Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5/24.6YHLSB.L1-PICRS
Relator: ARMANDO MANUEL DA LUZ CORDEIRO
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCA
DENOMINAÇÃO DE ORIGEM
PRESTÍGIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Sumário (elaborado pelo Relator):
I. A regulamentação europeia relativa às Denominações de Origem assume carácter exclusivo, afastando a aplicabilidade dos regimes nacionais de tutela.
II. A proteção devida às Denominações de Origem/Indicação Geográfica não respeita unicamente a produtos da mesma classe mas sim a produtos comparáveis.
III. Produtos comparáveis são aqueles que têm “características objetivas comuns e que, do ponto de vista do público em causa, correspondem a ocasiões de consumo amplamente idênticas. Além disso, são frequentemente distribuídas pelas mesmas redes e estão sujeitas a regras de comercialização semelhantes.
IV. A circunstância de uma marca respeitar a serviços e outra a produtos não é impeditiva da proteção da Denominação de Origem/Indicação Geográfica.
V. Objetivamente a marca “CARLO PORTO” evoca a explora a Denominação de Origem/Indicação Geográfica e enfraquece ou dilui a reputação dessa Denominação de Origem/Indicação Geográfica protegida, no caso “PORTO”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO:
1.INSTITUTO DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO, IP recorre da sentença que julgou improcedente a ação e não revogou o despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo da marca nacional "CARLO PORTO", para assinalar serviços da classe 43 (serviços de preparação e fornecimento de alimentos e bebidas, serviços de restaurante e bar, incluindo serviços de degustação de vinhos).
Antecedentes, tal como descritos na sentença em recurso:
2.  INSTITUTO DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO, I.P. veio, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso judicial do despacho do Senhor Director de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo da marca nacional n.º 706085 CARLO PORTO, requerido por BEACHGUAP – INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, SA.
Alegou, para tanto e em síntese, que a palavra “PORTO” constitui uma denominação de origem (“DO”) legalmente reconhecida desde 1907, sendo actualmente disciplinada pelo Decreto-lei nº 173/2009, de 3 de Agosto, que aprovou o “Estatuto das denominações de Origem e Indicação Geográfica da Região Demarcada do Douro”, que reserva o uso daquela palavra aos vinhos e produtos vínicos produzidos na Região Demarcada do Douro (“RDD”) que a tradição firmou com esse nome e que satisfaçam o disposto nesse estatuto e demais legislação aplicável.
Por seu turno, o recorrente é titular do registo da DO “Porto”, inscrita no INPI sob o n.º 4, sendo ainda titular do registo da mesma na OMPI, ao abrigo do acordo de Lisboa
de 31.10.1958, sob o nº 682, e no registo europeu de denominações de origem, nos termos do Regulamento (UE) n.º 1308/2013 de 17 de Dezembro de 2013.
Por seu turno, a recorrida deduziu um pedido de registo de marca nacional, caracterizada pela expressão “CARLO PORTO, destinando-se a assinalar serviços da classe 43 (serviços de preparação e fornecimento de alimentos e bebidas, serviços de restaurante e bar, etc.).
Como a marca registanda reproduz integralmente a denominação de origem “PORTO”, o Recorrente deduziu reclamação contra esse pedido, por entender que tal registo lesaria os interesses dos viticultores durienses e a citada denominação de origem, propriedade comum daqueles viticultores (art. 305.º/4 do CPI), a qua, contudo, foi julgada improcedente, tendo sido concedido o respectivo registo.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 42.º do Código da Propriedade Industrial, tendo o recorrido sido citado para apresentar resposta, nada tendo sido dito.
4.
O Tribunal da Propriedade Intelectual, proferiu a seguinte sentença:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente o presente recurso judicial e, em consequência, mantém-se o despacho recorrido do Senhor Director de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, proferido em 6/11/2023 que concedeu o registo da marca nacional n.º 706085 CARLO PORTO, requerido por BEACHGUAP - INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, S.A, e, em consequência, mantém-se o referido registo”.
