Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
105/20.1T9PTS.L2-5
Relator: ALDA TOMÉ CASIMIRO
Descritores: DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
IRREGULARIDADE
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. O despacho de não pronúncia que não esteja fundamentado é irregular, mas a respectiva arguição teria de ocorrer no prazo e termos previstos no art.º 123º do Cód. Proc. Penal, sob pena de sanação. Não tendo sido arguida em conformidade, a irregularidade por falta de fundamentação encontra-se sanada.
II. O crime de falsificação de documento, tal como o de abuso de poder, exige o dolo genérico (o agente tem que prever o resultado da conduta e, pelo menos, conformar-se com ele) e ainda o especial de conseguir benefício ilegítimo ou prejuízo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,
Relatório
No âmbito da Instrução com o nº 105/20.1T9PTS.L2, que corre termos no Juízo de Instrução Criminal do Funchal, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, e na sequência de despacho de não pronúncia proferido pela Meritíssima Juiz de Instrução, vem o assistente AA interpor recurso em que pede que seja declarada ferida de nulidade a decisão instrutória de não pronúncia, revogando-se esta e substituindo-a por outra, que pronunciando as arguidas, indique expressa e especificamente, os factos cuja prática considera indiciada e aqueles cuja prática considere insuficientemente indiciada.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
1- Sendo o despacho de não pronúncia uma decisão, o mesmo deve ser fundamentado, pelo que a falta de enunciação dos factos indiciados e os factos não indiciados constitui um vício de nulidade daquela.
2- Num despacho de não pronúncia o tribunal a quo tinha o dever de se pronunciar acerca dos seguintes factos:
2.1- Em data que o assistente não sabe precisar, mas certamente no ano de 2010, anteriormente a e de Dezembro. desse ano, BB solicitou a CC que lhe indicasse os limites do prédio de DD ao Sítio do ..., tendo este lhe mostrado as confrontações a Sul e Poente, já que a nascente e Norte o mesmo já confrontava com o Caminho do ... e a Estrada ....
2.2- Tal indicação fez-se no local, onde CC mostrou que a Poente o prédio confrontava com o prédio de PP, também conhecida por QQ.
2.3- De acordo com as informações de CC que, durante anos havia cultivado tais terrenos a pedido dos respetivos proprietários, o limite do prédio de DD ia até o prédio de QQ e que o prédio desta confrontava, por sua vez com o prédio dos do “...”, também a Poente.
2.4- Contrariando as indicações de CC, em data que o Assistente não sabe precisar mas, depois do dia supra indicado e antes ou até no dia 3 de Dezembro de 2010, BB dirigiu-se ao Serviço de Finanças ... e solicitou à sua amiga EE que averbasse ao prédio inscrito na matriz em nome da FF, cabeça de casal da herança de, a área de 611,00 m2 e as seguintes confrontações: Norte Caminho, Sul Herdeiros de GG, Nascente Caminho Municipal e Poente HH.
2.5- No dia 03-12-2010 foi emitida uma certidão de teor pelo Serviço de Finanças ... daquele prédio onde passaram a constar aquelas áreas e confrontações.
2.6- No dia 06-12-2010 BB e seu marido outorgaram uma escritura de justificação, onde arrogaram-se donos daquele prédio rústico caraterizado matricialmente com aquela área e aquelas confrontações.
2.7- A primeira denunciada foi testemunha de tal ato, confirmando as declarações de BB e seu marido.
2.8- Tendo DD falecido a ... de ... de 2017 na ..., nesse ano, mais precisamente, a 13 de Dezembro de 2017, BB e seu marido instauraram um providência cautelar de restituição provisória de posse contra o ora assistente sem sua audição prévia, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Ponta do Sol, no Juízo de Competência Genérica, sob o nº 224/17.1T8PTS.
2.9- Deferido o pedido de restituição do prédio, o ora Assistente entregou a 17 de Março de 2018, a sua oposição àquela providência, onde sumariamente alegou não estar a ocupar o prédio dos Requerentes, pois aquele não tinha nem nunca teve a área por eles indicada, tanto na caderneta predial, como na escritura de justificação, registo e, consequentemente no Requerimento Inicial da Providência judicial.
2.10- Ali, o Requerido alegou que os Requerentes não teriam comprado o prédio de DD em 1988 e que só haviam entrado na posse do mesmo em finais de 2010.
2.11- Mais alegou que o prédio de DD não tinha nem a área, nem as confrontações plasmadas na caderneta, na escritura e no registo: a área do mesmo era inferior e a Poente confrontava com o seu prédio que anteriormente havia pertencido a PP.
2.12- O oponente juntou mapa cadastral do local, alegando que o prédio de DD correspondia ao ali identificado sob o nº ... e que com a nova área e confrontações (dadas pelos Requerentes) o mesmo passou a absorver a áreas dos outros dois prédios seguintes a oeste: o ... e... pertencentes ao Requerido.
2.13- A 13 de março de 2018 o Requerido da providência cautelar solicitou, junto do Serviço de Finanças ..., que lhe fosse certificado, para efeitos judiciais, relativamente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …º, freguesia e concelho da ..., em que data haviam sido averbadas as atuais confrontações e área e qual o documento que esteve na origem desta descrição. Mais solicitou que fosse certificada qual a área e as confrontações descritas no referido prédio anteriores às de então.
2.14- A primeira denunciada certificou, na qualidade de técnica tributária, a 13 de março de 2018 que o prédio tinha a área de 610,00 m2 e de que o averbamento de áreas e confrontações se fez com base na Escritura exarada a 06/12/2010 no Cartório Notarial ....
2.15- Com a data de 15 de março de 2018, EE, na qualidade de técnica tributária, certificou que "após consulta aos elementos necessários, que devido ao mau estado de conservação em que se encontram as matrizes rústicas deste concelho, não é possível a área e as confrontações descritas no prédio anteriores às atuais."
2.16- Com as informações indicadas por EE o oponente à providência cautelar acabou por alegar ali que as áreas e confrontações tinham sido dadas após a outorga da escritura de justificação de 06-12-2010 e que não era possível indicar a área e as confrontações anteriores aquele ato.
2.17- Mais tarde o denunciante veio descobrir que as informações prestadas naquelas certidões eram falsas e que, induzido em erro, alegou de forma incorreta.
2.18- O então Oponente, com as informações prestadas pelo Serviço de Finanças ... ficou convicto da veracidade das mesmas, julgando que "devido ao mau estado de conservação em que se encontram as matrizes rústicas" do concelho ... não ser possível descobrir a área e as confrontações descritas no prédio anteriores às que nele constavam.
2.19- Mas, conforme consta já dos autos, a 27 de janeiro de 2020 EE acabou por certificar que aquelas áreas e confrontações haviam sido averbadas com base em levantamento topográfico e declaração do contribuinte de 28 de setembro de 2009.
2.20- Apercebendo-se da existência da certidão de teor de 03-12-2010 onde aquelas descrições matriciais já surgiam na identificação do prédio, EE declara que a área e as confrontações afinal haviam sido averbadas com base em levantamento topográfico e declaração do contribuinte de 28 de setembro de 2009. Já não certifica que haviam sido averbadas com base na Escritura de 06-12-2010. EE remete o averbamento de área e confrontações para um período muito anterior a dezembro de 2010, ou seja, para 28 de setembro de 2009. E EE certifica que afinal o averbamento não foi feito com base numa escritura, mas em declarações do contribuinte e num levantamento topográfico.
2.21- EE sabendo que o prédio pertencia a uma herança com participação de Imposto de Selo de Setembro de 2009, dá esta última informação para legitimar o ato.
2.22- Perante esta nova certificação de que "foram averbadas área e confrontações, em 28 de Setembro de 2009, com base em levantamento topográfico e declaração do contribuinte", foi solicitada a certificação do documento que esteve na origem da descrição matricial, ao que a primeira Denunciada informou, a 3 de Fevereiro de 2020, tal não ser possível em virtude do "documento em causa não ter natureza pública, por não constituir um dado passível de se tornar público, sendo que está abrangido pelo dever de sigilo fiscal"
2.23- Ordenado o levantamento do sigilo fiscal (Doc. 11 da Denúncia), já foi a Denunciada II quem prestou a informação de 13 de março de 2020: a de que que as áreas e confrontações daquele prédio haviam sido averbadas através da Escritura exarada a 06/12/2010 no Cartório Notarial ... e que os Serviços de Finanças não possuíam mais elementos em relação ao referido averbamento.
2.24- Tendo o tribunal sido alertado para a contradição entre as duas posições - averbamento com base em declarações do contribuinte e num levantamento topográfico de 2009 e averbamento com base numa escritura de 2010 - (Doc. 1) o mesmo solicitou a notificação do Serviço de Finanças ... para "esclarecer em que documentos se estribou o procedimento de atualização das dimensões do prédio". (Doc. 2)
2.25- A 18 de Maio de 2020 a segunda Denunciada, II, respondeu o seguinte: "o procedimento de atualização das dimensões do referido prédio se estribou no levantamento topográfico datado de setembro de 2009 subscrito pelo topógrafo JJ que deu entrada nestes serviços com a finalidade de instruir tal pedido e que se junta em anexo para melhor elucidação" (Doc. 3).
2.26- Chamada a esclarecer a informação anterior (Doc. 4), II, a 25 de maio de 2020, vem responder o seguinte: "o procedimento de atualização das dimensões do referido prédio em questão se estribou unicamente no levantamento topográfico já remetido a esse tribunal com o nosso ofício nº 175 de 15 de maio de 2020. Mais sou a informar que não existe qualquer outro documento que haja dado entrada nestes serviços relativamente a esse procedimento, atendendo a que o requerimento apresentado por DD, NIF ..., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de FF que lhe deu origem não foi apresentado por escrito, razão pela qual nos referimos na certidão de 27 de Janeiro de 2020 por este Serviço de Finanças, e que já consta desses autos, a declarações (entenda-se verbais) do contribuinte, as quais atendíveis em cumprimento do disposto no artigo 132º, nº 1 do CIMI. (Doc 5).
2.27- Para justificar o facto de não existir nenhum requerimento escrito de DD, a segunda Denunciada refere ali que as declarações desta haviam sido obtidas de forma verbal.
2.28- Assim, em sede de sentença à oposição o tribunal desconsiderou as informações prestadas pelo perito da Direção de Serviços de Informação Geográfica e Cadastro por haver sido informado que o mapa cadastral ainda não tinha sido homologado, considerando que o oponente nem tinha conseguido informar que tinha participado a área e as confrontações ao prédio já que "não é possível a área e as confrontações descritas no prédio anteriores às atuais." Ou seja, o tribunal fundamentou a sua decisão atendendo ao certificado por EE a 15 de março de 2018.
2.29- Efetivamente, o juiz entendeu que "não será" possível realizar, como pretendeu o oponente, a correspondência entre aquelas parcelas rústicas ali assinaladas e os atuais prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial e na matriz - nomeadamente os prédios sobre os quais os opoídos e oponente se arrogam como proprietários -, para desse modo contrariar a informação constante do registo predial e matricial, relativa à dimensão de 611,00 m2, do prédio dos opoídos". Depois disto, o juiz concluiu que "o facto de o oponente tentar colocar em causa o facto de terem sido os próprios opoídos a prestar informação (quanto à dimensão do prédio), junto do Serviço de Finanças e do Registo Predial, causa estranheza, pois, na elaboração do mapa cadastral que o próprio apresenta, terão sido relevadas diversas afirmações prestadas precisamente pelos alegados proprietários; só com uma agravante: é que nesse caso não é possível conhecer, atualmente, quem terá prestado, na altura (que igualmente se desconhece, as ditas informações" (sublinhado nosso)
2.30- Verifica-se, pois, que, com a emissão das certidões de 13 e 15 de março de 2018, EE teve a intenção de causar prejuízo ao ora assistente e conseguiu ver concretizada a sua pretensão.
2.31- Só se poderia considerar como verdadeiras as declarações certificadas por EE e II se estas apresentassem ao tribunal o termo de receção por parte das Finanças tanto do requerimento como do levantamento topográfico, devidamente carimbados, datados e assinados, que é aliás o comportamento normal e corrente dos serviços da administração tributária.
2.32- Nenhum termo do Serviço de Finanças … datado de 28 de setembro de 2009, reproduzindo um pedido de DD foi apresentado.
2.33- Por isso, porque o tribunal não possuía qualquer documento que fundamentasse que teria sido determinada pessoa em concreto que teria solicitado o averbamento de área e confrontações ao prédio em questão, optou por entender não ser possível conhecer atualmente quem terá prestado, na altura, as ditas informações (área e confrontações).
