Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3630/18.0T8VFX-C.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO
ALIMENTOS
DESPESAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Há lugar à rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto quando nas conclusões do recurso não vêm especificados os pontos concretos da decisão que estarão errados.
2- É do senso comum que as despesas associadas ao processo de crescimento não se mantêm imutáveis durante toda a vida do filho a quem são devidos os alimentos, já que vão aumentando desde a primeira infância até ao fim da adolescência, em razão da cada vez maior integração da criança e do jovem na sociedade.
3- Nesta medida, o aumento da autonomia do filho demanda a realização de despesas acrescidas, quer ao nível das suas deslocações, quer ao nível do seu contacto com a realidade que o rodeia (v.g. uso de redes sociais e correspondente uso de equipamento informático), quer mesmo ao nível do seu vestuário e calçado, para além, obviamente, da alimentação.
4- Todavia, se a existência de tais despesas acrescidas já foi tida em consideração na determinação dos alimentos (na sua vertente variável), por ter sido determinado que os progenitores suportam em partes iguais as despesas com educação (em sentido lato), saúde, e despesas destinadas ao desenvolvimento pessoal e bem estar do filho (como é o caso de computador, telemóvel, ou depilação), não há como afirmar que a alteração das necessidades do mesmo associadas ao seu processo de formação da personalidade e crescimento pessoal correspondem a circunstâncias supervenientes que tornam necessário o aumento da parte fixa da pensão de alimentos, porque esta não se destina a satisfazer aquelas necessidades e as correspondentes despesas.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 15/9/2022 L. intentou contra J. acção para alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas a B., filha de ambos, pedindo o aumento da pensão de alimentos fixada em € 115,00, para montante mensal não inferior a € 350,00, e alegando, em síntese, que a jovem está prestes a entrar na Universidade do Algarve, onde está matriculada, o que gera gastos adicionais com alojamento e refeições, para além das propinas e dos restantes gastos próprios da sua idade, e sendo que o valor da pensão a pagar pelo requerido, fixado por sentença de 16/9/2021, mostra-se desactualizado, já que não tem em conta estas novas necessidades, nem o aumento do custo de vida.
Citado o requerido, veio invocar, em síntese, que desde 2019, quando saiu da casa de morada de família, deixou de ser informado dos assuntos gerais da vida da jovem, bem como do seu aproveitamento escolar, recusando-se esta a conviver com o requerido e não lhe falando, do mesmo modo não lhe prestando qualquer informação acerca da candidatura ao ensino superior ou das opções de universidades e cursos, não tendo o requerido sido consultado sobre a procura de alojamento no Algarve e nem sequer sabendo onde a sua filha se encontra alojada, mas continuando a contribuir com metade das despesas decorrentes do ingresso na universidade, nos termos do regime em vigor, que prevê o pagamento de metade das despesas em causa, para além de continuar a pagar integralmente as despesas da casa de morada de família. Conclui pela improcedência da pretensão da requerente, devendo manter-se a obrigação de prestar alimentos nos termos definidos pela sentença de 16/9/2021.
Foi realizada conferência, em 9/10/2023, aí tendo sido tomadas declarações à requerente e ao requerido, e tendo ambos os progenitores sido notificados para os efeitos do disposto no art.º 39º, nº 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
O requerente e a requerida apresentaram as respectivas alegações, bem como os requerimentos probatórios.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Em face do exposto, e pelas invocadas razões, julgo improcedente a acção – com o que:
1) Indefiro o pedido e
2) Mantenho em vigor, na vertente de alimentos e nos seus exactos termos, o regime das responsabilidades parentais fixado em benefício da jovem B.
*
Custas pela Requerente, sem prejuízo do apoio judiciário”.
A requerente recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões que aqui se reproduzem:
1.Nesta contenda discutiu-se o aumento da pensão de alimentos do pai à jovem, fixada ora em 115€, em face das circunstâncias novas que sucederam, para um valor nunca inferior a 350€.
2.Importa salientar que bastas premissas se apresentaram, para sustentar esse pedido, na causa de pedir da acção de alteração.
3.Existem novas realidades, uma endógena e outra exógena, na vida da jovem B. que foram trazidas aos autos, e que não foram tidas em conta pelo douto Tribunal a quo.
4.Uma delas, e de alguma proeminência, foi a inflação que se vive em Portugal, que é elevada, face a hiatos passados.
5.Outra foi o facto de o acordo em vigor estar, em certos segmentos, obsoleto, porquanto refere, por exemplo, despesas que já não existem: visitas de estudo.
6.A jovem estar a estudar e ter novas despesas que requerem um aumento, além de o valor da pensão actual não satisfazer as necessidades por que passa a B.
7.O Tribunal considerou, ademais, que a jovem pode aproveitar a sua capacidade de trabalho para pequenos trabalhos compatíveis com os deveres escolares.
8.À luz do actual normativo (art.º 1905º do CC), o jovem, maior de 18 anos, mas menor de 25, mantém o seu direito a alimentos, desde que esteja ainda em formação.
9.Ou seja, a lei dá um privilégio aos jovens que estejam ainda em formação, na medida em que, não podendo conciliar os estudos com o labor, não vejam aqueles prejudicados.
10.Devemos, pois, perceber que o elemento histórico na hermenêutica desta lei é fundamental, sendo a sua ratio obviar que os jovens ainda em formação se vejam obrigados a estudar e trabalhar ao mesmo tempo.
11.Ora, se o jovem ainda está em formação, nenhum sentido fará que se veja obrigado a trabalhar, quando tem pais que o podem ajudar, tendo em conta, aliás, as suas obrigações parentais, relativamente à pessoa dos filhos.
12.Não é despiciendo lembrar que o art.º 70º da CRP determina: «1. Os jovens gozam de protecção especial para efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente: a) No ensino, na formação profissional e na cultura;»
13.Este panorama ilustra a razão da nossa discordância quanto aos fundamento do Tribunal, no sentido em que a jovem pode ir fazer pequenos trabalhos.
14.De facto, o sistema jurídico visa dar uma protecção aos jovens, privilegiando os seus estudos, com a ajuda dos pais, sem terem necessidade de recorrer a um emprego em tempo parcial.
15.De resto, é uma evidência que a inflação em Portugal é de vulto actualmente, atingindo níveis há muito desconhecidos.