Condenou o recorrente em custas.
Alegações do recorrente
5. Da sentença referida no parágrafo anterior veio o recorrente interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, pedindo que “julgando procedente o presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e anulando-se o despacho do INPI que concedeu o registo da marca nº 706085, com as legais consequências, far-se-á JUSTIÇA.
6. Apresentou as seguintes conclusões:
A — A marca “CARLO PORTO”, reproduz integralmente a palavra “PORTO” — que constitui uma denominação de origem protegida e prestigiada —, pelo que o INPI deveria ter recusado o registo, por haver risco de exploração ou diluição da reputação de que goza essa denominação, atento o disposto nos arts. 102º e 103º do Regulamento UE n.º 1308/2013.
B — A douta sentença recorrida confirmou o despacho do INPI, rejeitando o recurso, por entender que “o risco de confusão inexiste, antes se demonstrando, pela necessária certificação, que se trata de produtos com DO”; e, além disso, porque “os serviços que a marca impugnada pretende assinalar não têm qualquer relação directa com o ramo vitivinícola”.
C — Salvo o devido respeito, a Apelada nem consegue entender as razões que levaram o Tribunal a quo a proferir esta decisão:
D — Por um lado, não se percebe por que razão o facto de se tratar de produtos certificados impede que haja um risco de confusão.
E — Por outro, não se entende por que é que serviços relacionados com bebidas e, até, com degustação de vinhos “não têm qualquer relação directa com o ramo vitivinícola”...
F — Constitui jurisprudência vinculativa do Tribunal de Justiça, em matéria de denominações de origem e indicações geográficas, que “o regime de proteção previsto pelo Regulamento n.° 1234/2007 [actual Regulamento 1308/2013] assume caráter exaustivo, pelo que este regulamento se opõe à aplicação de um regime de proteção nacional de indicações geográficas protegidas ao abrigo do referido regulamento. (cf. ac. de 14.09.2017, “PORT CHARLOTTE”, Proc. C-56/16 P).
G — Isto significa que o enquadramento jurídico para decidir o recurso do Apelante resulta unicamente das disposições do Regulamento UE 1308/2013, com a redação dada pelo Regulamento UE 2021/2117 do Parlamento e do Conselho, de 2 de dezembro de 2021.
H — É certo que a marca registanda não se destina a assinalar (diretamente) vinhos, mas não pode retirar-se daí — ao contrário do que referem as decisões recorridas —, que os serviços de bar e restaurante e os de fornecimento de alimentos e bebidas não têm “qualquer ligação” com vinhos...
I — Pelo contrário, existe uma grande proximidade (isto é, afinidade), entre os serviços em causa e os vinhos, que são “bebidas” e que são servidos e consumidos em “bares e restaurantes”.
J — Só por isso, as decisões impugnadas merecem censura, tendo avaliada erradamente a afinidade existente entre os produtos e serviços em confronto.
K — Mas o maior erro dessas decisões resulta de terem ignorado que o Regulamento UE Nº 1308/2013, nos seus arts. 102 e 103/2, reconhece às denominações de origem com reputação (como é o caso em apreço) proteção contra qualquer utilização comercial direta ou indireta de um nome protegido na medida em que tal utilização explore, enfraqueça ou dilua a reputação de uma denominação de origem ou indicação geográfica.
L — Com efeito, estando em causa uma denominação de origem altamente reputada e valorizada, este pedido de registo deveria ser rejeitado, por envolver a lesão de um sinal distintivo de prestígio, cuja banalização e diluição importa evitar, mediante a sua utilização indiscriminada, mesmo relativamente a produtos ou serviços sem afinidade com vinhos, na medida em tal utilização seja suscetível de, sem justo motivo, tirar partido indevidamente do carácter distintivo ou do prestígio da denominação de origem ou da indicação geográfica anteriormente registada, ou possa prejudicá-las (art. 306.º, n.º 4 do CPI).
