Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUTE SOBRAL | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA VÍCIOS NAS PARTES COMUNS DO EDIFÍCIO RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/26/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC): I – O vício de nulidade da sentença reporta-se a erro da atividade jurisdicional ou de procedimento (error in procedendo), referindo-se à sua ininteligibilidade, a vícios estruturais ou aos seus limites. II – O erro de julgamento (error in judicando) ocorre quando a sentença procedeu a uma errada apreciação dos factos (error facti) ou incorreu em erro na interpretação e aplicação da lei (error iuris). III – Não padece de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea b), CPC, a sentença recorrida no segmento em que fixou os danos não patrimoniais, ponderando a sua gravidade, a sua persistência no tempo e os parâmetros jurisprudenciais vigentes, mesmo que não tenha especificados decisões jurisdicionais concretas proferidas em casos similares. IV – Apurado que os danos sofridos na fração arrendada decorreram exclusivamente da entrada da água da chuva no decurso de obras executadas pelo condomínio sem proteção do telhado e ainda da falta de impermeabilização de partes comuns do edifício (telhado, cobertura, fachada principal, algerozes e chaminé), não pode ser imputável ao senhorio a violação do dever de assegurar o gozo da fração arrendada previsto no artigo 1031º, nº 1, alínea b), CC. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo: I - RELATÓRIO 1.1 - A, identificada nos autos, instaurou a presente ação declarativa comum, em 09-04-2021, contra B, C, também identificados nos autos, e Condomínio do Prédio sito na Rua …, em Lisboa, pedindo: - A condenação dos réus B e C a, no prazo de 10 (dez) dias, intimarem o 3.º réu a mandar executar, no prazo de 30 (trinta) dias, as obras de reparação e conservação das partes comuns do prédio (telhado, cobertura, fachada principal, algerozes e chaminé); - A condenação dos réus B e C a mandarem executar as obras de reparação e conservação da fração autónoma arrendada (limpeza, reparação e pintura dos tetos, das paredes, das portas e das janelas e substituição dos pavimentos, dos rodapés e dos móveis de cozinha), logo que se mostrem realizadas as obras de reparação e conservação referidas no pedido anterior; - A condenação solidária de todos os réus a pagar à autora uma indemnização pelos danos não patrimoniais que causaram, no valor de 10.000,00 € (dez mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento. Fundamentando tais pretensões, invocou a autora, no essencial: - Ser arrendatária de uma fração autónoma que é propriedade dos 1.º e 2.º Réus e que se situa no condomínio 3.º Réu, conforme contrato de arrendamento que juntou aos autos do qual resulta ter sido o mesmo celebrado pelo prazo de cinco anos, automaticamente renovável por períodos de um ano, com início em 01-10-2013 e término em 01-10-2018; - No decurso de obras no telhado do edifício do condomínio, realizadas no verão de 2015, foram retiradas as telhas, não tendo sido colocada qualquer proteção no telhado; - Durante o período em que o telhado esteve sem a cobertura, choveu torrencialmente durante vários dias, o que provocou infiltrações no interior da fração autónoma arrendada pela Autora; - Acresce que a cobertura do edifício padece de falta de estanquicidade e a chaminé não está protegida, o que dá origem a infiltrações de água na fração autónoma arrendada pela autora, deteriorando-a e causando danos ao nível do recheio da fração, afetando negativamente o estado de saúde da autora. 1.2 - Pessoal e regularmente citados, os réus B e C contestaram a ação, considerando, no essencial, não poderem ser responsabilizados pelos problemas que a autora invoca na fração locada, dado serem os mesmos imputáveis ao condomínio do referido prédio. Concluíram pugnando pela improcedência dos pedidos contra ambos formulados. 1.3 - O réu Condomínio sito na Rua …, em Lisboa, também contestou a ação impugnando o valor da causa, pugnando pela sua fixação em € 10.000,00, dado não ter sido fixado na petição inicial o valor dos demais prejuízos invocados. O contestante impugnou os factos alegados pela autora e concluiu que a ação deveria ser julgada improcedente por não provada. 1.4 - Reagiu a autora à apresentação da contestação pelo réu Condomínio do Prédio sito na Rua …, em Lisboa, considerando-a extemporânea, pugnando pelo seu desentranhamento (requerimento de 25-10-2021-referência 40253474), o que foi ordenado (despacho de24-11-2021-referência 410530622). 1.5 - Comprovado nos autos o óbito dos réus B e C em 19-02-2022, foram habilitados como seus sucessores para prosseguirem os termos da ação D e E, por sentença proferida em 15-02-2023 no apenso A destes autos (habilitação de herdeiros). 1.6 - Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho pelo qual se fixou à causa o valor de € 30.000,01, identificando-se o objeto do litígio e enunciando-se os temas de prova (despacho de 13-07-2023 – referência 427500896). 2 - Realizada audiência de julgamento, com produção de prova, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, constando do seu dispositivo o seguinte: “Em face de todo o exposto, decido julgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência: 1. Condeno os Réus habilitados, D e E, a no prazo de 10 dias intimarem o 3.º Réu, Condomínio do prédio sito na Rua …, em Lisboa, a mandar executar, no prazo de 30 dias, as obras de reparação e conservação das partes comuns do prédio (telhado, cobertura, fachada principal, algerozes e chaminé); 2. Condeno os Réus habilitados, D e E, a executar as obras de reparação e conservação da fração autónoma arrendada (limpeza, reparação e pintura dos tetos, das paredes, das portas e das janelas e substituição dos pavimentos, dos rodapés e dos móveis de cozinha), logo que se mostrem realizadas as obras de reparação e conservação das partes comuns do edifício; 3. Condeno os Réus habilitados, D e E a pagar à Autora A uma indemnização no valor de €1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal, desde 28.06.2021 sobre o valor de € 250,00 e desde a presente data sobre o valor de €1.000,00; 4. Condeno o Réu Condomínio do prédio sito na Rua … , em Lisboa, a pagar à Autora A uma indemnização no valor €1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal, desde 28.06.2021 sobre o valor de €250,00 e desde a presente data sobre o valor de €1.000,00.” 2.1 - Não se conformando com a decisão proferida, a autora dela interpôs recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que fixe como quantum indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais por si sofridos a peticionada quantia de € 10.000,00, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “A. A decisão do Tribunal de 1.º instância que ora se impugna é recorrível nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 629.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do Cód. Proc. Civil, atento que a ação dos presentes autos tem como valor o montante igual a € 30.000,01, valor superior à alçada do Tribunal de 1.ª instância (€ 5.000,00 nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 44.º da LOSJ) e a mesma ter sido parcialmente favorável à Recorrente, cujo pedido sucumbiu em montante igual a € 9.931,00, o qual é superior a metade da alçada do Tribunal de 1.ª instância (x = 5.000,00 € / 2 ó x = 2.500,00 €). B. Ficou nos presentes autos provado que o locado em que a Recorrente habita e tomou de arrendamento aos dois primeiros Recorridos, após uma empreitada mal executada ao telhado e cobertura do prédio do qual semelhante locado faz parte, realizada no verão de 2015, passou a ser frio e húmido, mesmo em estações quentes e secas, com risco de curto circuito continuo, padecendo de infiltrações provenientes de zonas comuns do terceiro Recorrido, que causam maus odores, bolor e fungos que enegrecem as paredes, tetos e conduta de extração de ar existente na respetiva cozinha, bem como danificando rodapés, aduelas das ombreiras das portas, reboco e pinturas interiores, caindo água em dias de chuva pela conduta de ar da cozinha impossibilitando a Recorrente de confecionar comida. C. Em razão da insalubridade do locado a Recorrente, que nele habita, vê-se obrigada a viver num local esteticamente desagradável, não se conseguindo livrar dos maus odores mesmo quando sai da casa, atento o mesmo ficar na respetiva roupa e na mesma persistindo. D. A Recorrente por respirar constantemente o bolor e fungos existentes no locado viu a sua situação de global saúde grandemente agravada, passando a estar mais deprimida por viver em tal situação deplorável e sentir que a sua família nuclear se afasta, passando a ter complicações respiratórias e a ter de realizar tratamentos que antes não tinha, realidade que tem de viver para a vida. E. O mau estado de conservação do locado foi corroborado pela Unidade de Intervenção Técnica Territorial Oriental da Unidade de Coordenação Territorial da Câmara Municipal de Lisboa, tendo o respetivo parecer sido notificado à Recorrente e Recorridos. F. A Recorrente comunicou a estado de insalubridade do locado aos Recorridos requerendo que o mesmo fosse intervencionado para que passasse a ter condições dignas de habitabilidade, contudo, nunca o fizeram, aceitando estes as complicações que de semelhante factualidade resultaram para a Recorrente. G. Tendo em vista ressarcir os danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente foi determinada uma indemnização em montante igual a € 2.000,00, o qual atento ter sido atualizado nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Cód. Civil, se reporta a € 1.665,80 e os restantes € 332,40 respeitantes à correção monetária. H. O Tribunal a quo refere que na determinação do referido quantum indemnizatório teve em consideração o caráter do bem jurídico atingido, a natureza e intensidade do dano causado e a idade da vítima, porém, não concretizando. I. Mais foi mencionado pelo Tribunal a quo que foi igualmente ponderado o princípio da proporcionalidade, contudo referindo que às ofensas a direitos de personalidade se deve atribuir uma indemnização superior do que às ofensas que digam respeito às coisas, o que se entende ser uma interpretação errónea deste princípio, o qual se crê que significa que quanto mais grave e intensas forem as ofensas, maior deverá ser o ressarcimento e, bem assim, atenta a realidade dos diferentes intervenientes. J. Também foi referido pelo Tribunal a quo a necessidade de uniformidade da aplicação do Direito, previsto no n.