16.Em Março deste ano, estava em 2,3%, sendo que subiu em Abril para 2,6% e hoje desceu para novamente 2,3%, segundo dados do Banco de Portugal.
17.Os valores da inflação não somente devem nortear o valor da pensão de alimentos (que os deve acompanhar), mas também é causa de um pedido de aumento.
18.A subida da inflação aumenta, por inerência, o custo de vida.
19.«I - Tem-se entendido que o aumento do custo de vida constitui, por si, fundamento para se alterar o montante dos alimentos fixados a menores.» (destacados nossos) (em Acórdão do TRP, processo nº 9521150, relator: Dr. Soares de Almeida)
20.Ora, é patente que, em face das circunstâncias conjunturais da economia portuguesa, se assume bastante relevante que seja a pensão de alimentos actualizada e aumentada.
21.Mais – o Tribunal a quo não relevou os documentos carreados para os autos pela ora recorrente, não fazendo isso prova, assim, de que as despesas que lá constam se reportam à jovem.
22.Todas as despesas são reflexos de gastos com a jovem B., pois que se referem a compras de supermercado para esta comer, telecomunicações, água, luz e gás para esta consumir.
23.O Tribunal a quo considerou que o pai da jovem, ao dar-lhe casa, já está a pagar-lhe alimentos; porém, o que é certo é que, durante 17 anos, a recorrente ajudou o recorrido a pagar o crédito à habitação, enquanto durou a união de facto do casal.
24.«A definição de alimentos não deve ser interpretada à letra. Se se considerasse que o sustento abrangia apenas as necessidades ligadas a alimentação, e uma vez que as expressões habitação e vestuário têm alcance preciso, ficaria demasiado restrito o âmbito da definição, pois o alimentado pode carecer de mais alguma coisa para viver, como, por ex., despesas de tratamentos, de deslocação e outras. Por conseguinte, parece dever entender-se como alimentos tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida segundo a situação social do alimentado.[...]» (destacado nosso) (em RLJ, 102º-262, Prof. Adriano Vaz Serra)
25.Há que ter em conta que se uma refeição ficar por 6€ (almoço e jantar), ao final de um mês isso corresponderá a uma cifra de 360€ (originando 180€ para cada progenitor), não contando com o pequeno-almoço e lanche, vestuário e calçado, os quais ascendem a valores mais elevados.
26.Sendo, assim, é por demais evidente que, embora o requerido liquide metade das despesas médicas, medicamentosas, propinas e alojamento (não estando a estas últimas obrigado, porquanto não figuram no acordo), outras despesas existem que se não compaginam com 115€ mensais, pois que a jovem precisa de bastante mais do que 230€ (valor da soma de 115€ do progenitor com 115€ da progenitora) para viver.
27.É de salientar que, não tendo sido esse o entendimento do Tribunal a quo, discordamos deste.
28.E além de considerarmos que os factos provados estão incompletos e incorrectamente fixados, porquanto não foram valorados os recibos apresentados pela recorrente, consideramos, ademais, que foi mal aplicado o direito aos factos dados como assentes.
29.Em face daquilo que já se apresentou – custo de vida alto, novas vivências e despesas da jovem, e o nº 2 do art.º 1095º do CC -, foi ainda considerado que a jovem, ao mandar as mensagens apostas nos autos ao pai, poderia ver legitimada a cessação da prestação de alimentos por parte deste.
30.Vejamos: do que sobressaiu na audiência de discussão e julgamento, nada faz supor que a jovem B. está, ou esteve, a incumprir os seus deveres de filha, mormente os consagrados no art.º 1874º do Código Civil;
31.Tanto mais que não resultou provado, em julgamento, que alguma vez haja o progenitor pedido auxílio ou assistência à filha, estando com essa necessidade, vendo os mesmos serem negados.
32.Nunca a jovem B. faltou, de resto, ao respeito ao seu progenitor, pautando a relação de ambos pela urbanidade e decoro.
33.Isso afere-se, de qualquer maneira, das mensagens de whatsapp que estão juntas aos autos.
34.Se, por um lado, existem umas certa reticências da jovem em relação ao pai, por outro, existe uma relação de solidez considerável e respeito mútuo, não sendo, por parte da jovem, nunca ultrapassadas as barreiras da boa-educação.
35.Assim sendo, e em termos transversais, em face das novas circunstâncias (quer conjunturais do país, quer do acréscimo de despesas de que se fez prova), necessita a pensão de alimentos de ser aumentada.
36.Tendo o douto Tribunal a quo decidido não julgar provadas as despesas da jovem apresentadas, consideramos que julgou incorrectamente, porquanto, além de estas haverem sido confessadas pela mãe, ora recorrente, demonstram despesas que a mesma nunca faria sozinha; e que faz porque tem a jovem consigo, e para si.
37.O Tribunal a quo deveria ter dado como provadas essas despesas, em face da factologia exposta.
38.Se é certo que o pai paga aquilo a que está obrigado, certo é também que a recorrente provou aumentos de despesas com a filha que justificam o aumento pedido, quer em face das mesmas, quer em face da inflação e custo de vida.
39.Mais, e no que ao Direito concerne, consideramos que foram violadas as disposições dos artigos 2004º, 1, e 2012º, todos do Código Civil, na medida em que estas normas deveriam ter sido aplicadas no sentido de que a jovem B. necessita, efectivamente, de um aumento dos alimentos que vigoram.
Não foi apresentada qualquer alegação de resposta.
***
O objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, correspondendo as mesmas à indicação, de forma sintética, dos fundamentos pelos quais pede a alteração ou anulação da decisão.
É manifesto que as conclusões apresentadas não correspondem à referida indicação sintética, mas antes a uma repetição da argumentação expendida anteriormente.
Todavia, é possível identificar o seguinte conjunto de questões que emerge da argumentação apresentada em sede de conclusões pela requerente:
i.A alteração da matéria de facto;
ii.O montante fixo a pagar pelo requerido a título de alimentos.
***
Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto (corrigem-se as referências processuais e eliminam-se as referências probatórias):
1.B. nasceu em 19/6/2004 e é filha da requerente e do requerido.
2.Em 6/3/2019, no âmbito dos autos principais, a B. declarou pretender ficar a residir com o pai, que foi este quem sempre cuidou de si e que a mãe era mais distante.