M — Neste caso, a requerente não invocou justo motivo para incluir na sua marca o nome PORTO, sendo certo que a concessão da marca em causa iria permitir que se explorasse a reputação da denominação de origem, criando um sério risco de que a mesma fosse prejudicada, devido à sua progressiva banalização.
N — Atenta a elevada reputação da denominação “PORTO”, uma marca de serviços de bar e restaurante “CARLO PORTO” será encarada, pela generalidade dos consumidores, como uma alusão àquela denominação prestigiada,
O — Isso é especialmente assim tendo em conta a proximidade entre os produtos e os serviços a que respeitam os sinais em confronto: vinhos e serviços de fornecimento de alimentos e bebidas.
P — De qualquer modo, a proteção reforçada das Denominações de Origem de prestígio — consagrada pelo Regulamento 1308/2013 — não existe apenas quando haja "afinidade" de produtos ou serviços ou risco de confusão quanto à origem dos mesmos, ou uma intenção de aproveitar indevidamente aquele prestígio, pois a tutela legal é de cariz objetivo, visando evitar a “transferência de imagem” associada ao sinal reputado, prevenindo a sua diluição e banalização.
Q — Por estes motivos, a Relação de Lisboa já proibiu o uso e o registo de marcas como “PORT-IT DRINKS” para bebidas não alcoólicas, "PORTO COVO”, para produtos alimentares, “PORTO FUNERÁRIO", para serviços funerários, "PORTOSIGNS" para artigos de bijutaria, “AZDOURO” para azeite e produtos alimentares e “ROSA CHAMPANHE” para vestuário, calçado e chapelaria, como suscetíveis de diluir ou enfraquecer a notoriedade e o prestígio destas reputadas denominações de origem.
R — Neste caso, o risco de exploração da reputação da denominação “PORTO” é manifesto, quando se verifica que este nome aparece com especial destaque, e a marca registanda se destina a assinalar o fornecimento de alimentos e bebidas, em restaurantes e bares.
S — Impunha-se, por isso, a recusa do pedido de registo, independentemente de não haver uma total afinidade entre os produtos e serviços em confronto.
T — O despacho recorrido e a sentença que o confirmou violaram, pois, o disposto nos artigos 102º e 103º/2 do Regulamento UE 1308/2013.
7.– Não foi apresentada resposta.
Na sentença recorrida foram considerados os seguintes factos, não impugnados:
1. Em 25/05/2023, a Recorrida deduziu pedido de registo da marca nacional n.º 706085 CARLO PORTO para assinalar os serviços de preparação de alimentos e bebidas; preparação de refeições; preparação e fornecimento de alimentos e bebidas para consumo imediato; serviços de alimentação e bebidas em restaurantes e bares; serviços de alimentação e bebidas para clientes; serviços de alimentação e bebidas para clientes de restaurantes; serviços de alimentação e bebidas take-away; serviços de bistrô; serviços de comida para fora; serviços de cozinhado de alimentos; serviços de degustação de vinhos (fornecimento de bebidas); serviços de fornecimento de comida para fora (takeaway); serviços de hospitalidade [alimentos e bebidas]; serviços de preparação alimentar; serviços de preparação de alimentos; serviços de restaurante e bar; serviços de restaurante em hotéis; serviços de restauração [alimentação e bebidas]; serviços de restaurante fornecidos por hotéis; serviços de restaurantes; serviços de restaurantes take away; serviços personalizados de chefes de cozinha; serviços relacionados com a preparação de alimentos e bebidas; restaurantes para turistas; restaurantes de self-service; fornecimento de alimentos e bebidas em restaurantes e bares, da classe 43, o que foi concedido por despacho proferido em 6/11/2023.
2. O recorrente é titular dos seguintes registos:
a) Denominação de Origem/indicação geográfica n.º 4 “PORTO”, requerida em Portugal em 28/10/1971 e registada em 2/11/1972;
b) Denominação de Origem Internacional nº 682 “PORTO”, registada em 17 de Abril de 1974.