º 3 do artigo 8.º do Cód. Civil, o que se traduz no princípio da igualdade, contudo, não apontando que casos análogos teve em consideração, o que impede a Recorrente de perceber o raciocínio lógico que esteve na base nessa parte da sentença, entendendo-se que nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 615.º do Cód. Proc. Civil comporta a respetiva nulidade. K. Entende a Recorrente que aquando da determinação da indemnização não foi devidamente sopesada a factualidade dada como provada, atento que o lamentável estado de insalubridade em que o locado se encontra há já 8 anos e meio e a contar, causou e causa complicações sérias na saúde física e psíquica da Recorrente, com as quais tem de lidar para a vida, sendo a saúde o bem jurídico mais importante a seguir à vida, complicações que os Recorridos aceitaram com a omissão em intervencionar o locado na ótica de fazer cessar as infiltrações e corrigindo os bolores e fungos, situação que se mantém. L. A indemnização de danos não patrimoniais para além de ser uma forma, mesmo que insatisfatória, de compensar a ocorrência de tais danos, é também uma sanção civil à prática de atos ilícitos como os cometidos pelos Recorridos, o que deve igualmente ser considerado aquando da determinação da indemnização. M. Assim se considerando, apenas o montante de indemnização por danos não patrimoniais requerido pela Recorrente na sua Petição Inicial, nomeadamente de € 10.000,00, se mostra justo para compensar a ocorrência dos mesmos e, bem assim, sancionar os atos ilícitos cometidos pelo Recorridos, devendo contarem-se juros de mora desde a citação da ação a estes, porquanto, assim se perfilhando e atento a limitação de condenação em montante superior ao peticionado, não se revelará possível atualizar a indemnização nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 566.º do Cód. Civil.” 2.2 - Os réus D e E também interpuseram recurso de apelação, pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que os absolva dos pedidos, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: “1.ª Conforme se expendeu no Capítulo I das alegações, o presente recurso tem como objeto a impugnação da douta decisão que julgou parcialmente procedentes os pedidos condenatórios formulados pela Autora na sua petição inicial. 2.ª O recurso visa impugnação da sentença recorrida quanto à sua fundamentação de direito, considerando os Recorrentes, com o maior respeito, que a decisão a quo padece de erro quanto à matéria de direito, impondo-se uma decisão diversa à luz das normas legais aplicáveis; 3.ª Como decorre da factualidade dada como assente na douta decisão recorrida, a existência de deteriorações e danos materiais no locado (decorrentes de infiltrações) não mereceu dissenso entre as partes, o mesmo se verificando quanto à origem desses mesmos danos – consequência direta de infiltrações oriundas do telhado e cobertura do prédio, decorrentes da má execução das obras ali realizadas a mando do condomínio, 3.º Réu, factualidade que resultou pacificamente aceite pelas partes e amplamente demonstrada nos autos; 4.ª Nos autos cingiram-se, pois, ao apuramento da responsabilidade pela reparação dos aludidos danos materiais verificados, quer no prédio, quer no locado e, num segundo plano, dos putativos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela Autora, ora Recorrida, em consequência dos primeiros; 5.ª Ora, os 1.º e 2.º Réus vêm condenados por via de responsabilidade civil contratual, por força do contrato de arrendamento celebrado com a Autora (contrato esse que já cessou por caducidade em 30.09.2022), o que, com o devido respeito, não pode aceitar-se; 6.ª A douta decisão recorrida fundamenta-se no entendimento de que os Recorrentes estavam adstritos, por força do disposto no artigo 1031.º, alínea b) do CC e na qualidade de senhorios, a proporcionar à Autora o gozo da coisa locada para os fins a que se destina (habitação) e que, perante as deteriorações verificadas na fração (independentemente, portanto, da respetiva origem), impendia sobre os mesmos o dever de efetuar as reparações que se mostrassem necessárias à reposição da situação inicial, pelo que, ao incumprir tal dever, os Recorrentes incorreram em responsabilidade civil contratual, nos termos previstos nos artigos 798.º e 799.º do CC, constituindo-se no dever de indemnizar a Autora, ora Recorrida; 7.ª Com o maior respeito, os Recorrentes consideram que tal entendimento decorre uma interpretação incorreta do escopo do dever estatuído no artigo 1031.º, alínea b) do CC, perfilhando uma interpretação abrangente da referida norma, que não encontra respaldo no seu elemento literal e teleológico e, bem assim, que ao aplicar a citada norma, o Tribunal a quo não tomou em devida consideração o estatuído no artigo 1032.º do CC, cujos pressupostos não se mostram reunidos 8.ª Como bem se salienta no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. n.º 2769/13.3TBMTS.P1, de 04-05-2015, disponível para consulta em www.dgsi.pt: “Decorrendo embora do artº 1037º, nº 1, do CC, que o locador não pode praticar atos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, o certo é que não tem obrigação de assegurar esse gozo contra atos de terceiro, no caso o condomínio. Resultando, além do mais, que das infiltrações logo teve conhecimento o condomínio, não é possível, sequer, presumir culpa dos 1ºs RR. no âmbito da responsabilidade contratual – artigo 799º, 1, do CC.”; 9.ª Como resulta da factualidade assente nos autos, os 1.º e 2.º Réus não só nunca adotaram qualquer conduta que, de alguma forma, pusesse em crise o direito da Autora ao gozo do locado, como perante as deteriorações do locado comunicadas pela Autora, sempre tomaram todas as diligências junto do Condomínio – 3.º Réu –, instando o mesmo (através da sua representante Predial Liz, Lda) a realizar as intervenções necessárias nas partes comuns, no sentido de verem a situação resolvida, tendo, inclusive, diligenciado pela obtenção de orçamentos de reparação para facilitar a ação do Condomínio – cfr. matéria de facto dada como provada nos pontos 31 e 33 da matéria de facto provada; 10.ª Ou seja, como demonstrado de forma patente nos autos, os 1.º e 2.º Réus intimaram (diversas vezes) o 3.º Réu para efetuar as necessárias obras de reparação, não só no telhado e cobertura, mas também na sua própria fração (locado), visto que os danos ali verificados eram consequência direta da má impermeabilização existente nas partes comuns no prédio – sendo que, não obstante tais insistências, o 3.º Réu não executou as mesmas; 11.ª É patente que a realização de obras de reparação no locado seria absolutamente inútil enquanto não fosse sanada a origem das infiltrações, isto é, enquanto o Condomínio – 3.º Réu –, não efetivasse as obras de reparação e impermeabilização do telhado e da cobertura do prédio, pois, a ser de outra forma, independentemente de qualquer intervenção no locado, as deteriorações tornariam a repetir-se e a gerar sucessivos danos no mesmo. 12.ª A própria Autora assim o reconheceu na petição inicial e o mesmo se infere dos pedidos por esta formulados, pelo que, sempre com o maior respeito, não se compreende como pode o Tribunal a quo considerar que os Recorrentes violaram os seus deveres contratuais pelo facto de não terem efetuado uma – ou quiçá, inúmeras e sucessivas – reparações infrutuosas no locado, quando é patente que a respetiva eficácia e/ou utilidade sempre estaria totalmente dependente da prévia atuação do 3.º Réu Condomínio – que nunca se verificou, apesar das sucessivas insistências dos primeiros; 13.ª No sentido da inexigibilidade de tal conduta, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, no douto aresto de 10.01.2006, Processo n.º 05A3241, disponível para consulta em www.dgsi.pt, ao concluir que “O senhorio não está obrigado a fazer reparações na fração arrendada caso se mostre que a causa das infiltrações aí verificadas residiu na permeabilidade da parede da empena exterior do prédio (parte comum).”; 14.ª In casu, o vício patente no locado surgiu posteriormente à entrega do mesmo e por motivo totalmente alheio aos 1.º e 2.º Réus – isto é, sem culpa sua – sendo diretamente resultante de ato omisso de terceiro (Condomínio), pelo que, não estando verificados os pressuposto estatuídos nas alíneas a) e b) do artigo 1032.º do CC, não é possível concluir (como – no entender dos Recorrentes, – erradamente fez o douto Tribunal a quo), à luz das citadas normas legais, estarmos perante uma situação de incumprimento do contrato; 15.