Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
84/23.3YUSTR-C.L1-PICRS
Relator: BERNARDINO TAVARES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
PROVA
QUESTÃO PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Inexiste causa prejudicial quando, no âmbito de outro processo contraordenacional, o Tribunal Constitucional concede provimento a recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em função do juízo positivo de inconstitucionalidade que, em termos teóricos, seja transponível para o caso em análise;
- Não se suspende o processo e/ou se adia a audiência de julgamento quando inexiste causa prejudicial.
- Na fase judicial, a validade dos meios de prova é decidida no âmbito do julgamento, devendo o Tribunal obediência à Constituição e à lei;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Seção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
*
I – Relatório
A  Pingo Doce – Distribuição Alimentar, S.A. apresentou recurso do despacho do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão que indeferiu os pedidos de suspensão e adiamento do julgamento.
*
Por despacho proferido a 30 de junho de 2023 foi indeferido liminarmente os pedidos de suspensão e adiamento da audiência de julgamento, nos seguintes termos:
“1. (…) veio requerer, com fundamento no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 91/2023, proferido no processo n.º 71/18.3YUSTR-D.L2: a suspensão dos presentes autos, ao abrigo do artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 83.º da Lei da Concorrência (LdC), 41.º, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), e 4.º do Código de Processo Penal (CPP) até ao trânsito em julgado da decisão que recaía sobre a validade da prova adquirida no processo PRC/2016/4, incluindo a reforma da(s) decisão(ões) recorrida(a); b) se assim se não entender – o que, por mera cautela de patrocínio, se admite, sem conceder – a não marcação da audiência até tal momento, nos termos do artigo 328.º, n.º 3, alínea c) e 312.º, do Código de Processo Penal (CPP), ex vi artigos 83.º da LdC e 41.º do RGCO; c) ou subsidiariamente, a declaração de nulidade da prova obtida no PRC/2016/4 e dos presentes autos desde o seu início e, consequentemente o arquivamento dos presentes autos.
2. Vejamos.
3. Conforme decorre da informação com a ref.ª 73457 nenhumas das mensagens de correio eletrónico apreendidas junto das instalações da (…) no PRC/2016/4 foram incorporadas e utilizadas nos presentes autos, sendo certo que, como resulta do acórdão n.º 91/2023, eram estas mensagens que estavam em discussão no processo n.º 71/18.3YUSTR-D.L2.
4. Consequentemente e contrariamente àquilo que a (…) defende o acórdão do Tribunal Constitucional e bem assim o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que vier a ser proferido em consequência daquele no processo n.º 71/18.3YUSTR-D.L2 não têm ou terão qualquer efeito de caso julgado ou de autoridade de caso julgado nos presentes autos, tendo em conta o disposto no artigo 80.º, n.ºs 1 e 2, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC). Por conseguinte, não existe uma relação de prejudicialidade entre os presentes autos e o aludido processo que permita a suspensão requerida ou que justifique o adiamento da audiência de julgamento peticionados.
5. Quanto ao terceiro pedido – que, no essencial, pede a decisão imediata da nulidade das mensagens de correio eletrónico apreendidas nos autos e o arquivamento dos autos - considera-se necessário ouvir os demais sujeitos processuais intervenientes.
6. Em face de todo o exposto:
a. Indefiro liminarmente os pedidos de suspensão e adiamento da audiência de julgamento;
b. Quanto ao terceiro pedido formulado determino que seja aberta vista ao Ministério Público para, querendo, se pronunciar e que sejam notificados os demais sujeitos processuais para, querendo e no prazo de dez dias, se pronunciarem.”
*
Inconformada com tal decisão, veio a (…) interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões:
“1. Questão Prévia: a subida imediata do presente recurso
A. Perante o teor do despacho recorrido, a RECORRENTE requer que o presente recurso suba imediatamente, nos termos do disposto nos artigos 407.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), por remissão do artigo 74.º, n.º 4, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), ex vi do artigo 83.º do RJC, na medida em que a subida não imediata do presente recurso torná-lo-ia fatalmente inútil, bem como a todos os atos probatórios que fossem, entretanto, produzidos, no caso de uma decisão que venha a deferir a suspensão dos autos.
2. Objeto do presente Recurso
B. Em 14.06.2023, a RECORRENTE requereu a suspensão dos presentes autos, ao abrigo do artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 83.º do RJC, 41.º do RGCO e 4.º do CPP, até ao trânsito em julgado da decisão que recaia sobre a validade da prova adquirida no processo PRC/2016/4 (cujas diligências de investigação deram origem ao presente processo), ou, se assim não se entendesse, a não marcação da audiência até tal momento, nos termos do artigo 328.º, n.º 3, al. c), e 312.º do CPP, ex vi artigos 83.º do RJC e 41.º do RGCO.
C. Os pedidos de suspensão ou adiamento da marcação da audiência de julgamento fundamentaram-se na circunstância de, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 91/2023, estar pendente, no processo n.º 71/18.3YUSTR-D.L2 (oriundo do processo PRC/2016/4), a decisão sobre a validade das diligências de busca e apreensão ao abrigo daquele PRC/2016/4, baseadas em mandados autorizados apenas pelo Ministério Público.