Não há factos não provados na sentença recorrida.
Impugnação da matéria de facto.
Pretende o recorrente que seja aditado um outro facto, documentalmente demonstrado através do doc. 1 junto com a petição.
O facto a aditar é o de que “a denominação de origem “PORTO” está registada no registo europeu de denominações de origem e indicações geográficas, nos termos do Regulamento (UE) n.º 1308/2013, de 17 de Dezembro de 2013, desde 1.08.2009”
Como resulta do art. 2.º, da petição, o recorrente alegou:
 “O Recorrente (adiante “IVDP”) é titular do registo da DO “Porto”, inscrita no INPI sob o nº 4, sendo ainda titular do registo da mesma na OMPI, ao abrigo do acordo de Lisboa de 31.10.1958, sob o nº 682, e no registo europeu de denominações de origem, nos termos do Regulamento (UE) n.º 1308/2013 de 17 de Dezembro de 2013 (cf. a base de dados “eAmbrosia” – e doc. n.º 1).”
Tais factos resultam demonstrados pelo doc. 1, então junto, e revestem manifesto interesse à decisão.
Assim, tendo sido demonstrado documentalmente[1] e por se tratar de facto essencial à apreciação do mérito da questão, altera-se n. 2 da matéria de facto provada o qual passará a ser:
“2. O Recorrente é titular do registo da DO “Porto”, inscrita no INPI sob o nº 4, sendo ainda titular do registo da mesma na OMPI, ao abrigo do acordo de Lisboa de 31.10.1958, sob o nº 682, e no registo europeu de denominações de origem desde 24/12/1991”
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
Como é pacífico, o Tribunal tem de resolver questões e não apreciar argumentos e as questões são as que resultam das conclusões das alegações do recorrente. Acresce que este Tribunal de recurso, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, não conhece questões novas, isto é, questões que não tenham sido apreciadas pelo Tribunal recorrido.
A única questão a decidir é a de apurar se a sentença padece de erro de direito por aplicação errada das normas de direito europeu que regem a matéria.           
O recorrente alegou, na petição que “a recusa da reclamação por parte do INPI deveu-se ao facto de “não haver afinidade entre vinho e serviços de alimentação e bebidas, não pode haver risco de aproveitamento da reputação de uma denominação de origem de prestígio”.
Como se referiu, foi também esse o entendimento da sentença em recurso: “(…) inexiste semelhança de serviços.
Além disso, não ficou demonstrado que a Recorrida procura tirar partido indevido do prestígio da denominação de origem ou da indicação geográfica, mesmo tratando-se de produtos sem identidade ou afinidade, como é o caso.
Não há controvérsia no que se refere à prioridade da denominação de origem da recorrente.
A controvérsia reside inicialmente na identidade ou afinidade de produtos a assinalar e na possibilidade de imitação da marca prioritária pela marca nacional n.º 706085 CARLO PORTO.
Posteriormente, como vimos, considerou a sentença que não se provou que “a Recorrida procura tirar partido indevido do prestígio da denominação de origem ou da indicação geográfica”. Voltaremos a este assunto.
Podemos assentar que a regulamentação europeia relativa às “Denominações de Origem/Indicação Geográfica” (por diante apenas DO/IG) assume carácter exclusivo, afastando a aplicabilidade dos regimes nacionais de tutela desses sinais distintivos[2].
Tal como referido no acórdão proferido no âmbito do processo n. 229/23.3YHLSB.L1, desta secção PICRS desta Relação
“14. Resulta de jurisprudência do TJUE que, no âmbito de produtos vitivinícolas, estando em causa “a proteção de uma DOP, o órgão jurisdicional de reenvio tem de aplicar exclusivamente a legislação da União aplicável na matéria” (Ac. TJUE de 9 de setembro de 2021, Comité Interprofessionnel du Vin de Champagne, C-783/19, ECLI:EU:C:2021:713, n.º 28)[3].
