Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA CARDOSO | ||
Descritores: | FUNDO DE GARANTIA SALARIAL SUB-ROGAÇÃO GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS DECISÃO INTERLOCUTÓRIA ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | I- Tendo o Fundo de Garantia Salarial pago parte dos créditos de ex-trabalhadores da insolvente, o crédito remanescente dos mesmos e o crédito do Fundo, que fica sub-rogado na medida do que pagou, devem ser graduados a par, tal como resulta do art.º 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril. II- Se por decisão interlocutória do processo o tribunal recorrido gradua de forma distinta tais créditos, no confronto um com o outro, tal decisão, não consubstanciando nenhuma das que alude os n.ºs 1 e 2 do art.º 644.º do CPC, pode ser objeto de impugnação com a decisão definitiva, como resulta do n.º 3 do aludido preceito. III- Se pelas alegações de recurso se verifica que o recorrente se insurge contra a qualificação jurídica do tribunal na apreciação da graduação de créditos que realiza naquele despacho interlocutório, que depois se limita a reproduzir na sentença recorrida, integrando-a, na interpretação da sua pretensão recursória, deve ser admitida a impugnação também daquele aludido despacho. IV- O tribunal não está sujeito à qualificação jurídica que as partes fazem das suas pretensões, nomeadamente quanto aos moldes da efetivação da graduação dos créditos verificados; ainda que o reclamante faça errada interpretação da lei que determina aquela graduação, a que depois o tribunal recorrido dá cobertura, nada impede, ainda assim, que aquele reclamante recorra a final dessa mesma qualificação, inserta na decisão recorrida, assim viabilizando que este tribunal possa condenar em objeto diverso do inicialmente pedido. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I-/ Relatório: Hiper Clean – Sociedade de Limpezas Domésticas, Hoteleiras e Industriais, Lda., com demais sinais nos autos, foi declarada insolvente por sentença já transitada em julgado, datada de 28/07/2021. Foi fixado prazo para a reclamação de créditos, findo o qual, o senhor Administrador da Insolvência juntou aos autos a lista/relação dos credores reconhecidos (e não reconhecidos). No que ao caso interessa, o Fundo de Garantia Salarial (FGS) impugnou a lista apresentada, em 20/09/2021, a que respondeu o Administrador da Insolvência, informando nada ter a opor à sub-rogação legal por parte do FGS, que, todavia, apenas deveria ser habilitado pelo montante de €17.881,16. E, por requerimentos de 28/01/2022, 02/03/2022, 11/05/2022, 09/09/2022, 06/12/2022, 17/02/2023 e 20/03/2023, que não obtiveram resposta, o FGS requereu, em todos eles, que se «… digne considerar o FGS sub-rogado nos créditos supra referidos, acrescidos de juros de mora que gozam de privilégio imobiliário geral, devendo ser graduados imediatamente a seguir à posição dos créditos dos trabalhadores, nos termos do 4.º do DL 59/2015 de 21/04». Em 15/12/2022, o Administrador da Insolvência apresentou alterações à listagem inicial dos credores reconhecidos, onde, para além de outras modificações e/ou correções apenas relacionadas com os créditos dos trabalhadores, veio proceder à exclusão de diversos credores devidamente identificados (todos, credores trabalhadores – cfr. fls. 128, 128v e 129). Por despacho proferido em 04/12/2023, foi decidido que «… o FGS apenas deverá ser habilitado pelo montante de € 17.881,16, pela razão de que o sobrante montante pecuniário (= € 4 150,20) já se mostra reconhecido, ab initio - o que judicialmente agora se determina (cfr. artigos 4.º e 11.º do Regime Jurídico do Fundo de Garantia Salarial, anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril), com o inerente reconhecimento do mencionado crédito de € 17 881,16, a favor da entidade credora FGS». E ainda, no que concerne aos aludidos requerimentos apresentados pelo FGS que «Em face da comprovação documental apresentada na lide e da ausência de oposição, consideramos o Fundo de Garantia Salarial sub-rogado nos créditos a que se referem os requerimentos em presença, acrescidos dos juros de mora vincendos, que gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário geral, devendo ser graduados logo a seguir à posição dos créditos dos trabalhadores, à luz do preceituado no artigo 4.