D. O Despacho recorrido indeferiu os pedidos da Recorrente, entendendo que, porque “nenhuma da mensagens de correio eletrónico apreendidas junto das instalações da Jerónimo Martins e Pingo Doce no PRC/2016/4”, “o acórdão do Tribunal Constitucional e bem assim o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que vier a ser proferido em consequência daquele no processo n.º 71/18.3YUSTR-D.L2 não têm ou terão qualquer efeito de caso julgado ou de autoridade de caso julgado nos presentes autos”, com o que a RECORRENTE não se pode conformar.
3. Sentido da decisão
E. O Despacho recorrido não nega o efeito ou autoridade do caso julgado dos referidos acórdãos – e por via dele a “prejudicialidade” apta a permitir a suspensão do processo a justificar o adiamento da audiência –, simplesmente limita rigorosamente esses efeitos às mensagens apreendidas junto das instalações da Jerónimo Martins e Pingo Doce no PRC/2016/4, o que não se pode aceitar,
F. Sobretudo, não pode esta limitação ser determinada pelo Tribunal a quo, sem que antes se tenham pronunciado os Tribunais do processo onde foi proferido o Acórdão do Tribunal Constitucional - a começar pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
4. A não limitação dos efeitos dos acórdãos do Tribunal Constitucional e do Tribunal da Relação de Lisboa que vier a ser proferido em consequência daquele às mensagens apreendidas junto das instalações da Jerónimo Martins e Pingo Doce
G. A decisão do Tribunal Constitucional incidiu sobre e abrange uma norma: o Tribunal Constitucional não declarou inconstitucional a apreensão destas ou daquelas concretas mensagens de correio eletrónico, mas sim da “a norma extraída das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 18.º e do n.º 1 do artigo 20.º do Regime Jurídico da Concorrência, na versão aprovada pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, segundo a qual, em processo contraordenacional por prática restritiva da concorrência, é permitida à Autoridade da Concorrência a busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico abertas mediante autorização do Ministério Público”.
H. O sentido da decisão abrange necessariamente as mensagens de correio eletrónicorecebidasouenviadas–eondequer queelasseencontrem: atutela constitucional que é conferida o é às mensagens recebidas e enviadas, isto é, à interação comunicativa, pelo que tem de se concluir que a mesma abrange também, necessariamente, o conteúdo das caixas de correio eletrónico dos intervenientes, onde constam mensagens da RECORRENTE, das quais é titular.
I. Na medida em que a correspondência eletrónica/conversações apreendidas no âmbito do PRC/2016/4 nas instalações de outra(s) empresa(s) buscada(s), incorporadas e utilizadas nos presentes autos, contêm e-mails da RECORRENTE, e não foram tais apreensões precedidas de controlo judicial prévio (tal como não o foram nas instalações da RECORRENTE), não se poderá negar que o juízo de inconstitucionalidade do Acórdão n.º 91/2023 abrange também estas conversações, pelo que mesmo na lógica do Despacho recorrido ter-se-á de afirmar a relação de prejudicialidade entre ambos os processos.
J. A extensão dos efeitos das decisões do Tribunal Constitucional e do Tribunal da Relação de Lisboa: o juízo de inconstitucionalidade do Acórdão n.º 91/2023 produzirá efeitos no que respeita a todas as diligências de buscas e apreensão realizadas no âmbito do PRC/2016/4, quanto a todas as empresas visadas pelas mesmas.
K. Se a norma cuja inconstitucionalidade foi julgada naquele Acórdão n.º 91/2023 não pode ser aplicada no processo, não poderá tal norma ser aplicada à correspondência apreendida noutros locais buscados no âmbito do mesmo processo.
L. É, pois, ilegítima e ilegal a limitação do sentido e alcance dos acórdãos do Tribunal Constitucional e da Relação de Lisboa às mensagens de correio eletrónico apreendidas nas instalações da (…) e (…), pelo que, na própria lógica do Despacho recorrido, existe uma relação de prejudicialidade entre os presentes autos e o aludido processo que permite a suspensão requerida ou que justifica o adiamento da audiência de julgamento peticionados.
5. Consequências
M. A relação de prejudicialidade entre os dois processos será de reconhecer ainda que o Tribunal a quo – ou este Tribunal (o que se admite por mera cautela de patrocínio, sem conceder) – não considerem procedente a argumentação expendida e a conclusão alcançada.
N. É que – acolhendo-se ou não, no todo ou em parte, quanto vai exposto – é absolutamente patente que de maneira nenhuma se pode excluir, em absoluto e à partida, a possibilidade de os Tribunais competentes para o PRC/2016/4 (e, desde logo, o Tribunal da Relação de Lisboa) se pronunciarem, sob qualquer forma, sobre a validade dos restantes e-mails apreendidos em tal processo, incorporados neste processo que nos ocupa.