Resulta assim que, como acertadamente invoca o recorrente, à proteção da DO/IG “Porto” é exclusivamente aplicável o Regulamento (UE) n.º 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013[4], que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas e que revoga os Regulamentos (CEE) n.º 922/72, (CEE) n.º 234/79, (CE) n.º 1037/2001 e (CE) n.º 1234/2007 do Conselho.
O art. 102.º, respeitante à relação da DO/IG com as marcas, do referido regulamento estabelece que
“1. O registo de uma marca que contenha ou consista numa denominação de origem protegida ou numa indicação geográfica protegida que não respeite o caderno de especificações do produto em causa, ou cuja utilização seja abrangida pelo artigo 103.o, n.o 2, e diga respeito a um produto de uma das categorias enumeradas no Anexo VII, Parte II:
a) É recusado se o pedido de registo da marca for apresentado após a data de apresentação à Comissão do pedido de proteção da denominação de origem ou da indicação geográfica e se a denominação de origem ou a indicação geográfica for subsequentemente protegida; ou
b) Invalidada.
2. Sem prejuízo do artigo 101.º, n.º 2, uma marca a que se refere o n.º 1 do presente artigo, que tenha sido objeto de depósito ou de registo ou, nos casos em que tal esteja previsto pelo direito em causa, estabelecida pelo uso de boa-fé no território da União antes da data de proteção da denominação de origem ou da indicação geográfica no país de origem, ou antes de 1 de janeiro de 1996, pode continuar a ser utilizada e renovada não obstante a proteção de uma denominação de origem ou de uma indicação geográfica, desde que não incorra nas causas de nulidade ou extinção nos termos da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (1) ou do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho (2). Nesses casos, é permitida a utilização da denominação de origem ou da indicação geográfica, juntamente com a das marcas em causa.
Por sua vez, o art. 103.º, respeitante à “proteção” estabelece que:
1. As denominações de origem protegidas e as indicações geográficas protegidas podem ser utilizadas por qualquer operador que comercialize um vinho produzido em conformidade com o caderno de especificações correspondente.
2. As denominações de origem protegidas e as indicações geográficas protegidas, bem como os vinhos que utilizem esses nomes protegidos em conformidade com o caderno de especificações, são protegidos contra:
a) Qualquer utilização comercial direta ou indireta do nome protegido:
i) por produtos comparáveis não conformes com o caderno de especificações do nome protegido;
ii) na medida em que tal utilização explore a reputação de uma denominação de origem ou de uma indicação geográfica;
b) Qualquer utilização abusiva, imitação ou evocação, mesmo que a verdadeira origem do produto ou serviço seja indicada ou que o nome protegido seja traduzido, transcrito ou transliterado ou acompanhado de termos tais como "género", "tipo", "método", "estilo", "imitação", "sabor", "modo" ou similares;
c) Qualquer outra indicação falsa ou falaciosa quanto à proveniência, origem, natureza ou qualidades essenciais do produto, no acondicionamento ou na embalagem, na publicidade ou nos documentos relativos ao produto vitivinícola em causa, bem como contra o acondicionamento em recipientes suscetíveis de dar uma impressão errada quanto à origem do produto;
d) Qualquer outra prática suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto.
3. As denominações de origem protegidas e as indicações geográficas protegidas não podem tornar-se genéricas na União, na aceção do artigo 101.º, n.º 1”.
Perante este quadro jurídico, entende-se que a proteção devida à DO/IG não respeita unicamente a produtos da mesma classe mas sim a produtos comparáveis (art. 103.º, n. 2, ii, do Reg. 1308/2013). Produtos comparáveis são aqueles que têm “características objetivas comuns e que, do ponto de vista do público em causa, correspondem a ocasiões de consumo amplamente idênticas. Além disso, são frequentemente distribuídas pelas mesmas redes e estão sujeitas a regras de comercialização semelhantes[5]”.