ª Outrossim, no enquadramento legal da presente questão, não é possível dissociar-nos do facto de que “as infiltrações em apreço provêm das obras realizadas a mando do condomínio – ora 3.º Réu – no telhado e cobertura do edifício, bem como do geral estado de degradação do edifício, ao qual falta estanquicidade.” e que “compulsada a factualidade provada, imperioso será concluir que as infiltrações ocorridas na fração autónoma NN decorrem especificamente de um comportamento omissivo por parte do 3.º Réu, relacionado com a não realização de obras de conservação e reparação do telhado, sua cobertura e das fachadas do edifício.”, inequivocamente reconhecido na fundamentação da douta sentença recorrida. 16.ª O cumprimento dos deveres legalmente atribuídos ao condomínio – entre os quais, o dever vigilância e cuidado das partes comuns -, cabe apenas e só àquele, não podendo ser exigido, diretamente e a título individual, a um ou mais condóminos que o constituem e cuja personalidade jurídica e atribuições não se confundem com as do primeiro; 17.ª Pelo que não se compreende, nem pode acompanhar-se, a afirmação constante da sentença a quo de “que os senhorios são também eles condóminos e, como tal, fazem parte do condomínio que poderá ser, em última análise, o responsável pelos prejuízos. Ou seja, os senhorios são duplamente responsáveis, enquanto senhorios e enquanto proprietários e condóminos”, nem pode aceitar-se a consequência daí retirada de que “mesmo tendo ficado provado que os danos tiveram origem na cobertura do edifício, que constitui parte comum do edifício (artigo 1421.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil), os senhorios não deixam de ser contratualmente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes da lei e do contrato por si assumido (…).” 18.ª Os senhorios só são legalmente responsáveis pela realização de obras de conservação ou reparação cuja necessidade se localize na própria fração, sendo que, não lhes sendo os danos ali verificados (e suas consequências) imputáveis a qualquer título, não há incumprimento da obrigação contratual de os Recorrentes assegurarem à Autora o gozo da coisa arrendada para os fins a que se destina; 19.ª A responsabilidade pela realização das obras de reparação e conservação do telhado e cobertura incumbe exclusivamente ao Condomínio, como decorre do disposto no artigo 1421.º do CC e do artigo 89.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, sendo o 3.º Réu, em desfecho, diretamente responsável pelo incumprimento de tais deveres e respetivas consequências, ficando constituído no dever de indemnizar pelos danos causados pela coisa e/ou resultantes de defeito de conservação, nos termos previstos nos artigos 492.º e 493.º do CC; 20.ª Daqui decorrem duas consequências claras: aos 1.º e 2.º Réus não pode ser imputada responsabilidade civil extracontratual por incumprimento de deveres aos quais são totalmente alheios e, de igual sorte, não se verifica uma situação geradora de responsabilidade contratual, pois os danos registados no locado e, bem assim, os putativos danos materiais e não materiais sofridos pela Autora – cuja reparação esta exige diretamente aos Recorrentes – são, precisamente, resultado e consequência direta do incumprimento pelo Condomínio, 3.º Réu, dos deveres de vigilância e conservação das partes comuns do prédio que sobre si, exclusivamente, impendem; 21.ª Como tal, não se trata de uma situação de vício da coisa locada geradora de responsabilidade contratual imputável aos 1.º e 2.º Réus, pois, como se viu, o defeito não só não tem origem no locado, como tão pouco surgiu por culpa destes, não estando reunidos os pressupostos do artigo 1032.º do CC; 22.ª Embora seja certo que o senhorio deve assegurar ao arrendatário o gozo do locado para os fins a que se destina e, para tal efetuar as obras necessárias, a verdade é que não se situava na coisa locada ou em parte integrante ou componente dela, nem portanto, se relaciona com a sua esfera de domínio e atuação, enquanto proprietários e senhorios, a origem de qualquer deficiência ou falha que implicasse a necessidade de obras de conservação, manutenção ou reparação a seu cargo; 23.ª Cabia, pois, à Autora fazer valer o seu direito diretamente perante o 3.º Réu, Condomínio - conferindo-lhe a lei legitimidade para o efeito; 24.ª Os próprios termos da condenação proferida nos autos evidenciam que os ora Recorrentes nada podiam fazer para solucionar os problemas que afetavam a Autora – sendo certo que, há muito, já tinham intimado o Condomínio para efetuar as necessárias obras de reparação no telhado e cobertura e nada sucedeu – e permitem antever que, ainda que os ora Recorrentes venham a dar cumprimento à obrigação de intimação constante do primeiro segmento condenatório da sentença, não existe qualquer garantia de que o 3.º Réu Condomínio efetue as obras em causa; 25.ª Sendo ainda certo que, enquanto tal não suceder, os Recorrentes não estarão obrigados dar cumprimento à condenação na realização das obras de reparação no locado, afigura-se patente que a sentença a quo não garante à Autora o direito que pretende fazer valer, o que concorre para demonstrar a bondade e coerência do entendimento aqui sufragado; 26.ª Ainda que assim não fosse, sempre se dirá que as partes convencionaram na Clausula 6.º do contrato, que as obras de conservação da fração locada constituem uma responsabilidade do inquilino, pois que este obrigou-se a conservar o locado no estado em que o mesmo lhe foi disponibilizado, conforme descrito em documento anexo ao antedito contrato, incluindo, inter alia, paredes, pavimentos, tetos, portas, janelas, móveis e equipamentos de cozinha, louças sanitárias, canalizações e esgotos, pelo que o regime legal que sustenta a decisão recorrida (artigo 1074.º, n.º 1 do CC) foi arredado pelas próprias partes (senhorio e inquilino), pela existência de disposição contratual em contrário, constante da antedita cláusula do contrato de arrendamento; 27.ª Em face de tudo o acima expendido, entendem os ora Recorrentes que a decisão recorrida aplicou incorretamente o direito aplicável, acometendo àqueles uma responsabilidade contratual que, na realidade, não se verifica; 28.ª Neste sentido e versando sobre situação similar à dos presentes autos, bem decidiu o TRP, seu douto aresto acima identificado, sumariando que: “I - O telhado e as caleiras são partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal – artigo 1421º, 1, b) e d), do CC, incumbindo o respetivo dever de vigilância ao condomínio. II - Não incumbe ao senhorio, mas ao condomínio mandar reparar ou reparar caleiras e telhados para evitar infiltrações de águas pluviais nas frações autónomas, sendo diretamente responsável pelos danos resultantes da omissão dessas reparações.”; 29.ª Como igualmente muito bem se preconiza no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.01.2015 (Processo n.º 355/12.4TBSJM.P1, disponível i in www.dgsi.pt), “I - O proprietário/locador de fração autónoma de prédio constituído no regime de propriedade horizontal não responde perante o seu locatário pelas consequências danosas decorrentes da demora na reparação dos estragos nela causados pela água caída de um tubo condutor das águas pluviais dos terraços, cuja «curva» se soltou, e que é coisa comum. II - Não lhe sendo o evento e suas consequências imputáveis a qualquer título, não há incumprimento da obrigação, decorrente do contrato de arrendamento, de aquele assegurar a este o gozo da coisa arrendada para os fins a que se destina. III - Compete ao locatário lesado defender os seus direitos diretamente contra o terceiro lesante (condomínio), nomeadamente exigir-lhe a indemnização pelos prejuízos sofridos”. (sublinhado nosso) 30.ª Pelo exposto, com o maior respeito, considera-se que o Tribunal a quo errou ao julgar verificada a existência de incumprimento contratual por parte dos ora Recorrentes, quando é patente que estes nunca violaram qualquer dever legal e são totalmente alheios à origem dos problemas verificados no locado – tendo, ademais, atuado junto do Condomínio no sentido de exigir a respetiva reparação. 31.ª Ao considerar estarem verificados os pressupostos da responsabilidade civil contratual dos 1.º e 2.º Réus, a douta sentença violou ou deu indevida aplicação a todos os normativos legais que cita na sua fundamentação de direito, designadamente o disposto nos artigos 1031.º, 1032.º, 1074.º, 1421.º e 798.º do Código Civil.” 2.3 - A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido quanto à responsabilidade dos recorrentes. 3 - Foram admitidos os recursos, como apelação, com subida imediata e nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. 3.1 - Remetidos os autos a este Tribunal em 05-04-2024, foi determinada a sua remessa, a título devolutivo, à primeira instância com vista à apreciação da nulidade da sentença invocada pela autora/recorrente. 3.2 - O tribunal recorrido pronunciou-se sobre a nulidade apontada à decisão, considerando que a mesma não se verificava (despacho de 16-05-2024, referência 435570898). 