O. O que suscita um impedimento processual ao conhecimento da mesma questão noutro processo: para todos os efeitos, o poder jurisdicional sobre aquela questão está a ser exercido por outro(s) Tribunal(ais) – no presente caso, antes de mais, pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
P. Na verdade, se o Tribunal da Relação de Lisboa, reformando a decisão recorrida, considerar nulos todos os meios de prova obtidos nas buscas e apreensões realizadas naquele PRC/2016/4, na medida em que não foram precedidas de controlo judicial, isso significa que os mesmos meios de prova extraídos daquele processo e incorporados nos presentes autos são, também, nulos.
Q. Portanto, na medida em que não será, obviamente, ao Tribunal a quo que cabe determinar o efeito da decisão de inconstitucionalidade em apreço, os presentes autos devem, pois, ser suspensos até ao trânsito em julgado da decisão que recaia sobre a validade da prova adquirida no processo PRC/2016/4, incluindo a reforma da(s) decisão(ões) recorrida(s) da competência do Tribunal da Relação de Lisboa.
R. Se assim não se entender – o que, por mera cautela de patrocínio, se admite, sem conceder – deve a audiência não ser marcada, nos termos do artigo 65.º do RGCO e/ou do artigo 312.º do CPP, ex vi artigos 83.º do RJC e 41.º do RGCO.
S. O despacho recorrido violou, assim, consoante se entenda, os artigos 272.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigos 83.º do RJC, 41.º do RGCO e 4.º do CPP e/ou o artigo 65.º do RGCO e/ou do artigo 312.º do CPP, ex vi artigos 83.º do RJC e 41.º do RGCO.”
Concluiu:
“Nestes termos, requer-se a V. Exa. Se digne julgar procedente o presente recurso, revogando-se o Despacho recorrido e substituindo-se por decisão que suspenda a instância, ou adie a marcação da audiência de julgamento, até prolação da decisão sobre a validade da prova obtida através das buscas e apreensões operadas no PRC/2016/4, parte da qual foi incorporada nos presentes autos, verificados que estão os respetivos requisitos.”
*
Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões:
“1. O peticionado pela recorrente nas suas conclusões – e que reduzem a questão a ser apreciada à necessidade de suspensão dos presentes autos face à suposta «prejudicialidade» do que se encontra em análise no âmbito do processo nº 71/18.3YUSTR-D – encontrou já resposta no douto despacho com a referência Citius nº 464176 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. E que, segundo o que dali se alcança, rejeitou a ideia de que qualquer Acórdão a ser proferido em tais processos, por qualquer instância superior, poderia vir a criar uma orientação obrigatória a ser seguida pelo juiz a quo – sendo manifesta a sua intenção de levar por diante a normal marcha processual que a estes autos deve ser imprimida.
3. Por outro lado, crê-se firmemente que qualquer pronúncia, neste momento, por este Tribunal da Relação, tendo em conta os termos gizados pela Recorrente apenas traria mais um entrave ao espaço decisório, quer do Tribunal Recorrido, quer do próprio TJUE;
4. Na justa medida em que, neste momento, e já após a interposição do recurso a que por ora se responde foi promovida pelo Ministério Público – ref. Citius 440529 – a formulação de um pedido de reenvio prejudicial ao TJUE - cujos fundamentos e questões se dão aqui por integralmente reproduzidos (e reconduzíveis à mesma questão da apreensão de prova digital em ambiente empresarial) –, o qual, a ser deferido tal reenvio, tem toda a legitimidade para decidir, no seu tempo, e de acordo com a sua posição institucional dentro do próprio quadro constitucional – erigido pelo artigo 8º nº 4 da CRP – não pode deixar de ser reconhecido como um Tribunal supranacional a que o Estado Português e o seu sistema judiciário devem obediência.
6. Nestes termos, a pretensão da recorrente encontra-se por ora, e devido a vicissitudes entretanto ocorridas, totalmente prejudicada, devendo por isso o recurso interposto ser rejeitado.”
Concluindo:
“Termos em que deve o recurso a que por ora se responde ser liminarmente rejeitado, porque prejudicado por decisão ulterior já proferida no âmbito dos autos principais.”
*
Por sua vez, respondeu a Autoridade da Concorrência apresentando as seguintes conclusões:
“Questão prévia: do efeito do presente recurso
A. O Tribunal a quo no despacho que admitiu o presente recurso fixou o seu efeito suspensivo nos seguintes termos: “Trata-se de um recurso que deverá subir de imediato, em separado e com efeito suspensivo (apenas) da decisão recorrida, nos termos dos artigos 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 1 e 408.º, n.º 3, in fine, todos do CPP, aplicável ex vi artigos 74.º, n.º 4 do RGCO e 83.º da Lei da Concorrência”.
B. De acordo com o regime jurídico da concorrência, bem como a jurisprudência sobre o efeito do recurso de despacho judicial interlocutório, este tem subida diferida, a final (aquando do eventual recurso da decisão final), nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 1 do artigo 406.º, n.º 1, a contrario do artigo 407.º, , e artigo 408.º, a contrario, do CPP, ex vi n.º 4 do artigo 74.º, RGCO, ex vi artigo 83.º da LdC.