º do Regime Jurídico do Fundo de Garantia Salarial, anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril)». Para a massa insolvente foram apreendidos os veículos automóveis, bens móveis (equipamento de escritório) e os direitos de crédito descritos nos autos de apreensão constantes do apenso C (apreensão de bens). Foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos que culminou com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, nos termos do estatuído no artigo 130.º, n.º 3, do CIRE, homologamos a lista de credores reconhecidos apresentada pelo senhor Administrador da Insolvência, com as alterações resultantes da sua intervenção em 15 de dezembro de 2022; sem prejuízo do decidido no despacho proferido a 4 de dezembro de 2023 e do reconhecimento dos requerimentos de sub-rogação do Fundo de Garantia Salarial. Em consequência, julgamos verificados os créditos mencionados nessa lista (alterada quanto aos credores trabalhadores), os quais se graduam nos moldes seguintes: 1.º - Os créditos privilegiados que se encontram descritos nos pontos 8 e 9 supra (dos trabalhadores, rateadamente e de forma paritária); 2.º - Os créditos privilegiados a que se reporta o ponto 11 supra (do FGS); 3.º- Os créditos privilegiados da Fazenda Nacional e da segurança social (nos montantes indicados/listados de € 8 918,00, € 79 668,02 e € 91 929,78); 4.º - Os créditos comuns; 5.º - O crédito subordinado. Não obstante o acima exposto, as dívidas e as despesas da massa insolvente saem precípuas (cfr. artigo 51.º, na sua conjugação com o disposto no artigo 172.º, n.ºs 1 a 3, ambos do CIRE). Nos termos do disposto no artigo 303.º do CIRE, a atividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa insolvente, não é objeto de tributação autónoma. Assim, não há lugar a custas judiciais. Registe e notifique». Não concordando com o teor do assim decidido, o credor FGS apresentou recurso que finalizou com as conclusões que se reproduzem: «1.º O Fundo de Garantia Salarial (FGS) recorre da sentença que julgou verificados os créditos os quais graduou nos seguintes moldes “1.º - Os créditos privilegiados que se encontram descritos nos pontos 8 e 9 supra (dos trabalhadores, rateadamente e de forma paritária); 2.º - Os créditos privilegiados a que se reporta o ponto 11 supra (do FGS). 2- O Fundo de Garantia Salarial assegurou o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, tendo requerido o seu reembolso através das sub-rogações, em montante global de € 47.832,81. 3- Na decisão judicial sub judice foi determinado graduar o crédito do FGS após os créditos dos trabalhadores. 4- Entende-se incorretamente julgado este concreto ponto por errada interpretação da norma aplicável, ou seja, o artigo 4.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril. 5- Relativamente aos créditos em que se mostra sub-rogado o Fundo de Garantia Salarial, devem os mesmo ser graduados a par com os créditos dos trabalhadores, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril. 6- Nos termos desta disposição legal em vigor os créditos reclamados – incluindo o crédito de juros de mora – gozam, nomeadamente, dos privilégios creditórios mobiliário e imobiliário reconhecidos aos trabalhadores. 7- Assim, gozando os créditos dos trabalhadores e do FGS pela via da sub-rogação, da mesma garantia – privilégio creditório - nunca poderiam ser graduados em 1° lugar, aqueles em relação ao Fundo. 8- Os créditos dos trabalhadores podem e devem ser exercidos a par do crédito do credor sub-rogado, ou seja, do FGS, atendendo à sua complementaridade. 9- Uma vez que os créditos salariais e os créditos do FGS se complementam, o FGS fica sub-rogado nos direitos de crédito e beneficia das garantias existentes na esfera jurídica dos trabalhadores, na medida em que os pagamentos que lhes fez resulta da incapacidade para tal por parte da EE HIPERCLEAN – SOCIEDADE DE LIMPEZAS DOMÉSTICAS, HOTELEIRAS E INDUSTRIAIS, LDA. 10- Ambos os créditos gozam, no que aqui interessa, de privilégio mobiliário geral – os trabalhadores, nos termos do artigo 333.º, n.º 1 al. a) do Código do Trabalho, e o FGS, por força da sub-rogação, nos termos do artigo 4.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial constante do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril – devendo, consequentemente ser graduados a par, procedendo-se a rateio entre eles (cf. artigos 745.º n.º 2 do Código Civil e 175.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). 11- Os créditos dos trabalhadores, não podem, pois, prevalecer sobre o FGS, devendo os deste ser graduados na mesma posição e ficando o respetivo pagamento sujeito a rateio, caso o mesmo venha a ser efetuado. 12- A douta decisão violou, além do mais, o disposto naquele artigo 4.