00, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de apresentação das declarações referidas em i), tudo nos termos do disposto no artigo 829.º-A do Código Civil. Pede ainda a condenação solidária da 2.ª R. (C...) a pagar à A. a indemnização devida pelo 1.º R., acrescida dos juros moratórios, à taxa supletiva aplicável, desde a citação até integral pagamento.
Alega, em termos muito sucintos, que contratou o 1.º R., para exercer as funções de contabilista certificado, ficando responsável pela regularidade da situação da A. nos campos contabilístico e fiscal desde esse momento. No entanto, aquele nunca cumpriu as suas obrigações, não tendo entregue, dentro do prazo para o efeito, que terminava em 15.05.2015, a primeira declaração de IVA, referente ao período 2015/03T. O que implicou a aplicação à A. duma coima no valor de €376,50.
Subsistindo o incumprimento, em 14 de maio de 2016, a A. dirigiu carta ao 1.ª R. procedendo à revogação do mandato e solicitou a indicação de data para proceder à recolha dos seus documentos, sendo que, em 20 de maio de 2016, na sequência da revogação do contrato, a A. e o 1.º R. acabaram por celebrar um acordo designado de “Ato de restituição de documentos e pagamento de serviços profissionais”, onde se estabeleceu que 1.º R. deveria entregar toda a documentação que tivesse em sua posse referente à A. e entregar as declarações necessárias junto das autoridades competentes e que estavam em falta para regularizar a situação da A. no que respeitava ao período de exercício fiscal em que tinha sido assessorada pelo 1.º R.. No entanto, o 1.º R. não procedeu à entrega do Modelo 22 do IRC, correspondente à declaração anual de rendimentos da autora do ano de 2015, cujo prazo para entrega terminava em 31 de maio de 2016, nem à entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) da A. ao ano de 2015, cujo prazo de entrega terminava em de 15 de julho de 2016.
Assim, a A. não tem a sua situação contabilística e fiscal regularizada, o que lhe tem causado prejuízos, estimados em €40.802,55, cujo ressarcimento peticiona.
Invocou ainda que o 1.º R. se encontra inscrito como profissional na Ordem dos Contabilistas Certificados e, em consequência, está obrigado, nos termos do n.º 4 do Art.º 70.º do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, aprovado pela Lei n.º 139/2015, de 7 de setembro (“EOCC”), a subscrever um seguro de responsabilidade civil profissional de valor nunca inferior a €50.000,00 (cinquenta mil euros), sendo que a Ordem dos Contabilistas Certificados, no âmbito das suas competências, veio celebrar contrato de seguro obrigatório, atualmente com a Companhia de Seguros C…, S.A., através da Apólice n.º …6 (“Apólice”), a qual estabelece um limite de indemnização de €50.000,00, por Contabilista Certificado aderente, e que define como objeto a garantia da “responsabilidade civil que, ao abrigo da legislação aplicável, seja imputável ao Segurado na sua qualidade de Contabilista Certificado.”
Pretende assim exercer o direito a indemnização por responsabilidade civil contratual relativa ao 1.º R. e o acionamento da garantia de pagamento dessa indemnização relativamente à 2.ª R..
Citados, os R.R. contestaram separadamente, tendo o 1.º R. invocado a exceção da ilegitimidade e impugnado os factos, concluindo no sentido de ser “considerado parte ilegítima” e, em qualquer caso, absolvido do pedido.
A 2.ª R., C…, para além da prescrição, veio confirmar a celebração de contrato de seguro de grupo obrigatório com a Ordem dos Contabilistas Certificados, que se encontra em vigor desde as 00:00 horas do dia 01/04/2016, o qual foi renovado automática e anualmente a partir de 01/04/2017 e de 1/04/2018. No entanto, o «Sinistro» coberto pelo seguro corresponderia à «reclamação formal ou série de reclamações formais resultantes de um mesmo evento suscetível de fazer funcionar as garantias do contrato» - cfr. Art.º 1, alínea g), sob a epígrafe “Definições, objeto e garantias do contrato”, do Capítulo I das Condições Gerais, sendo que por «Reclamação» se entende: «- Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra o Segurado, ou contra o Segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas garantias da Apólice; ‐ Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida pela primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este ao Segurador, i) de que possa derivar eventual responsabilidade abrangida pela Apólice, ii) que possa determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou iii) que possa fazer funcionar as garantias da Apólice. Todas as reclamações resultantes de um mesmo evento, independentemente do número de reclamantes ou reclamações formuladas, serão consideradas como uma só reclamação;» - cfr. art.º 1, alínea h), sob a epígrafe “Definições, objeto e garantias do contrato”, do Capítulo I das Condições Gerais. Ora, o contrato de seguro abrange apenas e tão só «…as reclamações apresentadas pela primeira vez, ao Segurado ou diretamente ao Segurador, durante o período de vigência deste contrato ou, relativamente a erros, atos ou omissões geradores de responsabilidade, desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, nos 24 (vinte e quatro) meses subsequentes ao seu termo, ficando, contudo, sempre excluídas as reclamações abrangidas pelo seguro anterior, nomeadamente as reclamações participadas nos 24 meses subsequentes ao termo da apólice do seguro anterior desde que o ato gerador da responsabilidade tenha ocorrido durante o período de vigência da referida apólice.» (cfr. ponto 1.1. das Condições Particulares, sob a epígrafe “Âmbito Temporal” do doc. 1). Deste modo, como em discussão nos presentes autos está o exercício fiscal de 2015 e os alegados erros ou omissões do 1.º R. são do conhecimento da A. desde 13 de Agosto de 2015, sendo do conhecimento da A. e do 1.º R., muito antes de 1 de Abril de 2016, data a partir da qual passou a vigorar a Apólice do contrato de seguro celebrado com a 2.ª R., o alegado sinistro dos autos não teria enquadramento temporal na apólice.
Por outro lado, a 2.ª R. esclareceu ainda que, até 31/03/2016, a Ordem dos Contabilistas Certificados mantinha em vigor idêntico contrato de seguro de responsabilidade civil com a D…, S.A., em regime de cosseguro com a E…, titulado pela apólice n.º …2, o qual foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de Abril de 2015 e termo às 0:00 horas do dia 1 de Abril de 2016, sugerindo que a A. pudesse chamar aos autos, através do necessário incidente de intervenção principal provocada, essas seguradoras, sob pena de poder ver soçobrar a sua pretensão.
Pugnou assim pela sua absolvição da instância, por ser parte ilegítima, sem prejuízo da sua absolvição do pedido por força da procedência da correspondente exceção perentória relativa ao conhecimento dos factos geradores da responsabilidade em data anterior ao início da vigência do contrato de seguro, por consubstanciar facto impeditivo do direito da A. ao abrigo do contrato de seguro que invocou.
Também se defendeu por impugnação, concluindo no final pela procedência das exceções invocadas e pela sua absolvição da instância ou do pedido.
Por despacho de 11 de novembro de 2019 (Ref.ª n.º 122024970 – p.e.), foi a A. convidada a responder às exceções alegadas pela 2.ª R. na sua contestação, o que esta veio a fazer por requerimento de 29 de novembro de 2019 (Ref.ª n.º 15899558 – p.e.), sendo que quanto à questão de “exclusão do âmbito do contrato de seguro”, considerou que os factos em apreço nos presentes autos encontravam-se abrangidos pelo âmbito temporal da referida apólice, devendo improceder a referida exceção.
Entretanto, por despacho de 12 de dezembro de 2019 (Ref.ª n.º 122697268 – p.e.), foi ordenado que se oficiasse à Ordem dos Contabilistas Certificados, para que informasse se o 1.º R. se encontrava inscrito nessa Ordem à data dos factos e qual o n.º da apólice de responsabilidade civil em vigor, bem como a identidade da respetiva seguradora, com vista a recolher dos necessários a uma eventual intervenção provocada da mesma.
Por Ofício de 20/12/2019 (Ref.ª n.º 16069255 – p.e.), veio a Ordem dos Contabilistas Certificados informar que em 15/5/2015 estava em vigor o contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado com a D… formalizado pela apólice n.º …2, relativa ao período de 1/4/2015 a 31/3/2016. Informação que foi reconfirmada, com maior pormenorização, por requerimento de 2/3/2020 (Ref.ª n.º 16478504 – p.e.).
