Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ORLANDO NASCIMENTO | ||
Descritores: | INTERVENÇÃO PROVOCADA LEGITIMIDADE PASSIVA LITISCONSÓRCIO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | (do relator): 1. A legitimidade nos casos em que a relação controvertida, tal como é configurada pelo autor, respeita a várias pessoas encontra-se regulada nos art.ºs 32.º e 33.º, do C. P. Civil, estabelecendo o primeiro uma regra de escolha da própria parte (litisconsórcio voluntário) e o segundo uma regra injuntiva, de obrigatoriedade de intervenção dos vários interessados para assegurar o pressuposto processual da legitimidade. 2. Esta obrigatoriedade pode ser estabelecida pela lei ou pelo negócio em causa (n.º 1, do art.º 33.º, do C. P. Civil) ou resultar da necessidade de assegurar o efeito útil normal da decisão judicial a proferir sobre o litígio (n.ºs 2 e 3, do art.º 33.º, do C. P. Civil). 3. Sendo a requerida interveniente principal parte no contrato de compra e venda de fração autónoma referenciado na petição inicial, sendo a sua intervenção nesse contrato pacifica nos autos, em nada sendo questionada e em nada podendo ser afectada pela decisão que venha a ser proferida, não podemos deixar de concluir que a sua intervenção principal requerida pelo R, não decorre da relação controvertida configurada pelo A e não se estruturando na lei ou no negócio, também não é necessária para que a decisão a proferir produz o seu efeito útil normal, não devendo ser admitida, como, a contrario, decorre do n.º 1, do art.º 316.º, do C. P. Civil. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa. 1. RELATÓRIO. No âmbito da ação declarativa de condenação, com processo comum, proposta por SC contra CT, tendo este contestado e pedido, além do mais, que fossem julgadas nulas as declarações de constituição e transmissão do usufruto sobre a fração dos autos a favor do A, declarando-se que adquiriu a propriedade plena dessa fração porque as partes contratantes quiseram transmitir o direito de propriedade plena a ele R, veio também requerer a intervenção principal provocada, como sua auxiliar, de CC-EI SA, com fundamento em que a mesma foi interveniente no negócio de compra e venda da fração. O tribunal a quo proferiu despacho, indeferindo a requerida intervenção principal com fundamento, em síntese, em que a requerida interveniente não é parte na relação controvertida entre A e R configurada pelo A, na qual está em causa a declaração de comprar do A e do R e não a intenção de vender da requerida interveniente. Inconformado com essa decisão, o R dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a admissão da intervenção principal requerida, formulando para o efeito as seguintes conclusões: 1. O Recorrente veio requerer a intervenção principal provocada auxiliar da A. de CC-EI SA por ter sido interveniente no negócio na escritura que se consubstanciou de compra e venda celebrada a 22 de Maio de 2018 no cartório notarial de .... 2. Fundamentou esse requerimento invocando que estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário para apreciação da excepção de nulidade de constituição de transmissão de usufruto por simulação, de inexistência jurídica da constituição e transmissão do usufruto a favor do recorrido e ainda defendeu que a intervenção é pertinente para apreciação dos pedidos de declaração de mandato sem representação e de consequente transmissão do usufruto a favor do R. 3. O Recorrente alegou que o dito direito de usufruto que foi consagrado na escritura publica melhor identificada nos autos e que se encontra registado em sede de Conservatória do Registo Predial tratou-se, na verdade, de um expediente desenhado e pelo Autor para “controlar” a revenda do imóvel que o Réu adquiriu e não de um efetivo direito de usufruto. 4. O R. alegou em sede de Contestação fatos aptos a consubstanciar uma simulação, enquanto vício da vontade, uma vez que tanto o Autor como o Réu e como a Interveniente declararam na escritura uma vontade que não correspondente à realidade, tendo, na verdade, pretendido algo diferente. 5. A vontade real da vendedora seria a transmissão ao Réu da propriedade plena, e não apenas da nua propriedade como foi declarado na escritura, sendo certo que jamais teria declarado que transmitia o usufruto ao Autor, caso este não o tivesse exigido, como condição de venda do imóvel. 6. O R., aqui Recorrente, também alegou em sede de Contestação a existência por parte dos simuladores de um intuito de enganar terceiros. 7. Mais foi invocada a exceção de que as declarações constantes da escritura onde foi constituído o usufruto seriam, em rigor, declarações não sérias nos termos o artigo 246 do CC, sendo como tal desprovidas de qualquer efeito. 