3.Não existindo acordo nessa data, o Tribunal fixou o seguinte regime provisório, a produzir efeitos a partir da data em que ambos os progenitores deixassem de residir em conjunto:
1. A B. manterá a sua residência junto do pai;
2. A mãe poderá estar com a filha sempre que desejar, em circunstâncias de tempo, modo e lugar que previamente acertar com o pai e a menor;
3. Sem prejuízo da cláusula anterior, a mãe poderá estar com a filha em fins de semana alternados de Sábado a Segunda-feira, entregando-a neste último dia no estabelecimento de ensino, para início dessas actividades;
4. Sem prejuízo da pensão, que oportunamente se determinará, ambos os progenitores, a título de alimentos, partilharão as despesas da filha na proporção de 50%, aqui se incluindo as de saúde e escolares.
4.Em 25/10/2019, no âmbito dos mesmos autos principais, o progenitor veio dizer aos autos que a filha alterou a sua vontade e que pretendia agora ficar a residir com a mãe – após o que, em 11/12/2019, os progenitores ditaram o seguinte acordo, que foi logo homologado:
I - Residência
1. Fixam a residência da B. junto da mãe.
II - Exercício
2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da jovem são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
3. Entendem-se “questões de particular importância” para a vida da jovem, a título de exemplo, a escolha do estabelecimento de ensino a frequentar e opções escolares, as decisões relativas a saídas para o estrangeiro, intervenções cirúrgicas ou tratamentos invasivos.
4. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da jovem cabe ao progenitor com quem a mesma se encontrar.
III - Contactos
A - Durante o ano lectivo
5. A jovem passa com o pai um fim-de-semana de 15 em 15 dias, devendo para tanto, o pai ir buscá-la à Sexta-Feira à escola no final das actividades lectivas, aí a entregando na Segunda-feira seguinte antes do início das mesmas.
6. O pai poderá estar com a jovem à quarta-feira, recolhendo-a na residência da mãe e aí a entregando, após o jantar – tudo em horários a articular com B. e com a progenitora.
B – Férias de Verão
7. A jovem passará com os pais o seu período de férias de Verão nos moldes que forem articulados entre os três.
8. Para o efeito, os progenitores informar-se-ão reciprocamente dos seus períodos de férias até ao dia 31 de Março de cada ano.
C - Natal
9. Anos ímpares - presente ano incluído:
- Do início das férias até 26/12 com a mãe; ---
- De 26/12 até ao final das férias: com o pai. ---
10. Anos pares:
- A jovem alterna os períodos que passa com os pais. ---
D - Férias da Páscoa: ---
11. - A jovem passará o seu período de férias da Páscoa nos moldes que forem articulados entre a mesma e os progenitores.
E - Dias Festivos
12. O dia de aniversário da jovem será passado preferencialmente com ambos os progenitores, sempre que tal seja possível e não prejudique as respectivas actividades escolares, almoçando com um e jantando com o outro.
13. A jovem passará com o pai o dia do aniversário deste e o dia do pai, e com a mãe o dia de aniversário desta e o dia da mãe. ---
IV - Alimentos
A. Pensão:
14. A título de pensão de alimentos, o pai contribuirá mensalmente com a quantia de €180,00 (cento e oitenta euros), à qual acrescerá a quantia de €100,00 (cem euros) em cada um dos meses em que este aufira os subsídios de férias ou de Natal.
15. As quantias supramencionadas deverão ser entregues à mãe através de transferência bancária para o IBAN que o progenitor conhece, até ao dia 05 (cinco) de cada mês a que disser respeito.
B. Despesas:
16. O pai suportará, na proporção de 60%, as seguintes despesas relativas à B.:
a) médicas e medicamentosas,
b) escolares (designadamente livros e outro material escolar, visitas de estudo);
c) extracurriculares consensualizadas – designadamente explicações;
d) outras destinadas ao desenvolvimento pessoal e bem-estar da B. – designadamente computador, telemóvel e depilação, desde que consensualizadas.
17. As despesas referidas nas cláusulas antecedentes apenas são exigíveis contra a apresentação do respectivo documento comprovativo e serão comparticipadas até dia 05 (cinco) do mês seguinte àquele em que os documentos forem apresentados, por transferência bancária.
5.Em 16/9/2021, no âmbito do apenso A, os progenitores ditaram o seguinte acordo, que foi logo homologado:
A. Pensão:
1. A título de pensão de alimentos, o pai contribuirá mensalmente com a quantia de €115,00 (cento e quinze euros), durante 12 meses (sem acréscimos nos meses em que o progenitor receber os subsídios de férias ou de Natal).
2. A quantia supramencionada será entregue à mãe através de transferência bancária para o IBAN que o progenitor conhece, até ao dia 05 (cinco) do mês a que disser respeito.
B. Despesas:
3. Cada um dos progenitores suportará, na proporção de metade, as seguintes despesas da B.:
a) médicas e medicamentosas,
b) escolares (designadamente livros e outro material escolar, visitas de estudo).
c) extracurriculares consensualizadas – designadamente explicações
d) outras destinadas ao desenvolvimento pessoal e bem-estar da B. - designadamente computador, telemóvel e depilação, desde que consensualizadas.
C. Data efeito
4. - O presente acordo produz efeitos a partir da data de hoje, sem retroacção de efeitos – mantendo-se o anterior nos seus exactos termos.
6.Desde o início de 2020, a B. encontrou-se com o pai não mais de 5 vezes e tem recusado os convívios - quer pessoalmente quer por qualquer outra forma.
7.Os contactos com o pai restringem-se à comunicação de despesas, por via de mensagem, para que este as comparticipe.
8.No ano de 2022, o pai viu a filha uma única vez e por sua iniciativa, indo a casa para estar com ela, encontro que ocorreu à porta de casa.
9.No ano de 2023, até 24 de Outubro, pai e filha nem sequer se viram.
10.O requerido trocou com a filha e a requerente, entre outras, as seguintes mensagens
17/07/2020, requerido para a requerente:
Boa tarde. Para informar que a B. não responde nem atende as chamadas. Devo supor que a B. continua a não querer estar comigo.
17/07/2020, requerente para o requerido:
Boa noite. (…) Vou solicitar à B. que responda de acordo com a sua vontade. L.