Na sequência do despacho de 14/9/2020 (Ref.ª n.º 126614265 – p.e.), que convidou as partes a, querendo, requererem a intervenção principal provocada tida por pertinente, veio o 1.º R., por requerimento de 28/9/2020 (Ref.ª n.º 17488771 – p.e.), requerer a intervenção principal provocada da D…. O que, após cumprimento do contraditório, veio a ser deferido por despacho de 12 de março de 2021 (Ref.ª n.º 129377018 – p.e.).
Citada a interveniente, D…, veio esta contestar, logo invocando a exceção da “ilegitimidade por inaplicabilidade temporal aos factos dos autos à apólice”, confirmando que entre a Chamada D…, a E… e a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (entretanto designada como Ordem dos Contabilistas Certificados) foi celebrado um contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do Ramo de responsabilidade civil, titulado pela Apólice n.º …2, sendo que nos termos desse contrato o “Sinistro” era constituído por «a reclamação formal ou série de reclamações formais resultantes de um mesmo evento suscetível de fazer funcionar as garantias do contrato» (cfr. al. e) do artigo 1.º das Condições Gerais), sendo entendido por “Reclamação”: «Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice;» bem assim como «Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo segurado e notificada oficiosamente por este ao segurador, de que possa: i) Derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice; ii) Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou iii) Fazer funcionar as coberturas da apólice» (cfr. Artigo 1.º alínea h) das “Condições Gerais”). Ora, no caso a “Reclamação” ocorreu com a citação da Chamada para a presente ação judicial, no dia 18 de março de 2021, tendo decorrido mais de 4 anos após a cessação do contrato de seguro celebrado com a chamada, que foi acordado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de abril de 2015 e termo às 0:00 horas do dia 1 de abril de 2016, encontrando-se desde então a responsabilidade civil decorrente da atividade profissional do 1.º R. transferida para a C…, aqui 2.ª R., motivo pelo qual entende a chamada que não pode deixar de se considerar parte ilegítima nos presentes autos, devendo ser absolvida da instância.
Mas, ainda que assim não fosse, defendeu que os mesmos factos determinam também a sua ilegitimidade substantiva, por força da correspondente procedência dessa exceção perentória inominada, que levaria à sua absolvição do pedido.
Por outro lado, chamou a atenção para o facto de existir uma situação de cosseguro com a E…, sem a intervenção da qual seria parte ilegítima nos presentes autos.
Defendeu-se ainda por impugnação, concluindo no final pela procedência da exceção dilatória de ilegitimidade decorrente da inaplicabilidade temporal do contrato de seguro celebrado com a Chamada e, em consequência, pela sua absolvição da instância. Mas, caso assim não se entenda, deveria ser julgada parte ilegítima nos presentes autos, por ilegitimidade substantiva, porque os autos já fornecem os factos e prova necessários para o efeito. Subsidiariamente, pediu a total improcedência da ação.
O 1.º R., B…, por requerimento de 23 de maio de 2021 (Ref.ª n.º 18872294 – p.e.), em face da contestação da D…, veio requerer a intervenção da E…, que foi admitida liminarmente por despacho de 10 de setembro de 2021 (Ref.ª n.º 132369763 – p.e.) e, após contraditório, foi deferida, por despacho de 12 de janeiro de 2022 (Ref.ª n.º 134770438 – p.e.).
Citada a interveniente, E…, veio a mesma contestar a ação, limitando-se a declarar que fazia seus os articulados apresentados pela D… (cfr. “Requerimento” de 17-02-2022 – Ref.ª n.º 20476091 - p.e.).
A A. respondeu às contestações das chamadas (cfr. “Resposta” de 30-05-2022 – Ref.ª n.º 21166071 – p.e.), pugnando pela improcedência das exceções de ilegitimidade, processual e substancial, arguidas pelas R.R. D… e E…, terminando com o pedido de condenação das mesmas conforme se peticionado na petição inicial.
Nessa sequência é proferido o despacho de 22 de setembro de 2022 (Ref.ª n.º 139552819 – p.e.), que admitiu o exercício do contraditório às contestações das chamadas e interpelou as partes para se pronunciarem sobre se algo tinham a opor à dispensa da realização de audiência prévia.
Após, em face da não oposição as partes, veio a ser proferido despacho saneador (cfr. “Despacho Saneador” de 12-12-2022 – Ref.ª n.º 141174360 – p.e.), com dispensa de audiência prévia, julgando improcedente a exceção de ilegitimidade substantiva da 2.ª R. C… e a exceção de ilegitimidade do 1.º R., B….
Também decidiu outras questões, mas, na parte que interessa ao presente recurso, foi aí decidido ainda o seguinte, quanto à alegada exceção de inaplicabilidade temporal do seguro invocada pelas chamadas:
«Da exceção de inaplicabilidade temporal da Rés D… e Ré E…:
«A Ré D…, regularmente citada, veio apresentar contestação onde deduziu exceção de ilegitimidade processual e substantiva, por inaplicabilidade temporal aos factos dos autos, alegando em suma que o chamamento efetuado pelo 1.º Réu B…, consistiu numa reclamação efetuada com a citação para a presente ação efetuada em 18.03.2021, pelo que foi efetuada mais de quatro anos depois da cessação do contrato de seguro.
«Mais alegou que o contrato de seguro em causa foi celebrado pelo prazo de 12 meses entre as 00h00 horas do dia 1 de abril de 2015 e as 00h00 do dia 1 de abril de 2016, e que nos termos do art. 4.º, n.º 2 das condições gerais, apenas são garantidas as reclamações apresentada pela primeira vez ao segurado ou ao segurador, durante o período de vigência do contrato e no prazo de 24 meses subsequente ao termo do contrato, quanto aos atos e omissões geradores de responsabilidade, desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, motivo pelo qual não poderá a presente reclamação ser aceite, nos termos do art.º 4.º, n.º 4 da condições gerais, sendo uma cláusula delimitadora temporal, de natureza “claims made” face à existência sucessiva de vários contratos, e não podendo a ora Ré deixar de se considerar como parte ilegítima no âmbito dos presentes autos do ponto de vista processual e substantivo.
«A Autora A…, Lda, veio responder à exceção de ilegitimidade por inaplicabilidade temporal do contrato de seguro suscitada pela Ré D…, alegando que a reclamação a que alude o contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Contabilistas certificados e a seguradora não se confunde com a citação para uma ação declarativa, pois são atos jurídicos distintos que precisam de ser exercidos por pessoas distintas, sendo que está obrigado a apresentar as reclamações segundo as regras das condições gerais é o Réu B…, que é o segurado, não podendo a sua omissão operar em desfavor da Autora, tanto mais que os factos (erros e omissões) ocorreram entre 01.04.2016 e 31.03.2016, sendo abrangidos pelo período temporal do contrato de seguro, como seja a falta de entrega do modelo 22 do IRC, correspondente à declaração anual de rendimentos da Autora referente ao ano de 2015, e a entrega da declaração anual de situação contabilística e fiscal referente ao ano de 2015, a que acrescem as declarações mensais de remunerações da Autora respeitantes aos meses de fevereiro, março e abril de 2016, motivo pelo qual o contrato de seguro celebrado tem aplicabilidade temporal aos presentes autos, devendo ser julgada improcedente a exceção.
«Cumpre apreciar e decidir:
«Procurando apreciar a questão suscitada, cumpre salientar que o ordenamento jurídico português admite a validade e existência das cláusulas de delimitação temporal “claims made basis”, sendo que o art. 139.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, doravante RJCS, dispõe que: “Sendo ajustada uma cláusula de delimitação temporal da cobertura atendendo à data da reclamação, sem prejuízo do disposto em lei ou regulamento especial e não estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior, o seguro de responsabilidade civil garante o pagamento de indemnizações resultantes de eventos danosos desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato”.
«A apólice da A Ré D…, é neste aspeto mais ampla do que a lei, na medida em que admite a reclamação até dois anos após a cessação do contrato.
«Porém, nos casos de seguro obrigatório de responsabilidade civil, a falta de participação do segurado dentro do prazo legal não é oponível ao terceiro lesado (art.º 101.º, n.º 4 do RJCS).