8. O Recorrente, em sede de Contestação invocou ainda um outro cenário, em caso de naufrágio da demonstração da simulação e da declaração não séria, designadamente que o Autor interveio na escritura de compra e venda celebrada a 22 de maio de 2018 no Cartório Notarial de ... a cargo da Notaria CS, legalmente em nome próprio, adquirindo direitos e assumindo obrigações, para si e em seu nome próprio – o usufruto da fração -, mas na realidade, por conta ou interesse ou a favor de outrem, no caso, do Réu – efetivo proprietário pleno. 9. Esta situação, cremos nós, consubstancia um mandato sem representação, pois o Autor surge na escritura acima identificada como um sujeito, a adquirir um direito, que, na realidade, não lhe pertence, sujeito esse interposto num negócio que, na realidade, deveria ser apenas entre o Réu e a vendedora. 10. O Réu, aqui Recorrente invocou este fundamento a título de exceção, pois, em rigor, configura um fato extintivo, ou, no limite, impeditivo da pretensão do Autor, mas por cautela deduziu a final da Contestação um pedido reconvencional, peticionando a transmissão do direito de usufruto a seu favor. 11. Todos os fundamentos acima expostos estiveram na base do Incidente de Intervenção Provocada da CC-EI SA, ou seja, daquela que, na escritura de compra e venda celebrada a 22 de maio de 2018 no Cartório Notarial de ... a cargo da Notaria CS, interveio como vendedora. 12. A intervenção provocada da CC-EI SA é essencial para a apreciação do mérito dos autos, pois foi interveniente no negócio e, consequentemente, na escritura que o consubstanciou. 13. Ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário, mormente no que se refere à apreciação da exceção de nulidade da constituição de transmissão de usufruto por simulação, e da exceção de inexistência jurídica. 14. E bem assim para a apreciação dos pedidos de declaração de mandato sem representação e de consequente, transmissão do usufruto a favor do Réu. 15. O Réu, aqui Recorrente, está a colocar em crise um negócio, um ato jurídico, no qual a Interveniente foi parte essencial e essa essencialidade resulta clara quando se constata que foi através da declaração da Interveniente que foi constituído e transmitido o usufruto a favor do A., aqui recorrido. 16. A intervenção é essencial também porque só assim se poderão produzir em relação à Interveniente os efeitos jurídicos da sentença que decidir sobre o negócio jurídico de que foi parte outorgante, mormente, considerando que estamos perante atos jurídicos que incidem sobre bens imóveis registados em sede de registo predial, os quais, procedendo o pedido, terão de ser oficiosamente retificados, 17. Estamos perante um litisconsórcio que se diz necessário nos termos do nº 1 do artigo 33.º do Código de Processo Civil (CPC). Atento o exposto, deverá este Digno Tribunal revogar a douta decisão recorrida, e, em consequência, deferir a Intervenção Principal Provocada de CC-EI SA * O apelado contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida com fundamento, em síntese, em que o que está em causa nos autos não é a compra e venda da fração mas apenas a relação entre os compradores, A e R., pelo que se não configura a existência de litisconsórcio necessário, entre o R e a sociedade cuja intervenção principal é por este requerida. 2. FUNDAMENTAÇÃO. A) OS FACTOS. A matéria de facto a considerar é a acima descrita, sendo certo que a questão submetida a decisão deste tribunal se configura, essencialmente, como uma questão de direito. B) O DIREITO APLICÁVEL. O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso). Atentas as conclusões da apelação, acima descritas, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal pelo apelante consiste, tão só, em saber se a requerida interveniente não é sujeito da relação material controvertida entre o apelante e o apelado, como decidiu o tribunal a quo, ou se a mesma se encontra numa situação de litisconsórcio necessário, como pretende o apelante. Conhecendo. A resposta à questão única da apelação deve ser procurada em duas figuras processuais complementares, a saber, o instituto da legitimidade, que é um pressuposto processual, previsto na al. e), do art.º 577.º, do C. P. Civil, cuja inexistência no processo se configura como exceção dilatória, com os efeitos previstos no n.º 2, do art.º 576.º, do C. P. Civil e a figura da litisconsórcio necessário que é uma concretização/ especificação/desenvolvimento desse mesmo pressuposto processual. O conceito do pressuposto processual legitimidade está consagrado no art.º 30.º, do C. P. Civil, numa primeira e principal acepção, constante dos seus n.ºs 1 e 2, onde pontifica o interesse direto em demandar e o interesse direto em contradizer, aferidos em face da procedência da ação, útil para o A e prejudicial para o R, e numa acepção supletiva de localização e busca desse interesse não na dialética da bipolaridade do conflito mas na “relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”, como decorre do n.