2.34- Na verdade, as certificações prestadas nem só não correspondiam à realidade como ocultavam uma prática ilícita por parte do Serviço de Finanças ....
2.35- II, sabe, atentas as funções que desempenha na Administração tributária, Chefe dum Serviço de Finanças, que quando é admitida a apresentação de requerimento verbal, será necessário lavrar termo deste, em obediência ao disposto nos artigos 74º e 75º do Código de Procedimento Administrativo.
2.36- Porém esta apresentou ao tribunal um levantamento topográfico dum prédio, onde verifica-se que o mesmo não faz indicação a qualquer registo de entrada no Serviço de Finanças, qualquer carimbo datado e assinado, por exemplo, nem sequer referência a artigo matricial que identifique o imóvel. E, estranhamente, consegue-se verificar no levantamento topográfico, como Requerente, não DD, mas BB, ou seja, a amiga de EE, justificante do prédio em escritura de 2010 e a requerente-mulher da providência cautelar!
2.37- Acresce a tudo isto o facto de, a 29-11-2020, BB e seu marido terem apresentaram uma Réplica na ação cível interposta contra o Assistente e que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo de Competência Genérica da Ponta do Sol sob o nº 257121.5TIPTS, onde expressamente alegam que "A funcionária KK, limitou-se o averbar na matriz do prédio do AA., a concreta área que pela A., BB lhe foi comunicada em face de levantamento topográfico que ali entregou, tendo a dita área sido assim averbada em tal matriz" (artigo 8.), esclarecendo que "os AA efetivamente contactaram em 2010, CC, primo de DD, para que aquele ajudasse a precisar os limites do prédio dos AA., a fim de ser feita a referida escritura de justificação" (artigo 47º) (Doc. 7).
2.38- Sabendo, pois, EE que a sua amiga lhe havia pedido que averbasse na matriz rústica da freguesia ... a área e as confrontações do prédio inscrito sob o artigo ...º, titulado por FF, cabeça casal da herança de, perante o requerimento que solicitava a certificação, para efeitos judiciais, relativamente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...º, freguesia e concelho ..., em que data haviam sido averbadas as atuais confrontações e área e qual o documento que esteve na origem desta descrição, tal qual a área e as confrontações descritas no referido prédio anteriores às de então, nenhum outro comportamento seria de esperar da sua parte que não fosse a constatação da realidade dos factos: a de que o pedido de tais averbamentos foi pedido por BB no ano de 2010, através da entrega de um levantamento topográfico encomendado por esta, dando conta da irregularidade da situação por violar o disposto no artigo 130º, nº 3 do CIMI.
2.39- Mais deveria EE ter certificado que antes daquele pedido de BB o prédio não tinha qualquer área averbada nem quaisquer confrontações e que as mesmas poderiam e deveriam ser pesquisadas junto do Arquivo Regional da Madeira atento o mau estado de conservação da matriz rústica ...
2.40- Particular dever de agir em conformidade com a verdade tinha a Demandada EE, nem só por ser uma funcionária pública e por ter prestado informações nessa qualidade, como também por ser conhecedora de que o referido prédio pertencia à herança aberta por óbito de FF.
2.41- Além do mais sendo natural da freguesia da ... e estando a prestar serviço na Repartição de Finanças onde foi recolhido o Imposto de Selo por óbito de FF a 28 de Setembro de 2009, onde o referido prédio inscrito na matriz daquela freguesia sob o artigo …º foi incluído na verba 16 da relação de bens ali apresentada, EE, como, funcionária pública, tinha o dever de informar a BB que a aquisição do prédio deveria ser feita após DD solicitar o averbamento da área e das confrontações e através de uma escritura de compra e venda e não de uma escritura de justificação.
2.42- Porque sabia que a intenção de sua amiga era apoderar-se de um prédio e de outros com ele confinantes, ajudou-a a definir, ao jeito desta, a área e as confrontações daquele.
2.43- Na verdade, EE sabia que AA depositava pedras no prédio confinante ao prédio de DD e que ao permitir a extensão da área deste tais pedras passariam a estar na área daquele imóvel com área superior à originária.
2.44- No entanto, mesmo sabendo que BB não tinha legitimidade, aceitou fazer-lhe o "favor" e averbou na matriz elementos que dela não constavam: a área e as confrontações.
2.45- Como se tal não fosse suficiente, EE foi declarante na escritura de justificação de 06-12-2010, onde BB e seu marido arrogaram-se proprietários daquele prédio rústico com a área de 611,00 m2.
2.46- Quando solicitadas a certificação das informações de 13 de Março de 2018, conhecedora de toda a sua atividade ilícita como funcionária pública em relação àquele prédio presta falsas declarações nas certidões emitidas em relação a este imóvel, para se defender e proteger a sua amiga BB e seu marido, na consciência de que, com esse ato estaria a prejudicar AA que desde sempre conheceu, nem só como vizinho, mas também como antigo sócio de seu cunhado numa empresa de construção civil.
2.47- II, sendo Chefe do Serviço de Finanças ... e, como tal, superior hierárquica de EE, tinha o dever de agir com verdade e, no mínimo, esclarecer ao Tribunal que todo o processo de averbamento de áreas e confrontações havia sido feito de forma irregular, padecendo de nulidade.
2.48- Sabendo II o que realmente havia ocorrido dentro do Serviço de Finanças, que tal situação não estava conforme a lei e que tinha repercussões negativas para o ora assistente num litígio apresentado em tribunal, decidiu encobrir EE e prestar, também ela, falsas declarações.
2.49- Após prestar as informações suprarreferidas de 13 de março de 2020 e depois dos sucessivos pedidos de esclarecimentos do tribunal, II inteirou-se do real processo de averbamento de área e confrontações do prédio inscrito sob o artigo ...º da freguesia da ..., mas, mesmo assim, decidiu ajudar EE encobrindo todos os atos ilícitos ocorridos dentro do Serviço de Finanças.
2.50- À semelhança dos concelhos confinantes, o da ... e o da ..., o da ... não tem matriz cadastral em vigor para os prédios rústicos, por isso torna-se imperioso que as reclamações previstas no nº 3 do artigo 130º do CIMI se façam de forma rigorosa por quem de Direito e com a apresentação de todos os documentos.
2.51- É prática corrente nos serviços de Finanças da ... e da ... a recolha por escrito das ditas reclamações, com obediência ao disposto nos artigos 74º e 75º do Código de Procedimento Administrativo, com a junção de levantamento topográfico, termo de responsabilidade do topógrafo (que anexa certificado de habilitações) e mapa de localização.
2.52- Na posse da reclamação devidamente instruída, os Serviços solicitam a avaliação junto dos Peritos contratados pela Administração fiscal para o efeito.
2,53- Feita a avaliação o contribuinte é notificado da avaliação, abrindo-se prazo para reclamação.
2.54- Só após a avaliação é que são feitos os averbamentos que determinem o valor do prédio, como a área.
2.55- As demandadas ao agir da forma como agiram tinham consciência de estar a agir de forma ilícita e dessa forma beneficiar BB e seu marido, prejudicando o assistente AA, pois, sempre consciente de não estar a ocupar o prédio daqueles, foi confrontado com uma decisão que o obrigou a retirar todas as pedras depositadas no prédio que pertenceu a PP e o seguinte (os identificados no mapa cadastral sob os nº ... e ...) e encontra-se atualmente obrigado a pagar uma sanção compulsória pelo período que ocupou tal área.
2.56- Entretanto BB e LL intentaram ação executiva contra o aqui assistente no sentido de exigir-lhe o pagamento de uma quantia superior a 130.000,00 (cento e trinta mil euros).
2.57- A 3 de janeiro de 2010 foi emitida certidão de teor do prédio rústico ... da ... com a área e as confrontações que constarão na escritura de 6 desse mês.
2.58- O NIF da herança de FF e a declaração Modelo 1 de IS deste foram recolhidas a 28 de setembro de 2009 pela arguida EE e assinadas pela declarante, cabeça de casal DD.
2.59- O user lD … corresponde ao usernt da arguida KK
2.60- O user lD … esteve atribuído a KK
2.61- A 28-09-2009, EE (…) alterou a titularidade do prédio ...º com base no IS averbando-o na herança de FF
2.62- A 13-03-2018, EE (…) altera a matriz do prédio ...º, fazendo constar que o "Averbamento de áreas e confrontações, com base na Escritura exarada a 06/12/2010 - CN ...."
3 - A moldura penal crime de falsificação, previsto e punido pelo artigo 256º do Código Penal, na presente situação não é de três, mas de cinco anos, pois as arguidas são funcionárias da Autoridade Tributária que agiram no exercício de suas funções, aplicando-se, pois o nº 4 daquele artigo. Da análise de todos os elementos probatórios juntos aos autos não restam quaisquer dúvidas que as arguidas são funcionárias da Autoridade Tributária e que todos as condutas que assumiram e de que vêm aqui acusadas foram executadas nessa qualidade: veja-se as certidões de 13 e 15 de março de 2018 e de 27 de janeiro de 2020; veja-se as informações de 13 de março, 18 e 25 de maio de 2020. E particular atenção deve ter-se para a alteração feita à matriz do prédio rústico ...º por EE com o seu código no dia 23 de março de 2018.
4 - A definição de documento que nos é dada pelo artigo 255º do Código Penal leva-nos a entender que tanto as certidões de 15 de março de 2018 e de 27 de janeiro de 2020 como as informações de 13 de março, 18 e 25 de maio de 2020 são documentos.
4.1- Caso assim não se entenda, pelo menos as certidões de 15 março de 2018 e de janeiro de 2020, tal como as certidões de teor do prédio terão de ser aceites como documentos, por se intitularem certidões. Pois, certidão é, por definição, um documento destinado a comprovar atos constantes dos registos ou arquivos de qualquer repartição pública.
4.2- Aceitando que as informações prestadas ao tribunal por II, a 13 de março de 2020 não seriam indiciárias da prática de crimes de falsificação de documento, seriam de crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 382º do Código Penal.
4.3- Em todo o caso o uso da certidão de teor do prédio 9932º na informação ao tribunal de 13 de março de 2020 não pode deixar de ser entendida como indício da prática de crime de falsificação de documento.
5 - Se o tribunal a quo se pronunciou acerca de factos sobre os quais o assistente não apresentou denúncia, ocorridos a 3 de dezembro de 2010, que no entender daquele seriam "esses sim, eventualmente integradores do tipo legal imputado", mas sobre os quais havia ocorrido prescrição, deveria se pronunciar acerca dos factos denunciados de 13 de março de 2020 que são idênticos àqueles. Se a 3 de dezembro de 2010 foi usada uma certidão de teor com dados falsos a 13 de março outra certidão de teor foi utilizada com os mesmos dados falsos, porém o tribunal optou por não se pronunciar acerca deste facto e tinha obrigação de o fazer.
6 - Na instrução o Tribunal pode atender a factos ou circunstâncias que não foram objeto da denúncia ou do Requerimento de Abertura da Instrução desde que não implique a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis e não afete a defesa do arguido.
6.1- A prova produzida na instrução permitiu perceber que foi EE quem alterou a matriz do prédio ...º, em 13-03-2018, fazendo constar nela que "Averbamento de áreas e confrontações, com base na Escritura exarada a 06/12/2010 - CN …." (fls. 461, 2º vol.) Este novo facto conjugado com os já descritos na denúncia e no requerimento de abertura de instrução deveria ter determinado a pronúncia da arguida EE pela prática de mais um crime de falsificação de documento, pois existem claros indícios de que foi EE quem alterou a matriz do prédio ...º, em 13-03-2018, fazendo constar nela que "Averbamento de áreas e confrontações, com base na Escritura exarada a 06/12/2010 - CN ...."
7 - O tribunal a quo deveria ter analisado de forma crítica a prova, o que não foi feito.
7.1- A prova documental apresenta contradições inaceitáveis:
7.1.1- A propósito do mesmo prédio existem certidões a comprovar atos completamente distintos (o averbamento da área e das confrontações faz-se ora com base numa escritura, ora com base num levantamento topográfico, ora numas declarações e levantamento topográfico)
7.1.2- Quando o averbamento de área e confrontações se faz com base na escritura, antes da outorga desta o prédio já tem essa área e confrontações?
7.1.3- Quando o averbamento de área e confrontações se faz com base num levantamento, este indica como proprietário, alguém que não o é?
7.1.4- DD assina a declaração modelo 1 de IS e recebe duplicado com carimbo das Finanças e não assina, nem recebe duplicado de levantamento topográfico (em que não consta como Requerente, mas outra pessoa, a justificante) com carimbo das Finanças?