«Deste modo, e como bem salientou a Autora, uma coisa será a reclamação que estará a cargo do próprio segurado, que pode ou não vir a realizá-la, outra coisa será o direito de terceiro, pelo que caso o segurador não chegue a apresentar a reclamação, o terceiro lesado não poderá ser prejudicado, não lhe sendo oponível a falta de comunicação, neste sentido, v.g. o Ac. TRP de 29.09.2021, relatado por Alexandra Pelayo no âmbito do Proc. n.º 4405/18.2T8VFR.P1, disponível em http://www.dgsi.pt onde se decidiu que:
“I - Nas apólices de seguro de reclamação, também denominadas claims made, (em que existe uma cláusula de delimitação temporal da garantia do seguro reportada á data da reclamação), o pagamento da indemnização garantida depende de reclamação do lesado dentro do período de vigência do contrato ou dentro de certo prazo a contar do termo dos respetivos efeitos.
“II - No caso de seguro obrigatório é aplicável o nº 4 do artigo 101º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo DL nº 72/2008 de 16/4), nos termos do qual, a falta de oportuna comunicação/participação dos factos potencialmente geradores de uma reclamação por responsabilidade civil não é oponível ao Autor, enquanto terceiro lesado, podendo apenas fundamentar um direito de regresso contra o segurado.
“III - Do n.º 4 deste artigo resulta que o legislador quis conferir uma especial proteção aos lesados, no âmbito dos seguros obrigatórios de responsabilidade civil, considerando o interesse público que lhes é subjacente, ao estabelecer que não lhes são oponíveis as limitações que o próprio contrato de seguro pode prever no caso de não ser cumprido o dever de participação.
“IV - Assim sendo, no contrato de seguro obrigatório celebrado entre a então Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas e a Ré Seguradora, não é oponível ao autor, enquanto lesado, alheio à relação contratual titulada pela apólice, a falta de oportuna comunicação/participação dos factos geradores de uma reclamação por responsabilidade civil.”.
«Deste modo, a falta de realização da reclamação no período temporal previsto no contrato de seguro, não pode prejudicar a Autora, continuando a cobertura do seguro a responder.
«Mais se salienta aqui que no caso de dúvida sobre qual das seguradoras será responsável, no caso de sucessão de seguradoras, deverá a ação prosseguir contra todas, neste sentido, v.g. Ac. TRE de 23.11.2017 relatado por Paulo Amaral no âmbito do Proc. n.º 675/13.0TBVNO.E1, e disponível em http://www.dgsi.pt, onde se expendeu que: “No caso de, num contrato de seguro, se convencionar a cláusula claims made e existir sucessão de seguradoras, não sendo certo se a participação do sinistro foi regularmente feita, deve a ação prosseguir contra as duas seguradoras.”.
«Por conseguinte, a exceção suscitada, com os argumentos invocados, não poderá proceder.
«Pelo supra exposto, julgo improcedente a exceção suscitada.
«Notifique».
Apesar doutras decisões aí terem sido tomadas também, é deste concreto segmento da decisão proferida no despacho saneador, que as chamadas, D… e E…, vem interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
I. O Tribunal “a quo” julgou improcedente a exceção perentória decorrente da inaplicabilidade temporal do contrato de seguro, arguida pelas Apelantes.
II. Entre as Apeladas e a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas foi celebrado um contrato de seguro com data de início às 0:00 horas do dia 1 de abril de 2015 e termo às 0:00 horas do dia 1 de abril de 2016.
III. Nos termos acordados constitui “Sinistro” «a reclamação formal ou série de reclamações formais resultantes de um mesmo evento suscetível de fazer funcionar as garantias do contrato».
IV. Nos termos do ponto 2 do Artigo 4.º das Condições Gerais, com a epígrafe “Âmbito Temporal” «O presente contrato garante [apenas] as reclamações apresentadas pela primeira vez, ao segurado ou diretamente à D…, durante o período de vigência deste contrato ou, relativamente a erros atos ou omissões geradores de responsabilidade, desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, nos 24 (vinte e quatro) meses subsequentes ao seu termo».
V. «Estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior, não serão aceites pela D… as reclamações previstas nos números 2 e 3 do presente artigo, apresentadas após a data de cessação do presente contrato».
VI. As apólices claims made ou de Reclamação, como é o caso da dos Autos, encontram expresso acolhimento legal no artigo 139.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (doravante RJCS).
VII. Para determinação da apólice aplicável ao sinistro dos Autos o que releva é a data da “Reclamação” dos factos suscetíveis de gerar responsabilidade civil profissional e não a data da verificação desses factos ou da participação do sinistro (dever legal e contratual do segurado), que não se confunde com a “Reclamação” do terceiro lesado.
VIII. (…) no dizer do citado Acórdão do STJ, de 14.12.2016, «condiciona o pagamento da indemnização à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de validade (vigência) do contrato e que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato».
IX. No caso dos Autos, a “Reclamação” ocorreu com a citação da Apelante D… no dia 18 de março de 2021, mais de 24 meses após a cessação do contrato de seguro.
X. A exceção perentória de falta de cobertura temporal, invocada pelas Apelantes, não se reconduz a qualquer falta de participação ou incumprimento do dever de participação do segurado, prevista no art.º 101.º do RJCS, antes se reconduzindo à cessação do contrato de seguro em si mesmo, por caducidade.
XI. A falta de cobertura temporal é oponível aos terceiros lesados, como resulta do disposto no artigo 147.º do RJCS.
XII. Da aplicação do direito aos factos resulta inquestionável a inaplicabilidade temporal do contrato de seguro celebrado com as Apelantes.
XIII. O Tribunal recorrido, ao não ter absolvido as Apelantes do pedido, face à referida inaplicabilidade temporal, violou o disposto nos artigos 405.º do Código Civil, 44.º, 139.º e 147.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pela Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, artigo 1, º, al. e) e h), e 4.º, pontos 2 e 4, das Condições Gerais do contrato de seguro celebrado entre as Apelantes e a Ordem profissional em causa, bem assim como o artigo 576.º do Código de Processo Civil.
Pedem assim a procedência do recurso e, em consequência, que seja substituída a decisão recorrida por outra que, concluindo pela inaplicabilidade do contrato de seguro celebrado entre as Apelantes e a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, as absolva do pedido.
A A. contra-alegou e, mesmo não apresentando conclusões, pugnou pela improcedência do recurso, reiterando os fundamentos da decisão recorrida que, no seu entender, deveria ser confirmada.
*
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos, a questão única a decidir consiste em saber se a exceção perentória de inaplicabilidade temporal do contrato de seguro celebrado com as intervenientes D… e E… deveria ser julgada por procedente.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida não discriminou autonomamente os factos com base nos quais assentou, sendo certo que o estado de instrução do processo ainda não havia permitido a fixação da matéria de facto provada. No entanto, afigura-se claro que os factos relevados consistem na sequência de atos processuais das partes e, muito em particular, na alegação factual constante dos articulados que resumidamente deixámos consignado no relatório do presente acórdão.
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabelecidas as questões que fazem parte do objeto da presente apelação, vamos então sobre elas nos debruçar, relembrando que a A. intentou a presente ação de condenação contra o 1.º R., contabilista certificado, e contra a C…, aqui 2.ª R., com vista essencialmente a fazer exigir o direito a indemnização emergente de responsabilidade civil decorrente do incumprimento de obrigações profissionais, por parte do primeiro, e a consequente garantia de cumprimento dessa mesma obrigação, quanto à segunda, decorrente da existência de um contrato de seguro que alegadamente cobriria esse tipo de risco.
Importa ter em consideração que os incumprimentos imputados ao 1.º R., tal como alegados pela A. na sua petição inicial, estão bem situados no tempo e reportam-se à falta de entrega da declaração de IVA, cujo prazo terminava a 15 de maio de 2015 (cfr. artigo 7.º da petição inicial); à falta de entrega do Modelo 22 do IRC, correspondente à declaração anual de rendimentos da autora do ano de 2015, cujo prazo terminava em 31 de maio de 2016 (cfr. artigo 19.º da petição inicial); e à falta de entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) da A. ao ano de 2015, cujo prazo terminava em de 15 de julho de 2016 (cfr. artigo 20.º da petição inicial).
É destes concretos alegados incumprimentos que emergem todos os danos cujo ressarcimento a A. peticiona, o que é enquadrado por um alegado contrato de prestação de serviços de contabilidade, celebrado entre aquela e o 1.º R. (cfr. artigo 5.º da petição inicial), cujos termos convencionados e tempo de vigência efetiva são impugnados por esse R..