23/01/2021, requerido para a requerente:
Boa tarde. A B. não atende o telefone. Para além de querer saber dela, preciso de saber como ela está. Com esta situação de pandemia a preocupação é acrescida. Obrigado.
23/01/2021, requerente para o requerido:
Boa tarde, a B. está bem de saúde. Perguntei sobre a questão de não atender os teus telefonemas. A resposta foi “não atendo porque não quero”. L.
23/01/2021, requerido para a requerente:
Boa tarde. Obrigado pelo mail. Ainda bem que ela está bem.
16/06/2021, requerido para a requerente:
Boa tarde. No dia de aniversário da B. pretendo almoçar com ela. Obrigado.
16/06/2021, requerente para o requerido, com conhecimento à B.:
Boa tarde, tendo em conta que a B. já tem direito a ser ouvida, envio esta mensagem com o seu conhecimento para que decida o que pretende fazer. L.
01/07/2021, requerido para a requerente:
Boa tarde. Podes por favor enviar as notas da B.? Que exames vai ela fazer? Obrigado.
11/08/2021, requerido para a requerente:
Boa tarde. Continuo sem saber das notas da B. desde os 2 últimos anos lectivos e da vacinação anti covid. Podes por favor dar essa informação? Obrigado.
11/08/2021, requerente para o requerido, com conhecimento à B.:
Boa noite, tendo em conta que a nossa filha já tem 17 anos, essas questões deverão ser colocadas à própria. Envio a presente mensagem como o seu conhecimento.
12/08/2021, requerido para a requerente, com conhecimento à B.:
Boa tarde. Enviei o mail anterior, porque uma vez que és a encarregada de educação eu devia ter essa informação mesmo sem a pedir. Obrigado.
19/08/2021, requerido para a requerente, com conhecimento à B.:
Bom dia. Acabei de receber uma mensagem do serviço nacional de saúde para a vacinação da B. no dia 22 deste mês (…). Tem limite de resposta até hoje. Pode-se confirmar? Para responder necessito do número de utente da B.. Obrigado.
19/08/2021, requerente para o requerido, com conhecimento à B.:
Bom dia, no que respeita à questão da nossa filha não te responder, só ela poderá esclarecer a razão, se assim o entender. No que respeita à vacinação, não tenho conhecimento de mensagem do SNS e não há necessidade de confirmares. Ainda não pagaste o valor das férias da B.. L.
19/08/2021, requerido para a requerente, com conhecimento à B.:
Boa tarde. Coloco a B. no mal para responder que a transferência do dinheiro caiu na tua conta no dia 5 de Agosto. Se quiseres posso enviar o comprovativo. (…) Perante a tua resposta sobre a vacinação da B., qual o estado da mesma então? Já tomou a vacina? Está agendada? Eu, como pai, quero saber e tenho esse direito de saber sobre a saúde da B., mesmo se passa com os estudos. (…) Obrigado.
21/12/2021, requerido para a requerente:
Boa tarde. Como vai ser este ano? Obrigado.
21/12/2021, requerente para o requerido, com conhecimento à B.:
Boa noite, espero que seja um bom final de ano.
No que respeita à questão da nossa filha, e como tem vindo a ser o meu procedimento, visto que a opinião da B. é a que deve ser tida em conta, vou encaminhar-lhe o mail e a própria terá total liberdade para decidir. Atenciosamente, L.
13/06/2022, requerido para a requerente:
Boa tarde. Venho por este meio que quero passar parte do dia com a B. e almoçar ou jantar com a B.. Obrigado.
13/06/2022, requerente para a B., com conhecimento ao requerido:
Olá filha, boa tarde. Junto envio mensagem para conhecimento, de decidires de acordo com a tua vontade. Beijocas da mãe.
18/06/2022, requerido para a requerente, com conhecimento à B.:
Bom dia. Já têm alguma resposta ao email que enviei? Já agora aproveito para perguntar que exame é que a B. vai fazer? Como correu o ano lectivo? Sei que é altura de exames, mas só peço um bocadinho amanhã para ver a B.. Por favor. Obrigado. Beijinhos filha.
23/06/2022, requerido para a requerente, com conhecimento à B.:
Boa tarde. Em relação às notas escolares e de condução podem dar alguma informação? Obrigado.
02/09/2022, requerente para o requerido:
Ainda relativamente à questão do crédito, o pretendido para a B. era o crédito de garantia mútua, mas não é fácil encontrar informações, nem no balcão de VFX tinham actualizadas. Neste crédito, mesmo sendo o Estado fiador, o funcionário disse que é sempre melhor haver fiadores por parte do estudante. Encontrei link abaixo, uma vez que o da DGES não é esclarecedor.
07/09/2022, requerido para a requerente:
Bom dia. Estive a ver o mail e o link. Mas fiquei sem saber em concreto a que se destina esse crédito. Por isso pretendo esclarecimentos. Que formação é que a B. se candidata? A B. já foi colocada? Em que escola? Esse crédito, estamos a falar de que valores e por quanto tempo? Qual a necessidade desse empréstimo? Obrigado
07/09/2022, requerente para a B., com conhecimento ao requerido:
Olá filha, tendo em conta que o teu pai levanta questões que quanto a mim são de óbvia resposta, mas, talvez, porque fui eu quem enviou a informação ele não a percebeu. Agradeço que respondas às questões, se assim o entenderes. Beijos, mãe.
07/09/2022, B. para o requerido:
Em resposta ao teu mail, só tenho a dizer que está tudo esclarecido no site. É um crédito que eu vou precisar para a faculdade, porque a minha mãe não pode suportar mais, praticamente, a totalidade das minhas despesas. Quanto ao curso ainda não sei qual é que eu vou entrar, mas nenhum deles é em Lisboa. E como já devias de saber, já que dizes que te importas tanto com o meu futuro, as informações das vagas só vão sair dia 12.
13/09/2022, 11:27, requerido para a requerente:
Bom dia. A informação das colocações saíram ontem. Ainda esperei que de forma espontânea me enviassem a informação, assim, será possível ter essa informação? Que curso? Obrigado.
13/09/2022, 15:10, requerido para a B.:
Olá filha. Bom dia. A data das colocações foram ontem e podes dizer onde foste colocada e em que curso? Beijinhos.