3.3 - Remetidos novamente os autos a este Tribunal da Relação, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC. Assim, analisadas as conclusões de ambos os recursos interpostos, constituem questões a decidir as seguintes: - nulidade da sentença (considerando a autora/recorrente que da mesma não se extrai o raciocínio lógico que esteve na sua base da fixação da indemnização por danos não patrimoniais); - responsabilidade civil dos réus D e E; - acerto do quantum indemnizatório relativo a danos não patrimoniais fixado na decisão recorrida. III – FUNDAMENTAÇÃO Factos provados Foi a seguinte a factualidade ponderada pelo tribunal recorrido: “1. O prédio urbano sito na Rua …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …1, da freguesia de Santa Maria dos Olivais, e inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo …4, da freguesia dos Olivais, é composto por 8 pisos. 2. Os 1.º e 2.º Réus eram donos e legítimos proprietários da fração autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao … andar do prédio identificado. 3. A referida fração autónoma situa-se, imediatamente, sob a placa do prédio. 4. A referida fração autónoma é composta por sala, cozinha, 3 (três) quartos e casa de banho. 5. Os 1.º e 2.º Réus celebraram com a Autora e com o seu filho, F, contrato mediante o qual deram de arrendamento a fração “…” para habitação da Autora, contra o pagamento de renda no valor mensal €530,00. 6. Até 31.12.2018, a fração “…” foi administrada por G., procurador do 1.º e 2.º Réus, e desde 01.01.2019, é administrada por PREDIAL LIZ – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. 7. A administração do condomínio do prédio pertenceu à VIVO CONDOMÍNIOS – GESTÃO IMOBILIÁRIA, LDA. até 24.02.2022. 8. A Autora beneficia de apoio económico para pagamento da renda devida proveniente da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. 9. No Verão de 2015 realizaram-se obras no telhado e cobertura do edifício sito na Rua …, em Lisboa 10. No decorrer dessas obras, foram retiradas as telhas do telhado do edifício e não foi colocada qualquer proteção. 11. No período em que o edifício esteve destelhado choveu durante vários dias. 12. A cobertura do edifício inundou e as águas pluviais acumularam-se e infiltraram-se na placa do prédio e na fração arrendada pela Autora, designadamente nos tetos, paredes e pavimentos; 13. A infiltração de águas pluviais no interior da fração arrendada, provenientes do telhado e da cobertura do prédio, causou humidade, manchas (amarelas e negras), formação de empolamento ou bolhas nas superfícies pintadas, bolor, fungos e fissuras nos tetos e paredes, apodrecimento e levantamento dos tacos de madeira, apodrecimento e descolamento dos rodapés e cheiro a mofo. 14. No topo da cobertura estão colocados remendos de membranas asfálticas. 15. A cobertura do edifício apresenta falta de estanquidade e não se encontra em condições. 16. Sempre que chove, as águas pluviais acumulam-se e infiltram-se, primeiro, na cobertura do edifício e, seguidamente, no interior da fração autónoma arrendada, em todas as divisões. 17. As fachadas principal e posterior e a empena do prédio, incluindo as varandas, apresentam fendas, rachaduras e fissuras, partes do reboco degradadas, empolamento da pintura e manchas enegrecidas de humidade. 18. As sucessivas infiltrações de águas pluviais no interior da fração autónoma arrendada pelo telhado, pela cobertura e pela fachada principal do prédio agravaram a situação pré-existente, verificando-se humidade, manchas (amarelas e negras), formação de empolamento e bolhas nas superfícies pintadas, bolor, fungos e fissuras, nos tetos e nas paredes. 19. A existência de manchas de humidade (amarelas e negras), formação de empolamento e bolhas nas superfícies pintadas, bolor, fungos e fissuras nos tetos e nas paredes, proporcionam um mau conforto visual e estético. 20. Na zona da chaminé, por cima do fogão, quando chove, cai muita água e sujidade, impossibilitando a Autora de utilizar o fogão e, portanto, de confecionar os alimentos. 21. As portas dos armários de cozinha têm a tinta empolada e envelhecida. 22. Na extração e conduta de ar verificam-se infiltrações e manchas enegrecidas. 23. Alguns móveis, cortinados, tapetes, candeeiros, vestuário e calçado da Autora estragarem-se devido à humidade. 24. As lâmpadas, os interruptores e as tomadas de eletricidade estão sempre a avariar, por causa da humidade, tendo que ser frequentemente reparados ou substituídos. 25. Com a presença da humidade, os tacos de madeira apodreceram e aumentaram no seu volume gerando fortes tensões ao ponto de ficarem levantados, os rodapés apodreceram e descolaram das paredes, dificultando a normal circulação das pessoas no interior da fração. 26. A habitação tornou-se, em geral, mais fria e húmida, mesmo nas estações quentes e secas. 27. Cheira sempre a mofo. 28. Existe um deficiente estado de conservação do prédio e risco de curto-circuito. 29. Em 08/03/2019 a Autora relatou ao procurador do 1.º e 2.º Réus, G., o estado de degradação da fração autónoma arrendada e pediu-lhe que fizesse obras de reparação e conservação no interior da mesma. 30. Em 08/07/2019 a Autora alertou a PREDIAL LIZ – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. para a necessidade e a urgência de serem feitas obras de reparação e conservação da fração autónoma arrendada, designadamente nos quartos e chaminé, e questionou-a sobre o motivo da demora na realização dessas obras. 31. Em 09/07/2019 a PREDIAL LIZ – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. respondeu-lhe que já tinha enviado o orçamento do seu empreiteiro para a VIVO CONDOMÍNIOS – GESTÃO IMOBILIÁRIA, LDA. e que aguardava a resposta desta, afirmando que cabe ao condomínio fazer as obras ou, caso sejam os senhorios a fazê-las, cabe ao condomínio pagar-lhes o seu valor. 32. Em 10/07/2019 a Autora exigiu da PREDIAL LIZ – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. a resolução da situação até 12/07/2019. 33. No mesmo dia a PREDIAL LIZ – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LD informou a Autora que a VIVO CONDOMÍNIOS – GESTÃO IMOBILIÁRIA, LDA. se comprometeu a reparar, mais concretamente, a pintar dois quartos e a sala, a partir de Setembro de 2019, pois iriam realizar obras a nível da fachada, que tinha bastantes fissuras, e na coluna de água, e só depois fariam uma reunião extraordinária de condóminos para deliberar sobre as obras na habitação da Autora. 34. Em 12/07/2019 a Autora insistiu com a PREDIAL LIZ – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. para exigir a reparação do telhado e da chaminé junto do 3.º Réu e mandar reparar a fração autónoma arrendada até ao mês de agosto de 2019. 35. A Autora solicitou uma vistoria à Câmara Municipal de Lisboa, que abriu processo ao qual foi atribuído o n.º 4695/DOC/2019. 36. Após a visita ao local, em 07/11/2019, a Unidade de Intervenção Territorial Oriental da Unidade de Coordenação Territorial da Câmara Municipal de Lisboa, em 25/05/2020, elaborou a informação n.º …1/INF/UCT_UITOR/GESTURBE/2020, com o seguinte teor: “[…] - Na sala as paredes e teto está com machas de humidade no paramento interior da fachada; - No quarto as paredes e teto está com manchas de humidade; - Na cozinha encontram-se portas de armários com tintas empoladas e envelhecidas; - Na extração e conduta de ar verificam-se infiltrações e manchas enegrecidas; - No exterior através da varanda da sala verificou-se que a parede da fachada, incluindo o teto da varanda estão com fendas acentuadas e com partes do reboco em degradação, revestimento por pintura empoladas e manchas enegrecidas de humidade; - No topo da cobertura estão colocados remendos de membranas asfálticas. - Apesar de não se ter tido acesso à cobertura, foi possível observar através dos tetos do último piso que existem indícios de falta de estanquidade da cobertura, evidenciando que a mesma não se encontra em condições. - Nas paredes da fachada principal, posterior e empena, incluindo varandas estão fendidas, manchas enegrecidas de humidade. - Tendo-se vistoriado pelo exterior constata-se que as varandas estão quase na totalidade fechadas, com marquises com desenhos e materiais diferentes, com ou sem estores, com e sem alteração na fachada, consoantes os casos, sendo estas obras de génese ilegal. Em face do exposto e do que foi dado observar, emite-se o seguinte parecer: - Estão afetadas as normais condições de segurança e salubridade deste imóvel pelo que se propõe obras de conservação de forma a garantir a segurança e salubridade do mesmo. - Verificam-se anomalias estruturais através das fendas acentuadas nas paredes da fachada pelo que se propõe a abertura de procedimento RLU para o edifício na sua totalidade, dado o deficiente estado de conservação e as desconformidades com o projeto aprovado. 37. Por despacho proferido por aquela Unidade, em 21/05/2020, foi ordenada a abertura do processo RLU e a notificação da mencionada informação à Autora e aos Réus. 38. Os Réus conhecem o estado de degradação do prédio e da fração autónoma arrendada e sabem que esta última, no estado de conservação em que se encontra, não apresenta condições de habitabilidade, durabilidade, salubridade e segurança. 39. Não ignoram que o prédio e a fração autónoma arrendada carecem de obras de reparação e conservação, as quais se mostram necessárias e urgentes para evitar uma maior degradação da referida fração autónoma e para garantir que a mesma tem as qualidades de conforto, comodidade, durabilidade, salubridade e segurança adequadas à habitação da Autora. 40. Os tetos, as paredes, as portas e as janelas da fração autónoma arrendada que foram afetados pela humidade precisam de ser limpos, reparados e pintados, os pavimentos e os rodapés nas divisões afetadas pela humidade precisam de ser substituídos, bem como os móveis de cozinha. 