A A. alega ainda que, após a revogação do contrato de prestação de serviços de contabilidade, por alegado incumprimento exclusivamente imputável ao 1.º R., celebrou com este um acordo, em 20 de maio de 2016, nos termos do qual este se obrigou a regularizar a sua situação fiscal (cfr. artigos 15.º a 18.º da petição inicial).
Diga-se que, apesar da impugnação apresentada pelo 1.º R. na sua contestação, este veio aí a reconhecer que, pelo menos, celebrou um contrato com a A., no início do trimestre de 2015, pelo qual teria aceitado prestar serviços de contabilidade para aquela, contra o pagamento do preço de €165 mensais. Embora, logo de seguida, invoque que nada lhe foi pago em 2015, só tendo recebido €600,00, em maio de 2016, já no contexto do alegado acordo pós-revogação do contrato de prestação de serviços de contabilidade (cfr. artigo 6.º da sua contestação).
Assente deve considerar-se, no entanto, que o 1.º R. é um contabilista certificado, inscrito na Ordem dos Contabilistas Certificados, por isso ter sido reconhecido pela própria Ordem em causa (cfr. “Ofício” de 20/12/2019 - Ref.ª n.º 16069255 – p.e.; e “Requerimento” de 2/3/2020 - Ref.ª n.º 16478504 – p.e.).
Por essa razão, está o mesmo sujeito à obrigação legal de celebrar contrato de seguro de responsabilidade civil profissional de valor não inferior a €50.000,00, conforme decorre do Art.º 70.º n.º 4 do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, aprovado pela Lei n.º 139/2015, de 7 de setembro.
No caso concreto, foi a Ordem dos Contabilistas Certificados, anteriormente denominada de “Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas”, quem assumiu o ónus do cumprimento dessa obrigação de contratualização do seguro obrigatório de responsabilidade civil profissional, garantindo desse modo a responsabilidade civil dos contabilistas certificados – antes, técnicos oficiais de contas – nela obrigatoriamente inscritos para poderem exercer a sua atividade, em regime de exclusividade (cfr. Art.ºs 9.º e 10.º do Estatuto das Ordem dos Contabilistas Certificados).
É assim que veio a ser celebrado o contrato de seguro do ramo de responsabilidade civil pelo exercício da atividade profissional de “Contabilista Certificado”, titulada pela apólice n.º 6001591100162/0 (cfr. doc. de fls. 27 verso a 36), em regime de cosseguro (cfr. Art.ºs 62.º e ss. do RJCS), em que a D…, era a seguradora líder, sendo cosseguradora a E…, respondendo cada uma destas pelo pagamento das indemnizações devidas às pessoas seguras por essa apólice, na proporção de 60% e 40%, respetivamente (cfr. cit. doc. a fls. 28).
É indiscutível que esse contrato assume as caraterísticas típicas de um contrato de seguro, tal como elas são definidas no Art.º 1.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Dec.Lei n.º 72/2008 de 16 de abril. Pois, por força dele, as seguradoras assumiram a obrigação de cobrir determinado risco do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar uma determinada prestação em caso de ocorrência de um evento aleatório previsto no contrato, ficando a tomadora do seguro obrigada a pagar o prémio correspondente.
Mais concretamente, nos termos do artigo 3.º n.º 1 das “condições particulares” dessa apólice, tal como convencionada entre a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (denominação reportada ao tempo da celebração do contrato), por um lado, e a D… e a E…, por outro, esse contrato garantia «até ao limite do capital fixado nas condições particulares, as indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao segurado, com fundamento em responsabilidade civil decorrente do exercício da sua atividade profissional de Técnico Oficial de Contas» (cfr. cit. doc. a fls. 30 verso). O que inclui as indemnizações: «a) Por danos patrimoniais, causados a clientes ou a terceiros em geral, decorrentes de atos ou omissões cometidos no exercício da atividade profissional do segurado; b) Decorrentes do pagamento de coimas, fianças, taxas administrativas e juros compensatórios ou de mora, com exclusão dos que sejam de natureza penal, aplicados aos clientes do segurado, em consequência de erro ou omissão profissional do segurado; c) Por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e ou materiais causadas a clientes ou a terceiros em geral, na qualidade de proprietário ou locatário do imóvel ou fração onde o segurado exerce a sua função profissional, bem como os causados por objetos que integrem as citadas instalações» (cfr. artigo 3.º n.º 2 das condições particulares da apólice - cit. doc. a fls. 30 verso).
Em contrapartida, também ficou estabelecido nas condições particulares que o prémio total, que seria devido pelo tomador do seguro, era no valor de €424.850,00, sendo este determinado pela aplicação do valor de €14,65 por pessoa segurada, tendo o contrato por universo inicial um total de 29.000 segurados (cfr. cit. doc. a fls. 29 verso), estabelecendo-se depois, no artigo 11.º das condições especiais, a regulamentação específica da matéria relativa ao pagamento desse prémio (cfr. cit. doc. a fls. 33).
Importa ainda ter em conta que este contrato de seguro tem a especificidade de ser um seguro de responsabilidade civil profissional de natureza obrigatória, para além de ser um seguro de grupo.
Enquanto seguro de responsabilidade civil, a obrigação do segurador carateriza-se por cobrir o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros (cfr. Art.º 137.ºdo RJCS).
Esse seguro tem natureza obrigatória, porque, nos termos do artigo 3.º n.º 3 das condições gerais desse contrato é explicitamente dito que essa apólice «corresponde ao legalmente exigido quanto à obrigação de segurar prevista no Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, legalmente aprovado» (cfr. cit. doc. a fls. 30 verso).
Em causa está, portanto, como já referido, o cumprimento da obrigação de subscrição de seguro de responsabilidade civil profissional de valor não inferior a €50.000,00, tal como atualmente estabelecida no Art.º 70.º n.º 4 do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, aprovado pela Lei n.º 139/2015 de 7/9. Relembrando que este diploma converteu a “Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas” em “Ordem dos Contabilistas Certificados”, em conformidade com a Lei n.º 2/2013 de 10/1, alterando assim o Estatuto anteriormente aprovado pelo Dec.Lei n.º 452/99 de 5/11, que previa exatamente essa mesma obrigação, e nos mesmos termos, no seu Art.º 52.º n.º 4 do “Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas”, com redação do Dec.Lei n.º 310/2009 de 26/10.
O facto de estarmos perante um seguro obrigatório permite ao lesado o direito de exigir a indemnização apenas à seguradora (cfr. Art.º 146.º n.º 1 do RJCS), embora não esteja legalmente inibido de demandar simultaneamente a pessoa segura, enquanto autora material dos factos ilícitos causadores dos danos cujo ressarcimento pretenda, como sucede na presente ação.
Por outro lado, por se tratar de seguro obrigatório, a indemnização deve ser paga com exclusão dos demais credores do segurado (Art.º 146.º n.º 2) e não pode ser afastada a regra do princípio indemnizatório, salvo se houver estipulação legal em sentido contrário (Art. 146.º n.º 3).
Ainda por decorrência da natureza obrigatória do seguro, nos termos do Art.º 147.º do RJCS, o segurador apenas pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto ocorrido antes do sinistro (n.º 1), sendo lícito, nomeadamente, opor a exceção da invalidade do contrato, as condições contratuais e a cessação do contrato (cfr. n.º 2 do Art.º 147.º do RJCS).
José Vasques (in “Lei do Contrato de Seguro Anotada”, 3.ª Ed., 2016) reconhece o caráter taxativo dos tipos de meio de defesa oponíveis ao lesado, tendo em atenção que a lei refere «o segurador apenas pode». Mas também admite que o n.º 2 do Art.º 147.º do RJCS oferece uma enunciação meramente exemplificativas de meios de defesa que podem ser opostos aos lesados com base em condições do contrato. Portanto, estamos perante uma espécie de “taxatividade aberta” de meios de oposição oponíveis ao lesado, que pode ser de difícil e discutível preenchimento.
Existem ainda outras situações específicas em que o legislador estabelece soluções diversas em função da natureza de seguro obrigatório que adiante melhor explicitaremos.