13/09/2022, 15:11, B. para o requerido:
Fui colocada nas línguas e comunicação. No Algarve. Estou a ver quartos na Net, mas é tudo muito caro. Mas tenho que ir já este fds para baixo.
13/09/2022, 16:26, requerido para a B.:
Algarve!? Línguas e comunicação!? E a área que sempre quiseste? A universidade deve ter residência estudantes. Muitos beijinhos filha. Adoro-te tanto!
11.O requerido auferiu, em 2022, € 23.607,05.
12.O requerido pagou metade das despesas da B. com as propinas na Universidade do Algarve:
a) no ano lectivo 2022/2023 - no valor de € 37,50 em Novembro e Dezembro/2022 e € 25,00 entre Janeiro e Junho/2023, ao que acresceram € 100,00 em 03/11/2022 pelo traje académico e € 3,75 em 28/04/2023, pela aquisição de emblemas;
b) no ano lectivo 2023/2024 - no valor de € 12,50 em Setembro.
13.O requerido pagou metade das despesas da B. com o alojamento no Algarve, no valor mensal de € 38,78 (50% de € 77,56) no ano lectivo 2022/2023 e de € 42,04 (50% de € 84,08) no ano lectivo 2023/2024.
14. Ao remeter os documentos comprovativos dessas despesas de alojamento, a filha rasurou, tornando ilegível, a parte do documento relativa à morada – à semelhança do que sua mãe fez com o documento que juntou aos autos em 23/10/2023.
15.O requerido pagou metade das despesas da B. com o passe de transportes no Algarve, no valor mensal de € 4,80 (50% de € 9,60) no ano lectivo 2022/2023 e de € 5,60 (50% de € 11,20) no ano lectivo 2023/2024.
16.O requerido pagou ainda outras despesas da B., designadamente com a carta de condução, e as seguintes:
a) € 6,48         14/03/2022          oftalmologia
b) € 1,00         14/03/2022          Cuf                                 
c) € 7,50         15/03/2022          depilação                        
d) € 14,90       21/06/2022          telemóvel                        
e) € 14,91       19/07/2022          telemóvel                        
f) € 14,90       18/08/2022          telemóvel                        
g) € 12,00       30/08/2022          lentes contacto               
h) € 7,50         02/09/2022          depilação/Maio               
i) € 7,50         02/09/2022          depilação/Junho             
j) € 3,75         02/09/2022          depilação/Agosto           
k) € 14,00       06/09/2022          óptica                             
l) € 7,00         06/09/2022          visão                               
m) € 6,21         06/09/2022          wells                               
n) € 14,90       20/09/2022          telemóvel                        
o) € 7,48         04/10/2022          estudos                           
p) € 5,10         04/10/2022          cantina                            
q) € 5,00         05/10/2022          pen                                 
r) € 17,15       05/10/2022          transportes                      
s) € 14,91       19/10/2022          telemóvel                        
t) € 9,73         02/11/2022          transportes
u) € 12,50       06/12/2022          hastes
v) € 6,70         04/01/2023          2 hamburgers
w) € 3,75         06/02/2023          depilação
x) € 7,04         09/02/2023          depilação
y) € 3,10         15/02/2023          hamburger
z) € 2,90         28/02/2023          cantina
aa) € 9,49         28/04/2023          roupa
bb) € 7,98         28/04/2023          compras supermercado  
cc) € 8,40         28/04/2023          3 hamburgers                        
dd) € 9,90         05/06/2023          4 hamburgers                        
ee) € 0,63        03/07/2023           bilhete transporte (50% de € 1,25)ff) € 2,85         03/07/2023          hamburger (50% de € 5,70)  
gg) € 11,04       03/07/2023           roupa (50% de € 22,07)
hh) € 7,50         04/07/2023          depilação
ii) € 4,58         04/07/2023          farmácia
jj) € 3,85         05/07/2023          hamburger                             
kk) € 11,03       05/07/2023          roupa
ll) € 1,00         13/07/2023          bilhete transporte (50% de € 2,00)mm) € 15,04    26/07/2023          máscara pestanas, água oxigenada, soro, hidratante de lentes (50% de € 30,07)
nn) € 3,94         01/08/2023          dentista
oo) € 9,32         08/08/2023          hamburger e pizza
pp) € 15,03       08/08/2023          óptica
qq) € 11,00       05/09/2023          cabeleireiro
rr) € 8,03         19/09/2023          compras supermercado
ss) € 3,75         27/09/2023          depilação
tt) € 6,80         27/09/2023          hamburger e bistro
uu) € 3,47         27/09/2023          pizza
vv) € 2,95         02/10/2023           hamburger (50% de € 5,90)
ww) € 25,11       10/10/2023          jantar curso                           
17.O requerido pagou também, entre outras, as seguintes despesas com a casa habitada pela mãe da B.:
a) €15,00        05/06/2022          condomínio                    
b) €178,44      13/06/2022          prest. bancária                
c €107,09      03/07/2022          seguro                            
d) €15,00        05/07/2022          condomínio                    
e) €178,44      12/07/2022          prest. bancária                
f) €15,00        05/08/2022          condomínio                    
g) €183,49      12/08/2022          prest. bancária                
h) €15,00        05/09/2022          condomínio                    
i) €183,49      12/09/2022          prest. bancária                
j) €15,00        05/10/2022          condomínio                    
18.A requerente auferiu, em 2022, € 12.206,32 (ao que acresceram € 2.443,84 dos alimentos pagos à filha).
19.A B. iniciou, em Setembro de 2022, a frequência do Curso de Línguas e Comunicação Intercultural, na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve.
20.Carecida de alojamento, iniciou nesse mês o pagamento de um quarto, no valor mensal de € 77,56, aumentado em Agosto de 2023 para € 84,08.
21.Em 7/9/2023, mediante WhatsApp, escreveu ao pai: “A mãe não consegue continuar a comprar roupas e calçado para mim pagando ela sozinha. E eu estou a precisar de roupas e calçado. A mãe não tem como pagar nem sequer metade, como é que eu faço se tu não me dás nada?”.
22.Na mesma data, e pela mesma via, o pai respondeu: “Olá filha. Tenho pago metade das facturas de roupa, por exemplo Bershka. A ti não te dou nada… tenho dado sempre à tua mãe. Tens conta bancária?”.