C. Com efeito, não havendo na Lei da Concorrência normativo específico quanto ao modo de subida dos recursos, o modo de subida será aquele que resulta do artigo 407.º do CPP, aplicável subsidiariamente por força do artigo 32.º do RGCO, ex vi artigo 83.º da LdC.
D. De acordo com aquele normativo, sobem em separado apenas os casos enumerados no seu n.º 2 e, ainda, todos aqueles cuja retenção os tornariam absolutamente inúteis.
E. Percorridos os casos elencados, constata-se que o presente recurso não se subsume a nenhum destes e, particularmente, a sua subida a final não o tornará absolutamente inútil.
F. Ora, o prosseguimento do processo até à decisão final, sem que esteja estabilizada a questão suscitada pela Recorrente (de eventual nulidade da prova), não é passível de gerar o risco de a Recorrente ser confrontada com um resultado que permanecerá irreversível.
G. Mesmo improcedendo a impugnação e sendo interposto recurso final da sentença, o efeito direto de eventual procedência deste recurso – que não se concede – será o da anulação do despacho em causa e de todos os termos processuais subsequentes que dele dependam, incluindo a sentença final, mas não a inoperância total do recurso.
H. Concluímos, portanto, que o presente recurso não se enquadra em qualquer uma das situações a que alude o n.º 1 do artigo 407.º como legitimadoras de um recurso com efeito suspensivo.
I. Acrescente-se ainda que, atualmente, é pacífico na jurisprudência18 o entendimento de que é o efeito meramente devolutivo o consagrado pelo legislador da concorrência, quer na tramitação dos recursos no TCRS, quer, igualmente, na sua subida para o TRL – devendo tal ratio aplicar-se, de igual modo, aos despachos não finais proferidos pelo TCRS, já que tal efeito se coaduna de modo mais harmonioso com a própria Lei da Concorrência, cuja regra é exatamente a de efeito meramente devolutivo.
J. Na medida em que a fixação do efeito do recurso pelo tribunal recorrido não vincula o tribunal superior (cfr. n.º 3 do artigo 414.º do CPP), desde já se requer a alteração do efeito fixado ao recurso para meramente devolutivo.
Enquadramento do recurso interposto pela Recorrente
K. Veio a Recorrente, em 14.06.2023, requerer (i) a suspensão dos autos ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 272.º, CPC ex vi artigos 83.º da LdC, 41.º do RGCO e 4.º do CPP, até ao trânsito em julgado da decisão que recaia sobre a validade da prova adquirida no processo PRC/2016/4; (ii) caso assim não se entendesse, a não marcação da audiência até tal momento, nos termos da al. c) do n.º 3 do artigo 328.º, , e 312.º do CPP, ex vi artigos 83.º do RJC e 41.º do RGCO.
L. Em 30.06.2023, o TCRS decidiu, através de despacho:
“3. Conforme decorre da informação com a ref.ª 73457 nenhumas da mensagens de correio eletrónico apreendidas junto das instalações da Jerónimo Martins e Pingo Doce no PRC/2016/4 foram incorporadas e utilizadas nos presentes autos, sendo certo que, como resulta do acórdão n.° 91/2023, eram estas mensagens que estavam em discussão no processo n.° 71/18.3YUSTR-D.L2.
4. Consequentemente e contrariamente àquilo que a Pingo Doce defende o acórdão do Tribunal Constitucional e bem assim o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que vier a ser proferido em consequência daquele no processo n.° 71/18.3YUSTR-D.L2 não têm ou terão qualquer efeito de caso julgado ou de autoridade de caso julgado nos presentes autos, tendo em conta o disposto no artigo 80.°, n.°s 1 e 2, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC). Por conseguinte, não existe uma relação de prejudicialidade entre os presentes autos e o aludido processo que permita a suspensão requerida ou que justifique o adiamento da audiência de Julgamento peticionados.” (destaque da AdC)
M. Inconformada com tal decisão, veio a Recorrente interpor recurso do referido despacho concluindo, em suma, existir uma relação de prejudicialidade entre o presente processo e aquele que eu origem ao Acórdão do TC n.º 91/2023, pretendendo estender os efeitos da decisão de constitucionalidade tomada naquele outro processo ao presente.
Dos alegados efeitos extra processuais do Acórdão do TC n.º 91/2023
N. Entende a AdC que estes pedidos de suspensão ou adiamento/não agendamento da presente instância com base no Acórdão n.º 91/2023 do Tribunal Constitucional são desprovidos de fundamento processual e legal.
O. Importa recordar que o Acórdão proferido pelo TC resultou de um recurso de fiscalização concreta, previsto no artigo 208.º da CRP, proferido no âmbito de um processo judicial distinto do presente, apresentado pela Jerónimo Martins SGPS, S.A. e Pingo Doce Distribuição Alimentar, S.A., no âmbito do processo n.º 71/18.3YUSTR-D.L2.