Como já dito, este seguro é também um seguro de grupo. Ou seja, tal como definido no Art.º 76.º do RJCS, esse tipo de contrato «cobre os riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar». Isto decorre, em primeiro lugar, da circunstância do tomador do seguro ser a “Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas”, atual “Ordem dos Contabilistas Certificados”, a qual não é legalmente a entidade onerada com a obrigação de contratar este seguro. Em segundo lugar, isso decorre do facto desta apólice corresponder ao cumprimento da obrigação legal de constituição de seguro de responsabilidade civil profissional estabelecida atualmente no Art.º 70.º n.º 4 do Estatuto dessa Ordem. E, finalmente, do facto de os segurados serem identificados como sendo os «Técnicos Oficiais de Contas, pessoas singulares, inscritos na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, que exerçam efetivamente a profissão» (cfr. cit. doc. a fls. 29).
O contrato de seguro de grupo pressupõe assim uma estrutura triangular, onde intervêm 3 sujeitos jurídicos distintos: o segurador (empresa de seguros), o tomador de seguro (no caso uma “Ordem” profissional) e o segurado (pessoa segura, que é um profissional inscrito como associado nessa “Ordem”).
Menezes Cordeiro (in “Direito dos Seguros”, 2013, pág. 731) refere que estes contratos importam numa construção jurídica em que existe uma relação entre os participantes no grupo (os segurados) e o tomador; uma relação de seguro, entre o tomador e o segurador. Ao que acresce, naturalmente, a relação eventual entre segurado e o lesado.
Diga-se ainda que, por regra, estes contratos pressupõem que o segurado adere a um contrato de seguro padronizado (contrato-quadro), que foi previamente celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro (no caso uma “Ordem” profissional), no qual aquele primeiro (o segurado) não tem intervenção direta, nomeadamente na conformação do seu conteúdo, embora nele venha a figurar como pessoa segura.
Finalmente, para o caso concreto dos autos, importa ainda relevar que o contrato de seguro celebrado com a D… e a E… foi estabelecido pelo prazo de 12 meses, com início às 00h00 dos dia 1 de abril de 2015 e termo às 00h00 do dia 1 de abril de 2016 (cfr. apólice a fls. 27 verso), sendo que logo de seguida entrou em vigor um outro contrato de seguro, titulado por apólice acordada com a 2.ª R. da ação, a C…,  que esta juntou ao processo com a sua contestação e que no essencial tem o mesmo tipo de regulamentação contratual, sem divergências significativas que se possam aqui assinalar.
De tudo o até agora exposto resulta que, dos alegados incumprimentos imputáveis ao segurado, 1.º R. na ação, existe apenas um facto que ocorreu no âmbito da vigência temporal do contrato de seguro celebrado com as Chamadas, D… e E…. Mais concretamente a falta de entrega da declaração de IVA, cujo prazo terminava a 15 de maio de 2015 (cfr. artigo 7.º da petição inicial). Todos os restantes incumprimentos já ocorreram no quadro temporal da vigência do contrato celebrado com a 2.ª R., C…, mesmo que se refiram ao exercício fiscal do ano de 2015.
Evidentemente que as Chamadas, D… e E…, não podem responder pela obrigação de indemnização por danos relativos a factos ocorridos já depois da cessação da vigência do contrato de seguro que as vinculavam à cobertura da correspondente obrigação do segurado.
Isso que resulta, desde logo, do Art.º 147.º n.º 2 “in fine” do RJCS, quando aí se estabelece que o segurador pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro, nomeadamente os relativos à cessação de vigência do próprio contrato, tendo em conta que a regra geral é que a garantia de cobertura da responsabilidade civil do segurado, através de contrato de seguro, abrange apenas os factos geradores de responsabilidade ocorridos no período de vigência do contrato, sem prejuízo de ser admissível estipulação em contrário (cfr. Art.º 139.º n.º 1 do RJCS). Estas razões jurídicas são complementadas pelo facto de, tendo o Ordem dos Contabilistas Certificados acordado com a 2.ª R. um outro seguro que cobria precisamente os mesmos riscos a partir das 00h00 do dia 1 de abril de 2016, seria no âmbito da vigência dessa outra apólice de seguro que o sinistro deveria ser reclamado. Finalmente, nos termos do artigo 4.º n.º 4 das condições gerais do contrato celebrado com a D… e E…, «Estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior, não serão aceites pela D… as reclamações previstas nos números 2 e 3 do presente artigo, apresentadas após a data de cessação do presente contrato» (cfr. doc. de fls. 31). O que se afigura exceção perfeitamente legítima, nos termos do Art.º 147.º n.º 2 do RJCS, considerando que, apesar de estarmos perante um seguro de responsabilidade civil obrigatório, se o risco fica coberto por outro contrato de seguro, é normal que as coberturas previstas no contrato anterior deixem de estar vigentes, para mais quando, quer os eventos que obrigam à reparação, quer as respetivas reclamações, serão sempre necessariamente posteriores ao termo do seu prazo de vigência.
Subsiste, no entanto, a questão da responsabilidade das Chamadas no que se refere aos alegados incumprimentos do 1.º R. relativos à falta de entrega da declaração de IVA cujo prazo terminava a 15 de maio de 2015, portanto, ainda no âmbito da vigência temporal do contrato celebrado com a D… e a E…. Responsabilidade essa que, objetivamente, não pode ser afastada pela mera consideração do disposto no Art.º 139.º n.º 1 do RJCS.
Numa primeira abordagem poderia entender-se que as Chamadas pretenderiam apenas afastar qualquer possibilidade de ser acionada a sua responsabilidade, porquanto não teria sequer sido participado o sinistro no prazo de vigência do contrato de seguro.
Para este efeito, importa chamar à colação que, nos termos do Art.º 100.º do RJCS: «1 - A verificação do sinistro deve ser comunicada ao segurador pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo beneficiário, no prazo fixado no contrato ou, na falta deste, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento. 2 - Na participação devem ser explicitadas as circunstâncias da verificação do sinistro, as eventuais causas da sua ocorrência e respetivas consequências. 3 - O tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário deve igualmente prestar ao segurador todas as informações relevantes que este solicite relativas ao sinistro e às suas consequências». Por outro lado, o Art.º 101.º n.º 1 do RJCS prevê que: «1 - O contrato pode prever a redução da prestação do segurador atendendo ao dano que o incumprimento dos deveres fixados no artigo anterior lhe cause». O n.º 2 do mesmo preceito permite mesmo que se convencione a perda de cobertura se a falta de cumprimento ou o cumprimento incorreto dos deveres enunciados no Art.º 100.º for dolosa e tiver determinado dano significativo para o segurador.
A lei prevê assim uma certa margem de liberdade contratual na fixação de limites à obrigação de pagamento da indemnização em consequência do incumprimento de deveres relacionados com a obrigação de participação do sinistro, os quais poderiam ser oponível pelo segurador ao segurado, nos termos do Art.º 147.º n.º 1 e n.º 2 do RJCS.
O que não se prevê é a possibilidade legal de pura exclusão da cobertura em caso de mero incumprimento negligente dos deveres de participação do sinistro no prazo previsto na lei, ou no prazo que concretamente estiver convencionado no contrato de seguro. Nessa hipótese, apenas se permite a possibilidade de redução da responsabilidade da seguradora em função dos danos que o atraso na participação lhe possa causar (cfr. Art.º 101.º n.º 1 do RJCS).
Ao exposto acresce que, nos termos do n.º 4 do Art.º 101.º do RJCS, o disposto no n.º 1 não é oponível aos lesados, em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil. O que significa que o incumprimento dos deveres de participação de sinistro no prazo legal de 8 dias – ou outro prazo fixado no contrato de seguro, tal como estabelecido no Art.º 100.º n.º 1 do RJCS –, não é oponível aos lesados, no caso de seguros obrigatórios de responsabilidade civil. Nesse caso, a seguradora teria sempre de pagar a indemnização devida ao lesado, sem prejuízo do direito de regresso sobre o incumpridor do dever de participação.
Foi isto que a decisão recorrida decidiu, sustentada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/9/2021 (Proc. n.º 4405/18.2T8VFR.P1 – Relatora: Alexandra Pelayo, disponível no sítio www.dgsi.pt).
Esta questão tem vindo a ser suscitada, perante os tribunais superiores, fundamentalmente em situações ligeiramente diversas daquela a que a presente apelação se reporta. Normalmente, a questão da aplicação do Art.º 101.º n.º 4 do RJCS, tem sido suscitada nos casos de estabelecimento de cláusulas “claim made”, em situações em que o sinistro ocorreu antes ou durante o início do prazo de vigência do contrato de seguro, mas a reclamação não foi apresentada durante essa vigência.