23.Como a filha não respondeu, prosseguiu o pai: “Encontramo-nos e vamos às compras filha. Sim?” – mensagem para a qual não obteve resposta.
24.O pai prosseguiu nos dias 9, 10 e 12 de Setembro de 2023: “Olá, filha. Como estás? Podemos ir às compras amanhã? Diz que sim. Por favor. Beijinhos” / “Olá filha. Bom dia. Estás bem?” / “Olá filha. Marca 1 dia para sairmos e vamos fazer compras para ti. Bjs.” – e, mais uma vez, não obteve resposta.
25.Em Outubro de2023, depois de haver recebido uma factura da filha para comparticipar, emitida pela Clínica Lusíadas, que incluía despesas com uma “1ª consulta” no valor de € 87,00 e uma “ecografia” no valor de € 67,07, rasurada na parte relativa à especialidade, o requerido perguntou à requerente o que se passava – ao que esta respondeu que não se passava nada, que a consulta e a ecografia tinham sido de rotina.
26.Pretendendo o requerido saber sobre a especialidade a que respeitava a ecografia, a requerente respondeu: “Creio que a tua insistência revela o mesmo carácter provocatório de sempre, mas eu explico: se a B. não respondeu, é porque não quer. A privacidade da nossa filha deve ser respeitada”.
***
Na sentença recorrida considerou-se como não provada a seguinte matéria de facto:
1) A B. acha-se, de momento, a vestir roupa da mãe;
2) A B. tem despesas com a limpeza das roupas, incluindo as de cama, além dos gastos com água, electricidade e internet na casa que habita no Algarve.
***
Da alteração da matéria de facto
Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do disposto no referido art.º 640º do Código de Processo Civil, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 196-197):
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
E, mais adiante, afirma (pág. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Do mesmo modo, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 770) afirmam que “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objecto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º)”, mais afirmando que “relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, o recorrente tem o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder apresentar a respectiva transcrição”.
E, do mesmo modo, vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça (como no acórdão de 29/10/2015, relatado por Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt) que do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil resulta “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…) e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes (…)”.
Por outro lado, impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão de facto que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se ao conjunto de factos que assumem relevo para o conhecimento da pretensão manifestada pelo impugnante. Ou seja, aqueles factos que se poderão considerar como essenciais para a decisão, quer tenham resultado da alegação das partes, quer resultem dos meios de prova produzidos (segundo o art.º 21º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
Assim, num caso como o dos presentes autos (em que está em causa a alteração da regulação das responsabilidades parentais, nos termos do art.º 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível), é no confronto dos elementos factuais constantes da sentença recorrida com os factos alegados e com aqueles que decorrem da prova existente que o recorrente que pretende impugnar a decisão relativa à matéria de facto deve dar cumprimento à exigência de especificação acima referida, indicando nas conclusões da sua alegação cada um dos concretos pontos de facto que se apresente com relevo para a decisão de alteração e que merecia decisão diversa daquela tomada pelo tribunal recorrido, mais indicando qual a decisão diversa a tomar, tudo sob pena de rejeição dessa impugnação.
Revertendo tais considerações ao caso concreto dos autos, constata-se que a requerente não deu cumprimento ao referido ónus da especificação, quer na sua vertente primária, quer na sua vertente secundária.
Com efeito, nas conclusões do recurso a requerente não cuida de individualizar qualquer facto, seja dos que constam do elenco de factos provados e não provados, seja por referência a matéria não elencada na sentença mas que resulte das alegações das partes e/ou da instrução da causa. Pelo que não se pode apurar qual é a delimitação do recurso, no que respeita à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Do mesmo modo, e apesar de referir os “documentos carreados para os autos pela ora recorrente”, os “recibos apresentados pela recorrente”, ou ainda o “que sobressaiu na audiência de discussão e julgamento”, a requerente omite o cumprimento do referido ónus secundário de identificação dos meios de prova que, no seu entender, determinariam a alteração pretendida, desde logo porque não identifica os concretos documentos e/ou quaisquer passagens da gravação dos depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento.
Em suma, torna-se manifesto que a impugnação da requerente mais não representa que a afirmada “mera manifestação de inconsequente inconformismo”, não só porque não individualizou e concretizou quais as alterações factuais pretendidas, mas igualmente por falta de especificação dos concretos meios probatórios que justificam as (não concretizadas) alterações pretendidas à decisão de facto.
Assim, e no que respeita à impugnação da decisão de facto, a mesma é rejeitada.
***
Do montante fixo a pagar pelo requerido
Da fundamentação constante da sentença recorrida resulta que foi considerado que se alteraram as necessidades da jovem B., em razão de haver ingressado num estabelecimento de ensino superior situado no Algarve, e bem ainda em razão da sua maior idade.
Todavia, e categorizando tal alteração das necessidades alimentares em questão, conclui o tribunal recorrido que, no que respeita aos “encargos com a Universidade”, têm vindo a ser comparticipados pelo requerido, nos termos estabelecidos pelo acordo homologado em 16/9/2021, pelo que “não há por que as relevar na pensão”.
Do mesmo modo, e no que respeita aos “encargos com o alojamento”, conclui igualmente o tribunal recorrido que os mesmos também têm vindo a ser comparticipados pelo requerido, nos termos igualmente estabelecidos pelo acordo homologado em 16/9/2021, pelo que, também nesta parte, “não há por que as relevar na pensão”.
Quanto aos “outros encargos decorrentes da maior idade e deslocação para o Algarve”, correspondentes às “despesas extracurriculares consensualizadas” e às “outras despesas destinadas ao desenvolvimento pessoal e bem‑estar da B., designadamente computador, telemóvel e depilação, desde que consensualizadas” (são estes os termos utilizados no acordo de regulação das responsabilidades parentais que foi homologado), reconhece-se na sentença recorrida a existência de um acréscimo de despesas, a esse título. Todavia, porque se encontra “o mencionado acréscimo de despesas já aceite pelo progenitor e por este comparticipado, continuamos a não vislumbrar razão imperiosa para lhe aumentar a pensão”.
Já a requerente continua a sustentar que, apesar dos valores variáveis que têm vindo a ser pagos pelo requerido, para além do valor fixo mensal (€ 115,00) da pensão, determinado em 16/9/2021, existe um acréscimo de despesas que não está contemplado pelos valores entregues pelo requerido, para além de ter de ser considerada a “elevada” inflação que se faz sentir.