41. A Autora sofre de HTA (hipertensão arterial), fibromialgia, hérnias discais cervical e lombar, ansiedade, depressão, dislipidemia, diabetes mellitus, obesidade, CPAP noturno, apneia do sono, DPOC (doença pulmonar obstrutiva crónica), rinite, varizes e gastrite. 42. É seguida em consulta de psiquiatria por diagnóstico de perturbação depressiva recorrente, com agravamento dos episódios depressivos e aumento da frequência dos mesmos nos últimos anos, queixas de humor deprimido, irritabilidade fácil, cansaço, anedonia, abulia e alterações de memória e atenção, que comprometem gravemente o seu funcionamento e capacidade laboral, fraca resposta clínica à terapêutica farmacológica e sintomatologia incapacitante. 43. Está medicada. 44. Faz ventiloterapia com Auto CPAP. 45. O estado de degradação da casa em que habita desde 2015 afetaram negativamente o seu estado de saúde física e mental. 46. A Autora é portadora de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 64% (sessenta e quatro por cento), instalada desde 2018”. * Da nulidade da sentença Considerou a autora/recorrente, na conclusão enunciada sob a alínea J, que da sentença não é possível extrair o raciocínio lógico subjacente à fixação da indemnização por danos não patrimoniais, embora tenha reconduzido tal vício, por manifesto lapso, à alínea a) do nº 1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil (relativo à nulidade da sentença por falta de assinatura do juiz). Mais concretamente, considerou a recorrente que na sentença não foram apontados quais os casos análogos ponderados para a fixação da indemnização relativa a danos não patrimoniais. Julgamos, pois, que o vício que a recorrente pretende apontar à sentença é o enunciado sob a alínea b) daquela norma, traduzido na falta de especificação dos “fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão”. Foi a seguinte a fundamentação da sentença recorrida relativamente à obrigação de indemnização dos danos não patrimoniais (sendo esta a única parcela indemnizatória que a autora/recorrente pretende ver reapreciada em recurso): “O artigo 562.º do Código Civil prevê a reconstituição natural do dano, mandando reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador de responsabilidade. Só assim não será nos casos em que a reparação natural não é de todo possível, não repara integralmente os danos ou, reparando-os, torna-se excessivamente onerosa para o devedor. Nessas circunstâncias, a indemnização deve ser fixada em dinheiro (cfr. artigo 566º, n.º 1 do Código Civil). A indemnização em dinheiro, salvo disposição legal em contrário, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (artigo 566.º, do Código Civil). Considerando que, in casu, todos os pressupostos da responsabilidade civil estão preenchidos, a única questão que ora cabe decidir é a que se refere à fixação do quantum indemnizatório, relativamente aos danos que aqui ficaram provados. Cumpre, então, neste momento definir o que pode entender-se por dano e que danos são suscetíveis de indemnização, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 483.º, 496.º e 562.º, todos do Código Civil. Define-se como dano toda a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtração ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea (vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, Almedina, p. 608). O dano comporta ainda uma outra divisão de definições: os danos de natureza patrimonial – compreendendo estes, para efeitos do artigo 564.º, n.º 1 do Código Civil, “o prejuízo causado” (danos emergentes), bem como os “benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” (lucros cessantes) – e os de natureza não patrimonial (cfr. artigo 496.º do Código Civil), consoante sejam suscetíveis de avaliação pecuniária. Por seu lado, os danos patrimoniais incidem sobre interesses de natureza económica e refletem-se no património do lesado ao invés que os danos não patrimoniais se reportam a valor não passíveis de concretizar a nível material, mas tão-só a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. Da factualidade dada como provada nestes autos e pelo acima exposto, verifica-se que a Autora sofreu, efetivamente, danos patrimoniais e não patrimoniais. Na verdade, na sequência da atuação dos Réus – que por omissão não colocaram cobro à verificação das infiltrações e consequentes efeitos – verificaram-se estragos em bens da autora e produziram-se danos na sua saúde mental e psíquica (não podendo recuperar a lesão produzida na sua saúde, pela simples circunstância de se virem a realizar as obras de reparação e conservação na fração e no edifício). No que aos 1.º e 2.º Réus dizem respeito, sublinhe-se que, ainda que sejam raras as vezes a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual, a mesma não é de se excluir devendo ser a sua atribuição aferida casuisticamente. A aplicação analógica à responsabilidade contratual do princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais – expressamente constante no capítulo da responsabilidade extracontratual -, “há-de justificar-se pela necessidade de proteger de forma igual os contraentes que forem vítimas da inexecução contratual, igualmente, carecidos de tutela quando as consequências resultantes dessa inexecução assumirem gravidade bastante” (assim, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.01.2012, proc. n.º 540/2001.P1.S1). Como tal, o critério de atribuição será o apuramento de uma lesão grave decorrente da responsabilidade contratual que seja suscetível de causar, segundo a experiência da vida, danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica (também assim, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26.12.2013, proc. n.º 505/08.5TBTND.C1) Tanto assim o é que, da leitura dos artigos 798.º e 804.º, n.º 1, ambos do Código Civil, não se vislumbra qualquer distinção entre as duas categorias de danos (patrimoniais ou não patrimoniais) nem restringem a reparação do prejuízo aos danos patrimoniais. (…) Relativamente aos danos não patrimoniais em concreto, o artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil estabelece a condição da sua ressarcibilidade: a gravidade do dano. In casu, resultando comprometidas, durante cerca de oito anos, a habitabilidade, conforto, segurança e pleno usufruto da habitação arrendada em consequência de infiltrações de águas pluviais (que, inclusive, inviabilizaram a utilização do fogão), causando humidades, bolor, manchas, estragos na pintura, entre outros, não será necessário sequer o recurso a um raciocínio extensivo e exaustivo para se afirmar que a situação descrita tem contornos de melindre severa incomodidade que qualificam a gravidade do dano sofrido e obrigam à sua ressarcibilidade. Temos, assim, que aos Réus incumbe proceder à indemnização da Autora também pelos danos não patrimoniais sobejamente comprovados. Na determinação do quantum de indemnização a atribuir a danos patrimoniais, a lei direciona para uma valoração casuística e orientada por critérios de equidade. Dever-se-á atender ao carácter do bem jurídico atingindo e a natureza e a intensidade do dano causado, bem como à idade da vítima. Em todo o caso, a ponderação sobre a gravidade do dano e o correspondente valor de reparação deve ocorrer sob o princípio da proporcionalidade (isto é, em harmonia com a premissa de que a danos mais graves deverá corresponder uma indemnização mais generosa) e ainda numa perspetiva de uniformidade das decisões judiciais (a indemnização deverá ser fixada atendendo aos parâmetros jurisprudencial geralmente adotados), por força do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil. Decorrente da natureza das coisas, se impõe que danos que produzam lesões a direitos de personalidade deverão ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas. A autora vem peticionar indemnização por danos não patrimoniais no valor global de €10.000,00. Pois bem, tal pedido merece provimento, mas já não no seu quantum. Com efeito, considerando a gravidade dos danos e o período temporal desde quando os mesmos se verificam, mantendo-se a situação danosa, dever-se-á determinar como quantum de indemnização a atribuir por danos não patrimoniais à Autora o valor de €2.000,00.” Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[1], o vício apontado, pela autora/recorrente relacionado com a falta de fundamentação, reporta-se a vício estrutural da sentença, uma vez que cabe ao juiz especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão – cfr. artigo 607º, nº 3, CPC. Como referem aqueles autores[2]: “(…) há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de direito da decisão … Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (…)”. O vício da nulidade da sentença reporta-se a “erro de atividade”, correspondendo à infração de regras que disciplinam o exercício do poder jurisdicional, respeitando à forma como o juiz exerceu a sua atividade – Alberto dos Reis[3]. Porém, não se reconduz ao vício da nulidade o erro de julgamento, consubstanciado numa errada interpretação e aplicação da lei, ou numa errada apreciação dos factos, suscetíveis de determinar a revogação da decisão – Antunes Varela[4]. No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 03-03-2021[5] considerando que: “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.” Neste acórdão opera-se a distinção entre o erro de julgamento e a nulidade da sentença, considerando-se que: “(…) as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito (…): as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal (…); trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei (…), consiste num desvio à realidade factual (…) ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma”. Ora, analisada a fundamentação da sentença, importa concluir que na fixação dos danos foi ponderado o período temporal durante o qual se prolongaram (oito anos), bem como o compromisso significativo que geraram para a habitabilidade, o conforto e a segurança da arrendatária. Da decisão recorrida extrai-se também ter sido ponderada a persistência da situação danosa na data em que a mesma foi proferida, bem como os parâmetros jurisprudenciais geralmente adotados. Em face do exposto, julgamos não poder apontar-se à decisão recorrida, no segmento em que fixa o valor da indemnização por danos não patrimoniais, uma absoluta falta de indicação dos seus fundamentos. Nem tal conclusão se pode legitimamente extrair do facto de ali não terem sido expressamente referidos os casos análogos ponderados. A omissão da enunciação de casos similares poderia quando muito reconduzir-se a uma mera deficiência de fundamentação, relativamente a esse específico parâmetro (comparação com decisões jurisprudenciais similares), e não ao vício de invalidade por absoluta falta de fundamentação. Na realidade, na decisão recorrida a fixação da indemnização dos danos não patrimoniais mostra-se fundamentada, tendo por referência a gravidade dos danos, o período temporal pelo qual se manifestaram, a sua persistência no momento da prolação da decisão e as decisões jurisprudenciais proferidas em casos similares. E o certo é que não pode extrair-se a conclusão automática de que não foi efetuada tal ponderação jurisprudencial do facto de não terem sido especificadas decisões similares. Assim, retomando a distinção supra efetuada entre nulidades da sentença e erro de julgamento, afigura-se que a discordância da recorrente deve ser enquadrada ao nível da reapreciação do montante indemnizatório, por considerar desadequado o que foi fixado, não se reconduzindo ao vício mais grave da falta de fundamentação. E assim é porquanto a decisão recorrida se apresenta inteligível nos seus próprios termos, enunciando devidamente o raciocínio lógico que esteve na base do ali decidido. Conclui-se, pois, que a sentença não padece do vício de nulidade que a recorrente lhe aponta, radicando a discordância da recorrente no quantum indemnizatório fixado. Pelo exposto, não procede a arguição da nulidade, improcedendo, nesta parte, o recurso. * Da responsabilidade civil dos réus D e E Pretendem os réus/recorrentes a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue totalmente improcedentes os pedidos contra ambos formulados. Conforme resulta do dispositivo supra enunciado, foram os recorrentes condenados a intimarem o réu Condomínio do Prédio sito na Rua …, em Lisboa, “a mandar executar, no prazo de 30 dias, as obras de reparação e conservação das partes comuns do prédio (telhado, cobertura, fachada principal, algerozes e chaminé)”. Foi também determinada a condenação dos recorrentes a, uma vez executadas as obras nas partes comuns do edifício, executarem obras de reparação e conservação da fração arrendada à autora (limpeza, reparação e pintura dos tetos, das paredes, das portas e das janelas e substituição dos pavimentos, dos rodapés e dos móveis de cozinha), e ainda a pagarem-lhe uma indemnização. A demanda dos réus/recorrentes nos presentes autos radica, desde logo, na respetiva qualidade de (atuais) proprietários da fração arrendada à autora e, consequentemente, na obrigação que para eles decorre de lhe proporcionarem o gozo da fração locada, nos termos do disposto no artigo 1031º, alínea b) do Código Civil. E, de facto, evidenciam os factos provados (e já enunciados), a celebração do contrato de arrendamento invocado pela autora (facto provado nº 5). Por outro lado, também resultou devidamente evidenciado que a fração arrendada apresenta vários vícios relacionados com infiltrações devidas à execução de obras no telhado sem qualquer proteção em período de chuva intensa, e também à falta de impermeabilização da cobertura, e a defeitos vários da fachada principal, algerozes e chaminé (factos provados nºs 9 a 28). Ou seja, de tal factualidade também se extrai que a deterioração patente na fração arrendada decorre de vícios existentes em elementos estruturais do edifício, designadamente paredes, telhado, cobertura, algerozes, chaminé, que, nos termos do disposto no artigo 1421º, nº 1, alíneas a), b), do Código Civil, constituem “partes comuns” do prédio. Incumbindo ao condomínio a responsabilidade pelos encargos relativos à conservação e fruição das partes comuns do prédio, nos termos do disposto no artigo 1424º, CC, bem se compreende que a ação tenha sido deduzida também contra o condomínio do prédio em que se integra a fração arrendada à autora. Significa o que antecede que o enquadramento jurídico das pretensões deduzidas pela autora quer no regime do arrendamento urbano, quer no regime da propriedade horizontal, não merece qualquer censura. Analisando agora de forma mais pormenorizada a decisão recorrida, verifica-se que ali se concluiu pela procedência do primeiro pedido formulado pela autora, relativa à condenação dos réus/recorrentes a exigirem do condomínio a execução das obras de reparação e conservação das partes comuns do prédio (telhado, cobertura, fachada principal, algerozes e chaminé) no prazo de 30 dias. Por outro lado, também procedeu o segundo pedido formulado, relativo à condenação dos réus proprietários na execução de obras na fração arrendada. Fundamentando o decidido a tal propósito, ali se refere: “Da factualidade supra elencada como provada resulta que entre a Autora e os 1.º e 2.º Réus foi celebrado um contrato designado como contrato de arrendamento urbano, mediante o qual os segundos se obrigaram a proporcionar à primeira o gozo temporário de uma fração autónoma em contrapartida do pagamento mensal de uma retribuição estipulada. O regime jurídico do contrato celebrado entre as mencionadas partes encontra-se regido pelos artigos 1022.º e seguintes do Código Civil, em especial, os artigos 1064.º a 1081.º do mesmo diploma legal referentes, em especial, à matéria de arrendamentos de prédios urbanos. Ora, da celebração de um contrato de arrendamento nascem obrigações e deveres para cada parte, sendo, as relevantes para o caso sub judice: quanto ao locador [in casu 1.º e 2.º Réus] – assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que esta se destina (cfr. artigo 1031.º, alínea b) do Código Civil); quanto ao locatário [in casu a Autora] – pagar a renda devida pelo usufruto do locado (cfr. artigo 1038.º, alínea a) do Código Civil). Do preceito legal do artigo 1032.º do Código Civil retira-se uma verdadeira obrigação que impende sobre o locador de assegurar o gozo da coisa ao locatário. Da conjugação dos artigos 1037.º, n.º 1 e do artigo 1074.º, n.º 1, ambos do Código Civil resulta o dever do senhorio de uma prestação de non facere (que se traduz na abstenção da prática de atos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário), como também, uma prestação de facere (que se traduz no assegurar o gozo do prédio ao inquilino, devendo, portanto, fazer as reparações necessárias para que o gozo do arrendatário não seja significativamente diminuído). Portanto, ao locador incumbe realizar todas e quaisquer reparações ou ainda outras despesas consideradas como indispensáveis ou essenciais para o devido gozo da coisa locada, independentemente da dimensão das obras, isto é, quer se tratem de pequenas ou de grandes reparações. Conforme se expõe no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16.02.2006 (proc. n.º 236/2006-6), “incluem-se aqui as obras que evitem a degradação das condições de habitabilidade ou de utilização do arrendado, aquelas que se destinem a pôr cobro ou a conter situações de infiltrações de água no locado, a eliminar humidades, bem como todas aquelas que se mostrem imprescindíveis e adequadas à manutenção do local arrendado nas condições inerentes e indispensáveis a uma normal e prudente utilização pelo arrendatário desse espaço” (negrito nosso). Cumpre sublinhar que, ainda que o locador demonstre que o vício não se deva atuação ou omissão sua (artigo 1032.º, alínea b) do Código Civil), ao locatário assistirá sempre o direito de exigir a reparação do vício e o pagamento de indemnização pelos danos que a falta de tal reparação lhe tiver causado advinda da manifesta violação do dever que lhe impende de assegurar o gozo da coisa locada. Ora, vertendo o que supra se expôs e cotejando-o com a factualidade supra elencada, temos que, in casu, do contrato celebrado entre a Autora e os 1.º e 2.º Réus e por virtude dos deveres que sobre estes últimos recaíam, a estes incumbe a obrigação da realização de obras de conservação da fração autónoma, solucionando as questões das infiltrações e das humidades, por forma a assegurar que a Autora lograsse usufruir, em pleno, do locado, utilizando-o no exercício do fim para que ele fora locado (habitação). Sendo o locado destinado à habitação, todos os vícios que ponham em causa a respetiva habitabilidade do locado, legitimam o inquilino a demandar o senhorio. Os vícios elencados na fundamentação de facto põem, naturalmente, em causa o gozo do locado pela arrendatária, tanto mais que existe perigo de curto-circuito, o que coloca em causa a segurança do residente e seus pertences, bem como a impossibilidade de utilizar o fogão, o que inviabiliza a confeção alimentícia da arrendatária. Ora, daqui resulta que inexistem dúvidas de que a omissão das obras necessárias na fração NN impedem a utilização do locado para o fim a que se destinava: uso habitacional. Ainda que esteja na disponibilidade das partes a responsabilidade pela realização e execução das obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias (cfr. artigo 1074.