Perante esta conclusão, podemos assentar que não estamos perante nem produtos da mesma classe, nem produtos comparáveis.[6]
No caso a DO/IG “PORTO” respeita a vinhos e a marca “CARLO PORTO” para assinalar os serviços de preparação de alimentos e bebidas; preparação de refeições; preparação e fornecimento de alimentos e bebidas para consumo imediato; serviços de alimentação e bebidas em restaurantes e bares; serviços de alimentação e bebidas para clientes; serviços de alimentação e bebidas para clientes de restaurantes; serviços de alimentação e bebidas take-away; serviços de bistrô; serviços de comida para fora; serviços de cozinhado de alimentos; serviços de degustação de vinhos (fornecimento de bebidas); serviços de fornecimento de comida para fora (takeaway); serviços de hospitalidade [alimentos e bebidas]; serviços de preparação alimentar; serviços de preparação de alimentos; serviços de restaurante e bar; serviços de restaurante em hotéis; serviços de restauração [alimentação e bebidas]; serviços de restaurante fornecidos por hotéis; serviços de restaurantes; serviços de restaurantes take away; serviços personalizados de chefes de cozinha; serviços relacionados com a preparação de alimentos e bebidas; restaurantes para turistas; restaurantes de self-service; fornecimento de alimentos e bebidas em restaurantes e bares.
Vimos, no entanto que, a recorrente havia invocado expressamente a afinidade entre os serviços da marca “CARLO PORTO” com os vinhos.
Ou seja, o recorrente invoca que a utilização a marca “CARLO PORTO” explora e enfraquece ou dilue a reputação da sua denominação de origem (conclusões K a T).
A circunstância de uma marca respeitar a serviços e não a produtos, não é impeditiva da proteção da DO/IG:
 “1) O artigo 103º, n.º 2, alínea b), do Regulamento (UE) n.º 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas e que revoga os Regulamentos (CEE) n.º 922/72 (CEE) n.º 234/79 (CE) n.º 1037/2001 (CE) n.º 1234/2007 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que protege as denominações de origem protegidas (DOP) relativamente a condutas associadas quer a produtos quer a serviços”. [7]
A sentença, como já referimos, menciona que não se provou que “a Recorrida procura tirar partido indevido do prestígio da denominação de origem ou da indicação geográfica”.
Impõe-se notar, desde logo, que tal facto não consta do elenco dos factos não provados, como vimos.
No entanto, e por outro lado, entendemos que a circunstância de não constar do referido elenco não impede que se retire tal conclusão da mera aplicação das regras jurídicas e não da prova concreta sobre o caso concreto. Isto é, a procedência do recurso pode bastar-se com a conclusão de que objetivamente a marca “CARLO PORTO” explora e enfraquece ou dilui a reputação da denominação de origem protegida, no caso “PORTO”.
É o que resulta da jurisprudência do TJUE, designadamente, no Ac. de 9.9.2021 já referido[8]
“3) O artigo 103.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento n.º 1308/2013 deve ser interpretado no sentido de que a «evocação» referida nesta disposição não depende da verificação da existência de um ato de concorrência desleal, uma vez que esta disposição institui uma proteção específica e própria que se aplica independentemente das disposições de direito nacional relativas à concorrência desleal.”
Segundo o artigo 103.º, n.º 2, al. b), do Regulamento (UE) n.º 1308/2013 as denominações de origem protegidas e as indicações geográficas protegidas, bem como os vinhos que utilizem esses nomes protegidos em conformidade com o caderno de especificações, são protegidos contra qualquer utilização abusiva, imitação ou evocação, mesmo que a verdadeira origem do produto ou serviço seja indicada ou que o nome protegido seja traduzido, transcrito ou transliterado ou acompanhado de termos tais como "género", "tipo", "método", "estilo", "imitação", "sabor", "modo" ou similares”.