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril. Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e a decisão da 1.ª instância, na parte em que graduou o crédito do FGS ser revogada e substituída por outra, que gradue o crédito do FGS no lugar que lhe compete, ou seja, a par dos créditos dos trabalhadores e até ao limite dos pagamentos que efetuou com o que se fará JUSTIÇA (!)». Tudo visto, cumpre apreciar e decidir, colhidos que foram os vistos legais. * II-/ Questões a decidir: Estando o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, como decorre dos arts.º 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão essencial que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em apreciar se os créditos reclamados pelo Fundo de Garantia Salarial, devem ser graduados a seguir aos dos trabalhadores ou em paridade com os destes. * III-/ Fundamentação: Com interesse para a decisão da causa (para além da factualidade processual constante do relatório supra), ter-se-á também em conta os factos que foram dados por provados na sentença recorrida: 1. A sociedade comercial Hiper Clean – Sociedade de Limpezas Domésticas, Hoteleiras e Industriais, Lda., pessoa coletiva número …, com sede na rua … Lisboa, foi declarada insolvente por sentença nos autos principais, transitada em julgado, proferida a 28 de julho de 2021; 2. A referida sociedade tinha como objeto limpezas domésticas, hoteleiras e industriais, e o capital social de € 5 000,00; 3. O gerente da referida sociedade era (…) residente… Lisboa; 4. No âmbito de processo especial de revitalização (PER) foram reconhecidos (após decisão das impugnações à lista provisória de credores) créditos no total de € 1 152.629,53; 5. O Administrador Judicial Provisório nomeado no PER emitiu parecer final no sentido de que a devedora se encontrava em situação de insolvência, tendo esta emitido pronúncia em idêntico sentido; 6. Foi nomeado como Administrador da Insolvência na sentença (…) o qual apresentou, no dia 7 de setembro de 2021, a lista de credores a que se alude no artigo 129.º do CIRE, inserta de fls. 21 a 30 (texto não editável), aqui dada como integrada por estritas razões de economia processual; 7. Em 15 de dezembro de 2022, o senhor Administrador da Insolvência veio apresentar alterações à lista inicial dos credores reconhecidos, onde, para além de outras modificações e/ou correções apenas relacionadas com os créditos dos trabalhadores, veio proceder à exclusão de diversos credores devidamente identificados (todos, credores trabalhadores – cfr. fls. 128, 128v e 129); 8. Operadas essas modificações e/ou exclusões, e aqui já consideradas, os trabalhadores credores passaram a constar dos termos seguintes (nomes e seus créditos): (…….) 9. (…) Créditos num montante total de € 99.214,11, todos dotados de privilégio creditório mobiliário geral; 10. Tendo em conta o prosseguimento do processo para liquidação, o senhor Administrador da Insolvência procedeu à cessação dos contratos de trabalho ainda em vigor, sendo que todos os créditos que se encontravam reconhecidos sob condição, por referência aos trabalhadores, passaram a ser efetivos, deixando de ocorrer as condições a que estavam sujeitos; 11. O Fundo de Garantia Salarial ficou sub-rogado por pagamentos realizados a trabalhadores nos valores de € 4 150,20, € 17 881,16, € 1 232,19, € 15 248,85, € 771,68, € 840,07, € 1 494,08, € 1 435,07 e € 4 779,51; pagamentos num montante total de € 47.832,81; 12. Para a massa foram apreendidos os dois veículos, bens móveis (equipamentos) e os direitos de crédito descritos nos autos de apreensão constantes do apenso C; 13. No apenso de prestação de contas foram aprovadas as contas da liquidação, por sentença datada de 19 de outubro de 2023, já transitada em julgado; 14. Da liquidação de todos os veículos, bens móveis e direitos apreendidos para a massa insolvente resultou para a referida massa uma receita no valor total de € 30 306,62 (cfr. apenso E); 15. As despesas da massa aprovadas na prestação de contas foram no valor de € 7 805,18 (saídas da conta da massa de € 7 369,22, com a inclusão das custas do processo e da remuneração fixa, mais os encargos de € 435,96), sendo que a este valor falta ainda adicionar a remuneração variável do senhor Administrador da Insolvência e o custo acima aprovado de € 109,15. * IV-/ Do mérito do recurso: Em resumo defende o recorrente que, tendo os seus créditos sido reclamados e reconhecidos pelo administrador de insolvência, devem os mesmo ser graduados a par com os créditos dos