º do Código Civil), a cláusula sexta do contrato de arrendamento urbano celebrado entre a Autora e seu filho e os 1.º e 2.º Réus não desresponsabiliza os Réus do acima exposto, isto é, da sua obrigação de realização de obras de conservação da fração autónoma. Vejamos. Determina a referida cláusula que “o segundo outorgante [Autora] obriga-se a conservar no estado em que actualmente se encontram e, conforme descrito em anexo, as instalações e canalizações de água, luz, aquecimento e esgotos, bem como demais equipamento do local arrendado, correndo por sua conta todas as reparações decorrentes de culpa ou negligência sua, bem como em manter em bom estado os respectivos pavimentos, alcatifas, forros, pinturas e vidros, ressalvando o desgaste proveniente da sua normal e prudente utilização” (sublinhado e negrito nosso). Sem prejuízo da cláusula contratual estabelecida no contrato de arrendamento, sempre incumbiria aos 1.º e 2.º Réus a obrigação de realizar, a custas suas, as reparações necessárias ao locado porquanto a mencionada cláusula apenas exclui a responsabilidade dos senhorios quando as reparações sejam devidas por atos culposos ou negligentes da inquilina – o que, in casu, resulta sobejamente provado o inverso. Como tal, conjugada a factualidade supra descrita com os preceitos legais mencionados, os 1.º e 2.º Réus encontram-se em situação de incumprimento contratual, por força do artigo 798.º do Código Civil. Tal situação determina, em função do expressamente previsto pelos artigos 798º e 799º, ambos do Código Civil, a existência de uma situação de responsabilidade civil contratual, devendo os mesmos, em consequência, indemnizar a Autora pelos danos provocados na sua esfera jurídica. O dever de indemnizar por falta do cumprimento pelo senhorio da obrigação de realizar obras supõe a mora do devedor (senhorio). Por seu turno, nos termos do artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil, a mora pressupõe a interpelação (judicial ou extrajudicial) que terá de ser acompanhada do estabelecimento de um prazo atenta a natureza específica da prestação do senhorio. Como resulta da materialidade supra exposta, na presente situação, a Autora remeteu aos senhorios, na pessoa do seu representante, diversas comunicações (pelo menos, entre o período de 08.08.2018 a 12.07.2019) tendo fixado prazo para a realização das obras tidas por necessárias ao adequado gozo do locado. As diferentes comunicações remetidas pela Autora foram rececionadas pelo represente dos senhorios. Perfilhando o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 10.01.2006 (proc. n.º 05A3241), tendo sido os senhorios interpelados com a respetiva fixação de prazo para o cumprimento específico, verifica-se a existência de mora, na efetuação das reparações, sendo-lhes imputada a omissão, ilícita e culposa, concatenando em responsabilidade dos mesmos. Constitui jurisprudência uniforme a de que a falta de cumprimento pelo senhorio da obrigação de fazer obras, fá-lo incorrer em responsabilidade contratual, com o correspondente dever geral de indemnizar (artigos 562.º e seguintes do Código Civil), presumindo-se a sua culpa, uma vez que se trata de responsabilidade contratual (artigo 799.º do Código Civil). Diga-se que mesmo tendo ficado provado que os danos tiveram origem na cobertura do edifício, que constitui parte comum do edifício (artigo 1421.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil), os senhorios não deixam de ser contratualmente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes da lei e do contrato por si assumido, não descurando, ainda, que os senhorios são também eles condóminos e, como tal, fazem parte do condomínio que poderá ser, em último análise, o responsável pelos prejuízos. Ou seja, os senhorios são duplamente responsáveis, enquanto senhorios e enquanto proprietários e condóminos, e a verificar-se responsabilidade do condomínio, é aos senhorios que incumbe reclamar tal responsabilidade, até eventualmente em direito de regresso, não podendo ser desresponsabilizados das suas obrigações perante a contra parte com quem contratam o arrendamento, o qual, para mais, tem finalidade habitacional. Cotejando a factualidade dada como provada, in casu, concorrem dois tipos de relações: i) a locatícia - cujo objeto não se integram as partes comuns do prédio constituído em regime de propriedade horizontal; ii) relações de condóminos e condomínio – cujo objeto integra as partes comuns do edifício. Porém, se é verdade que ambas as relações são realidades distintas, verdade também será que as mesmas poderão colidir entre si e, em concreto, as partes comuns e eventuais vícios nestas poderão colidir com a habitabilidade do locado. Conforme, os normativos que respeitam à relação locatícia devem ser compatibilizados com a previsão legal contida no artigo 1427.º do Código Civil relativa às reparações indispensáveis e urgentes a realizar nas partes comuns. Confere a citada disposição legal legitimidade a qualquer condómino para, por sua iniciativa própria, proceder “às reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício (…) na falta ou impedimento do administrador”. Trazendo à colação o entendimento do Tribunal da Relação do Porto (no seu Acórdão de 22.10.2018, proc. n.º 1839/13.2TJPRT.P1), será “legítima a demanda do inquilino ao senhorio, quer para que este diligencie junto do condomínio pela realização nas partes comuns das obras de conservação ou reparação necessárias à normal fruição do locado; quer no caso de reparações indispensáveis e urgentes, para que ele próprio realize tais obras nas partes comuns na falta ou impedimento do administrador ao abrigo do artigo 1427º” (negrito nosso). Nestes termos, e relativamente ao primeiro pedido formulado pela Autora, cumpre concluir pela procedência do pedido de condenação por se afigurar que a mesma, detém legitimidade para tal, devendo os Réus habilitados ser condenados a exigir do condomínio a execução das obras de reparação e conservação das partes comuns do prédio (telhado, cobertura, fachada principal, algerozes e chaminé), no prazo de 30 dias, tal como vem requerido, o qual se reputa de razoável (…) Relativamente ao segundo pedido formulado pela Autora, de acordo com o que se deixou vertido supra, conclui-se existir responsabilidade do 1.º e 2.º Réus quanto à realização de obras de reparação e conservação da fração autónoma arrendada (limpeza, reparação e pintura dos tetos, das paredes, das portas e das janelas e substituição dos pavimentos, dos rodapés e dos móveis de cozinha pelo que acima se expôs e concluiu. Nessa medida, devem os Réus habilitados ser condenados a proceder à realização de obras de reparação e conservação da fração autónoma arrendada, mais concretamente, das zonas afetadas com as infiltrações acima descritas, a qual surge sobejamente provada recolocando, assim, a Autora na situação que estaria se não se tivesse verificado o evento lesivo, conforme dispõe o artigo 562.º do Código Civil.” Regressando à análise dos fundamentos do recurso, importa considerar que a propriedade horizontal congrega dois direitos reais distintos, sendo um de propriedade singular, quanto às frações autónomas e outro de compropriedade, incidente sobre as partes comuns do edifício – cfr. artigo 1420º, CC. A tal propósito estabelece o artigo 1424º, nº 1, CC: “Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício (…) são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações”. Certo é que os réus recorrentes apenas poderão proporcionar cabalmente o gozo da fração arrendada, cumprindo a obrigação que sobre eles incumbe nos termos do artigo 1031º, alínea b), do Código Civil, depois de reparadas as deficiências estruturais já mencionadas, detetadas nas partes comuns do edifício, mas que projetam os seus efeitos no locado. E, na realidade, é na esfera jurídica dos réus/recorrentes que radica o direito de compropriedade sobre as partes comuns do edifício que os legitima a exigirem obras de reparação estruturais ao condomínio. Ou seja, incumbe aos réus/recorrentes, na qualidade de senhorios, assumirem uma posição ativa perante o condomínio, exigindo a reparação das partes comuns do edifício (telhado, cobertura, fachada principal, algerozes e chaminé), por forma a que a arrendatária possa usufruir da fração arrendada. E mesmo evidenciando os factos que tal pretensão já foi deduzida pelos réus recorrentes perante o condomínio, o certo é que não foram executadas as necessárias obras estruturais nas partes comuns que permitirão o cabal usufruto da fração, resolvendo, na génese, o problema do vício das infiltrações e humidades que ali se verificam. Assim sendo, permanece tal obrigação na esfera dos réus/recorrentes, não merecendo censura a decisão no segmento em que os condena a intimarem o condomínio a realizar obras nas partes comuns do edifício. Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 22-10-2018, proferido no processo nº 1839/13.2TJPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt: “(…) III - Na medida em que os vícios das partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal colidam com a habitabilidade do locado, é legítima a demanda do inquilino ao senhorio: . quer para que este diligencie junto do condomínio pela realização nas partes comuns das obras de conservação ou reparação necessárias à normal fruição do locado; . quer no caso de reparações indispensáveis e urgentes, para que ele próprio realize tais obras nas partes comuns na falta ou impedimento do administrador ao abrigo do artigo 1427º.” Mostra-se, pois, fundamentada a condenação dos réus/proprietários, atenta a sua condição de condóminos, a intimarem o réu condomínio a realizar, em prazo certo, as obras estruturais nas partes comuns do edifício, as quais se revelam prementes para que seja assegurado à autora o gozo da fração arrendada. Nesta parte, improcede o recurso interposto pelos réus D e E. Porém, tendo por base a fundamentação supra enunciada, foram ainda os réus/recorrentes condenados a executar obras na fração arrendada. Na perspetiva da decisão recorrida, a responsabilidade dos réus recorrentes na execução de tais obras resulta fundamentalmente da sua posição de locadores, que gera na respetiva esfera jurídica o dever de assegurar o gozo da coisa locada, nos termos do disposto no artigo 1031º alínea b), do Código Civil. Ali se considera que ao locatário assiste o direito de exigir a reparação do vício e o pagamento da indemnização mesmo que o locador demonstre que o vício não se deve a ação ou omissão sua, nos termos do artigo 1032º, alínea b), do Código Civil.