No caso, estamos perante uma DO/IG em que o produto é o vinho e uma marca que, designadamente, pode prestar serviços na preparação de bebidas, de restaurante e bar e serviços relacionados com a preparação de bebidas. Cremos, pois, e ressalvado o devido respeito por outra opinião, que se tratam de serviços associados ou complementares ao produto vinho, em que, por regra, o produto vinho está presente na prestação de tais serviços.
Tal como esta secção tem reiterado “(…), a evocação também pode resultar de uma proximidade conceptual entre a denominação protegida e o sinal em causa[9]”.
Há, pois, possibilidade dos serviços da recorrida poderem evocar a DO/IG do recorrente.

“21Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de «evocação» abrange a hipótese de um termo utilizado para designar um produto incorporar uma parte de uma denominação protegida, de modo que o consumidor, perante o nome do produto, é levado a ter em mente, como imagem de referência, a mercadoria que beneficia da denominação [v., no que respeita ao artigo 16.o, alínea b), do Regulamento n.o 110/2008, acórdão Bureau national interprofessionnel du Cognac, C‑4/10 e C‑27/10, EU:C:2011:484, n.o 56; v., igualmente, quanto ao artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CEE) n.o 2081/92 do Conselho, de 14 de julho de 1992, relativo à proteção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO L 208, p. 1), acórdãos Consorzio per la tutela del formaggio Gorgonzola, C‑87/97, EU:C:1999:115, n.o 25, e Comissão/Alemanha, C‑132/05, EU:C:2008:117, n.o 44].

(…)

25Ora, resulta de uma jurisprudência agora consolidada, relativa à proteção do consumidor, que, regra geral, há neste domínio que tomar em conta a expectativa presumida de um consumidor médio normalmente informado e razoavelmente atento e avisado (v., designadamente, acórdãos Mars, C‑470/93, EU:C:1995:224, n.o 24; Gut Springenheide e Tusky, C‑210/96, EU:C:1998:369, n.o 31; Estée Lauder, C‑220/98, EU:C:2000:8, n.o 30; Lidl Belgium, C‑356/04, EU:C:2006:585, n.o 78; Severi, C‑446/07, EU:C:2009:530, n.o 61; Lidl, C‑159/09, EU:C:2010:696, n.o 47; e Teekanne, C‑195/14, EU:C:2015:361, n.o 36).[10]

É entendimento pacífico pelo TJUE que “cabe ao juiz nacional apreciar, tendo em conta, se for caso disso, a incorporação parcial de uma indicação geográfica protegida na denominação controvertida, um parentesco fonético e/ou visual entre esta denominação e essa indicação ou ainda uma proximidade conceptual entre aquela denominação e a referida indicação.[11]
Assim, tendo presente que a marca “CARLO PORTO” incorpora na totalidade a DO/IG “PORTO” e que tem a mesma fonética e é visualmente idêntica podemos concluir que o “(…) consumidor europeu médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, perante a denominação controvertida, é levado a ter diretamente em mente, como imagem de referência, a mercadoria que beneficia da indicação geográfica protegida[12]”. Ou seja, entendemos o consumidor relevante é levado a ter em mente a DO/IG “PORTO”.
Acresce, no caso concreto, que é devida especial proteção às denominações de origem agrícolas, designadamente a que está em causa[13].
 “38 Como recordou o Tribunal de Justiça no n. 82 do acórdão de 14 de setembro de 2017, EUIPO/Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (C‑56/16 P, EU:C:2017:693), no que respeita à proteção das DOP e das IGP, o Regulamento n.o 1234/2007 constitui um instrumento da política agrícola comum que visa essencialmente assegurar aos consumidores que produtos agrícolas que ostentam uma indicação geográfica registada nos termos desse regulamento apresentam, em razão da sua proveniência de uma zona geográfica determinada, certas características particulares e, assim, oferecem uma garantia de qualidade devida à sua proveniência geográfica, com o objetivo de permitir aos operadores agrícolas que tenham feito esforços qualitativos reais obter em contrapartida melhores rendimentos e impedir que terceiros tirem abusivamente proveito da reputação decorrente da qualidade desses produtos.” [14]
Esta jurisprudência é ainda aplicável, apesar de se referir a legislação entretanto alterada.