º 3, desse mesmo art.º 30.º, do C. P. Civil. Como é pacifico nos autos, o A e o R são titulares da relação material controvertida configurada na petição pelo que têm legitimidade para demandar e ser demandado. Com este ponto de partida, o cerne da questão da apelação situa-se em saber se é necessária e deve ser admitida a intervenção de um terceiro ao lado do R, nos termos previstos no n.º 1, do art.º 316.º, do C. P. Civil, ou seja, se no caso ocorreu preterição de litisconsórcio necessário na configuração pelo autor da relação controvertida. A estatuição de preterição pressupõe a aferição da existência de uma primeira premissa de obrigatoriedade de intervenção desse terceiro para assegurar a existência do pressuposto processual legitimidade, tal como definido no art.º 30.º, do C. P. Civil, a qual deve ser feita em face das normas processuais que a consagram. Ora, a legitimidade nos casos em que a relação controvertida, tal como é configurada pelo autor respeita a várias pessoas encontra-se regulada na parte que diretamente agora nos interessa nos art.º 32.º e 33.º, do C. P. Civil, em que o primeiro estabelece uma regra de escolha da própria parte (litisconsórcio voluntário) e o segundo uma regra injuntiva, de obrigatoriedade de intervenção dos vários interessados para assegurar o pressuposto processual da legitimidade. Esta obrigatoriedade pode ser estabelecida pela lei ou pelo negócio em causa (n.º 1, do art.º 33.º, do C. P. Civil) ou resultar da necessidade de assegurar o efeito útil normal da decisão judicial a proferir sobre o litígio (n.ºs 2 e 3, do art.º 33.º, do C. P. Civil). Assim delimitado o instituto da legitimidade e o seu desenvolvimento em face da previsão legal de obrigatoriedade de intervenção dos vários intervenientes na relação controvertida, tal como configurada pelo A, podemos desde logo concluir que a intervenção principal requerida pelo R, não decorre da relação controvertida configurada pelo A e não se estruturando na lei ou no negócio, também não é necessária para que a decisão a proferir produz o seu efeito útil normal. A requerida é parte no contrato de compra e venda de fração autónoma referenciado na petição inicial, mas a sua intervenção nesse contrato é pacífica nos autos, não é questionada e em nada pode ser afectada pela decisão que venha a ser proferida, não se configurando nos autos qualquer das situações previstas no n.º 3, do art.º 316.º, do C. P. Civil. Poderia, eventualmente, questionar-se o seu conhecimento relativamente ao conflito entre o apelante e o apelado, como decorre das contra-alegações na parte em que se reportam ao valor probatório da escritura de compra e venda e da impugnação desse mesmo valor probatório, mas não é isso que está em causa nos autos, uma vez que a mesma (os seus representantes legais) não é apresentada como elemento de prova, antes sendo chamada pelo R apelante sem que, todavia, em relação a ela a decisão a proferir possa/deva apreciar a relação jurídica de que seja titular e venha a ter, também, em consequência, o valor estabelecido pelo art.º 320.º, do C. P. Civil. Pelo exposto, não pode deixar de improceder esta questão única da apelação e com ela a própria apelação. C) SUMÁRIO 1. A legitimidade nos casos em que a relação controvertida, tal como é configurada pelo autor, respeita a várias pessoas encontra-se regulada nos art.ºs 32.º e 33.º, do C. P. Civil, estabelecendo o primeiro uma regra de escolha da própria parte (litisconsórcio voluntário) e o segundo uma regra injuntiva, de obrigatoriedade de intervenção dos vários interessados para assegurar o pressuposto processual da legitimidade. 2. Esta obrigatoriedade pode ser estabelecida pela lei ou pelo negócio em causa (n.º 1, do art.º 33.º, do C. P. Civil) ou resultar da necessidade de assegurar o efeito útil normal da decisão judicial a proferir sobre o litígio (n.ºs 2 e 3, do art.º 33.º, do C. P. Civil). 3. Sendo a requerida interveniente principal parte no contrato de compra e venda de fração autónoma referenciado na petição inicial, sendo a sua intervenção nesse contrato pacifica nos autos, em nada sendo questionada e em nada podendo ser afectada pela decisão que venha a ser proferida, não podemos deixar de concluir que a sua intervenção principal requerida pelo R, não decorre da relação controvertida configurada pelo A e não se estruturando na lei ou no negócio, também não é necessária para que a decisão a proferir produz o seu efeito útil normal, não devendo ser admitida, como, a contrario, decorre do n.º 1, do art.º 316.º, do C. P. Civil. 3. DECISÃO. Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmado a decisão recorrida. Custas pelo apelante. Lisboa, 12-09-2024 Orlando Santos Nascimento António Moreira Paulo Fernandes da Silva |