trabalhadores, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, dado que gozam também dos mesmos privilégios àqueles reconhecidos, complementando-se. Apreciando. Como resulta dos autos, o FGS veio, ao abrigo do disposto no art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, reclamar os seus créditos, para efeitos de sub-rogação, nos termos e com os fundamentos de que pagou aos trabalhadores da insolvente os valores relativos a créditos emergentes do contrato de trabalho e das suas cessações, ficando assim sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios desses trabalhadores na medida do pagamento efetuado. Em análise aos créditos reclamados e verificados, no que ao caso interessa, consignou-se então na sentença recorrida que: «Da lista de créditos julgados verificados, temos os créditos reclamados pelos trabalhadores que gozam do privilégio mobiliário geral previsto no artigo 333.º n.º 1, al. a), do Código do Trabalho, e de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade, nos termos do disposto no artigo 333.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho. Os créditos dos trabalhadores com privilégio mobiliário geral são graduados antes de todos os créditos referidos no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil – cfr. artigo 333.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho. Os que gozam de privilégio imobiliário especial são graduados antes de crédito referido no artigo 748.º do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social – cfr. artigo 333.º, n.º 2, alínea b), do Código do Trabalho. (…) Tendo em linha de conta os bens apreendidos e, ainda, o disposto nos artigos 174.º a 177.º do CIRE, a graduação a efetuar será geral sobre a totalidade do valor dos bens móveis e direitos que compõem e venham a compor a massa insolvente não onerados com penhor (cfr. artigo 140.º, n.º 2, do CIRE) e os créditos deverão, assim, ser graduados, em primeiro lugar, os privilegiados dos trabalhadores, a que logo se seguem os créditos do FGS, depois os privilegiados da Fazenda Nacional e da segurança social, de seguida os créditos comuns e, por fim, o único crédito subordinado (credor n.º 56). Em todo o caso, reiteramos a tónica de que o montante global apurado para a massa insuficiente é manifestamente insuficiente para o pagamento do valor total dos créditos dos trabalhadores, verificados e graduados, a pagar paritária e rateadamente.». Insurge-se o recorrente contra o assim decidido, argumentando que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei quanto ao caso em apreço, pois que, à luz do citado art.º 4.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, previsto no art.º 336.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, que transpôs a Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22/10, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, então aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21/04, o FGS fica sub-rogado nos direitos de crédito e beneficia das garantias existentes na esfera jurídica dos trabalhadores, na medida em que os pagamentos que lhes fez resulta da incapacidade para tal por parte da insolvente/empregadora, assim se complementando os créditos salariais e os créditos do FGS. Deste modo, defende, jamais poderia ter-se determinado, como a final aconteceu, a graduação do crédito do FGS após os créditos dos trabalhadores ainda em débito. Vejamos, pois. Nos termos do art.º 336º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei 7/2009, de 12/2), «o pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica». O Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21/04 aprovou um novo regime do Fundo de Garantia Salarial, previsto naquele art.º 336º do Código do Trabalho, transpondo a Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22/10, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, assim revogando a regulamentação que resultava da Lei n.º 35/2004, de 29/07. Estabelece então o convocado art.º 4.º do citado DL, sob a epígrafe, “Sub-rogação legal”, que «1-O Fundo fica sub-rogado nos direitos e nos privilégios creditórios do trabalhador, na medida dos pagamentos efetuados, acrescidos de juros de mora vincendos. 2- Sendo os bens da massa insolvente insuficientes para garantir o pagamento da totalidade dos créditos laborais, são graduados os créditos em que o Fundo fica sub-rogado a pari com o valor remanescente dos créditos laborais». Aplicando este regime legal, concluiu-se, contudo, na sentença recorrida, ao nível da graduação dos créditos «… nos moldes seguintes: 1.