Resulta do regime estabelecido em 16/9/2021, por acordo da requerente e do requerido e homologado por sentença, que:
· O requerido paga a título de alimentos a quantia mensal fixa de € 115,00;
· Quanto às despesas escolares e médicas e medicamentosas, cada um dos progenitores suporta metade do valor das mesmas;
· Quanto a outras despesas, quer extracurriculares, quer destinadas ao desenvolvimento pessoal e bem estar da jovem B., designadamente computador, telemóvel e depilação, carece a sua realização do consenso de ambos os progenitores, suportando cada um deles metade do valor respectivo.
Ou seja, os alimentos devidos pelo requerido comportam uma vertente fixa (a pensão de alimentos, em sentido restrito) e uma vertente variável (o pagamento de metade de determinado tipo de despesas), sem que esta última esteja balizada no seu mínimo e no seu máximo.
Por outro lado importa recordar que do nº 1 do art.º 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível resulta que a fixação de nova regulação do exercício das responsabilidades parentais (ainda que apenas numa das suas vertentes, que no caso concreto se reporta aos alimentos) pressupõe a existência de circunstâncias supervenientes que ditem a necessidade de alteração do regime estabelecido.
Como explica João Nuno Barros (Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado, Almedina, 2021, pág. 341-342), “para além da premissa de que a natural evolução da criança impõe que, não raras vezes, surjam, no seu normal desenvolvimento e crescimento, circunstâncias supervenientes que implicam, ou justificam, a alteração do acordo ou decisão judicial prévias relativas à regulação do exercício das responsabilidades parentais, a verdade é que a própria natureza de jurisdição voluntária dos processos tutelares cíveis (…) assim o possibilita, na medida em que, como resulta do art. 988º/1 CPC, “[n]os processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração”, devendo entender-se por supervenientes “tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso”.”.
Ou seja, a medida dessa necessidade de alteração passa pela consideração de um quadro factual superveniente que aponta no sentido de a manutenção do regime em vigor não mais respeitar o superior interesse da criança ou do jovem, por representar uma evolução do modus vivendi do mesmo que prejudica o seu desenvolvimento físico, psíquico, social e moral.
No caso concreto dos autos o novo quadro factual invocado pela requerente prende-se desde logo com a frequência do ensino superior pela jovem B., com o correspondente aumento das despesas da mesma ditadas por essa evolução do seu processo de educação, já que a jovem teve de ir residir para o Algarve, onde se situa o estabelecimento de ensino superior respectivo.
Todavia, e como resulta da factualidade provada, esse acréscimo de despesas com a educação da jovem B., designadamente no que respeita a propinas e alojamento, levou o requerido a responder pelo mesmo na proporção de metade, por assim estar obrigado nos termos do regime em vigor.
Assim sendo, e não obstante o aumento das despesas de educação lato sensu da jovem B. (compreendendo os “encargos com a Universidade” e os “encargos com o alojamento”), esse aumento não determina, por si só, qualquer alteração do valor que o requerido entrega mensalmente a título de pensão de alimentos, porque já originariamente aquela parte das despesas decorrentes do seu processo de educação não tinha sido considerada para a determinação do montante fixo em questão (€ 115,00).
Dito de outra forma, a fixação do valor mensal de € 115,00 a título de pensão de alimentos devida pelo requerido teve em consideração as necessidades da jovem, com excepção daquelas que se reportavam a despesas de saúde, educação e outras consensualizadas, porque relativamente a essas ficou determinado serem suportadas por ambos os progenitores, na proporção de metade para cada um, e sem fixação de qualquer valor mínimo ou máximo para essa contribuição. Pelo que, quando o desenvolvimento do processo de educação da jovem B. sofre uma alteração no sentido de gerar mais despesas, tal circunstância, ainda que se possa classificar como superveniente por referência ao momento da fixação do regime em questão, mostra-se inócua para a consideração da necessidade de modificação daquele valor mensal fixo, idealmente respeitador da relação proporcional entre as possibilidades económicas do requerido e as necessidades da jovem B., tal qual a mesma esteve na génese da fixação do referido valor mensal de € 115,00.
Ou seja, não se pode afirmar que sempre haveria de considerar esse acréscimo das despesas com a educação da jovem B., para afirmar uma situação supervenientemente relevante e adequada à determinação de um valor superior a entregar mensalmente pelo requerido, a título de alimentos devidos à mesma.
Por outro lado, o lapso de tempo decorrido entre o momento da fixação do referido valor mensal de € 115,00 (Setembro de 2021) e a actualidade não é de molde a afirmar, por si só, que se está perante uma alteração da situação da vida da jovem B., no que respeita às suas necessidades, designadamente aquelas que estão associadas ao seu processo de formação e crescimento.
Com efeito, e como é do senso comum, as despesas associadas ao processo de crescimento não se mantêm imutáveis durante toda a vida do filho a quem são devidos os alimentos, já que vão aumentando desde a primeira infância até ao fim da adolescência, em razão da cada vez maior integração da criança e do jovem na sociedade. Assim, o aumento da autonomia do filho demanda a realização de despesas acrescidas, quer ao nível das suas deslocações, quer ao nível do seu contacto com a realidade que o rodeia (v.g. uso de redes sociais e correspondente uso de equipamento informático), quer mesmo ao nível do seu vestuário e calçado, para além, obviamente, da alimentação.
Todavia, mesmo neste âmbito resulta da matéria de facto provada que ao tempo da determinação (por acordo) do valor fixo dos alimentos já foi tida em consideração a existência de tais despesas acrescidas, pois que requerente e requerido convencionaram suportar em partes iguais as despesas da jovem B. destinadas ao seu desenvolvimento pessoal e bem estar, como é o caso de computador, telemóvel, ou depilação, e bastando para tanto que merecessem o consenso de ambos os progenitores.
E na medida em que no momento (Setembro de 2021) em que foram consideradas tais necessidades e a forma de suportar as despesas correspondentes a jovem B. estava já na fase final da sua adolescência e próxima da idade adulta (recorde-se que nasceu em 19/6/2004), ainda que se mantivesse em processo educativo, torna‑se evidente que não é a afirmação da mesma como uma jovem adulta que leva a concluir terem surgido necessidades ligadas ao seu desenvolvimento pessoal e ao seu bem estar distintas daquelas já consideradas em Setembro de 2021. Aliás, é sintomático dessa valoração efectuada em Setembro de 2021 a circunstância de ter ficado referida como uma dessas necessidades a realização de um procedimento estético regular (a depilação), a par do uso de telemóvel e de computador, situações que, como é igualmente do senso comum, são necessidades que se apresentam a qualquer jovem desde o início da adolescência.