A proteção das DO/IG visa, também, como invoca o recorrente “evitar a “transferência de imagem” associada ao sinal reputado, prevenindo a sua diluição e banalização”.
Sendo que tal tutela é, como já antes referimos, objetiva, independentemente dos atos concretos ou intenções da marca registanda.
Aqui chegados, concordamos com o recorrente quando invoca que “Neste caso, o risco de exploração da reputação da denominação “PORTO” é manifesto, quando se verifica que este nome aparece com especial destaque, e a marca registanda se destina a assinalar o fornecimento de alimentos e bebidas, em restaurantes e bares.
E, como já referimos, este risco de exploração da reputação da denominação deve ser especialmente acautelado a fim de evitar a sua diluição e banalização e salvaguardar a sua reputação.
Deste modo, deve proceder o recurso e ser proferida decisão que revogue a sentença da 1ª instância e recuse o registo da marca nacional n.º 706085 CARLO PORTO, requerido por BEACHGUAP – INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, SA..

III. DECISÃO:
Pelo exposto, damos provimento ao recurso e, em consequência revogamos a sentença impugnada e recusamos o registo da marca nacional nº n.º 706085 com o sinal “CARLO PORTO”, para a classe 43.
II. Custas pela recorrida.
Cumpra-se o disposto no artigo 34.º, n. 5, do CPI aplicável ex vi art. 46.º do mesmo diploma, após trânsito e baixa dos autos.

 Lisboa, 16/10/2024
A.M. Luz Cordeiro
Eleonora Viegas
José Paulo Abrantes Registo
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[1] Apesar do endereço eletrónico indicado (https://ec.europa.eu/info/food-farming-fisheries/food-safetyand-
quality/certification/quality-labels/geographical-indications-register) não revelar qualquer página válida, pelo menos nos dias da consulta entre 2.10.2024 e 14.10.2024
[2] Cf. p. ex. os casos PORT CHARLOTTE (C- 56/16 P) e Champagne (Proc. C-783/19) adiante citados.
[3] As decisões do TJUE, em sede de reenvios prejudiciais, são vinculativas não só para o respetivo tribunal requerente, mas para todos os tribunais dos Estados Membros, sob pena de inviabilizar-se o primado do direito da EU e o corolário da respetiva uniformidade (sobre estes pontos, veja-se, Fausto de Quadros, Direito da União Europeia, Almedina, 2015, 3.º ed., p. 608-611).
[4] Cuja versão consolidada pode ser acedida em https://eur-lex.europa.eu/eli/reg/2013/1308/oj
[5] Nuno A. Sousa e Silva, Concorrência Desleal e Propriedade Intelectual, Os Atos de Aproveitamento, Almedina 2020, p. 319
[6] Cf., entre outro o ac. TJUE de 18.11.2015 (Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto/OHMI - Bruichladdich Distillery (PORT CHARLOTTE) - ECLI:EU:T:2015:863)
[7] Ac. TJ de 9.9.2021 (ECLI:EU:C:2021:713)
[8] ECLI:EU:C:2021:713
[9] Cf. Ac. 229/23.3YHLSB.L1 em que interviemos como 1º adjunto e disponível in www.dgsi.pt.
[10] Ac TJ de 21 de janeiro de 2016 disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62015CJ0075
[11] TJ de 7.6.2018, processo C-44/17 (ECLI:EU:C:2018:415)
[12] Ac. do TJ de 9.9.2021 já referido.
[13] Cf., o Ac. desta secção de 5.5.2020, proferido no âmbito do processo 168/18.0YHLSB.L2-PICRS e disponível in www.dgsi.pt
[14] Ac. TJ de 20 de dezembro de 2017 (ECLI:EU:C:2017:991)