º - Os créditos privilegiados que se encontram descritos nos pontos 8 e 9 supra (dos trabalhadores, rateadamente e de forma paritária); 2.º - Os créditos privilegiados a que se reporta o ponto 11 supra (do FGS) (…)». Ora, a simples leitura do invocado preceito legal, leva-nos a concluir que, na verdade, a graduação dos créditos do FGS não deve fazer-se após os créditos dos trabalhadores ainda em débito. Com efeito, uma vez que os créditos salariais e os créditos do FGS se complementam, o FGS fica sub-rogado nos direitos de crédito e beneficia das garantias existentes na esfera jurídica dos trabalhadores, na medida em que os pagamentos que lhes fez resulta da incapacidade para tal por parte da empregadora/ insolvente. Acontece, porém, que o decidido na sentença recorrida havia já sido objeto de apreciação em 04/12/2023, por despacho contra o qual nenhuma reação teve o FGS, e que culminou com o seguinte dispositivo «Em face da comprovação documental apresentada na lide e da ausência de oposição, consideramos o Fundo de Garantia Salarial sub-rogado nos créditos a que se referem os requerimentos em presença, acrescidos dos juros de mora vincendos, que gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário geral, devendo ser graduados logo a seguir à posição dos créditos dos trabalhadores, à luz do preceituado no artigo 4.º do Regime Jurídico do Fundo de Garantia Salarial, anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril)». (sublinhado nosso). Veja-se que na sentença recorrida é expressamente consignado que os pedidos de sub-rogação do FGS haviam sido já decididos naquele despacho judicial, que a sentença reproduz. E convém não esquecer que o assim decidido o foi na procedência de todas as reclamações apresentadas pelo FGS, onde, nos requerimentos que endereçou aos autos, em 28/01/2022, 02/03/2022, 11/05/2022, 09/09/2022, 06/12/2022, 17/02/2023 e 20/03/2023, concluiu que se «… digne considerar o FGS sub-rogado nos créditos supra referidos, acrescidos de juros de mora que gozam de privilégio imobiliário geral, devendo ser graduados imediatamente a seguir à posição dos créditos dos trabalhadores, nos termos do 4.º do DL 59/2015 de 21/04». (sublinhado nosso) Não obstante, o agora recorrente, sem admitir que fez pedido errado nos autos, eventualmente argumentado que, ainda assim, o tribunal não estava dependente da qualificação jurídica que as partes fazem das suas pretensões, limita-se, apenas e tão só, a recorrer da sentença proferida a final, de verificação e graduação de créditos, argumentando simplesmente que o tribunal a quo fez errada interpretação da lei na sentença objeto do presente recurso. Importa, porém, apreciar se o decidido previamente pelo aludido despacho de 04/12/2023 tem algum reflexo nos autos, impeditivo de que possa reapreciar-se a questão nele vertida. Veja-se que tal despacho não foi proferido no âmbito do despacho saneador previsto no art.º 136.º do CIRE, que, no seu n.º 7, objeto de uma primeira alteração em 2017 (operada pelo Decreto Lei n.º 79/2017 de 30/06) veio consagrar a possibilidade de antecipação da verificação de créditos quanto aos créditos não impugnados e sua graduação imediata, relegada para sentença final caso se verificasse que algum créditos necessitava de produção de prova, o que foi novamente alterado, agora em 2022 (Lei n.º 9/2022 de 11/01), passando, agora sim, a ser a regra a antecipação daquela graduação, com a verificação e graduação provisória também dos créditos controvertidos. No caso dos autos, porém, o decidido por despacho de 04/12/2023 - reconhecendo os créditos do FGS, por sub-rogação nos créditos do trabalhadores ali indicados, de imediato os graduando, com o remanescente dos créditos dos trabalhadores, ali consignando de forma expressa, e que não deixa margem para dúvidas, que aqueles créditos do FGS eram graduados logo a seguir à posição dos trabalhadores - não o foi em sede de despacho saneador, tal como o mesmo está processualmente delineado, mas em decisão intercalar e autónoma. E, por isso, das duas uma, ou se considera que tal decisão, ainda que não pondo termo à causa nem ao processo, faz uma apreciação definitiva do mérito da questão que trata, e que, por isso, obrigaria a apelação autónoma, o que não aconteceu, assim transitando em julgado a decisão ali inserta (tanto mais que o despacho de 04/12/2023 esvaziou a decisão recorrida nesta matéria, que apenas aquela reproduziu); ou se considera que aquela decisão não era definitiva, não formando assim caso julgado, não sendo, por consequência, suscetível de recurso imediato e autónomo, por não consubstanciar qualquer das decisões a que alude o n.º 1 ou o n.º 2 do art.º 644.º do CPC, podendo apenas ser objeto de impugnação com a decisão definitiva, como resulta do art.º 644.º n.º 3 do CPC. Claro que, ainda que tenhamos por certo que aquela “decisão”, proferida fora do momento processual próprio, poderia/deveria ser impugnada a final, com o recurso interposto do saneador/sentença que veio a ser proferido, certo é que a vontade de reagir contra aquela decisão interlocutória deveria ter sido manifestada pelo apelante em recurso. Não obstante, e ainda que o recorrente não o faça de forma expressa, fazendo uma interpretação das alegações que apresenta, estamos em crer que o objeto do recurso engloba o decidido naquele despacho, pois que, em bom rigor, se confunde com ele. É única a decisão, ainda que expressa em dois momentos temporais distintos, que reconhece os créditos do FGS, por sub-rogação nos créditos dos trabalhadores indicados, e que os gradua nos moldes agora impugnados em recurso. Tendo aquela decisão de 04/12/2023 sido proferida fora da tramitação formalmente prevista para o apenso da verificação de créditos, tal como resulta dos arts.º 128.º e sgs. do CIRE, com especial destaque para o acima citado art.º 136.º, nenhum sentido fazendo de, ao invés de operar a graduação de créditos com todos os créditos que cumpre graduar, no momento processual próprio, realizar-se a mesma de forma parcial, em despacho intercalar de apenas dois créditos em confronto, nada obsta então que este tribunal, em face do recurso interposto, reaprecie a questão colocada pelo apelante, pois que a mesma não transitou em julgado. E nada obsta, também, que se corrija, convolando, o pedido que o FGS fez nos autos, nos diversos requerimentos que aos mesmos endereçou, nada impedindo que o tribunal, desde que, naturalmente, respeite os concretos factos alegados e se contenha dentro dos limites do pedido feito, proceda depois a uma diferente qualificação jurídica do mesmo, tanto mais que, nos termos do art.º 5.º n.º 3 do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Deste modo, e a ser assim, nada obsta então que o juiz condene em objeto diverso daquele que lhe é pedido (ver, nesse sentido, o acórdão desta Relação de Lisboa, de 25/01/2024, relatado por Adeodato Brotas, disponível na dgsi, onde se sumaria, em parte «1- A regra do nº 1 do art.º 609º do CPC, que impede o juiz de condenar em objeto diverso do que lhe é pedido, há-de ser interpretada em sentido flexível de modo a permitir ao tribunal convolar o pedido, quando esta convolação traduza mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo e da causa de pedir expressamente invocada pelo reconvinte. 2- Um dos parâmetros que permite ao juiz operar a convolação jurídica do pedido implica que o efeito jurídico decretado pelo juiz pressuponha uma homogeneidade e equiparação prática ao pedido formulado. No fundo, o que releva não é tanto o efeito jurídico que as partes formulem, mas sim o efeito prático que pretendem alcançar (…)»). Por isso, e finalizando, considerando que a sub-rogação é uma forma de transmissão de obrigações, que tem por base o pagamento ou o cumprimento da obrigação por terceiro, e que, sendo legal, só se produz por força da lei, adquirindo o sub-rogado, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam (arts.º 589.º, 592.º e 593.º do CC), na situação de que aqui cuidamos, tendo em atenção o fundamento base do pedido de sub-rogação legal, que estabelece que, no caso dos bens da massa insolvente serem insuficientes para garantir o pagamento da totalidade dos créditos laborais, como nos autos, os créditos em que o FGS fica sub-rogado devem ser graduados a pari com o valor remanescente dos créditos laborais, importa então, na procedência do recurso intentado, revogar nessa parte a decisão recorrida. * VI-/ Decisão: Por todo o exposto, acordam as Juízas desta 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso interposto, assim se revogando a sentença recorrida, que se substituiu por outra que julga verificados os créditos mencionados na lista (alterada quanto aos credores trabalhadores), que se graduam nos moldes seguintes: 1.º - Os créditos privilegiados que se encontram descritos nos pontos 8, 9 e 11 supra (dos trabalhadores e do FGS, rateadamente e de forma paritária), (…) confirmando-se, no mais, a decisão recorrida. Sem custas. Registe e notifique. Lisboa, 11/07/2024 Paula Cardoso Isabel Fonseca Renata Linhares de Castro |