7.1.5- Se o averbamento de área e confrontações do prédio havia sido feito com base na escritura de 6 de dezembro de 2010, porque é que só em 2018 é que ficou a constar da sua certidão de teor e não a partir de 06 de dezembro de 2010?
7.2 - A prova testemunhal, que o tribunal optou por também não fazer qualquer referência também reforça a existência de indícios de condutas criminalmente condenáveis.
7.2.1. As Chefes dos Serviços de Finanças confirmaram reclamação cadastral não se faz sem documento escrito, o que diz a Lei. O processo de
7.2.2- Também CC veio dizer ao Tribunal que em 2010 levou BB ao prédio para indicar-lhes os limites deste, tendo-lhe indicados outros, já que ela ocupa um terreno maior do que a tia tinha.
8 - Existem indícios de que EE e II praticaram nem só crimes de falsificação de documentos como crimes de abuso de poder.
9 - Dos elementos probatórios juntos aos autos resulta que a conduta das arguidas teve como propósito beneficiar terceiro, o que conseguiram.
9.1- Efetivamente da parte de EE havia a clara intenção de beneficiar a sua amiga BB, pois, não sendo esta titular inscrita do prédio rústico ...º ... não tinha legitimidade para fazer qualquer reclamação ao mesmo (artigo 130º do CIMD).
9.2- Por outro lado, II, sendo chefe do serviço de Finanças, viu-se confrontada com uma realidade sobre a qual não quis ter controle. Porém em vez de tentar reverter a situação, expondo a realidade ao tribunal, decidiu aceitar toda a conduta de EE e encobrir a sua atividade ilícita.
10 - Tendo as arguidas defendido que a cabeça de casal da herança de FF teria solicitado verbalmente o averbamento de área e confrontações o tribunal a quo deveria ter deferido o pedido de identificação de quem teria efetuado a alteração de titularidade dos prédios daquela herança para a de DD (sabendo-se que tal não é correto), para permitir a consulta desses prédios, designadamente se neles consta averbamento de áreas e confrontações.
11 - A decisão instrutória encontra-se ferida de nulidade por não ter sido fundamentada, violando, assim o disposto nos artigos 97º, nº 5 do Código de Processo Penal e os artigos 30º, nº 2 e 283º, nº 2, 3 e 4 deste Código.
12 - Esta decisão viola também o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa que obriga à fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente.
*
A Digna Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância contra-alegou, manifestando-se no sentido da improcedência do recurso e apresentando as seguintes conclusões:
1. Da leitura atenta da decisão recorrida, constatamos que a MMa. JIC tomou posição, de forma clara e inequívoca, sobre as questões constantes do requerimento de abertura de instrução, fundamentando a sua decisão.
2. Não existe violação do preceituado no art.º 97º/5 do C.P.P e artº 205º/1 da C.R.P. porquanto se encontram explicadas as razões de facto e de direito que fundamentaram a decisão de não pronúncia.
3. A MMa. JIC pronunciou-se acerca de todos os factos alegados pelo assistente.
4. O assistente não imputou à arguida II a prática de quaisquer factos integrantes do preceituado no artigo 256º, nº 1 do CPP, tendo-lhe sido atribuída, apenas, a prestação de informações falsas ao tribunal e o “encobrimento” da falsificação de documento pela arguida EE.
5. À exceção dos factos de 06-12-2010, o assistente também não imputou à arguida EE a prática de quaisquer factos integrante do preceituado no artigo 256º, nº 1 do CPP, tendo-lhe sido atribuída, apenas, a prestação de informações falsas ao tribunal.
6. Da prova carreada para os autos não é possível afirmar que as arguidas, que não tinham qualquer interesse no desfecho da causa, tenham prestado as informações com conhecimento de discrepância nas descrições do prédio em causa, com o propósito de beneficiar ou prejudicar terceiros.
7. Destarte, salvo o devido respeito por melhor opinião, a decisão instrutória não merece qualquer reparo.
*
A arguida II também contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso e apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões:
A) A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular – nºs 1 e 2 do art.º 118º do CPP.
B) A falta de fundamentação das decisões, com excepção da sentença (al. a) do nº 1 do art.º 379º do CPP), não se mostra cominada com a sanção da nulidade, razão pela qual constitui mera irregularidade.
C) A invalidade do acto tem de ser arguida pelo interessado no próprio acto ou, se a este não tiver assistido, nos 3 dias seguintes a contar daquele em tiverem sido notificados para qualquer termo no processo ou intervindo em algum acto nele praticado – nº 1 do art.º 123º do CPP.
D) O assistente esteve presente quando foi da leitura do despacho.
E) O mesmo teve conhecimento na hora e não requereu a invalidade do mesmo no dia da leitura do referido despacho, nem tão pouco nos 3 dias seguintes a contar daquele em que foi notificado do despacho de não pronúncia, despacho que pôs termo ao processo.
F) Só a 30 de Abril de 2024, data em que o assistente deu entrada do seu recurso é que veio requerer a nulidade do despacho, alegando a falta de fundamentação.
G) Logo, a nulidade invocada pelo ora recorrente carece de fundamentação legal.
H) A existir uma irregularidade, esta nunca foi invocada em tempo útil pelo recorrente, tendo caducado o seu direito de poder vir agora pedir para ser apreciada, em sede de recurso.
I) O tribunal a quo concluiu e bem que, as condutas praticadas pela arguida EE foram irregulares e mesmo ilegais de normas legais, que seriam relevantes em termos civis e disciplinares, mas nunca penais.
J) Mas em momento algum, o tribunal a quo estendeu este raciocínio à arguida II.
L) Aliás, resultou dos documentos carreados para os autos pela arguida II, elementos que provam, que a mesma não tenha cometido qualquer tipo de crime, nem tão pouco auxiliado terceiros a cometer um eventual crime.
M) Não resultou dos autos, quer dos depoimentos prestados ou da prova documental, que esta arguida tivesse prestado qualquer informação com conhecimento de discrepância nas descrições do prédio em causa.
N) Relativamente aos factos imputados à arguida II datados de 13/03/2020, 18/03/2020 e 25/05/2020, não se vislumbra primeiro, onde é que a arguida falsificou qualquer documento.
O) Dos elementos carreados, por esta arguida, para os autos resultaram os seguintes factos, nomeadamente: Os useris RIOR… e MG … pertencem à funcionária KK;
O user LC…, pertence à trabalhadora MM que exerceu funções no Serviço de Finanças ..., há mais de 10 anos, estando actualmente a exercer funções no ...;
P) Estes useris e palavras-chave atribuídas a cada funcionário da Autoridade Tributária são pessoais e intransmissíveis.
Q) Como tal, ficou provado que a arguida II nunca introduziu nada no sistema da Autoridade Tributária com o user de outra pessoa que lá trabalhe, nem tão pouco com o seu user.
R) Atento ao histórico do processo e as datas do sistema, temos os seguintes factos, dados como certos e provados:
a) A 24/09/2009, consta um registo de alteração/averbamento do prédio para o nome de DD, com o NIF ..., efectuado com base no Processo de Imposto Sucessório, nº …, do Serviço de Finanças com data de .../.../1986;
b) A 28/09/2009, foi alterada o sujeito passivo para o NIF ..., pertencente a FF, cabeça de casal da Herança com base no Processo de Imposto Sucessório, nº …, do Serviço de Finanças com data de .../.../1986, conforme referido na alínea anterior.
c) A 28/09/2018, os elementos constantes na alínea anterior, mantêm-se.
d) E, todas estas alterações/informações registadas, foram efectuadas pela arguida KK e não pela arguida II.
e) Em 17/01/2011, a funcionária do Serviço de Finanças ..., MM, inseriu no sistema a alteração de sujeito passivo, passando a constar o nome de LL, com o NIF ..., tendo como base uma escritura de justificação notarial realizada a 06/12/2010, do Cartório Notarial ..., em consequência do registo de participação do Imposto de selo, nº ….
S) Ficou provado que, não foi a arguida, ora recorrida, a Sra. II, a ter introduzido aqueles dados no sistema.
T) Ficou provado que foi a arguida EE, que redigiu o ofício, comunicando e certificando que o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...º teve como procedimento de actualização das dimensões do referido prédio, se estribou no levantamento topográfico realizado e datado de Setembro.
U) Ficou provado que foi a arguida EE, que elaborou a resposta que consta no ofício nº 182, bem como também foi esta que elaborou o ofício datado de 25 de Maio de 2020.
V) Ficou provado que os ofícios saem automaticamente com a assinatura digitalizada da Chefe de Serviço de Finanças, daí constar a assinatura da arguida II.
X) Ficou provado, que a assinatura do ofício tivesse sido oposta por II, nunca foi feito com intuito de prejudicar terceiros.
Y) Ficou provado que as informações remetidas ao Tribunal, já constavam do sistema da Autoridade Tributária, desde a data de 2011.
Z) Ficou provado que arguida II não forjou tais informações nem auxiliou a arguida EE, a forjar qualquer documento ou informação com intuito de prejudicar terceiros.
A. 1) Da prova documental e testemunhal trazida pelo Recorrente durante a fase de Instrução, não se deslumbra, nem se alcança, como é que o Recorrente imputa factos à arguida, sem trazer sequer um elemento probatório contra a mesma.
A.2) A arguida II, não praticou qualquer tipo de crime no exercício das suas funções.
A.3) A decisão de não pronúncia relativamente a esta arguida deve ser mantida.
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Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de o recorrente dever ser notificado para reformular as conclusões.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
Efectivamente, não obstante a prolixidade das conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação, é ainda possível deduzir as indicações previstas no art.º 412º, nºs 2 a 5, do Cód. Proc. Penal, pelo que se dispensa o sugerido convite no sentido do seu aperfeiçoamento.
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Fundamentação
A decisão instrutória proferida nos autos tem o seguinte teor:
Findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento relativamente à queixa apresentada por AA na qual imputava a KK e II factos que considerou susceptíveis de integrar a prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1 e nº 3 do Código Penal e de um crime de fraude fiscal previsto e punido pelo artigo 103º, nº 1, alínea c) do RGIT.
* Por discordar de tal despacho, AA constituiu-se assistente e requereu a abertura da instrução, nos termos do disposto no art.º 287º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, alegando, em síntese, que foi apresentada Denúncia contra KK e II, funcionárias públicas a exercer as suas funções no Serviço de Finanças ... por se entender que estas praticaram o crime de falsas declarações de documento quando a primeira certificou a 13 de Março de 2018 que o averbamento de áreas e confrontações do prédio rústico inscrito sob o artigo ...º  da freguesia ... havia sido efectuado com base na Escritura exarada a 06-12-2010 do Cartório Notarial ... e a 15-03-2018, que não era possível indicar as áreas e confrontações descritas no prédio anteriores às já indicadas.
Refere que tal crime voltou a ser praticado mesma funcionária pública a 27 de Janeiro de 2020 quando certificou que as mesmas áreas e confrontações daquele prédio haviam sido averbadas com base em levantamento topográfico e declaração do contribuinte de 28 de Setembro de 2009 e do mesmo modo procedeu, a 13 de Março de 2020, a segunda denunciada, II, quando informou ao tribunal que as áreas e confrontações daquele prédio haviam sido averbadas através da Escritura exarada a 06-12-2010 no Cartório Notarial ... e que os Serviços de Finanças não possuíam mais elementos em relação ao referido averbamento.
Menciona que entendeu o Ministério Público proferir despacho de arquivamento quanto ao crime de falsificação de documento, pela "emissão e assinatura de certidão de teor do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...º  da freguesia ..., pela insuficiência de indícios", sendo que do despacho de arquivamento, consta que "da queixa apresentada retira-se assim que o denunciante não coloca em causa a informação prestada pelo "contribuinte" junto do Serviço de Finanças quanto à dimensão do prédio, nem o mencionado levantamento, ou tão pouco o declarado na referida escritura" e mais entendeu não poder considerar que a informação que consta do campo "Observações" como sendo uma declaração", mas uma "informação mais actualizada", concluindo que "as diversas informações constantes dos diversos documentos resultam de sucessivas actualizações que, sequencialmente determinaram a sua actualização. Isto é, antes do aluvião de ... de ... de 2010, […] foram averbadas área e confrontações, em 28 de Setembro de 2009, com base em levantamento topográfico e declarações do contribuinte [...] porém, posteriormente, em resultado do [...] mau estado de conservação em que se encontram as matrizes rústicas deste concelho, procedeu-se ao averbamento de [...] de áreas e confrontações com base na escritura exarada a 06-12-2010 - CN .... “E por fim entendeu que "nada faz concluir que as denunciadas tenham querido obter um benefício ilegítimo ou causar prejuízo, pois nada diferente já foi certificado daquilo que já constava”.