Era uma dessas situações que foi decidida pelo citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/9/2021 que, apesar de reconhecer a legitimidade das cláusulas “claim made”, em face do disposto no Art.º 139.º n.º 2 do RJCS, expressou o entendimento de que o caso aí “sub judice” se estaria perante uma cláusula limitadora do período de garantia e não duma cláusula relativa á cessação do contrato e, portanto, a questão que se colocava era apenas relativa ao acionamento do seguro de responsabilidade civil profissional e ao problema de saber se, não tendo o segurado procedido á reclamação junto da seguradora dentro daquele limite temporal estabelecido, a identificada cláusula do contrato de seguro seria oponível ao lesado, que é um terceiro, em relação ao contrato de seguro. Nesse contexto, não se teve a mínima dúvida em decidir que, estando-se perante um contrato de seguro obrigatório, nos termos do Art.º 101.º n.º 4 do RJCS, essa limitação decorrente da não apresentação tempestiva da reclamação era inoponível ao lesado.
O mesmo foi decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/02/2022 (Proc. n.º 12997/18.0T8PRT-A.P1 – Relator: Rui Moreira), de cujo sumário se destaca: «Num seguro de reclamação, o facto determinante para o acionamento do contrato é a apresentação da pretensão indemnizatória perante a seguradora. Essa solução permite garantir, no âmbito de um seguro obrigatório, que esteja sempre presente uma seguradora para responder pelos danos, aquando da sua reclamação, independentemente de estes poderem ter ocorrido no âmbito da vigência de um contrato anterior».
Ou no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03/10/2019 (Proc. n.º 1510/18.9T8VRL-A.G1 – Relator: Joaquim Boavida): «I- Os contratos de seguro previstos no artigo 104º do Estatuto da Ordem dos Advogados revestem natureza de seguro obrigatório. II- Estando em causa um contrato de seguro obrigatório, não é oponível ao autor, enquanto lesado (beneficiário), alheio à relação contratual titulada pela apólice, a exceção perentória de direito material fundada na falta de oportuna comunicação/participação dos factos potencialmente geradores de uma reclamação por responsabilidade civil».
Essa solução é também a defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça nos acórdãos de 16 de dezembro de 2020 (Proc. n.º 17592/16.5T8SNT.L1.S1 – Relatora: Rosa Tching), de 11 de julho de 2019 (Proc. n.º 5388/16.9T8VNG.P1.S1 – Relatora: Rosa Tching), de 16 de maio de 2019 (Proc. n.º 236/14.7TBLMG.C1.S2 – Relatora: Maria da Graça Trigo) e de 17 de outubro de 2019 (Proc. n.º 5992/13.7TBMAI.P2.S2 – Relatora: Catarina Serra) e parece-nos perfeitamente assente, sem divergências assinaláveis.
Veja-se a título de exemplo o que é dito a propósito no acórdão do STJ de 11/07/2019 (Proc. n.º 5388/16.9T8VNG.P1.S1 – Relatora: Rosa Tching):
«Estamos, assim, perante uma apólice de reclamação[7], também chamada “claims made” (“reclamação feita”), que, no dizer do citado Acórdão do STJ, de 14.12.2016, «condiciona o pagamento da indemnização à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de validade (vigência) do contrato e que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato».
«Dito de outra forma e tal como se escreve no acórdão recorrido, estamos perante um contrato de seguro em que «o evento relevante para o acionamento do contrato durante a sua vigência, com vista ao pagamento de uma indemnização pela seguradora, é a reclamação e não o facto gerador do dano que está na sua base»[8].
«Mas se é certo o artigo 3º, al. a) das Condições Particulares desta mesma apólice excluir da cobertura do contrato de seguro em causa as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecida do segurado, anteriormente à data de início do período seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação, a verdade é que, estando-se perante uma apólice de reclamação e deixando esta mesma cláusula na dependência do comportamento do segurado o acionamento do contrato de seguro, importa indagar quais as consequências que poderão advir para o lesado (cliente) da falta de cumprimento, por parte do segurado (advogado), do dever de reclamação do sinistro, após ter conhecimento dos factos suscetíveis de gerar essa mesma reclamação.
«E a este respeito diremos, desde logo, que uma tal cláusula não pode deixar de ser conjugada com o regime previsto na Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (por ser o vigente à data dos factos aqui em discussão) [9], cujo art.º 100º, nº 1 faz impender sobre o segurado e/ou beneficiário o dever de participação do sinistro «no prazo fixado no contrato ou, na falta deste, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento», estabelecendo o art.º 101º, a propósito da “falta de participação do sinistro”, no seu nº4, que as cláusulas de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, previstas, respetivamente, nos seus nºs 1 e 2 do citado artigo, não são oponíveis aos lesados «em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efetuar, com os limites referidos naqueles números».
«Ora, assente, em face do disposto no art.º 99º, nº1 do citado EOA, a natureza obrigatória do seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados, temos por certo, tal como se afirmou no recente Acórdão do STJ, de 16.05.2019 (processo nº 236/14.7TBLMG.C1.S1)[10], que, no confronto da cláusulas contratual prevista no artigo 3º, al. a) das Condições Particulares da Apólice nº 60…58, com a norma imperativa do art.º 101, nº4 da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo citado DL nº 72/2008, de 16 de abril, prevalece esta última.
«Com efeito, trata-se de uma norma imperativa cuja ratio prende-se com a salvaguarda do interesse público de conferir uma especial proteção aos lesados no âmbito dos seguros obrigatórios de responsabilidade civil.
«Vale tudo isto por dizer que, num contrato de seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório, nos termos do art.º 101.º n.º 4 da Lei do Contrato de Seguro, não são oponíveis, aos lesados beneficiários, as exceções de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, previstas, respetivamente, nos nºs 1 e 2 do citado artigo.
«Daí a cláusula de exclusão invocada pela recorrente para se eximir da sua responsabilidade de ressarcir a autora pela ocorrência do risco coberto pelo contrato de seguro de responsabilidade civil profissional não operar no caso dos autos, não merecendo qualquer censura o acórdão recorrido ao condenar a ré seguradora no pagamento da indemnização devida à autora».
Ainda a título de exemplo, no acórdão do STJ de 16/05/2019 (Proc. n.º 236/14.7TLMG.C1.S2 – Relatora: Maria da Graça Trigo) é dito:
«Da tempestividade da reclamação.
«Como resulta do art.º 2º das condições especiais, o seguro outorgado entre a Ordem dos Advogados e a EE, "garante ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de responsabilidade civil (...) que seja formulada contra o segurado, durante o período do seguro, pelos prejuízos causados a terceiros (...).
«Por reclamação entende-se qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou segurador, (...) como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice (...)” (C).
«Importa ainda atentar no teor do ponto 7 das condições particulares:
"O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou o tomador do seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo (...), negligência profissional, coberta pela presente apólice, e ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal de retroatividade"
«Nos termos desta disposição contratual, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, estão abrangidos por este seguro todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador.
«Portanto, uma apólice de reclamações, também chamada de "claims made", que condiciona o pagamento da indemnização à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de validade (vigência) do contrato e que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato. Nisso se distingue dos casos, a maioria, em que para fins de indemnização, o facto causador do dano ou prejuízo a terceiros deve ocorrer durante a vigência do contrato, a "apólice de ocorrência". (Acórdão do STJ de 14.12.2016 supra referido).
«No caso vertente, e embora os factos que constituem o sinistro tenham ocorrido em data anterior à da vigência do contrato, é indiscutível que a primeira reclamação, com o sentido supra referido, apenas ocorreu com a propositura da ação e a citação do Réu, em 07 de Maio de 2014, já na vigência do contrato de seguro celebrado entre a A. e a recorrente EE.
«Improcede assim esta exceção».