P. Ora, “Na fiscalização concreta, a questão de constitucionalidade é uma questão incidental, «enxertada» na questão principal de natureza cível, criminal ou administrativa, e mesmo quando é destacada como recurso de constitucionalidade para o TC, não se autonomiza, permanecendo delimitada pelo caso concreto em que surgiu. Por isso, os seus efeitos são limitados ao caso concreto”(destaque da AdC).
Q. É precisamente pelo facto de o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade apenas produzir efeitos no caso concreto, que o n.º 5 do artigo 280.º da CRP prevê as situações em que outro tribunal aplica uma norma anteriormente considerada inconstitucional pelo TC, obrigando o Ministério Público a recorrer.
R. Pelo que, ainda que não se encontre expressamente previsto na Constituição qual o efeito do juízo de inconstitucionalidade proferido pelo Tribunal Constitucional, no âmbito de um recurso de fiscalização concreta, “é inequívoco que os efeitos são limitados ao caso concreto (salvo os efeitos indirectos decorrentes do n° 6 deste preceito e do n° 3 do art. 281º). Isso decorre, por um lado, da própria distinção entre fiscalização concreta (v. epígrafe deste preceito) e fiscalização abstracta, em que a declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) tem força obrigatória geral» (art. 281°-1); por outro lado, essa restrição de efeitos ao caso concreto está obviamente pressuposta no n°6 deste preceito e no art. 281.º-3, pois só assim se compreende que as normas julgadas inconstitucionais (ou ilegais) num caso concreto, possam continuar a ser aplicadas subsequentemente pelos tribunais. Aliás, a Constituição estabelece mesmo uma diferença de fórmula quanto à decisão do TC: na fiscalização concreta, o TC julga (ou não) uma norma inconstitucional (ou ilegal); na fiscalização abstrata, o TC declara-a (ou não)
inconstitucional (ou ilegal) (cfr. art. 281.º-3). Em suma, a decisão do TC julgando inconstitucional (ou ilegal) uma determinada norma em sede de fiscalização concreta só tem efeitos na decisão recorrida, proferida pelo tribunal a quo. Não pode a lei dispor diversamente”(destaque da AdC).
S. É precisamente tal efeito na decisão recorrida, proferida pelo tribunal a quo, que resulta da decisão do TC plasmada no Acórdão n.º 91/2023, ao “Conceder parcial provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo positivo de inconstitucionalidade expresso na alínea c)” (destaque da AdC).
T. A LTC vem, no seu artigo 80.º, esclarecer como se operacionaliza o efeito de um juízo de inconstitucionalidade, no âmbito de um processo de fiscalização concreta, determinando a baixa do processo ao tribunal de onde provieram os autos, para que este reforme a decisão, ou mande reformar, em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade realizado pelo TC.
U. Ora, o Acórdão n.º 91/2023 proveio dos autos da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, com o n.º de processo 71/18.3YUSTR-D.L2, pelo que a decisão a ser reformada é a proferida em 4de março de 2020, por aquele, naquele processo específico, alheio aos presentes autos.
V. Não produzindo tal juízo de inconstitucionalidade, cujos efeitos se restringem ao caso concreto no âmbito do qual foi proferido, efeito em qualquer outra decisão, senão naquela que lhe deu origem.
W. Conforme refere VITAL MOREIRA, “na fiscalização concreta da inconstitucionalidade, as decisões do Tribunal Constitucional são unicamente “obrigatórias no âmbito do caso-suporte que deu origem ao recurso de constitucionalidade” (eficácia inter partes), não havendo qualquer eficácia erga omnes sobre a validade da norma. As decisões de inconstitucionalidade não afectam a vigência da norma em questão nem a possibilidade de ela vir a ser considerada conforme a Constituição e aplicada por outro tribunal (ou pelo Tribunal Constitucional) noutra circunstância” (destaque da AdC).
X. O presente processo n.º 84/23.3YUSTR é independente do processo n.º 71/18.3YUSTR-D.L2, que originou o Acórdão do TC invocado pela Recorrente, o que implica necessariamente a tomada de uma outra e nova decisão pelo Tribunal, naturalmente, não vinculada ao juízo de constitucionalidade emitido.
Y. Caso assim não se entendesse, o mecanismo de fiscalização concreta da constitucionalidade deixaria de ter razão de ser, confundindo-se com um juízo de constitucionalidade abstrata, com força obrigatória geral.
Z. Conforme refere CARLOS LOPES DO REGO, “Deste modo - e face ao estatuído no n.° 1 deste artigo 80.° - não poderá ser invocada a autoridade do caso julgado, relativamente à questão de constitucionalidade dirimida pelo Tribunal Constitucional, noutros processos que pendam entre as mesmas partes -e em que identicamente se questione a constitucionalidade da mesma norma, também convocável para a dirimição do litígio que incida sobre diferente relação material controvertida. O efeito de caso julgado, decorrente da apreciação do mérito do recurso de fiscalização concreta, está, pois, circunscrito ao âmbito do "processo-base" em que se enxertou o recurso para o Tribunal Constitucional.”
AA. Face ao exposto, salvo melhor opinião, não assiste razão à Recorrente quando tenta extrair consequências do Acórdão n.º 91/2023 para o presente processo, não se encontrando o Tribunal vinculado pelo entendimento plasmado em tal Acórdão.
BB. Por outro lado, decorre claro e evidente do despacho recorrido que os presentes autos não integram qualquer elemento de prova apreendida nas instalações da Pingo Doce, depreendendo-se, portanto, que na discussão do pedido aqui em apreciação está em causa a demais prova apreendida nas instalações de outras visadas que não são destinatárias de qualquer acórdão do TC.
CC. Pelo que, face a tudo o já exposto, os efeitos do juízo de inconstitucionalidade proferido no Acórdão n.º 91/2023 não são suscetíveis de produzir efeito quanto à prova utilizada no âmbito dos presentes autos.
Dos fundamentos para a suspensão do processo ou adiamento de marcação da audiência de julgamento
DD. A Recorrente veio requer a suspensão do processo nos termos do n.º 1 artigo 272.º do CPC, com base na alegada existência de uma “[r]elação de dependência” entre este e o processo que esteve na origem do Acórdão n.º 91/2023.
EE. Sucede que, conforme resulta do despacho recorrido, não foi utilizada prova extraída no âmbito do PRC/2016/04 (que teve na origem do processo 71/18.3YUSTR-D.L2, e culminou na prolação do Acórdão n.º 91/2023), no âmbito do presente processo, contrariamente ao que pretende fazer crer a Recorrente, portanto inexiste qualquer relação entre ambos os processos.
FF. Portanto, a Recorrente incorre num erro de facto quando refere que “se o Tribunal da Relação de Lisboa, reformando a decisão recorrida, considerar nulos todos os meios de prova obtidos nas buscas e apreensões realizadas naquele PRC/2016/04, na medida em que não foram precedidas de controlo judicial, isso significa que os mesmos meios de prova extraídos daquele processo e incorporados nos presentes autos são, também, nulos”25.
GG. Por fim, quanto ao pedido de não marcação da audiência, invoca a Recorrente o artigo 65.º do RGCO e/ou o artigo 312.º do CPP, ex vi artigos 83.º da LdC e 41.º do RGCO.
HH. Ora, nenhuma das previsões de tais artigos admite a possibilidade de não marcação da audiência, conforme requer a Recorrente; antes pelo contrário: tais disposições normativas impõem ao juiz a marcação do dia, hora e local para a audiência, assim que possível.
II. Pelo que tal pedido carece, também, de qualquer fundamento.
JJ. Face ao exposto, improcede o alegado pela Recorrente, devendo também pelo acabado de expor ser negado provimento ao presente recurso.”
Concluindo:
“Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá:
Ser alterado o efeito fixado ao recurso pelo Tribunal a quo de suspensivo para meramente devolutivo, com subida a final, nos termos do n.º 1 do artigo 406.º, n.º 1, a contrario, do artigo 407.º e 408.º, a contrario, do CPP, ex vi n.º 4, do artigo 74.º, do RGCO, ex vi artigo 83.º da LdC;
Ser negado provimento ao presente recurso, por ser manifestamente improcedente e, consequentemente,      confirmando-se   o Despacho do TCRS de 30.06.2023.”
*
Respondeu ainda a Modelo Continente Hipermercados, SA, referindo que “acompanha o recurso apresentado pela Pingo Doce e a motivação.”
Concluiu:
“Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve o Recurso apresentado pela Visada Pingo Doce em 01.09.2023 ser julgado inteiramente procedente e, em consequência, deve revogar-se o despacho recorrido, substituindo-se por decisão que suspenda a instância ou adie a marcação da audiência de julgamento até à prolação de decisão final sobre a validade da prova (incorporada nos presentes autos), obtida através das diligências de busca e apreensão realizadas no processo PRC/2016/4.”
*
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto, apôs o seu visto.
*
Após exame preliminar, foram os autos aos vistos e, de seguida, à conferência.
*
II - Questões a decidir
- se se verifica uma causa de prejudicialidade - decorrente da decisão proferida pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n.º 91/2023, refrente ao processo 71/18.3YUSTR-D.L2, (oriundo do processo PRC/2016/4), que declarou inconstitutcional “a norma extraída das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 18.º e do n.º 1 do artigo 20.º do Regime Jurídico da Concorrência, na versão aprovada pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, segundo a qual, em processo contraordenacional por prática restritiva da concorrência, é permitida à Autoridade da Concorrência a busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico abertas mediante autorização do Ministério Público”-, que justifique a suspensão dos autos ou, se assim não se entender, o não agendamento da audiência de julgamento.
*
III - Fundamentação
Com interesse para a decisão da causa, os factos são os que constam do relatório que antecede.
*
IV - O Direito
O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. os artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2 e 410º, n.º 2, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal) e atento o disposto no artigo 75.º, n.º 1, do RGCO, pelo que este Tribunal apenas conhece da matéria de direito.
*
Da suspensão dos autos.
Alega a Recorrente que a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional, por dizer respeito à prova – mensagens de correio eletrónico – apreendida no âmbito do processo PRC/2016/4, nas instalações da(s) empresa(s) buscada(s), incorporadas e utilizadas nos presentes autos, contêm emails da Recorrente, e não foram tais apreensões precedidas de controlo judicial prévio (tal como não o foram nas instalações da RECORRENTE), “não se poderá negar que o juízo de inconstitucionalidade do Acórdão n.º 91/2023 abrange também estas conversações, pelo que mesmo na lógica do Despacho recorrido ter-se-á de afirmar a relação de prejudicialidade entre ambos os processos.”
A Adc, em sede de resposta, alega que estes pedidos de suspensão ou adiamento/não agendamento da presente instância com base no Acórdão n.º 91/2023 do Tribunal Constitucional são desprovidos de fundamento processual e legal.
O MP, em resposta, considera que o Tribunal a quo rejeitou a ideia de que qualquer Acórdão a ser proferido em tais processos, por qualquer instância superior, poderia vir a criar uma orientação obrigatória a ser seguida pelo Juiz a quo; bem como a existência de pedido de reenvio prejudicial ao TJUE importam pelo indeferimento da pretensão da Recorrente.  
O Tribunal a quo, a esse respeito, afirmou que nenhuma mensagem de correio eletrónico apreendida junto das instalações da Jerónimo Martins e Pingo Doce no PRC/2016/4 foram incorporadas e utilizadas nos presentes autos, sendo certo que, como resulta do acórdão n.º 91/2023, eram estas mensagens que estavam em discussão no processo n.° 71/18.3YUSTR-D.L2.
Tendo concluído que, contrariamente àquilo que a Pingo Doce defende, o acórdão do Tribunal Constitucional e bem assim o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que vier a ser proferido em consequência daquele no processo n.º 71/18.3YUSTR-D.L2, não têm ou terão qualquer efeito de caso julgado ou de autoridade de caso julgado nos presentes autos, tendo em conta o disposto no artigo 80.º, n.ºs 1 e 2, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC). Por conseguinte, não existe uma relação de prejudicialidade entre os presentes autos e o aludido processo que permita a suspensão requerida ou que justifique o adiamento da audiência de Julgamento peticionados.”
Vejamos, então.
Importa ter presente que o presente processo contraordenacional se encontra na fase judicial e, por isso, sujeito às respetivas normas legais.
No caso, temos as disposições da Lei da Concorrência, do RGCO, do CPP e ainda do CPC, sendo as últimas por remissão dos que lhe antecedem (em caso de lacuna do primeiro).
Compulsados os três primeiros diplomas, salvo melhor entendimento, não é prevista a medida pugnada pela Recorrente.
Aliás, o artigo 7.º do CPP, a respeito da suficiência do processo penal, refere que “o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa.
Assim, como refere (n.º 2) “quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente.
Assim, adaptado o referido regime à matéria em análise, salvo melhor opinião, não vemos razões para a suspensão.
Efetivamente, não só a matéria é a mesma, ou seja, a decisão sobre a validade de provas (juntas aos autos), como reveste a mesma natureza, ou seja, contraordenacional, podendo, também por isso, ser convenientemente resolvida nos presentes autos.
Não obstante, o CPC prevê essa possibililidade e, como resulta dos autos, o Tribunal a quo, e bem, ponderou a sua aplicação.
Efetivamente o artigo 272.º do CPC, sob a epígrafe “suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes”, dispõem que (n.º 1) “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”(destaque nosso)
Em anotação a esta disposição, no CPC Anotado de António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, é referido que “apenas podem motivar a suspensão com esse motivo ações que tenham sido instauradas anteriormente à ação em causa, a não ser que se verifique uma relação de prejudicialidade relativamente a um processo da competência dos tribunais criminais ou dos tribunais administrativos e fiscais (art. 92.º), em que o juiz pode decretar a suspensão, ou, como se diz nesse preceito, “sobrestar na decisão” até que o tribunal competente se pronuncie. Por outro lado, deve comprovar-se uma efetiva relação de dependência, de tal modo que a apreciação do litígio esteja efetivamente condicionada pelo que venha a decidir-se na ação prejudicial, a qual constitui, pois, um pressuposto da outra decisão (v.g. ação para cumprimento de um contrato e ação em que se invoque a nulidade do contrato).
O nexo de prejudicialidade define-se assim: estão pendentes duas ações e dá-se o caso de a decisão de uma poder afetar o julgamento a proferir noutra; a razão de ser da suspensão, por dependência de causa prejudicial é a economia e a coerência de julgamentos; uma causa é prejudicial em relação à outra quando a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda.”(Vol. I, pág. 314).
Transpondo os citados ensinamentos para o caso em análise, importa, então, aquilatar se se verificam aqueles requisitos.
Entendemos que não.
Na verdade, como disso deu conta o Tribunal a quo, a decisão tomada pelo Tribunal Constitucional e a que daí decorre para o Tribunal da Relação de Lisboa, reporta-se a meios de prova distintos dos que fazem parte dos presentes autos.
Efetivamente, como se dá conta nestes autos, “nenhuma mensagem de correio eletrónico apreendida junto das instalações da Jerónimo Martins e Pingo Doce no PRC/2016/4 foram incorporadas e utilizadas nos presentes autos, sendo certo que, como resulta do acórdão n.º 91/2023, eram estas mensagens que estavam em discussão no processo n.° 71/18.3YUSTR-D.L2.”
Nessa medida, não se vê de que forma a decisão possa destruir o fundamento ou a razão de ser desta e, por isso, que as referidas razões de economia e coerência se imponham ao caso.
A respeito da coerência, como, aliás, deu conta a Adc, importa não esquecer em que moldes se pronunciou o Tribunal Constitucional e, em particular, a sua repercussão fora do respetivo processo.
Desde logo, importa assinalar que aquela intervenção não decorreu no âmbito do presente processo, pelo que não faz funcionar o disposto no artigo 2.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (acatar de decisões dos tribunais superiores).
Acresce ainda referir que, na medida em que se trata de fiscalização concreta, conforme dispõe o artigo 80.º, sobre a epígrafe “Efeitos da decisão”, (1) “a decisão do recurso faz caso julgado no processo quanto à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada” Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro).
Aliás, mesmo que se se tratasse de fiscalização abstrata, jamais seria nesse ou no processo do TRL que a decisão objeto dos autos seria decidida.
Pois que, conforme dispõe o artigo 4.º da Lei n.º 21/85, de 30 de julho, “os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.”
Dito isto, salvaguardada o regime dos recursos, é imperioso nortear o múnus do tribunal, em termos da independência, também entre tribunais, como sendo, uma face da Independência ínsita no artigo 203.º da CRP.
Esta mesma face, sem prejuízo da ponderação da jurisprudência e doutrina, importava que, mesmo que a prova fosse a mesma, tendo presente a fase processual dos presentes autos, tivesse que ser reportada ao respetivo momento legal, ou seja, ao julgamento; tanto mais que essa constatação, a verificar-se, além do já referido, sempre obrigaria a aquilatar a eventual contaminação de outros meios de prova que, naturalmente, só em julgamento, confrontados os demais meios de prova e cumprido o contraditório, seria possível.
Dito de outra forma, não só não se trata da prova dos presentes autos, como, sendo-o, jamais seria outro processo a decidir a questão objeto dos presentes autos.
Assim, porque não existe uma relação de prejudicialidade entre o presente processo e aquele que deu origem ao Acórdão do TC n.º 91/2023, a decisão do Tribunal a quo não merece qualquer censura.
*
Da (não) marcação da audiência de julgamento.
Pugna a Recorrente, “se assim não se entender”, pela não marcação da audiência, até prolação da decisão sobre a validade da prova obtida através das buscas e apreensões operadas no PRC/2016/4, parte da qual foi incorporada nos presentes autos, o que requer nos termos dos artigos 65.º do RGCO e/ ou 312.º do CPP, ex vi artigos 83.º do RJC e 41.º do RGCO.
Por sua vez, a Adc, na resposta, refere que “nenhuma das previsões de tais artigos admite a possibilidade de não marcação da audiência, conforme requer a Recorrente; antes pelo contrário: tais disposições normativas impõem ao juiz a marcação do dia, hora e local para a audiência, assim que possível. Pelo que tal pedido carece, também, de qualquer fundamento.”
O Tribunal a quo, a esse respeito, considera inexistir causa de “prejudicialidade entre os presentes autos e o aludido processo … que justifique o adiamento da audiência de julgamento peticionados.
Quid juris.
Em face do já referido, reportado à suspensão, não vemos motivo legal para o pretendido adiamento ou não marcação da audiência de julgamento.
Efetivamente, as disposições invocadas pela Recorrente, como bem refere a Adc, apontam em sentido contrário, pois que, determinam que o tribunal, não decidindo por simples despacho, designe data para a realização da audiência de julgamento (cfr. artigo 65.º do RGCO), a qual, aliás, deve ser fixada para a data mais próxima possível (cfr. artigo 312.º do CPP).
 Assim, porque não existe uma relação de prejudicialidade entre o presente processo e aquele que deu origem ao Acórdão do TC n.º 91/2023, a decisão do Tribunal a quo não merece qualquer censura.
*
Por todo o exposto, julgamos improcedente o recurso apresentado pela Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA.
*
V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto pela Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA., mantendo-se a decisão recorrida que indeferiu a suspensão do processo e o adiamento/não agendamento do julgamento.
Custas pela Recorrente (4 Ucs).
Notifique.
***
Lisboa, 16 de outubro de 2024
Bernardino Tavares
Armando Manuel da Luz Cordeiro
Carlos M. G. de Melo Marinho