Considera que quando um funcionário público, no exercício das suas funções, certifica um facto contrário ao real, com consciência de tal situação e visando beneficiar alguém e com prejuízo para outrem, pratica um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alínea a) do Código Penal.
Entende que não é correcto que o Assistente não tivesse colocado em causa a informação prestada quanto à dimensão do prédio e ao levantamento topográfico ou tão pouco o declarado na escritura de justificação pois a apresentação da oposição é a prova da discordância. Mais alega que, na denúncia foi junto, como Doc. 4, uma cópia da oposição à providência cautelar, onde é manifestada expressamente a discordância com a área e as confrontações do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...º  da freguesia ... e na denúncia é expressamente referido que o prédio do denunciante confronta com o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... 0 e que na oposição à providência cautelar levantam-se questões de áreas confrontações e extremas daqueles prédios.
Refere ainda que a aluvião do ... de ... de 2010 não determinou qualquer actualização matricial nem provocou qualquer mau estado nas matrizes rústicas do concelho  .... Afirma que as diversas informações certificadas pelas denunciadas não correspondem a qualquer actualização matricial do prédio e existem documentos na denúncia que mostram que o Assistente foi prejudicado com as informações incorrectas de 13 e 15 de Março de 2018.
Descreve que no artigo 170 daquela Oposição à Providência Cautelar este acabou por alegar indevidamente que antes do averbamento feito com base na Escritura de 06-12-2010 e devido ao mau estado de conservação em que se encontram as matrizes rústicas do concelho ... não era possível indicar a área e as confrontações descritas no prédio anteriores às actuais mas o Assistente foi induzido em erro na sua oposição ao ser informado de que antes a área e as confrontações do prédio tinham sido averbadas com base na escritura de 06-12-2010 e de que aquele não tinha qualquer descrição em termos de área e confrontações antes deste acto notarial e o tribunal avaliou o documento de forma desfavorável ao oponente. Aduz que se o documento plasmasse a verdade o oponente teria elaborado a sua oposição noutros termos e teria solicitado outros meios de prova para demonstrar que aquele prédio nunca tinha tido as áreas e as confrontações que apresentava e que tinham sido os Requerentes da providência cautelar, sem legitimidade, mas com a ajuda da denunciada EE, quem tinham solicitado aquela caracterização predial, pois, na verdade, conforme se demonstrará, com o apoio de EE, em 2010 os Requerentes, antes da outorga de justificação, sem qualquer legitimidade, entregaram no Serviço de Finanças ... um requerimento com um levantamento topográfico a conferir áreas e confrontações ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...º da freguesia da ..., permitindo assim o registo predial do prédio com uma área que não correspondia à real e na posse de tal descrição matricial e predial os Requerentes da providência cautelar forjaram uma área e confrontações ao prédio, levando para a acção cível uma prova falsa.
Refere que não obstante a falta de legitimidade para a prática do acto, aquele requerimento para atribuição de área e confrontações ao prédio, entregue no Serviço de Finanças ... foi deferido e o prédio passou a ser descrito matricialmente com a área e confrontações mais tarde indicadas na Escritura de Justificação. Sem área e sem confrontações o prédio não poderia ser sujeito a este acto notarial e consequentemente não poderia ser registado. Entende que, pretendendo o assistente fazer prova, num processo cível, de que não ocupava área do prédio confinante, ou seja, o inscrito na matriz sob o artigo ...º da freguesia ..., por este ser menor do que realmente surgia nos documentos (matriz e Conservatória do Registo Predial), viu-se prejudicado na defesa da sua posição face à atitude das denunciadas que são funcionárias públicas e emitiram documentos falsos, conforme se verá, nem só pela prova já junta aos autos como pela que agora se apresentará e tendo o assistente se apercebido que antes da outorga da escritura de ...-...-2010 o Serviço de Finanças ... já havia emitido uma certidão a informar aquela área e aquelas confrontações descritas naquele acto notarial (certidão de 03-12-2010) e solicitada nova certificação por parte daquele Serviço, a primeira denunciada informou a 27 de Janeiro de 2020 que aqueles elementos descritivos do prédio haviam sido averbados com base num levantamento topográfico e em declarações do contribuinte.
Descreve que, conforme e devidamente comprovado pelos documentos juntos na denúncia: - a 13 de Março de 2018 EE certificou que o averbamento de áreas e confrontações do prédio rústico inscrito sob o artigo ...º  da freguesia ... havia sido efectuado com base na Escritura exarada a 06-12-2010 do Cartório Notarial ...; - a 15 de Março de 2018 EE certificou que não era possível indicar as áreas e confrontações descritas no prédio anteriores às já indicadas; - a 27 de Janeiro de 2020 EE certificou que aquelas áreas e confrontações haviam sido averbadas com base em levantamento topográfico e declaração do contribuinte de 28 de Setembro de 2009; - e a 13 de Março de 2020 II informou ao tribunal que as áreas e confrontações daquele prédio haviam sido averbadas através da Escritura exarada a 06/12/2010 no Cartório Notarial ... e que os Serviços de Finanças não possuíam mais elementos em relação ao referido averbamento.
Afirma que, aquelas funcionárias em quatro momentos distintos emitiram certidões fiscais com duas versões completamente diferentes e nenhuma das informações prestadas correspondeu à verdade.
Descreve que a primeira versão informa que o averbamento das áreas e confrontações do prédio ocorreu com base na Escritura de Justificação de 06-12-2010, não existindo possibilidade de certificar a área e as confrontações anteriores às indicadas naquele acto notarial mas conforme se pode verificar através da certidão 03-12-2010 também emitida pelo Serviço de Finanças ..., tal certificação de 15-03-2018, de que o averbamento havia sido feito com base na escritura de 06-12-2010, não corresponde à realidade, pois antes da outorga daquele acto a área e as confrontações do prédio já constavam do mesmo. Mais descreve que as certidões de 13 e 15 de Março de 2018 e a informação de 13 de Março de 2020 foram elaboradas com informações falsas: antes de 06-12-2010 o prédio já tinha averbadas a área e as confrontações que constavam na Escritura, pelo que não foi com base neste acto notarial que foram efectuados aqueles averbamentos.
Alega ainda que a outra versão, a de 27 de Janeiro de 2020, indica que a área e as confrontações daquele prédio basearam-se num levantamento topográfico e declaração do contribuinte de 28 de Setembro de 2009, sendo que a 27 de Janeiro de 2020, é a própria EE que reconhece que as informações prestadas por si nas certidões de 13 e 15 de Março de 2018 não correspondiam à verdade e afinal antes de 06-12-2010 0 prédio já tinha averbadas a área e as confrontações. Considera que também não corresponde à verdade que a área e as confrontações do prédio tenham sido averbadas com base num levantamento topográfico e em declarações de 28 Setembro de 2009, sendo que perante esta nova certificação de que "foram averbadas área e confrontações, em 28 de Setembro de 2009, com base em levantamento topográfico e declaração do contribuinte", foi solicitada a certificação do documento que esteve na origem da descrição matricial, ao que a Denunciada informou, a 3 de Fevereiro de 2020, tal não ser possível em virtude do "documento em causa não ter natureza pública, por não constituir um dado passível de se tornar público, sendo que está abrangido pelo dever de sigilo fiscal". Refere que ordenado o levantamento do sigilo fiscal, já foi a Denunciada II quem prestou a informação de 13 de Março de 2020 supra referida (a de que que as áreas e confrontações daquele prédio haviam sido averbadas através da Escritura exarada a 06/12/2010 no Cartório Notarial ... e que os Serviços de Finanças não possuíam mais elementos em relação ao referido averbamento, sendo que o denunciante foi induzido em erro com as certidões de ..., que determinaram os termos em que apresentou a sua oposição e após a apresentação da oposição com a entrega das certidões de 13 e 15 de Março de 2018, apercebendo-se do conluio entre os Requerentes da Providência Cautelar e a Denunciada EE e necessitando fazer prova de que tinham sido aqueles que tinham conferido as áreas e as confrontações ao prédio que alegavam possuir há mais de 20 anos com aquelas descrições, o Assistente foi constantemente confrontado com falsas declarações em documento por parte das Denunciadas no exercício das suas funções como técnicas tributárias.
Reporta que em 2018, EE, sendo amiga dos proprietários do prédio confinante com o prédio do Assistente e tendo participado da escritura de justificação do prédio destes (o tal inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia ...), de 06-12-2010, percebendo a intenção deste e protegendo aqueles, havia certificado que o prédio não continha a área e as confrontações anteriores às indicadas naquele acto notarial e mais tarde, apercebendo-se da existência da certidão de teor de 03-12-2010 onde aquelas descrições matriciais já surgiam na identificação do prédio, antes da outorga da dita escritura de justificação de 06-12-2010, EE declara que a área e as confrontações haviam sido averbadas com base em levantamento topográfico e declaração do contribuinte de 28 de Setembro de 2009, sabendo que o prédio pertencia a uma herança com participação de Imposto de Selo de Setembro de 2009, dá esta última informação, para legitimar o acto e mais uma vez EE presta falsas declarações em documento, pois o averbamento de área e confrontações não ocorreu a 28 de Setembro de 2009.
Aduz que dispondo o n.º 3 do artigo 130.º do CIMI que é o sujeito passivo, para além da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia, quem tem o poder de reclamar de qualquer incorrecção nas inscrições matriciais com base em erro na descrição dos prédios, importante seria ao Denunciante provar em tribunal que não foi o proprietário do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...º  da freguesia ... a apresentar o pedido de reclamação com respectivo levantamento topográfico e de facto, a lei fiscal impede que um terceiro reclame de qualquer incorrecção na inscrição de um prédio que não lhe pertence. Descreve que tendo conhecimento daquele dispositivo legal e pretendendo prejudicar o Assistente em benefício de seus amigos, os justificantes, alegadamente proprietários dum prédio confinante com o prédio daquele, EE mudou a sua versão inicial remetendo a data do averbamento de área e confrontações para o momento da apresentação do Imposto de Selo e segunda Denunciada, II, podendo, por termo aos actos ilícitos da primeira, decide ajudá-la.
Considera que os elementos probatórios juntos à denúncia eram já suficientes para deduzir acusação contra KK e II pois a caracterização matricial do prédio e a indicação de quem efectuou ou de quando foi efectuada tal caracterização constituem factos juridicamente relevantes, pois permitem o registo do prédio com determinadas características e permite controlar a licitude ou ilicitude do procedimento de atribuição de tais características.
Mais alega que, não obstante os factos referidos constituírem já fortes indícios da prática do crime de falsificação de documento, outros ocorreram, após a apresentação da denúncia, com relevância para os presentes autos pois após a entrega da denúncia II continuou na senda de tentar encobrir os seus actos e os de EE e, para além dos actos praticados pelas Denunciadas a 13 e 15 de Março de 2018, 27 de Janeiro, 3 de Fevereiro e 13 de Março de 2020, teremos ainda de ter em atenção a continuidade da actividade ilícita pois tendo o tribunal verificado a contradição entre as duas posições – averbamento com base em declarações do contribuinte e num levantamento topográfico de 2009 e averbamento com base numa escritura de 2010 solicitou a notificação do Serviço de Finanças ... para "esclarecer em que documentos se estribou o procedimento de actualização das dimensões do prédio" e em 18 de Maio de 2020 a segunda Denunciada, II, responde que: "o procedimento de actualização das dimensões do referido prédio se estribou no levantamento topográfico datado de Setembro de 2009 subscrito pelo topógrafo JJ que deu entrada nestes serviços com a finalidade de instruir tal pedido e que se junta em anexo para melhor elucidação" e chamada a esclarecer a informação anterior, II, a 25 de Maio de 2020, vem responder que: "o procedimento de actualização das dimensões do referido prédio em questão se estribou unicamente no levantamento topográfico já remetido a esse tribunal com o nosso oficio n.º 175 de 15 de Maio de 2020. Mais sou a informar que não existe qualquer outro documento que haja dado entrada nestes serviços relativamente a esse procedimento, atendendo a que o requerimento apresentado por DD, NIF ..., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de FF que lhe deu origem não foi apresentado por escrito, razão pela qual nos referimos na certidão de 27 de Janeiro de 2020 por este Serviço de Finanças, e que já consta desses autos, a declarações (entenda-se verbais) do contribuinte, as quais atendíveis em cumprimento do disposto no artigo 132º, n º 1 do CIMI. Entende que para justificar o facto de não existir nenhum requerimento escrito de DD, a Denunciada refere ali que as declarações desta haviam sido obtidas de forma verbal, olvidando-se, por completo, o que dispõe o n.º 1 do artigo 132º do CIMI acerca da forma de apresentação das reclamações e se em 2009 não foram reduzidas a escrito as declarações do contribuinte, como é que em 2018 podem os Serviços saber quando é que foi apresentada a reclamação, quem a apresentou, o que reclamou e quem a recebeu pois a Administração fiscal também se encontra sujeita às regras do Código do Procedimento Administrativo e só se poderia considerar como verdadeiras as declarações certificadas por II se esta apresentasse ao tribunal o termo de recepção por parte das Finanças tanto do requerimento como do levantamento topográfico, devidamente carimbados, datados e assinados, que é aliás o comportamento normal e corrente dos serviços da administração tributária.