Em conformidade, no sumário do acórdão do STJ de 14/12/2016 (Proc. n.º 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1 – Relator: António da Silva Gonçalves), é dito: «I - O seguro de responsabilidade civil de advogado estabelecido no n.º 1 do art.º 104.º do EOA é de natureza obrigatória (…). II - O contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, celebrado entre a ré/recorrente “M… Seguros, S.A” e a Ordem dos Advogados, garantindo a indemnização de prejuízos causados a terceiros pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam atividade em prática individual ou societária, configura um contrato de seguro de grupo. III - Tomando o que se dispõe no ponto 7. das condições particulares da apólice, a propósito do seu “âmbito temporal”, dele depreendemos em termos genéricos que, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, estão abrangidos por este seguro todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro. IV - Contrapondo-o à apólice de ocorrência (para fins de indemnização o facto causador do dano ou prejuízo a terceiros deve ocorrer durante a vigência do contrato), podemos afirmar que estamos perante uma apólice de reclamações, também chamada “claims made” (“reclamação feita”), que condiciona o pagamento da indemnização à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de validade (vigência) do contrato e que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato». Isto num caso em que o contrato de seguro de responsabilidade civil relativo à atividade profissional de advogado havia sido celebrado em janeiro de 2014, sendo que as alegadas omissões do advogado segurado, que obrigariam ao pagamento da indemnização, teriam ocorrido no ano de 2013.
Na mesma linha resulta do sumário do acórdão do STJ 26/05/2015 (Proc. n.º 231/10.5TBSAT.C1.S1 – Relator: Martins de Sousa) que: «II- O dever de participação do sinistro, que incumbe ao segurado, constitui um princípio geral, com consagração no art. 100.º da LCS, cujo incumprimento pode dar azo a redução da prestação da seguradora e mesmo a perda de cobertura se for doloso, conforme decorre do art. 101.º, n.º s 1, e 2, da mesma Lei. III- Tratando-se de seguro obrigatório de responsabilidade civil, dispondo o terceiro de ação contra a seguradora, deverá esta indemnizar com base na reclamação daquele, a quem é inoponível a exceção da falta de participação referida em II, sem prejuízo do direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efetuar. IV- Se o autor demorou vários anos a decidir-se a instaurar a ação de responsabilidade civil contra o réu advogado, não podia este razoavelmente admitir que iria ser demandado por ter perdido a ação, em que foi mandatário do autor, onde prescindiu da prova testemunhal, com o consequente dever de comunicar tal circunstância à ré seguradora». Isto num caso em que o lesado ficou a saber do desfecho negativo da ação em 2005 e somente demandou o seu advogado em 2010, o qual não havia participado o sinistro à seguradora, que só soube do sinistro na ação.
Em suma, toda a jurisprudência citada teria maior valia para o caso da consideração da responsabilidade da 2.ª R., C…, pelos incumprimentos do 1.º R. ocorridos antes do início do prazo de vigência do contrato de seguro com aquela celebrado.
Sucede que, o que está em causa na exceção alegada pelas Chamadas, D… e E…, nas suas contestações, e é concretamente suscitado na presente apelação, não são as consequências legais do mero incumprimento do dever de participação do sinistro no prazo legal. O que é invocado, e é posto em causa, é saber se o contrato de seguro ainda estava vigente à data da participação do sinistro, por forma a permitir que o lesado o pudesse ainda acionar.
Vistas assim as coisas, percebe-se que podemos estar perante questões completamente distintas.
A matéria da participação do sinistro e suas consequências, é efetivamente regulada nos Art.ºs 100.º e 101.º do RJCS, mas essa questão só se coloca se se demonstrar que o contrato de seguro acionado está vigente e ainda pode ser acionado quanto ao seu âmbito temporal de cobertura.
Ora, no caso dos autos, invocam as Chamadas, e está provado por documento, que nas condições gerais do contrato de seguro define-se sinistro, no artigo 1.º al. g), nos seguintes termos:
«Sinistro, a reclamação formal ou série de reclamações formais resultantes de um mesmo evento suscetível de fazer funcionar as garantias do contrato» (cfr. cit. doc. a fls. 30).
Por outro lado, na alínea h) do mesmo artigo das condições gerais define-se reclamação nos seguintes termos:
«h) Reclamação:
«- Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra o segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas garantias da apólice;
«- Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo segurado e notificada oficiosamente por este ao segurador,
«i) de que possa derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice,
«ii) que possa determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou
«iii) que possa fazer funcionar as garantias da apólice.
«Todas as reclamações resultantes de um mesmo evento, independentemente do número de reclamantes ou reclamações formuladas, serão consideradas como uma só reclamação» (cfr. cit. doc. a fls. 30 verso).
Assim, não tendo sido apresentada “reclamação” do sinistro em data anterior à citação das Chamadas para esta ação, pois nem a A., nem os demais R.R., o alegaram ou provaram, formalmente só com a citação ocorrida neste processo houve “reclamação” do sinistro para as seguradoras, no quadro das apólices de seguro que as vinculam.
Como a Chamada D… só foi citada a 18 de março de 2021 (cfr. “Aviso de Receção” de 31-03-2021 – Ref.ª n.º 18526056 – p.e.), já teriam decorrido quase 5 anos sob o termo do contrato de seguro que as vinculava, pois, o mesmo havia cessado a sua vigência às 0:00 horas do dia 1 de abril de 2016, como já vimos anteriormente.
Acresce que, no artigo 4.º n.º 2 das Condições Gerais, onde se regula o “Âmbito Territorial e Temporal” desse contrato, é estabelecido que: «2- O presente contrato garante as reclamações apresentadas pela primeira vez, ao segurado ou diretamente à D…, durante o período de vigência deste contrato ou, relativamente a erros atos ou omissões geradores de responsabilidade, desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, nos 24 (vinte e quatro) meses subsequentes ao seu termo». (cfr. fls. 31).
O n.º 3 do mesmo artigo 4.º das condições gerais ainda permite uma extensão da responsabilidade da seguradora por mais 4 anos, quando ocorra cessação da atividade profissional do segurado decorrente da sua reforma, incapacidade ou outra causa (o que não é o caso). Mas o n.º 4 do mesmo artigo ressalva que: «4. Estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior, não serão aceites pela D… as reclamações previstas nos números 2 e 3 do presente artigo, apresentadas após a data de cessação do presente contrato» (cfr. cit. doc. a fls. 31).
Cumpre ainda referir que todas estas estipulações são similares a outras igualmente estabelecidas nas condições gerais da apólice de seguro estabelecida entre a Ordem dos Contabilistas Certificados e a 2.ª R., C…, realçando-se, que nesse outro contrato de seguro está escrito que se garantem (na cláusula 1.1) «as reclamações apresentadas pela primeira vez, ao Segurado ou diretamente ao Segurador, durante o período de vigência deste contrato ou, relativamente a erros, atos ou omissões geradores de responsabilidade, desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, nos 24 (vinte e quatro) meses subsequentes ao seu termo, ficando, contudo, sempre excluídas as reclamações abrangidas pelo seguro anterior, nomeadamente as reclamações participadas nos 24 meses subsequentes ao termo da apólice do seguro anterior desde que o ato gerador da responsabilidade tenha ocorrido durante o período de vigência da referida apólice».
Quanto a este último ponto, teríamos de ter em consideração a possibilidade dos danos ocorridos em consequência dos alegados incumprimento verificados antes da entrada em vigor do contrato de seguro celebrado com a 2.ª R., com prazo de vigência imediatamente posterior àquele a que agora nos reportamos, poderiam eventualmente não estar cobertos pela apólice de seguro celebrado com a C…. Aliás, é esse o tema da alegação dos artigos 1.º a 34.º da contestação da 2.ª R., com remissão para o concretamente convencionado nessoutro contrato de seguro, que aliás veio a motivar o incidente de intervenção provocadas das seguradoras Chamadas.
No entanto, não podemos deixar de realçar que no contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado entre a Ordem dos Contabilistas Certificados e a C… existe um artigo 1.º al. g) e h), nas suas condições gerais, que praticamente replica o artigo 1.º al. g) e h), supra transcrito, das condições gerais do contrato de seguro celebrado com a D… e E…, quer quanto à definição de “Sinistro” por referência à “reclamação formal” do evento que possa fazer funcionar as garantias do contrato, quer quanto à definição de “Reclamação”. Sendo claro que a “reclamação”, que em qualquer dos casos se resumiu à citação das seguradoras (2.ª R. e Chamadas) para esta ação, só ocorreu pela primeira vez já durante a vigência do contrato de seguro celebrado com a C…, a qual foi citada em primeiro lugar, antes, portanto, das seguradoras chamadas a intervir.