Ou seja, também por esta via não há como afirmar uma alteração da situação da vida da jovem B., no que respeita às suas necessidades associadas ao seu processo de formação da personalidade e crescimento pessoal, relativamente à situação verificada em Setembro de 2021, aquando da determinação do valor fixo da pensão de alimentos em € 115,00.
Aliás, tal evidência sai reforçada quando se constata que a fixação desse valor mensal de € 115,00 (em Setembro de 2021) representou uma diminuição do valor de € 180,00 (que estava determinado desde 11/12/2019), daí se podendo retirar que, se alguma circunstância superveniente se veio verificando, foi no sentido da diminuição das necessidades da jovem B. que são satisfeitas através de tal montante mensal fixo.
Por último, e no que respeita à inflação, a ditar o pretendido aumento (de € 115,00 para valor não inferior a € 350,00), pretende a requerente que uma inflação que situa em valor não superior a 2,6% deve ditar um aumento do valor da pensão de alimentos para mais do seu triplo. E a benefício da sua argumentação convoca para tanto o teor do sumário do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/11/1996 (relatado por Soares de Almeida e disponível em www.dgsi.pt), quando aí se conclui que “o aumento do custo de vida constitui, só por si, fundamento para se alterar o montante dos alimentos fixados a menores”.
Torna-se evidente que se está perante um argumento que não é de acolher, enquanto afirmação de uma circunstância superveniente que justifica a alteração do regime em vigor, nesta parte.
Com efeito, aquilo que se poderá constatar é que quando foi determinado o valor fixo da pensão de alimentos, em Setembro de 2021, não foi considerado o efeito erosivo da inflação nesse valor, já que não foi determinada qualquer cláusula de actualização tendo por base a taxa respectiva (ou o índice de preços ao consumidor, que expressa pela mesma forma tal efeito erosivo).
Mas consultando a evolução da taxa de inflação homóloga (disponível em https://bpstat.bportugal.pt), constata-se que em Setembro de 2021 apresentava-se em 1,3%, tendo tido o seu pico em Outubro de 2022 (10,6%) e apresentando-se em Agosto de 2024 em 1,8%. Ou seja, verificando-se a presença do efeito erosivo da inflação ao longo de todo este lapso de tempo, o mesmo já se constatava (ainda que com menos expressão) quando foi determinado o valor de € 115,00 para a vertente fixa dos alimentos devidos pelo requerido. Mas como já se disse, não ficou determinado que a evolução desse valor devia acompanhar o aumento do custo de vida, expresso pela taxa de inflação, então de 1,3%. O que faz antever que terá sido considerado (pelos progenitores e aceite pelo tribunal, ao homologar o acordo que alcançaram) que sendo a parte substancial das despesas (aquelas que decorrem do processo de educação da jovem B., a par das despesas de saúde e das despesas ligadas ao desenvolvimento pessoal e bem estar da mesma) suportada por ambos os progenitores, sem estabelecimento de valores previamente determinados, mas variando em razão dos montantes efectivamente gastos, tal significaria que o valor fixo em questão representaria um valor residual, assim sendo de desprezar a erosão do mesmo por força da inflação (que já então se verificava). Pelo que, nesta medida, não se pode afirmar que a referida inflação constitui uma circunstância superveniente com relevo bastante para desencadear a alteração pretendida.
Do mesmo modo, a jurisprudência citada pela requerente não tem qualquer correspondência com o caso concreto, desde logo porque mediaram praticamente 30 anos entre a situação aí verificada e a actualidade, sendo certo que a taxa de inflação homóloga se apresentava então em 3,04%, e sendo igualmente certo que tal taxa de inflação se havia expressado antes e durante praticamente uma década (até ao final dos anos 80 do século passado) em valores de dois dígitos, assim se desenvolvendo uma situação estrutural de aumento do custo de vida que não teve (nem tem) paralelo com a situação verificada a partir do início do presente século, mesmo perante crises financeiras mundiais e uma pandemia. O que é o mesmo que dizer que as conclusões do acórdão em questão não podem ser transpostas para o caso concreto dos autos, no sentido de determinar que a ocorrência da inflação constitui, por si só, uma situação que cabe na previsão do nº 1 do art.º 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, enquanto ocorrência de circunstância superveniente que torne necessária a alteração do que foi anteriormente estabelecido, no que a alimentos respeita.
Do mesmo modo, e ainda que não se concordasse com tal entendimento, antes se atentando que a taxa de inflação atingiu 10,6% em Outubro de 2022, e extrapolando esse valor para o período de doze meses que mediou entre Setembro de 2021 e o momento em que a requerente propôs a presente acção, logo se alcança a total falta de fundamento para invocar que as necessidades da jovem B. levavam à fixação de uma pensão de alimentos, na sua vertente fixa mensal, de € 350,00, porque a aplicação da referida taxa de 10,6% ao valor de € 115,00 faria com que a mesma devesse ser actualizada apenas para € 127,19, e não para os referidos € 350,00.
O que mais acentua a percepção de que não é em razão da existência de inflação que a requerente visa o aumento da referida prestação mensal fixa de € 115,00, mas porque entende (erradamente, como já se viu) que apesar de o regime existente acomodar já na sua totalidade o acréscimo das necessidades da jovem B., decorrentes não só da evolução do seu processo de educação, mas igualmente do seu processo de formação e crescimento, ainda assim continua a ser necessário o aumento daquela prestação mensal fixa, o que significa que mais não pretende que ver tais necessidades serem satisfeitas em duplicado.
E, nessa medida, improcedem as conclusões do recurso da requerente, não havendo que fazer qualquer censura à sentença recorrida, quando aí se decidiu pela improcedência do pedido de alteração apresentado pela mesma.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a sentença recorrida.
***
As custas do recurso são suportadas pela requerente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

24 de Outubro de 2024
António Moreira
Fernando Caetano Besteiro
Ana Cristina Clemente