Alega que passados tantos anos, sobre a "recepção" do levantamento topográfico, não se percebe como é que as demandadas encontraram tal documento, nem tão pouco como concluíram que o mesmo dizia respeito ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...º da freguesia ... e da análise de tal levantamento entregue no tribunal a 18 de Maio de 2020 verifica-se que o mesmo não faz indicação a qualquer registo de entrada no Serviço de Finanças nem referência a artigo matricial, mas, estranhamente, consegue-se verificar no levantamento topográfico, como Requerente, não DD, mas BB, ou seja, a amiga de EE, justificante do prédio em escritura de 2010 e a requerente-mulher da providência cautelar.
Descreve ainda que, em consequência do comportamento das Denunciadas, se a fundamentação da sentença proferida na oposição à Providência cautelar o Tribunal pôs em questão o mapa cadastral não homologado ..., quanto às das informações certificadas por aquelas como técnicas da Autoridade Tributária, aceitou-as como certas e a propósito do mapa cadastral o Tribunal entendeu que: "fosse este mapa homologado e tivesse sido publicado e sujeito a reclamação pública, por certo, por aí se poderia entender este documento com valor não meramente informativo, mas de natureza descritiva com os posteriores registos e/ou matriciais, mais entendendo o tribunal que "não será "possível realizar, como pretendeu o oponente, a correspondência entre aquelas parcelas rústica ali assinaladas e os actuais prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial e na matriz – nomeadamente os prédios sobre os quais os opoídos e oponente se arrogam como proprietários -, para desse modo contrariar a informação constante do registo predial e matricial, relativa à dimensão de 611,00 m2, do prédio dos opoídos" e indeferiu a oposição, por haver concluído que "o facto de o oponente tentar colocar em causa o facto de terem sido os próprios opoídos a prestar informação (quanto à dimensão do prédio), junto do Serviço de Finanças e do Registo Predial, causa estranheza, pois, na elaboração do mapa cadastral que o próprio apresenta, terão sido relevadas diversas informações prestadas precisamente pelos alegados proprietários; só com uma agravante: é que nesse caso não é possível conhecer, atualmente, quem terá prestado, na altura (que igualmente se desconhece) as ditas informações".
Conclui que a atitude de EE, em Março de 2018, certificando em documento, informações falsas que visou prejudicar o Denunciante e beneficiar seus amigos alcançou o seu fim, pois o tribunal seguindo as certidões de 13 e 15 de Março de 2018 e a de 13 de Março de 2020 entendeu que, quanto à convicção do Opoente de que teriam sido os Opoídos (BB e LL) quem teriam prestado as informações quanto à dimensão do prédio, "não é possível conhecer, atualmente, quem terá prestado, na altura (que igualmente se desconhece), as ditas informações” e se as Denunciadas tivessem agido em conformidade com a lei, BB e seu marido não teriam conseguido alterar a matriz de um prédio que não lhes pertencia, não teriam conseguido outorgar a escritura pública de justificação, nem teriam conseguido registar o prédio a seu favor, se as Denunciadas tivessem certificado o real processo de atribuição de área e confrontações, o Denunciante teria feito prova diferente naquela providência cautelar e se EE certificasse que devido ao mau estado da matriz rústica não era possível indicar os elementos solicitados (área e confrontações antigas), mas que tais elementos poderiam ser pesquisados junto do Arquivo Regional da Madeira, o Assistente teria encontrado uma descrição matricial do prédio anterior à actual e na posse de tal informação o Assistente teria obtido a informação de que que em 1940 o prédio ...º da freguesia ... encontrava-se inscrito na matriz em nome de CC (pai de DD), mas porque acreditou na certificação de 15 de Março de 2018 de EE e porque é do conhecimento público de que o Serviço de Finanças ..., há muitos anos, sofreu um incêndio, o Assistente acabou, naquela data, por aceitar a informação ali prestada como verdadeira e só em 2021, sabendo que o Serviço de Finanças ... aconselha os contribuintes, em caso de dúvidas acerca da matriz, a consultar do Arquivo Regional da Madeira é que o Assistente decidiu dirigir-se ali, onde acabou por encontrar a matriz antiga daquele prédio e ali conseguiu descobrir que em 1940 o prédio nem só tinha área como confrontações descritas pois tinha 81,00 m2 e confrontava a Norte e Sul com ... e ..., Leste com NN e Oeste com OO. Acrescenta que BB e seu marido apresentaram a 29-11-2021 uma Réplica na acção cível interposta contra o Demandante, onde expressamente alegam que "A funcionária KK, limitou-se a averbar na matriz do prédio da AA., a concreta área que pela A., BB lhe foi comunicada em face de levantamento topográfico que ali entregou, tendo a dita área sido assim averbada em tal matriz" (artigo Y), esclarecendo que "os AA efectivamente contactaram em 2010, CC, primo de DD, para que aquele ajudasse a precisar os limites do prédio dos AA., a fim de ser feita a referida escritura de justificação", verificando-se, pois, que os justificantes do prédio, alegam que em 2010 solicitaram ajuda a CC para que este precisasse os limites do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...º da freguesia ... e após isto, solicitaram levantamento topográfico do prédio, na posse do qual, BB solicitou a EE que esta averbasse a área ao prédio, o que efectivamente ocorreu em 2010, não em 2009, a pedido de BB e não de DD e antes de 6 de Dezembro de 2010, pois o Serviço de Finanças três dias antes já demonstrava a existência de área e confrontações no prédio.
Considera que, conforme sempre souberam e sabem BB e LL, como EE, CC em 2010 não precisou no terreno as áreas e confrontações indicadas no levantamento topográfico e informou BB que o prédio de sua tia DD correspondia aquele que na foto junta aparece com a erva crescida, já que o terreno sem qualquer plantação pertencia QQ e à família dos do ….
Entende que ao agir da forma como agiram tinham consciência de estar a agir de forma ilícita e dessa forma beneficiar BB e seu marido, prejudicando o assistente AA, pois, sempre consciente de não estar a ocupar o prédio daqueles, foi confrontado com uma decisão que o obrigou a retirar todas as pedras depositadas no prédio que pertenceu a PP e o seguinte (os identificados no mapa cadastral sob os nº ... e ...) e encontra-se actualmente obrigado a pagar uma sanção compulsória pelo período que ocupou tal área e entretanto BB e LL intentaram acção executiva contra o aqui assistente no sentido de exigir-lhe o pagamento de uma quantia superior a 130.000,00 (cento e trinta mil euros).
Conclui que deverá a denunciada KK ser pronunciada pela prática de três crimes de falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 256º do Código Penal e a denunciada II pela prática de três crimes falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 256º do Código Penal, ao tentar encobrir os crimes praticados pela primeira.”
* Foi proferido despacho a rejeitar a instrução apresentada pelo assistente, decisão que foi revogada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que determinou a abertura de instrução.
* No decorrer da instrução, foram inquiridas as testemunhas indicadas pelo assistente e foram analisados os documentos juntos e aqueles cuja junção se determinou. Foi suscitada a questão da prescrição parcial dos factos, matéria relativamente à qual, os intervenientes tiveram oportunidade de se pronunciar.
* Realizou-se o debate instrutório com observância do formalismo legal.
* O tribunal é competente. Não existem nulidades ou outras questões prévias ou incidentais de que cumpra, desde já, conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
* Segundo o disposto no art.º 286.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
O art.º 283.º, n.º 2, ex vi art.º 308.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, estipula que “consideram-se suficientes os indícios, sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. Sobre este conceito legal escreve o Prof. Figueiredo Dias - os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando já em face dela, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição. Acrescenta este autor que logo se compreende que a falta delas (provas) não possa de modo algum desfavorecer a posição do arguido: um “non liquet” na questão da prova ..., tem de ser sempre valorado a favor do arguido. - Direito Processual Penal, 1º, 1974, 133, citado no Ac. da Rel. de Coimbra, de 31.3.93, in C.J., T. II, p. 65.
Na jurisprudência, a interpretação desse conceito é resumida pela Relação de Coimbra (Ac. da Rel. de Coimbra, de 31.3.93, in C.J., T.II, p.65) da seguinte forma - para a pronúncia, não é preciso uma certeza da existência da infracção, mas os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que é imputado. Neste sentido se pronunciou o S.T.J. (Ac. de 10.12.92, citado no Código de Processo Penal Anotado, de Manuel Silva Santos e outros, Ed. de 1996, p. 131), que definiu “indiciação suficiente” como aquela que resulta da verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, componham a convicção de que, com a discussão ampla em audiência de julgamento, se poderão vir a provar em juízo de certeza e não de mera probabilidade, os elementos constitutivos da infracção porque os agentes virão a responder.
Deve assim o juiz de instrução compulsar os autos e ponderar toda a prova produzida em sede de inquérito e de instrução e fazer um juízo de probabilidade sobre a condenação do arguido e, consequentemente, remeter ou não a causa para a fase de julgamento.
O assistente imputa à arguida “KK ser pronunciadas pela prática de três crimes de falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 256º do Código Penal e a denunciada II pela prática de três crimes falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 256º do Código Penal, ao tentar encobrir os crimes praticados pela primeira.”
Segundo o disposto no referido artigo 256.º n.º 1, “quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido (...)”.
O bem jurídico protegido por este tipo de crime é a “segurança e a confiança do tráfico jurídico, especialmente do tráfico probatório”, ou seja, “a verdade intrínseca do documento enquanto tal” (Figueiredo Dias/Costa Andrade in “O Legislador de 1982 optou pela Descriminalização do Crime Patrimonial de Simulação, Parecer”, C.J. VIII, pp. 3 e ss.).
De referir que integra o tipo legal de crime não só a falsificação material como a falsificação ideológica, o que abrange a falsificação intelectual e a falsidade em documento, sendo certo que, em qualquer dos casos, se falsifica o documento enquanto declaração, isto é, falsifica-se a declaração incorporada no documento. Na falsificação material o documento não é genuíno e na falsificação ideológica, o documento é inverídico. No âmbito da falsificação intelectual integram-se todas as situações em que o documento incorpora uma declaração falsa, uma declaração escrita, integrada no documento, distinta da declaração prestada. Por seu turno, na falsidade em documento integram-se os casos em que se presta uma declaração de facto falso juridicamente relevante.
Importa ainda referir que o crime de falsificação de documento é um crime de perigo, uma vez que, após a falsificação, ainda não existe uma violação do bem jurídico, mas um perigo de violação do mesmo. Além disso, é um crime de perigo abstracto, bastando para que o tipo legal esteja preenchido, que se conclua, a nível abstracto, que a falsificação daquele documento é uma conduta passível de lesão do bem jurídico protegido. É também um crime formal ou de mera actividade, não sendo necessária a produção de qualquer resultado, pese embora se exija uma certa actividade do agente, no sentido de fabricar, modificar ou alterar o documento. Como refere Helena Moniz, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pp. 681, “podemos assim considerar que se trata de um crime material de resultado, isto é, um crime formal considerado o resultado final que se pretende evitar (violação da segurança no tráfico jurídico em virtude da colocação neste do documento falso), mas um crime material considerado o facto (modificação exterior) que o põe em perigo. Assim, se considerarmos, por um lado, a actividade e os interesses que este tipo legal visa proteger estamos perante um crime formal; se, por outro lado, considerarmos a actividade do agente – isto é, o acto de falsificar o documento – já estamos perante um crime material”.
O tipo legal de crime comporta diversas modalidades de conduta: - fabricar documento falso; - falsificar ou alterar documento; - abusar de assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso; - fazer constar falsamente facto juridicamente relevante; - usar documento falso (nos termos anteriores) fabricado ou falsificado por outra pessoa. - facultar ou deter tais documentos.
No que diz respeito ao tipo subjectivo, importa referir que, além do dolo genérico relativo aos elementos normativos do tipo, o crime de falsificação de documento exige ainda um dolo específico, uma vez que o agente necessita de actuar com “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”. Constitui benefício ilegítimo toda a vantagem patrimonial ou não patrimonial que se obtenha através do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento falsificado.
Conforme resulta do requerimento de abertura de instrução, o assistente pretende a pronúncia das arguidas pelos seguintes factos:
1- Em data que o assistente não sabe precisar, mas certamente no ano de 2010, anteriormente a 03 de Dezembro desse ano, BB solicitou a CC que lhe indicasse os limites do prédio de DD ao Sítio do ..., tendo este lhe mostrado as confrontações a Sul e Poente, já que a nascente e Norte o mesmo já confrontava com o Caminho do ... e a Estrada ....
2 - Tal indicação fez-se no local, onde CC mostrou que a Poente o prédio confrontava com o prédio de PP, também conhecida por QQ
3 - De acordo com as informações de CC que, durante anos havia cultivado tais terrenos a pedido dos respetivos proprietários, o limite do prédio de DD ia até o prédio de QQ e que o prédio desta confrontava, por sua vez, com o prédio dos do "…, também a Poente.
4 - Contrariando as indicações de CC, em data que o Assistente não sabe precisar mas, depois do dia supra indicado e antes ou até no dia 3 de Dezembro de 2010, BB dirigiu-se ao Serviço de Finanças ... e solicitou à sua amiga EE que averbasse ao prédio inscrito na matriz em nome da FF, cabeça de casal da herança de, a área de 611,00 m2 e as seguintes confrontações: Norte Caminho, Sul Herdeiros de GG, Nascente Caminho Municipal e Poente HH.
5 - No dia 03-12-2010 foi emitida uma certidão de teor pelo Serviço de Finanças … daquele prédio onde passaram a constar aquelas áreas e confrontações.
6 - No dia 06-12-2010 BB e seu marido outorgaram uma escritura de justificação, onde arrogaram-se donos daquele prédio rústico caraterizado matricialmente com aquela área e aquelas confrontações.
7- A primeira denunciada foi testemunha de tal ato, confirmando as declarações de BB e seu marido.
8 - Tendo DD falecido a ... de ... de 2017 na ..., nesse ano, mais precisamente, a 13 de Dezembro de 2017, BB e seu marido instauraram um providência cautelar de restituição provisória de posse contra o ora assistente sem sua audição prévia, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Ponta do Sol, no Juízo de Competência Genérica, sob o nº 224/17.1T8PTS.
9 - Deferido o pedido de restituição do prédio, o Assistente entregou a 17 de Março de 2018, a sua oposição àquela providência, onde sumariamente alegou não estar a ocupar o prédio dos Requerentes, pois aquele não tinha nem nunca teve a área por eles indicada, tanto na caderneta predial, como na escritura de justificação, registo e, consequentemente no Requerimento Inicial da Providência judicial.
10 - Ali, o Requerido alegou que os Requerentes não teriam comprado o prédio de DD em 1988 e que só haviam entrado na posse do mesmo em finais de 2010.
11 - Mais alegou que o prédio de DD não tinha nem a área, nem as confrontações plasmadas na caderneta, na escritura e no registo: a área do mesmo era inferior e a Poente confrontava com o seu prédio que anteriormente havia pertencido a PP.
12 - O oponente juntou mapa cadastral do local, alegando que o prédio de DD correspondia ao ali identificado sob o nº … e que com a nova área e confrontações (dadas pelos Requerentes) o mesmo passou a absorver a áreas dos outros dois prédios seguintes a oeste: o … e ... pertencentes ao Requerido.
13 - A 13 de Março de 2018, o Requerido da providência cautelar solicitou, junto do Serviço de Finanças ..., que lhe fosse certificado, para efeitos judiciais, relativamente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...º, freguesia e concelho ..., em que data haviam sido averbadas as atuais confrontações e área e qual o documento que esteve na origem desta descrição. Mais solicitou que fosse certificada qual a área e as confrontações descritas no referido prédio anteriores às de então.
14 - A primeira denunciada certificou, na qualidade de técnica tributária, a 13 de Março de 2018 que o prédio tinha a área de 610,00 m2 e de que o averbamento de áreas e confrontações se fez com base na Escritura exarada a 06/12/2010 no Cartório Notarial ....
15 - Com a data de 15 de Março de 2018, EE, na qualidade de técnica tributária, certificou que "após consulta aos elementos necessários, que devido ao mau estado de conservação em que se encontram as matrizes rústicas deste concelho, não é possível a área e as confrontações descritas no prédio anteriores às atuais."
16 - Com as informações indicadas por EE o oponente à providência cautelar acabou por alegar ali que as áreas e confrontações tinham sido dadas após a outorga da escritura de justificação de 06-12-2010 e que não era possível indicar a área e as confrontações anteriores aquele ato.
17 - Mais tarde o denunciante veio descobrir que as informações prestadas naquelas certidões eram falsas e que, induzido em erro, alegou de forma incorreta.
18 - O então Oponente, com as informações prestadas pelo Serviço de Finanças ... ficou convicto da veracidade das mesmas, julgando que "devido ao mau estado de conservação em que se encontram as matrizes rústicas" do concelho ... não ser possível descobrir a área e as confrontações descritas no prédio anteriores às que nele constavam.
19 - Mas, conforme consta já dos autos, a 27 de Janeiro de 2020 EE acabou por certificar que aquelas áreas e confrontações haviam sido averbadas com base em levantamento topográfico e declaração do contribuinte de 28 de Setembro de 2009.
20 - Apercebendo-se da existência da certidão de teor de 03-12-2010 onde aquelas descrições matriciais já surgiam na identificação do prédio, EE declara que a área e as confrontações afinal haviam sido averbadas com base em levantamento topográfico e declaração do contribuinte de 28 de Setembro de 2009. Já não certifica que haviam sido averbadas com base na Escritura de 06-12-2010, EE remete o averbamento de área e confrontações para um período muito anterior a Dezembro de 2010, ou seja, para 28 de Setembro de 2009. E EE certifica que afinal o averbamento não foi feito com base numa escritura, mas em declarações do contribuinte e num levantamento topográfico.
21- EE sabendo que o prédio pertencia a uma herança com participação de Imposto de Selo de Setembro de 2009, dá esta última informação, para legitimar o ato.
22 - Perante esta nova certificação de que "foram averbadas área e confrontações, em 28 de Setembro de 2009, com base em levantamento topográfico e declaração do contribuinte", foi solicitada a certificação do documento que esteve na origem da descrição matricial, ao que a primeira Denunciada informou, a 3 de Fevereiro de 2020, tal não ser possível em virtude do "documento em causa não ter natureza pública, por não constituir um dado passível de se tornar público, sendo que está abrangido pelo dever de sigilo fiscal"
23 - Ordenado o levantamento do sigilo fiscal, já foi a Denunciada II quem prestou a informação de 13 de Março de 2020 supra referida (a de que que as áreas e confrontações daquele prédio haviam sido averbadas através da Escritura exarada a 06/12/2010 no Cartório Notarial ... e que os Serviços de Finanças não possuíam mais elementos em relação ao referido averbamento).
24 - Tendo o tribunal sido alertado para a contradição entre as duas posições – averbamento com base em declarações do contribuinte e num levantamento topográfico de 2009 e averbamento com base numa escritura de 2010. – (Doc. 1) o mesmo solicitou a notificação do Serviço de Finanças... para "esclarecer em que documentos se estribou o procedimento de atualização das dimensões do prédio". (Doc. 2)
25 - A 18 de Maio de 2020 a segunda Denunciada, II, respondeu o seguinte: "o procedimento de atualização das dimensões do referido prédio se estribou no levantamento topográfico datado de Setembro de 2009 subscrito pelo topógrafo JJ que deu entrada nestes serviços com a finalidade de instruir tal pedido e que se junta em anexo para melhor elucidação" (Doc. 3).
26 - Chamada a esclarecer a informação anterior (Doc. 4), II, a 25 de Maio de 2020, vem responder o seguinte: "o procedimento de atualização das dimensões do referido prédio em questão se estribou unicamente no levantamento topográfico já remetido a esse tribunal com o nosso oficio nº 175 de 15 de Maio de 2020. Mais sou a informar que não existe qualquer outro documento que haja dado entrada nestes serviços relativamente a esse procedimento, atendendo a que o requerimento apresentado por DD, NIF ..., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de FF que lhe deu origem não foi apresentado por escrito, razão pela qual nos referimos na certidão de 27 de Janeiro de 2020 por este Serviço de Finanças, e que já consta desses autos, a declarações (entenda-se verbais) do contribuinte, as quais atendíveis em cumprimento do disposto no artigo 132.º, n.º 1 do CIMI. (Doc 5).
27 - Para justificar o facto de não existir nenhum requerimento escrito de DD, a segunda Denunciada refere ali que as declarações desta haviam sido obtidas de forma verbal.
28 - Assim, em sede de sentença à oposição o tribunal desconsiderou as informações prestadas pelo perito da Direção de Serviços de Informação Geográfica e Cadastro por haver sido informado que o mapa cadastral ainda não tinha sido homologado, considerando que o oponente nem tinha conseguido informar que tinha participado a área e as confrontações ao prédio já que "não é possível a área e as confrontações descritas no prédio anteriores às atuais." Ou seja, o tribunal fundamentou a sua decisão atendendo ao certificado por EE a 15 de Março de 2018.
29 - Efetivamente, o juiz. entendeu que "não será" possível realizar, como pretendeu o oponente, a correspondência entre aquelas parcelas rústica ali assinaladas e os atuais prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial e na matriz – nomeadamente os prédios sobre os quais os opoídos e oponente se arrogam como proprietários -, para desse modo contrariar a informação constante do registo predial e matricial, relativa à dimensão de 611,00 m2, do prédio dos opoídos". Depois disto, o juiz concluiu que "o facto de o oponente tentar colocar em causa o facto de terem sido os próprios opoídos a prestar informação (quanto à dimensão do prédio), junto do Serviço de Finanças e do Registo Predial, causa estranheza, pois, na elaboração do mapa cadastral que o próprio apresenta, terão sido relevadas diversas informações prestadas precisamente pelos alegados proprietários; só com uma agravante: é que nesse caso não é possível conhecer, atualmente, quem terá prestado, na altura (que igualmente se desconhece), as ditas informações" (sublinhado nosso)
30 - Verifica-se, pois, que, com a emissão das certidões de 13 e 15 de Março de 2018, EE teve a intenção de causar prejuízo ao ora assistente e conseguiu ver concretizada a sua pretensão.
31 - Só se poderia considerar como verdadeiras as declarações certificadas por EE e II se estas apresentassem ao tribunal o termo de receção por parte das Finanças tanto do requerimento como do levantamento topográfico, devidamente carimbados, datados e assinados, que é aliás o comportamento normal e corrente dos serviços da administração tributária.
32 - Nenhum termo do Serviço de Finanças … datado de 28 de Setembro de 2009, reproduzindo um pedido de DD foi apresentado.
33 - Por isso, porque o tribunal não possuía qualquer documento que fundamentasse que teria sido determinada pessoa em concreto que teria solicitado o averbamento de área e confrontações ao prédio em questão, optou por entender não ser possível conhecer atualmente quem terá prestado, na altura, as ditas informações (área e confrontações).
34 - Na verdade, as certificações prestadas nem só não correspondiam à realidade como ocultavam uma prática ilícita por parte do ....
35 - II, sabe, atentas as funções que desempenha na Administração tributária, Chefe dum Serviço de Finanças, que quando é admitida a apresentação de requerimento verbal, será necessário lavrar termo deste, em obediência ao disposto nos artigos 74º e 75º do Código de Procedimento Administrativo.
36 - Porém esta apresentou ao tribunal um levantamento topográfico dum prédio, onde verifica-se que o mesmo não faz indicação a qualquer registo de entrada no Serviço de Finanças, qualquer carimbo datado e assinado, por exemplo, nem sequer referência a artigo matricial que identifique o imóvel. E, estranhamente, consegue-se verificar no levantamento topográfico, como Requerente, não DD, mas BB, ou seja, a amiga de EE, justificante do prédio em escritura de ... e a requerente-mulher da providência cautelar!
37 - Acresce a tudo isto o facto de, a 29-11-2020, BB e seu marido terem apresentaram uma Réplica na ação cível interposta contra o Assistente e que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo de Competência Genérica da Ponta do Sol sob o nº 257/21.5TIPTS, onde expressamente alegam que "A funcionária KK, limitou-se a averbar na matriz do prédio dos AA., a concreta área que pela A., BB lhe foi comunicada em face de levantamento topográfico que ali entregou, tendo a dita área sido assim averbada em tal matriz" (artigo 8a), esclarecendo que "os AA efetivamente contactaram em 2010, CC, primo de DD, para que aquele ajudasse a precisar os limites do prédio dos AA., a fim de ser feita a referida escritura de justificação" (artigo 470) (Doc. 7).
38 - Sabendo, pois, EE que a sua amiga lhe havia pedido que averbasse na matriz rústica da freguesia ... a área e as confrontações do prédio inscrito sob o artigo ...º , titulado por FF, cabeça casal da herança de, perante o requerimento que solicitava a certificação, para efeitos judiciais, relativamente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...º, freguesia e concelho ..., em que data haviam sido averbadas as atuais confrontações e área e qual o documento que esteve na origem desta descrição, tal qual a área e as confrontações descritas no referido prédio anteriores às de então, nenhum outro comportamento seria de esperar da sua parte que não fosse a constatação da realidade dos factos: a de que o pedido de tais averbamentos foi pedido por BB no ano de 2010, através da entrega de um levantamento topográfico encomendado por esta, dando conta da irregularidade da situação por violar o disposto no artigo 130º , nº 3 do CIMI..
39 - Mais deveria EE ter certificado que antes daquele pedido de BB o prédio não tinha qualquer área averbada nem quaisquer confrontações e que as mesmas poderiam e deveriam ser pesquisadas junto do Arquivo Regional da Madeira atento o mau estado de conservação da matriz rústica ....
40 - Particular dever de agir em conformidade com a verdade tinha a Demandada EE, nem só por ser uma funcionária pública e por ter prestado informações nessa qualidade, como também por ser conhecedora de que o referido prédio pertencia à herança aberta por óbito de FF.
41 - Além do mais sendo natural da freguesia ... e estando a prestar serviço na Repartição de Finanças onde foi recolhido o Imposto de Selo por óbito de FF a 28 de Setembro de 2009, onde o referido prédio inscrito na matriz daquela freguesia sob o artigo ...º  foi incluído na verba 16 da relação de bens ali apresentada, EE, como, funcionária pública, tinha o dever de informar a BB que a aquisição do prédio deveria ser feita após DD solicitar o averbamento da área e das confrontações e através de uma escritura de compra e venda e não de uma escritura de justificação.
42 - Porque sabia que a intenção de sua amiga era apoderar-se de um prédio e de outros com ele confinantes, ajudou-a a definir, ao jeito desta, a área e as confrontações daquele.
43 - Na verdade, EE sabia que AA depositava pedras no prédio confinante ao prédio de DD e que ao permitir a extensão da área deste tais pedras passariam a estar na área daquele imóvel com área superior à originária.
44 - No entanto, mesmo sabendo que BB não tinha legitimidade, aceitou fazer-lhe o "favor" e averbou na matriz elementos que dela não constavam: a área e as confrontações.
45- Como se tal não fosse suficiente, EE foi declarante na escritura de justificação de 06-12-2010, onde BB e seu marido arrogaram-se proprietários daquele prédio rústico com a área de 611,00 m2.
46 - Quando solicitadas a certificação das informações de 13 de Março de 2018, conhecedora de toda a sua atividade ilícita como funcionária pública em relação àquele prédio presta falsas declarações nas certidões emitidas em relação a este imóvel, para se defender e proteger a sua amiga BB e seu marido, na consciência de que, com esse ato estaria a prejudicar AA que desde sempre conheceu, nem só como vizinho, mas também como antigo sócio de seu cunhado numa empresa de construção civil.
47 - II, sendo Chefe do Serviço de Finanças... e, como tal, superior hierárquica de EE, tinha o dever de agir com verdade e, no mínimo, esclarecer ao Tribunal que todo o processo de averbamento de áreas e confrontações havia sido feito de forma irregular, padecendo de nulidade.
48 - Sabendo II o que realmente havia ocorrido dentro do Serviço de Finanças, que tal situação não estava conforme a lei e que tinha repercussões negativas para o ora assistente num litígio apresentado em tribunal, decidiu encobrir EE e prestar, também ela, falsas declarações.
49 - Após prestar as informações supra referidas de 13 de Março de 2020 e depois dos sucessivos pedidos de esclarecimentos do tribunal, II inteirou-se do real processo de averbamento de área e confrontações do prédio inscrito sob o artigo ...º da freguesia ..., mas, mesmo assim, decidiu ajudar EE encobrindo todos os atos ilícitos ocorridos dentro do Serviço de Finanças.
50 - À semelhança dos concelhos confinantes, o da ... e o da ..., o da ... não tem matriz cadastral em vigor para os prédios rústicos, por isso torna-se imperioso que as reclamações previstas no nº 3 do artigo 130º do CIMI se façam de forma rigorosa por quem de Direito e com a apresentação de todos os documentos.
51 - É prática corrente nos serviços de Finanças ... e da ... a recolha por escrito das ditas reclamações, com obediência ao disposto nos artigos 74º e 75º do Código de Procedimento Administrativo, com a junção de levantamento topográfico, termo de responsabilidade do topógrafo (que anexa certificado de habilitações) e mapa de localização.
52 - Na posse da reclamação devidamente instruída, os Serviços solicitam a avaliação junto dos Peritos contratados pela Administração fiscal para o efeito.
53 - Feita a avaliação o contribuinte é notificado da avaliação, abrindo-se prazo para reclamação.
54 - Só após a avaliação é que são feitos os averbamentos que determinem o valor do prédio, como a área.
55 - As demandadas ao agir da forma como agiram tinham consciência de estar a agir de forma ilícita e dessa forma beneficiar BB e seu marido, prejudicando o assistente AA, pois, sempre consciente de não estar a ocupar o prédio daqueles, foi confrontado com uma decisão que o obrigou a retirar todas as pedras depositadas no prédio que pertenceu a PP e o seguinte (os identificados no mapa cadastral sob os nº ... e ...) e encontra-se atualmente obrigado a pagar uma sanção compulsória pelo período que ocupou tal área.
56 - Entretanto BB e LL intentaram ação executiva contra o aqui assistente no sentido de exigir-lhe o pagamento de uma quantia superior a 130.000,00 (cento e trinta mil euros).”
Começando pela conduta imputada à arguida II, resulta dos factos descritos pelo assistente que não é imputada à mesma qualquer das condutas típicas do crime de falsificação de documentos.
Com efeito, no que respeita a esta arguida é-lhe, em síntese, imputada a prestação de informações falsas ao tribunal e o “encobrimento” da falsificação de documento pela arguida EE. Não foi imputada à arguida o crime de auxílio material ou outro que pudesse resultar dos factos descritos nem, por outro lado, resulta dos autos, dos depoimentos prestados ou da prova documental que a arguida prestasse qualquer informação com conhecimento de discrepância nas descrições do prédio em causa. Como tal, e no que respeita a esta arguida afigura-se clara a existência de indícios suficientes da prática dos crimes imputados.
No que respeita à arguida EE, e novamente por recurso aos factos descritos pelo assistente verifica-se que os três crimes de falsificação de documento previsto e punido no art.º 256.º, n.º 1 do Código Penal por factos praticados em 03-12-2010, 13-03-2018, 15-03-2018; 27-01-2020. Ora a moldura penal aplicável ao crime imputado – e é a esse que se deve atender sob pena de serem introduzida diversa qualificação jurídica (legalmente admissível) mas também factos que constituem alteração substancial dos factos (legalmente inadmissível nesta fase processual) - é de três anos.
De acordo com o previsto no artigo 118.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos. Assim e verificando-se que que não ocorreu qualquer interrupção ou suspensão da prescrição do procedimento criminal ocorreu a prescrição do procedimento criminal quantos aos factos de 03-12-2010, esses sim, eventualmente integradores do tipo legal imputado.
Quanto aos demais, não está em causa a falsificação de documento ou utilização de documento falso. De resto, de nenhum elemento probatório junto, documental ou testemunhal resulta que a conduta da arguida tivesse como propósito fazer constar de documento facto juridicamente relevante falso ou que o fizesse com o propósito de beneficiar ou prejudicar terceiro de moldes que a sua conduta tenha relevância criminal. Afigura-se que as condutas descritas e com suporte probatório dão conta de actuações irregulares e mesmo ilegais violação de normas legais mas que serão eventualmente relevantes em termos civis e disciplinares mas não penais.
Assim, no caso dos autos e analisada a prova produzida quer em sede de inquérito quer em sede de instrução não podemos deixar de concluir que não se mostram infirmados os pressupostos que determinaram o arquivamento dos autos pois, não existem indícios que permitam concluir pela possibilidade de aplicação às arguidas de uma pena.
*Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos arts. 283.º, n.º 2, 307.º e 308.º do Código de Processo Penal, decido não pronunciar as arguidas KK e II pela prática, cada uma delas, de três crimes de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas do Código Penal.
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Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Em questão está:
- a nulidade do despacho de não pronúncia por falta de fundamentação
- a apreciação dos indícios apurados em sede de inquérito e de instrução, em ordem a saber se as arguidas deveriam ter sido pronunciadas pela prática de três crimes de falsificação de documento, p. e p. no art.º 256º do Cód. Penal, ou de outro, nomeadamente o de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 382º do Cód. Penal.
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Da nulidade por falta de fundamentação
Alega o recorrente que o despacho de não pronúncia, enquanto decisão, deve ser fundamentado, pelo que a falta de enunciação dos factos indiciados e os factos não indiciados constitui um vício de nulidade dessa decisão.
Qualquer decisão judicial (que não seja de mero expediente) tem que ser fundamentada, como determina o nº 5 do art.º 97º do Cód. Proc. Penal.
Tal normativo está em plena consonância com o disposto no nº 1 do art.º 205º da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “(a)s decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” (fundamentação que, como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros – Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, p. 70 – tem uma dupla função de “carácter subjectivo”, de garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários, e uma função de “carácter objectivo”, de pacificação social, legitimidade e auto-controle das decisões).
Esta exigência de fundamentação bem se compreende, na medida em que as decisões dos Juízes têm que ter na sua base um raciocínio lógico e argumentativo que possa ser entendido pelos destinatários da decisão, sob pena de não se fazer justiça.
Assim, todas as decisões judiciais, quer sejam sentenças quer sejam despachos, têm que ser sempre fundamentadas, de facto e de direito, como exige o art.º 97º do Cód. Proc. Penal (cfr. o nº 1 e o nº 5 deste normativo).
No entanto, defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros (ob. cit., p. 72 e 73) que a fundamentação das decisões judiciais, além de expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
A decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, é indiscutivelmente um acto decisório, que assume a forma de despacho prevista no nº 1, al. b), do citado art.º 97º e não é de mero expediente, estando, portanto, sujeita ao referido dever geral de fundamentação.
Contudo, decorre dos arts. 307º e 308º do Cód. Proc. Penal que a fundamentação da decisão instrutória se integra no leque dos atos decisórios de fundamentação mais simplificada, sem dispensar, naturalmente, aquele mínimo exigível para garantir o respeito pelos princípios constitucionais a que antes se aludiu e as finalidades que a demandam e justificam, como sejam as de transparência e legitimação do poder judicial/jurisdicional e do escrutínio interno e externo do seu exercício, sob pena de irregularidade sujeita ao regime de arguição e sanação previsto no art.º 123º do Cód. Proc. Penal, salvo no caso das nulidades cominadas no 309º do mesmo Código, aqui inaplicável.
Ora, analisada a decisão recorrida, verificamos que, após ter cumprido o disposto no nº 3 do art.º 308º do Cód. Proc. Penal, a Mma. Juiz recorrida pronunciou-se sobre a natureza âmbito e finalidades da instrução e discorreu sobre o conceito de indícios suficientes, concluindo pela posição nela adotada, após o que situou o objeto do processo e explicou em que é que baseou a decisão de não pronúncia. Fê-lo com base numa análise do requerimento de abertura de instrução do assistente, não indicando factos indiciados e, muito menos, factos não indiciados. Também não procedeu a qualquer exame crítico da prova.
Afigura-se, assim, que o despacho é irregular – não nulo, pois que a não fundamentação do despacho de não pronúncia não está cominada de nulidade em qualquer preceito legal (cfr. o disposto no art.º 118º do Cód. Proc. Penal).
Mas considerando-se que o despacho recorrido é irregular, a sua arguição teria de ocorrer no prazo e termos previstos no art.º 123º do Cód. Proc. Penal, sob pena de sanação. Não tendo sido arguida em conformidade, a irregularidade por falta de fundamentação encontra-se sanada.
Dos indícios da prática de crime
Alega o recorrente que existem indícios da prática pelas arguidas de três crimes de falsificação de documento, p. e p. no art.º 256º do Cód. Penal, ou pelo menos, de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 382º do Cód. Penal.
A instrução, de acordo com o preceituado no nº 1 do art.º 286º do Cód. Proc. Penal, “visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento” e a sua direcção compete a um juiz de instrução (nº 1 do art.º 288º do mesmo Cód.). E “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia” (art.º 308º 1 do Cód. que se tem vindo a citar).
Define o nº 2 do art.º 283º do mesmo Cód., que “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
A questão de saber quando é que os indícios são suficientes e, nomeadamente, o que deve ser entendido por “possibilidade razoável” de futura condenação, chegou a dividir a doutrina e a jurisprudência, porém, hoje é consensual que a posição mais acertada é a denominada “teoria da probabilidade dominante”, que tem também mais apoio na letra da lei. De acordo com esta tese, os indícios são suficientes para acusar ou pronunciar alguém sempre que, num juízo de prognose, se conclua que é mais provável a sua futura condenação do que a sua absolvição. Neste sentido diz Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, I, 1984, p. 133) que “os indícios só serão suficientes e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando seja mais provável do que a absolvição” – cfr. ainda, e por todos, o Acórdão do STJ de 8.10.2008, no Proc. 07P031, onde se refere que “possibilidade razoável” é a que se baseia num juízo de probabilidade, “uma probabilidade mais positiva do que negativa, de que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha”; e o Acórdão do STJ de 16.06.2005, no Proc. 05P1938, que defende que “aquela ‘possibilidade razoável’ de condenação é uma possibilidade mais razoável, mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é (mais) provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição”.
Pelo que os indícios serão suficientes sempre que, por via deles, o juiz de instrução chegue a um juízo de prognose em que a condenação do arguido é mais provável do que a absolvição, caso em que deve proferir despacho de pronúncia.
Vejamos, então, se há indícios suficientes de as arguidas terem cometido crimes de falsificação de documento, p. e p. no art.º 256º do Cód. Penal.
Ao contrário do que alega a Mma. Juiz recorrida, o crime que o recorrente imputa às arguidas não é o previsto no nº 1 do art.º 256º do Cód. Penal, já que o recorrente não faz apelo a qualquer dos números do citado art.º 256º, dizendo apenas, no final do RAI, “57 - Face ao exposto as Denunciadas deverá a denunciada KK ser pronunciadas pela prática de três crimes de falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 256º do Código Penal e a denunciada II pela prática de três crimes falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 256º do Código Penal, ao tentar encobrir os crimes praticados pela primeira”.
Por outro lado, o despacho de arquivamento do inquérito proferido pelo MP alude ao art.º 256º, nºs 1 e 3 do Cód. Penal e em sede de recurso vem o recorrente alegar que os crimes imputados são puníveis nos termos do nº 4 daquele preceito.
Dispõe o art.º 256º do Cód. Penal que:
1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
4 - Se os factos referidos nos n.ºs 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
Com interesse para a decisão, relativamente à matéria do RAI imputada às arguidas que se afigura relevante (ou seja, que não é genérica, especulativa ou conclusiva), analisados os documentos juntos aos autos e os depoimentos tomados, verifica-se estar suficientemente indiciado que:
- No dia 6.12.2010 BB e seu marido outorgaram uma escritura de justificação, onde se arrogaram donos do prédio rústico inscrito na matriz em nome dos herdeiros de FF, com a área de 611,00 m2 e as seguintes confrontações: Norte Caminho, Sul Herdeiros de GG, Nascente Caminho Municipal e Poente HH, sendo testemunha nessa escritura a arguida KK.
- A 13.12.2017, BB e seu marido instauraram uma providência cautelar de restituição provisória de posse contra o ora assistente, que foi decretada, tendo este deduzido oposição alegando não estar a ocupar o prédio dos Requerentes, pois aquele não tinha nem nunca teve a área por eles indicada.
- A 13.03.2018, o Requerido da providência cautelar solicitou, junto do Serviço de Finanças ..., que lhe fosse certificado, para efeitos judiciais, relativamente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...º, freguesia e concelho ..., em que data haviam sido averbadas as atuais confrontações e área e qual o documento que esteve na origem desta descrição. Mais solicitou que fosse certificada qual a área e as confrontações descritas no referido prédio anteriores às de então.
- A 13 de Março de 2018 a arguida KK certificou, na qualidade de técnica tributária, que o prédio tinha a área de 610,00 m2 e de que o averbamento de áreas e confrontações se fez com base na Escritura exarada a 6.12.2010 no Cartório Notarial ....
- Satisfazendo pedido do ora assistente, a 15 de Março de 2018, a arguida KK, na qualidade de técnica tributária, certificou que "após consulta aos elementos necessários, que devido ao mau estado de conservação em que se encontram as matrizes rústicas deste concelho, não é possível a área e as confrontações descritas no prédio anteriores às atuais."
- A 27 de Janeiro de 2020 a arguida KK certificou que aquelas áreas e confrontações haviam sido averbadas com base em levantamento topográfico e declaração do contribuinte de 28 de Setembro de 2009.
- Perante esta nova certificação de que "foram averbadas área e confrontações, em 28 de Setembro de 2009, com base em levantamento topográfico e declaração do contribuinte", foi solicitada a certificação do documento que esteve na origem da descrição matricial, tendo a arguida II informado o Tribunal, a 13 de Março de 2020, que que as áreas e confrontações daquele prédio haviam sido averbadas através da Escritura exarada a 06/12/2010 no Cartório Notarial ... e que os Serviços de Finanças não possuíam mais elementos em relação ao referido averbamento.
- Tendo o Tribunal solicitado a notificação do Serviço de Finanças ... para "esclarecer em que documentos se estribou o procedimento de atualização das dimensões do prédio", a 18 de Maio de 2020 a arguida II respondeu o seguinte: "o procedimento de atualização das dimensões do referido prédio se estribou no levantamento topográfico datado de Setembro de 2009 subscrito pelo topógrafo JJ que deu entrada nestes serviços com a finalidade de instruir tal pedido e que se junta em anexo para melhor elucidação".
- Chamada a esclarecer a informação anterior, a arguida II, a 25 de Maio de 2020, vem responder o seguinte: "o procedimento de atualização das dimensões do referido prédio em questão se estribou unicamente no levantamento topográfico já remetido a esse tribunal com o nosso oficio nº 175 de 15 de Maio de 2020. Mais sou a informar que não existe qualquer outro documento que haja dado entrada nestes serviços relativamente a esse procedimento, atendendo a que o requerimento apresentado por DD, NIF ..., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de FF que lhe deu origem não foi apresentado por escrito, razão pela qual nos referimos na certidão de 27 de Janeiro de 2020 por este Serviço de Finanças, e que já consta desses autos, a declarações (entenda-se verbais) do contribuinte, as quais atendíveis em cumprimento do disposto no artigo 132.º, n.º 1 do CIMI.
Relativamente à matéria do RAI imputada às arguidas que se afigura relevante (ou seja, que não é genérica, especulativa ou conclusiva), não se mostra suficientemente indiciado, porque nenhum elemento de prova foi produzido nesse sentido, que:
- Antes ou até no dia 3 de Dezembro de 2010, BB dirigiu-se ao Serviço de Finanças ... e solicitou à sua amiga EE que averbasse ao prédio inscrito na matriz em nome da FF, cabeça de casal da herança de, a área de 611,00 m2 e as seguintes confrontações: Norte Caminho, Sul Herdeiros de GG, Nascente Caminho Municipal e Poente HH.
- Quando a 27 de Janeiro de 2020 a arguida KK certificou que aquelas áreas e confrontações haviam sido averbadas com base em levantamento topográfico e declaração do contribuinte de 28 de Setembro de 2009, fê-lo porque se apercebeu da existência da certidão de teor de 3-12-2010 onde aquelas descrições matriciais já surgiam na identificação do prédio.
- Com a emissão das certidões de 13 e 15 de Março de 2018, EE teve a intenção de causar prejuízo ao ora assistente e conseguiu ver concretizada a sua pretensão.
- Porque sabia que a intenção de sua amiga era apoderar-se de um prédio e de outros com ele confinantes, ajudou-a a definir, ao jeito desta, a área e as confrontações daquele.
- Quando solicitadas a certificação das informações de 13 de Março de 2018, conhecedora de toda a sua atividade ilícita como funcionária pública em relação àquele prédio, EE presta declarações para se defender e proteger a sua amiga BB e seu marido, na consciência de que, com esse ato estaria a prejudicar AA que desde sempre conheceu, nem só como vizinho, mas também como antigo sócio de seu cunhado numa empresa de construção civil.
- Sabendo a arguida II o que realmente havia ocorrido dentro do Serviço de Finanças, que tal situação não estava conforme a lei e que tinha repercussões negativas para o ora assistente num litígio apresentado em tribunal, decidiu encobrir EE e prestar, também ela, falsas declarações.
- Após prestar as informações supra referidas de 13 de Março de 2020 e depois dos sucessivos pedidos de esclarecimentos do tribunal, II inteirou-se do real processo de averbamento de área e confrontações do prédio inscrito sob o artigo ...º da freguesia ..., mas, mesmo assim, decidiu ajudar EE encobrindo todos os atos ilícitos ocorridos dentro do Serviço de Finanças.
- As arguidas, ao agir da forma como agiram tinham consciência de estar a agir de forma ilícita e dessa forma beneficiar BB e seu marido, prejudicando o assistente AA.
A conduta que o assistente/recorrente imputa às arguidas é uma conduta dolosa. E é certo que o crime de falsificação de documento exige o dolo genérico (o agente tem que prever o resultado da conduta e, pelo menos, conformar-se com ele) e ainda o especial de conseguir benefício ilegítimo ou prejuízo.
Alega o recorrente que as arguidas emitiram certidões e prestaram informações falsas, com a consciência de que essas certidões e informações eram falsas e com intenção de beneficiar BB e seu marido, prejudicando o assistente.
Todavia, não resultou indiciado que tais certidões e informações tenham sido prestadas com tal consciência e intenção. Em face do conteúdo divergente das certidões e das informações, pode entender-se que houve incumprimento do dever objectivo de cuidado que impende sobre Funcionário, mas tal aponta apenas para conduta negligente e não dolosa.
Por outro lado, é certo que os ofícios em que a arguida II responde ao Tribunal não são documentos nos termos e para os efeitos da alínea a) do art.º 255º do Cód. Penal, pelo que nunca poderia estar em causa a prática por esta arguida de crimes de falsificação de documento nos termos previstos no art.º 256º do mesmo Código.
Pretende o recorrente, concedendo que à arguida II não poderia ser imputada a prática de crimes de falsificação de documento, que os autos contém elementos para que lhe possa ser imputado a prática de um crime de abuso de poder. Esta imputação foi efectuada apenas em sede de recurso.
Ora sabido que, atento o disposto no nº 1 do art.º 309º do Cód. Proc. Penal, “a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução”, há que ter em conta o disposto no art.º 303º do mesmo Cód., que, nos termos do nº 1, determina que “se dos actos de instrução ou do debate instrutório resultar alteração não substancial dos factos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente, ou no requerimento para abertura da instrução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao defensor, interroga o arguido sobre ela sempre que possível e concede-lhe, a requerimento, um prazo para preparação da defesa não superior a oito dias, com o consequente adiamento do debate, se necessário”, normativo a ser conjugado com o nº 5: “o disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o juiz alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou no requerimento para a abertura da instrução”.
Porém, o crime de abuso de poder [cfr. o art.º 382º do Cód. Penal: “o funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido (…)”] é também um crime doloso, exigindo-se que o funcionário abuse de poderes, ou viole deveres inerentes às suas funções, com consciência de o fazer e querendo o resultado – a que acresce a exigência do dolo específico de agir com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa. E no caso, como se disse supra, não está indiciada a actuação dolosa.
Nestes termos, teremos que considerar que os autos não contêm indícios suficientes para concluir pela prática dos imputados crimes, pelo que se entende que não se justifica a submissão das arguidas a julgamento, já que será altamente provável a sua não punição, impondo-se a confirmação do despacho de não pronúncia.
* * *
Decisão
Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso e confirmam a decisão de não pronúncia.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.

Lisboa, 22.10.2024
(processado e revisto pela relatora)
Alda Tomé Casimiro
Ester Pacheco dos Santos
Alexandra Veiga