Deve ainda fazer-se notar que, no despacho saneador, consta uma solução jurídica diversa da pugnada pela 2.ª R., sobre a cobertura temporal dessoutro contrato de seguro, que permitiu fazer compreender os danos derivados de incumprimentos anteriores a 1 de abril de 2016 no âmbito do acordo celebrado em 20 de maio de 2016, posterior à revogação da prestação de serviços acordada entre a A. e o 1.º R., e, portanto, já no quadro da vigência do seguro celebrado com a C…. Ora, não consta dos autos que tenha sido interposto de recurso dessa parte do despacho saneador que apreciou a “exceção de ilegitimidade substantiva da 2.ª R.” (cfr. certidão a fls. 16 verso a fls. 17). Pelo que, tudo indica que essa decisão transitou em julgado e, em consequência, a 2.ª R. estará obrigada ao pagamento dos danos que se vierem a provar relativos a incumprimentos anteriores a 1 de abril de 2016, nomeadamente os relativos ao incumprimento das obrigações fiscais declarativas relativas ao IVA de 2015, cujo prazo terminava antes daquela data.
A consequência desta decisão, conjugada com o artigo 4.º n.º 4 das condições gerais do contrato de seguro celebrado com a D… e a E…, só pode determinar o afastamento da responsabilidade destas últimas seguradoras pela cobertura desse risco, na estrita medida em que essa responsabilidade civil já está assegurada pelo contrato posterior celebrado com a 2.ª R., C…, sendo que foi no arco temporal desse contrato que a primeira “reclamação” do sinistro se operou.
Seja como for, o que está em causa na alegação das Chamadas, aqui Apelantes, é a exceção decorrente da alegada fixação contratual do período de cobertura do seguro de responsabilidade civil profissional. O que efetivamente não é regulado no Art.º 101.º do RJCS, nomeadamente no seu n.º 4, mas sim o no Art.º 139.º do RJCS que reza o seguinte:
«1 - Salvo convenção em contrário, a garantia cobre a responsabilidade civil do segurado por factos geradores de responsabilidade civil ocorridos no período de vigência do contrato, abrangendo os pedidos de indemnização apresentados após o termo do seguro.
«2 - São válidas as cláusulas que delimitem o período de cobertura, tendo em conta, nomeadamente, o facto gerador do dano, a manifestação do dano ou a sua reclamação.
«3 - Sendo ajustada uma cláusula de delimitação temporal da cobertura atendendo à data da reclamação, sem prejuízo do disposto em lei ou regulamento especial e não estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior, o seguro de responsabilidade civil garante o pagamento de indemnizações resultantes de eventos danosos desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato».
Ou seja, como vimos, a regra é que a garantia de cobertura da responsabilidade civil do segurado compreende todos os factos geradores da responsabilidade ocorridos no período de vigência do seguro, mesmo que o pedido de indemnização seja apresentado depois da cessação da vigência do contrato (n.º 1). No entanto, a lei permite que sejam estabelecidas cláusulas que afastem essa solução, delimitando o período de cobertura tendo em conta o facto gerador do dano, a manifestação do dano ou a reclamação (n.º 2). Sendo que, se for ajustada cláusula de delimitação temporal da cobertura atendendo à data da reclamação, a regra é que que o seguro de responsabilidade civil garante o pagamento das indemnizações por eventos ocorridos durante o período de vigência do seguro, se o risco não estiver a coberto por outro seguro posterior e o evento danoso for desconhecido das partes, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato (n.º 3).
Neste contexto, José Vasques (in “Lei do Contrato de Seguro Anotada”, 2016, 3.ª Ed., pág. 449) esclarece que o prazo de um ano contado do termo final do contrato de seguro não é um prazo de prescrição, mas apenas uma delimitação temporal da responsabilidade do segurador, subsistindo para além dele o direito do lesado perante o responsável nos termos previstos na lei geral, sem prejuízo da prescrição, que também se aplica aos direitos do lesado contra o segurador (cfr. Art.º 145.º). Por outro lado, esclarece que a cláusula “claim made basis” circunscreve a delimitação temporal da garantia de pagamento tendo em atenção o momento da reclamação, independentemente do facto gerador de ter sido praticado antes do início da vigência do contrato e desde que o tomador do seguro ou o segurado não terem conhecimento do sinistro à data da celebração. Ou seja, como já se havia feito notar, o interesse para o caso da estipulação duma cláusula “claim made basis” reportar-se-á mais à sua relevância para o lesado no quadro do contrato celebrado com a 2.ª R., que no quadro do contrato celebrado com as Chamadas, considerando a “imperativa relativa” do estabelecido no n.º 3 Art.º 139.º, por força do Art.º 13.º n.º 1 do RJCS, na medida em que daí resulte um benefício para o beneficiário da prestação do seguro.
Para as seguradoras Chamadas, aqui Recorrentes, releva apenas que as cláusulas delimitadoras do período de cobertura, tendo em conta o momento da reclamação, são válidas nos termos do Art. 139.º n.º 2 do RJCS. Ao que acresce que, se a reclamação do sinistro é comprovadamente feita depois de cessada a vigência do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional e já no âmbito da vigência doutro contrato de seguro posterior que cobre o mesmo risco, sendo que em ambos os seguros sucessivos é estabelecida uma cláusula “claim made”, a responsabilidade civil em causa já se mostra plenamente coberta com a reclamação feita em primeiro lugar à seguradora do contrato de seguro com vigência temporal posterior, não se justificando a extensão da vigência temporal do seguro anterior, relativamente ao qual só foi feita “reclamação” “a posteriori”. Até, porque, como vimos, nos termos das condições gerais do seguro celebrado com a D… e a E… essa possibilidade de extensão temporal é expressamente excluída (cfr. artigo 4.º n.º 4 a fls. 31).
Foi isso mesmo que foi decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/07/2021 (Proc. n.º 1047/19.9T8PDL.L1-2 – Relatora: Laurinda Gemas, disponível no mesmo sítio www.dgsi.pt), de onde se extrai o seguinte sumário: «V– Há que distinguir a apólice de ocorrência (em que, para fins de indemnização, o facto causador do dano ou prejuízo a terceiros deve ocorrer durante a vigência do contrato) da apólice de reclamações, também chamada “claims made”, que condiciona o pagamento da indemnização ao segurado à apresentação da “Reclamação”, mormente, no caso dos seguros de responsabilidade civil profissional em apreço, do “Pedido de Indemnização” feito durante o prazo de vigência do contrato de seguro. VI– Tendo sido em 2019 que a presente ação foi intentada e a Seguradora Interveniente principal citada, quando a cobertura temporal do seguro já tinha terminado às 00.00h do dia 01-01-2018, e estando o risco em apreço coberto por contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Advogados e a outra Interveniente principal, é evidente que aquela seguradora não devia ter sido admitida a intervir, mas, tendo-o sido, resta concluir que não poderá ser considerada responsável pela indemnização reclamada, pelo que deve ser absolvida do pedido».
Em suma as razões que justificam a existência de seguro de responsabilidade civil obrigatória mostram-se plenamente satisfeitas pelo seguro acordado com a 2.ª R., sendo que a delimitação temporal do período de cobertura do contrato de seguro celebrado com as Chamadas, aqui Recorrentes, são legítimas e não põem em causa a proteção conferida ao lesado pelo estabelecimento da obrigação legal imposta aos contabilistas certificados de terem o risco relativo ao exercício da sua atividade profissional coberto por seguro de responsabilidade civil até ao limite de €50.000,00.
Nessa estrita medida, concordamos com as conclusões apresentadas pelas Recorrentes conformes ao exposto, devendo a apelação ser julgada procedente por provada e, em consequência, revogada a decisão recorrida, que julgou improcedente a exceção perentória de inaplicabilidade temporal invocada pela R.R. D… e E…, devendo esta ser substituída pela decisão de julgar essa exceção procedente, absolvendo as mesmas do pedido.

V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente por provada, revogando o despacho saneador na parte que julgou improcedente a exceção de inaplicabilidade temporal invocada pelas R.R. D… e E…, substituindo essa decisão pela de julgar essa exceção perentória procedente e, em consequência, absolvendo as mesmas do pedido.
- Custas pela Apelada (Art.º 527º n.º 1 do C.P.C.).
*
Lisboa, 2 de maio de 2023
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva