Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4421/18.4T8FNC.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: PENHORA
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
VENDA
SUSPENSÃO
LEIS COVID 19
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Nos termos do nº1 deste Artigo 719º do CPC, cabe à Agente de Execução proceder à notificação do despacho do juiz na medida em que a notificação do despacho em causa não se subsume aos nos. 3 e 4 deste Artigo 719º, não devendo tal despacho ser notificado pela Secretaria.

II A existência do agente de execução implica a larga desjudicialização do processo executivo bem como a diminuição dos atos praticados pela secretaria, incluindo as notificações do processo executivo, sem prejuízo das competências gerais para a citação e a notificação nas tramitações declarativas que correm por apenso ao processo executivo.

III - A suspensão prevista no Artigo 6º-A, nº 6, al. b), da Lei nº 1-A/2020, de 19.3, na redação dada pela Lei nº 16/2020, de 29.5, atinente aos atos a realizar em sede de processo executivo relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família, não é automática nem se reporta ao ato da venda, exigindo-se que o processo atinja a fase de entrega judicial da casa de morada de família (cf. Artigos 828º e 859º do Código de Processo Civil), cabendo ao executado demonstrar em incidente próprio que o prédio urbano vendido na execução constitui a sua casa de morada de família (cf. Artigos 292º a 295º e 551º, nº1, do Código de Processo Civil).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO


Esta execução foi instaurada em 11.8.2018, sendo exequente BB, SA e executados CC e AA.
Em 17.4.2019, foi penhorado o prédio urbano descrito na CRP do (...) sob o nº 150, da freguesia de (...) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (...) da mesma freguesia (fls. 94-95), o qual se encontra registado a favor de CC casado com AA, no regime de comunhão de adquiridos, desde 7.5.1991 (fls. 95 v.).

Em 8.9.2020, foi proferido o seguinte despacho:
«Compulsados os autos constata-se que a decisão proferida no apenso A de embargos à execução deduzidos pelo executado CC que julgou extinta a execução in totum quanto à sua pessoa transitou em julgado.
Por força dessa decisão, o(a) Ex.mo(a) Solicitador(a) de Execução declarou extinta a execução quanto a este executado.
Porém, o bem imóvel penhorado sobre o qual recai hipoteca a garantir o crédito exequendo é um bem comum da actual única executada e do seu marido CC conforme consta da certidão de registo predial, tendo o(a) Ex.mo(a) Solicitador(a) de Execução, aquando da penhora consignado no respectivo auto que indicava o titular do bem o executado marido por não conseguir inserir também o nome da executada para a mesma verba.
Ora, perdendo o executado CC essa qualidade o seu património deixa, à partida, de responder pela dívida exequenda. Uma vez que a execução não foi sustada quanto à sua pessoa, por se ter entendido que a proximidade do julgamento dos embargos à execução não reclamava que se aplicasse a alínea c) do n.º 1 do artigo 733.º do Código de Processo Civil, se estivéssemos perante a penhora de um bem próprio do executado a consequência seria o respectivo cancelamento face à procedência dos embargos à execução.
Sendo um bem comum e estando onerado com uma hipoteca para garantir a própria obrigação exequenda, conforme já foi decidido no apenso C de oposição à penhora, a lei impõe que se penhore primeiro o bem hipotecado e se proceda à sua venda executiva, somente se podendo passar a outro bem se estiver comprovado a insuficiência do bem hipotecado para pagar a dívida.
Uma hipoteca sendo um direito real de garantia subsiste independentemente do titular do bem.
Donde, não é pelo facto de o executado CC ter deixado de ser executado que o bem imóvel em causa, do qual é também proprietário pode deixar de estar penhorado, respondendo à mesma pela dívida, não havendo, por conseguinte, lugar à aplicação do disposto no artigo 740.º, n.º 1, do Código de Processo Civil uma vez que ainda que o bem lhe fosse adjudicado o mesmo continuaria a responder pela dívida, consubstanciando a venda por uma dívida da executada uma questão meramente entre o casal sem repercussões relativamente ao exequente e credor reclamante.
Por seu turno, tendo CC já sido citado para os termos da acção executiva, já teve conhecimento da mesma, tendo, inclusive, sido notificado do acto de penhora.
A sua participação mantém-se, pois, nos autos não a título de executado mas de interessado, vulgarmente denominado de interveniente acidental até à venda do bem hipotecado de que é titular e enquanto mantiver essa titularidade.
Daí que no apenso de reclamação de créditos tenha sido citado.
Donde, sendo interessado na venda deverá ser notificado de todos os actos que um executado deva ser notificado relativamente a esse procedimento.
Nestes termos, notifique o(a) Ex.mo(a) Solicitador(a) de Execução para que comprove a notificação com o teor da que emitiu a 06 de Julho de 2020 — para o interessado se pronunciar sobre a modalidade da venda e valor base — ao interessado CC na pessoa da sua Ilustre Mandatária, salvaguardando-se, deste modo, eventuais nulidades.
Notifique» (fls. 153).

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Em 10.9.2020, a Agente de Execução notificou a Dra. MA para se pronunciar quanto à modalidade da venda e valor base do bem a vender.

Em 11.9.2020, a executada formulou o seguinte requerimento:
« AA, Executada nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada, nos termos do disposto no n.° 1 do art. 812.° do CPC, para indicar a modalidade de venda pretendida e valor base do bem a vender, vem expor e requerer a V.° EX.cia o seguinte:

I.-Da Arguição de Nulidade Processual:
1.° Conforme já é do conhecimento dos presentes autos, o bem imóvel penhorado nos presentes autos, constitui a casa de morada de família da Executada e seu cônjuge;
2.° Ora, nos termos do disposto no art. 6.°, n.° 6 A da Lei n.° 1-A/2020, de 1 de março, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 16/2020, de 29 de maio, "Ficam suspensos, no decurso do período de vigência do regime excecional transitório: a) [...] b) os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família; [...]"
° A venda judicial é pois uma diligência que leva à entrega da casa de morada de família, que se encontra suspensa, ao abrigo do preceito legal acima referido.
3.° Logo, as notificações efetuadas com vista à indicação da modalidade e valor base de venda constituem atos processuais que a lei não prevê, logo, nulos.
4.° De acordo com o disposto no art. 195.° n.° 1 do CPC, a prática de um ato que a lei não admite e que influa no exame ou decisão da causa constitui nulidade, o que se verifica "in casu", por a venda decidir a causa.
5.° Donde estarmos perante a prática de atos nulos, que determinam a anulação do processado subsequente nos termos do n.° 2 do mesmo preceito legal.
6.° Pois influenciam a decisão da causa com grave prejuízo para a Requerente.
I.II. Da Necessidade de citação do Executado para requerer a separação de bens comuns do casal:
7.° A ora executada é casada em regime de comunhão de bens adquiridos com CC, conforme resulta do requerimento executivo e da certidão de registo predial do imóvel penhorado nos presentes autos. (Cf. doc. 1)
8.° O Cônjuge da Executada, apesar de ter sido inicialmente arte na causa, deixou de o ser por força de sentença proferida no apenso de embargos de executado, tendo sido subsequentemente decidida a extinção da execução contra o mesmo.
9.° Não obstante, atendendo ao regime de bens do casamento dos executados, o cônjuge da Executada contra quem a presente instância prossegue tem que ser citado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 740.°, n.° 1, do CPC.
10.° Estabelece este preceito legal, que, "1 - Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns."
11.° Sendo certo que, nesta execução, nem se provou sequer, que a penhora do bem comum apenas se mantém, por não serem conhecidos bens suficientes próprios do executado, o que deveria ter acontecido na sequência da extinção da instância contra o cônjuge da Executada.
12.° Donde, o processo não pode prosseguir, de modo algum, sem ter sido efetuada a citação do referido cônjuge, omissão que configura nulidade processual.
13.° Estabelece o artigo 195.°, n.° 1, do CPC que a "[...] omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa."
14.° Ora, no caso em apreço, é claro e notório que a omissão influi sobremaneira na decisão da causa.
15.° Sendo que de acordo com o n.° 2 do mesmo preceito legal, "Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente."
16.° Assim sendo, como é, devem ser anulados todos os atos posteriores à penhora do imóvel, mormente os que foram praticados com vista à venda do imóvel.
17.° Ordenando-se, em sua substituição, a citação do cônjuge da ora Executada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 740.° do CPC
Pelo que,
Nestes termos e nos mais de Direito, pede e requer a V.ª Ex.cia que se digne julgar procedente por provada a nulidade processual invocada e, em consequência, que anule todo o processado posterior à penhora do imóvel e extinção da execução, ordenando-se em consequência, a citação do cônjuge do Executado para, querendo, nos termos do disposto no art. 740.° do CPC, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da ação» (fls. 169-171).

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Em 19.10.2020, foi proferido o seguinte despacho:
«I- Compulsados os autos constata-se que a executada não juntou aos autos procuração.
Notifique previamente a executada e a Ilustre Mandatária melhor identificada no requerimento de 11 de Setembro de 2020 (referência 3842849) para que seja junto ao processo, em 10 (dez) dias, a competente procuração com poderes forenses e, se necessário, instrumento de ratificação do processado, nos termos e com a cominação prevista no artigo 48.°, nos 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Notifique com a expressa cominação que emerge do n.° 2 do supra citado preceito legal.

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I— Compulsados os autos constata-se que o(a) Ex.mo(a) Solicitador(a) de Execução notificada do despacho de 08 de Setembro de 2020, não comprovou que procedeu à notificação das partes desse despacho como lhe cabe.
Face ao exposto, notifique o(a) Ex.mo(a) Solicitador(a) de Execução para vir, no prazo de dez dias, proceder a tal comprovação, sendo no caso da executada na pessoa desta por carta e na Ilustre Mandatária identificada no requerimento de 11 de Setembro de 2020» (fls. 181).

Em 19.10.2020, a Agente de Execução notificou a Dra. MA do despacho proferido em 8.9.2020 (fls. 197-198).

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Em 2.11.2020, a executada veio requerer a junção de procuração à Dra. MA (fls. 202.203).
Em 9.11.2020, a executada/apelante formulou o seguinte requerimento:
«AA, notificada Ent. Ref. 19-10-2020, doc. 4Jgb2yZUWkg, pelo Sr. Agente Execução do despacho do M.º Juíz de 08-09-2020 ref. 48895894, proferido nos autos à margem identificados vem requerer a V.ª Excia se digne ordenar a notificação da Executada do mencionado despacho para que possa responder de acordo com o disposto nos artigos 219.º e n.º 2 do 220.º do CPC» (fls. 204).

Em 25.11.2020, foi proferido o seguinte despacho [impugnado]:
«Requerimento de 09 de Novembro de 2020
O despacho de 08 de Setembro de 2020 foi notificado à executada tanto na sua pessoa como na da sua Ilustre Mandatária pelo que não há que repetir a notificação em causa — cf. comunicações do agente de execução de 19 de Outubro de 2020.

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Requerimento de 11 de Setembro de 2020
1.-A nulidade que a executada invoca já foi decidida previamente.
2.-O regime invocado do COVID não se aplica.
A actual redacção dada ao artigo 6.º-A, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, pela Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, não proíbe, nem suspende os actos de venda.
O n.º 6, alínea b), do mencionado preceito reporta-se tão-só à entrega do bem casa de morada de família, pelo que os actos que precedem a venda, nomeadamente notificações para as partes se pronunciarem sobre o valor e modalidade da venda e respectiva decisão são actos que, actualmente, não se encontram suspensos, bem como a própria venda em si.
3.-Quanto à impugnação do valor trata-se de matéria que primeiro é decidida pelo agente de execução havendo lugar a reclamação da mesma.
Notifique» (fls. 206).

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Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente em 16.12.2020, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
1.-«O despacho que indefere o pedido da Executada, formulado no requerimento de 09/11/2020, para ser notificada pelo secretaria do Tribunal viola a lei processual civil, nomeadamente, os arts. 157.°, n.° 1 do CPC, 220.°, n.° 2 e 247.° e 248.°do CPC, omitindo uma formalidade na notificação pela Secretaria do Tribunal
2.-É à secretaria do Juízo a que está distribuído o processo que cabe realizar as notificações nos processos pendentes, ou seja, assegurar a tramitação regular dos processos pendentes e não ao agente de execução que não integra a estrutura orgânica e hierárquica da secretaria judicial, violando o disposto na Lei Orgânica dos tribunais.
3.-O Juiz em recurso, decidiu sem que houvesse apreciado o pedido da Recorrente e do seu direito a ser notificada pela Secretaria do Tribunal.
4.-A notificação pela secretaria judicial é uma formalidade essencial à defesa do direito de recurso da Recorrente, que, pela forma assumida pela decisão do Juiz a quo foi denegado, violando o disposto nos normativos enunciados e, bem assim, dos artigos 852.° e 853.° do CPC e todos os mais supra indicados.
5.-Mesmo que tivesse apresentado recurso, sob a forma de reclamação, o Juiz decidiria sem direito a recurso, o que representa a violação dos normativos enunciados e que significa denegação de justiça pela criação artificial de condições processuais que não permitem recurso, violando os artigos 852.° e 853.° do CPC.
6.-O Juiz a quo violou os normativos supra indicados; decidiu com violação daquelas normas e causou grave dano à Recorrente que tem que ser reparado, pelo Tribunal ad quem, com conhecimento da nulidade praticada nos termos do disposto no art.° 195.° do CPC.
7.-O despacho em recurso padece dos seguintes vícios: a prática de um ato que a lei não admitia, pela notificação de despacho do Juiz ordenada por ele e feita pelo agente de execução; a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve: notificação de despacho do Juiz pela secretaria judicial.
8.-Os vícios alegados de que o ato de notificação por agente de execução sofre impedem a produção do direito a recurso da executada.
9.-Com os fundamentos alegados deve ser reposta a legalidade e declarada a nulidade da notificação ordenada pelo Juiz a quo e feita por Agente de execução.
10.-Deve o despacho em recurso ser declarado nulo e ser substituído por despacho que ordene a notificação da Recorrente do despacho de 08/09/2020 pela secretaria judicial do Juízo de execução-2 do Tribunal da Comarca da Madeira.
11.-A venda judicial por força do artigo 874.° do CC é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ao comprador ou do direito, mediante um preço.
12.-Falece em absoluto a fundamentação do Despacho em recurso por erro na aplicação das normas enunciadas devendo a venda judicial ser suspensa porque viola o art.° 6.°-al.b), pois representa o direito do comprador receber do vendedor a coisa vendida.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser dado provimento ao recurso por provado declarando-se nula a notificação de Agente Notificação de 19/10/2020 e ordenando que tal notificação seja efetuada pela secretaria judicial do Juizo-2 da Comarca da madeira e substituindo o despacho de 25/11/2020 por outro que suspenda a venda judicial.
Termos com que o que se fará Justiça.»

Contra-alegou a exequente, propugnando pela improcedência da apelação.

Em 21.1.2021, no apenso E, foi proferido despacho com o seguinte dispositivo: «Assim, o presente incidente de separação de meações com fundamento em penhora de bem comum que é o mencionado bem hipotecado vem violar o caso julgado do despacho de 8 de setembro de 2020, não sendo legalmente admissível e não tendo qualquer utilidade por não ter a virtualidade de impedir a venda do bem hipotecado e distribuição do produto da venda nos termos decididos na sentença de reclamação de créditos (Apenso D). / Face ao exposto, indefere-se liminarmente» (fls. 252-253).

QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.(1) Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito (2).

Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i.-Regularidade da notificação do despacho de 8.9.2020;
ii.-Suspensão da venda judicial.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação do recurso é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Regularidade da notificação do despacho de 8.9.2020.

O despacho proferido pelo Juiz a quo em 8.9.2020 foi notificado à executada pela Agente de Execução em 19.10.2020 (cf. supra), na sequência de despacho de 19.10.2020.
Argumenta a apelante que tal notificação é nula (conclusão 9ª) porquanto deveria ter sido feito pela Secretaria Judicial e não pela agente de execução.
Sem razão, porém.

Nos termos do Artigo 719º do Código de Processo Civil:
1- Cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos.
2- Mesmo após a extinção da instância, o agente de execução deve assegurar a realização dos atos emergentes do processo que careçam da sua intervenção.
3- Incumbe à secretaria, para além das competências que lhe são especificamente atribuídas no presente título, exercer as funções que lhe são cometidas pelo artigo 157.º na fase liminar e nos procedimentos ou incidentes de natureza declarativa, salvo no que respeita à citação.
4- Incumbe igualmente à secretaria notificar, oficiosamente, o agente de execução da pendência de procedimentos ou incidentes de natureza declarativa deduzidos na execução e dos atos aí praticados que possam ter influência na instância executiva.
Assim, nos termos do nº1 deste Artigo 719º, cabia à Agente de Execução proceder à notificação do despacho em causa na medida em que a notificação do despacho em causa não se subsume aos nos. 3 e 4 deste Artigo 719º.
A existência do agente de execução implica a larga desjudicialização do processo executivo bem como a diminuição dos atos praticados pela secretaria, incluindo as notificações do processo executivo, sem prejuízo das competências gerais para a citação e a notificação nas tramitações declarativas que correm por apenso ao processo executivo – cf. Lebre de Freitas, A Ação Executiva, à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª ed., p. 34. Isto porquanto o principal órgão da execução é o agente de execução, tendo os outros intervenientes apenas as competências expressamente previstas por lei – cf. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva, Anotada e Comentada, 2ª ed., p. 192 e Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, pp. 105-106.
Isto quanto ao fundo da questão suscitada pela apelante.
Acresce que o despacho impugnado, neste segmento, é irrecorrível por prematuridade uma vez que não se subsume à previsão dos Artigos 852º e 853º, nos. 1 a 3, do Código de Processo Civil.
Conforme se refere em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2020, Almedina, p. 279, «Com ressalva do que ficou dito na anot. do art. 723º, não comportam recurso de apelação outros despachos interlocutórios ou decisões finais que não se subsumam expressamente aos nºs 1 a 3 deste art. 853º. Assim, na ausência de recurso da decisão final, haverá que aplicar o nº 4 do art. 644º, ex vi art. 852º, admitindo-se a impugnação residual das decisões interlocutórias num recurso único a interpor após se tornar definitiva a extinção da execução, efeito que, em regra, não depende de decisão judicial (art. 849º).»
Em rigor e no segmento referido, deveria o recurso ter sido rejeitado com fundamento em intempestividade por prematuridade.

Suspensão da venda judicial.
Em segundo lugar, pretende a apelante que seja ordenada a suspensão da venda judicial, com fundamento no disposto no Artigo 6º-A da Lei nº 1-A/2020, de 19.3, na redação dada pela Lei nº 16/2020, de 29.5.

Dispõe o Artigo 6º-A da Lei nº 1-A/2020, de 19.3, na redação dada pela Lei nº 16/2020, de 29.5, que:
«6 – Ficam suspenso no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório:
(…)
b)- Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
(…)
7- Nos casos em que os atos a realizar em processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não causa prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes

A suspensão prevista no Artigo 6º, al. b), não é automática, exigindo-se que o processo atinja a fase de entrega judicial da casa de morada de família (cf. Artigos 828º e 859º do Código de Processo Civil), cabendo ao executado demonstrar em incidente próprio que o prédio urbano vendido na execução constitui a sua casa de morada de família (cf. Artigos 292º a 295º e 551º, nº1, do Código de Processo Civil).
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9.11.2020, Mendes Coelho, 1391/18, «Não obstante aquela norma (integrada no regime processual transitório e excecional previsto no art. 6º-A daquela Lei) impor a suspensão dos atos concretizadores da entrega judicial da casa de morada de família, nada dela decorre que impossibilite a realização dos atos transmissores da sua propriedade que sejam necessariamente anteriores a tal entrega: isto é, impõe a suspensão da entrega mas não já a venda ou adjudicação que necessariamente precedem essa mesma entrega.» O âmbito da norma em causa reporta-se à fase das diligências de desocupação do imóvel (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11.3.2021, Francisco Matos, 7532/19).
De igual modo, o regime previsto no nº7 também não é de aplicação automática, cabendo ao requerente/executado deduzir incidente em que alegue concretos factos (e indique prova pertinente) que, a provarem-se, poderão integrar os conceitos previstos na norma, só aí cabendo ao juiz a quo ordenar a suspensão da venda e/ou da entrega judicial de imóvel (cf. Artigos 292º a 295º e 551º, nº1, do Código de Processo Civil). Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8.3.2021, Jorge Seabra, 3744/06, «Para aferir se a realização da venda importa em prejuízo para a subsistência do executado deve o Juiz fazer uma avaliação casuística e ponderada que leve em consideração os rendimentos do executado, a composição do seu agregado familiar, as suas despesas essenciais em alimentação, vestuário e saúde e, ainda, o valor da renda mensal que o mesmo terá que suportar para obter o arrendamento de um locado para a habitação do seu agregado familiar.»
Este regime não difere, em termos técnico-legislativos, do previsto no mesmo Artigo 6º-A, nº 6, al. c), quanto à suspensão das ações de despejo. A este propósito, refere Higina Castelo, “O arrendamento urbano nas leis temporárias de 2020”, in Revista do Ministério Público, Número Especial COVID-19, 2020, pp. 336/337:
«Da gramática da disposição, resulta que a suspensão do processo não é automática […], antes carecendo da prévia apreciação de um requisito complexo: que «o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa». O tribunal terá de aferir os pressupostos de facto integradores daquele requisito complexo e composto por conceitos indeterminados: a decisão judicial final a proferir tem de ser suscetível de colocar o arrendatário em situação de fragilidade, por qualquer razão social imperiosa, nomeadamente por falta de habitação própria. O tribunal carecerá, assim, de saber qual a situação financeira e patrimonial do arrendatário. Tendo em consideração o princípio dispositivo, densificado nos artigos 3º e 5º do CPC em título de disposições e princípios fundamentais, o tribunal só deverá apreciar a questão da suspensão se a mesma for suscitada pela parte que nela tem interesse, com indicação dos factos que a fundamentam, e dando oportunidade à parte contrária de exercer o contraditório. Trata-se de um incidente enxertado na marcha do processo a que se aplicarão os artigos 292.º a 295.º do Código de Processo Civil.»
Ora, dos autos não resulta que, à data da prolação do despacho impugnado, se tenha atingido a fase da entrega judicial do imóvel penhorado, sendo certo que, mesmo que se tivesse atingido tal fase, caberia à executada demonstrar em incidente próprio que o imóvel a vender constitui a sua casa de morada de família.
Por outro lado, não está evidenciado no processo que a executada/apelante tenha deduzido o incidente previsto no nº7 do referido Artigo 6º-A, razão pela qual também improcede a apelação.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão impugnada.
Custas pela apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).


Lisboa, 27.4.2021


Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
José Capacete


(1)-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
(2)-Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes,861/13,de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso,1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).