“Quando a coisa locada apresentar vício que não lhe permita realizar cabalmente o fim a que é destinada ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador, considera-se o contrato não cumprido: a) Se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa; b) Se o defeito surgir posteriormente à entrega, por culpa do locador”. A tal propósito, referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3ª edição, pág. 384: “Os vícios da coisa relevam, por força deste artigo, nos termos seguintes: a)Se são anteriores à entrega, são sempre de considerar para o efeito de se haver o contrato como não cumprido, a não ser que o locador prove que os desconhecia sem culpa; b) Se os vícios surgirem depois da entrega, só são relevantes havendo culpa do locador, hipótese seguramente pouco vulgar, visto que, normalmente, o locador não tem, posteriormente à entrega da coisa locada, ação direta sobre ela” (negrito e sublinhado nosso). Por outro lado, nos termos do artigo 1037º, nº 1, do Código Civil: “Não obstante convenção em contrário, o locador não pode praticar atos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, com exceção dos que a lei ou os usos facultem ou o próprio locatário consinta em cada caso, mas não tem obrigação de assegurar esse gozo contra atos de terceiro”. Ora, apurou-se que o contrato foi celebrado em 2013 e que os vícios da coisa locada apenas a partir de 2015 se verificaram. Consequentemente, não pode concluir-se que o defeito data pelo menos do momento da entrega da fração (dado ser posterior). Por outro lado, nos termos do preceito citado, tratando-se de defeito que surgiu posteriormente à entrega da fração, apenas poderia equacionar-se a responsabilidade dos réus/recorrentes se o defeito lhes fosse imputável. Certo é que a factualidade apurada não evidencia que os vícios sejam imputáveis aos recorrentes, resultando, ao invés, que resultaram da execução de obras sem proteção do telhado, bem como da falta de obras de impermeabilização que se revelam prementes. Ora, a responsabilidade relativa à execução de tais obras, cuja necessidade resultou de ato de terceiro e não dos réus/proprietários, radica no condomínio como se extrai do disposto no artigo 1424º, nº 1, do Código Civil, relativo aos “Encargos de Conservação e Fruição”, na versão que lhe foi conferida pela Lei nº 32/2012, de 14/08, aqui aplicável, segundo a qual: “1. Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações”. Neste sentido, decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-01-2006, proferido no processo 05A3241[6], citado pelos réus/recorrentes, sintetizando-se no respetivo sumário, além do mais: “(…) V - Por serem um elemento estrutural da edificação, as paredes exteriores (empenas) de prédio constituído em propriedade horizontal devem ser consideradas paredes mestras para o efeito previsto no art.º 1421º, nº 1, a), do CC. VI - O senhorio não está obrigado a fazer reparações na fração arrendada caso se mostre que a causa das infiltrações aí verificadas residiu na permeabilidade da parede da empena exterior do prédio (parte comum).” No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 04-05-2015, proferido no processo nº 2769/13.3TBMTS.P1[7], também citado pelos réus/recorrentes, afirmando ser o condomínio diretamente responsável pelos danos decorrentes da omissão de reparações em partes comuns do prédio, que se projetem na fração arrendada. Também no acórdão da mesma Relação do Porto de 22-01-2015, proferido no processo nº 355/12.4TBSJM.P1[8], se decidiu no mesmo sentido, enunciado no sumário nos seguintes termos: “I - O proprietário/locador de fração autónoma de prédio constituído no regime de propriedade horizontal não responde perante o seu locatário pelas consequências danosas decorrentes da demora na reparação dos estragos nela causados pela água caída de um tubo condutor das águas pluviais dos terraços, cuja «curva» se soltou, e que é coisa comum. II - Não lhe sendo o evento e suas consequências imputáveis a qualquer título, não há incumprimento da obrigação, decorrente do contrato de arrendamento, de aquele assegurar a este o gozo da coisa arrendada para os fins a que se destina. III - Compete ao locatário lesado defender os seus direitos diretamente contra o terceiro lesante (condomínio), nomeadamente exigir-lhe a indemnização pelos prejuízos sofridos.” Seguindo o mesmo entendimento, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-12-2023, proferido no processo nº 236/22.3T8PRT.P1[9], aí referindo que o vício da fração locada apenas constitui fundamento de incumprimento contratual por parte do locador quando lhe possa ser imputada alguma “conduta indevida”, não operando tal responsabilização relativamente a vícios decorrentes de caso fortuito ou de terceiro. Conclui-se que não se encontrando a deficiência do edifício na “esfera de atuação” dos proprietários, não lhes pode ser imputada a responsabilidade de remoção dos vícios da fração causados por deficiências estruturais ao nível das partes comuns. Tal imputação apenas ao condomínio poderia ser efetuada, no âmbito da responsabilidade delitual consagrada no artigo 493º CC, atenta a sua omissão em executar as reparações necessárias para fazer cessar as infiltrações na fração locada, apesar de interpelado para o efeito. Certo é que a factualidade apurada não demonstra que os réus/locadores tenham incorrido na violação da obrigação de proporcionar o gozo da fração, não operando a presunção de culpa prevista no artigo 799º, nº 1, CC. Pelo exposto, quanto aos réus/proprietários, não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil contratual ou extracontratual que justifiquem a sua condenação na supressão dos danos causados na fração, podendo apenas equacionar-se a sua responsabilidade enquanto condóminos, a qual não está em discussão nestes autos. Procedendo, nesta parte o recurso dos réus locadores/proprietários, impõe-se a sua absolvição, quer do pedido de execução das obras causadas na fração, quer do pedido indemnizatório. - Do montante da indemnização fixada Discorda a autora/recorrente da atribuição da indemnização fixada pelo tribunal recorrido com vista ao ressarcimento dos danos não patrimoniais por si sofridos. Não podendo apontar-se responsabilidade aos réus/proprietários no ressarcimento dos danos sofridos pela autora, nos termos supra expostos, resta apurar se a condenação do réu condomínio na compensação dos danos não patrimoniais deve ser alterada, quanto ao quantum indemnizatório nos termos pretendidos pela autora recorrente. A este propósito, refere-se na decisão recorrida: “In casu, resultando comprometidas, durante cerca de oito anos, a habitabilidade, conforto, segurança e pleno usufruto da habitação arrendada em consequência de infiltrações de águas pluviais (que, inclusive, inviabilizaram a utilização do fogão), causando humidades, bolor, manchas, estragos na pintura, entre outros, não será necessário sequer o recurso a um raciocínio extensivo e exaustivo para se afirmar que a situação descrita tem contornos de melindre severa incomodidade que qualificam a gravidade do dano sofrido e obrigam à sua ressarcibilidade. Temos, assim, que aos Réus incumbe proceder à indemnização da Autora também pelos danos não patrimoniais sobejamente comprovados. Na determinação do quantum de indemnização a atribuir a danos patrimoniais, a lei direciona para uma valoração casuística e orientada por critérios de equidade. Dever-se-á atender ao carácter do bem jurídico atingindo e a natureza e a intensidade do dano causado, bem como à idade da vítima. Em todo o caso, a ponderação sobre a gravidade do dano e o correspondente valor de reparação deve ocorrer sob o princípio da proporcionalidade (isto é, em harmonia com a premissa de que a danos mais graves deverá corresponder uma indemnização mais generosa) e ainda numa perspetiva de uniformidade das decisões judiciais (a indemnização deverá ser fixada atendendo aos parâmetros jurisprudencial geralmente adotados), por força do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil. Decorrente da natureza das coisas, se impõe que danos que produzam lesões a direitos de personalidade deverão ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas. A autora vem peticionar indemnização por danos não patrimoniais no valor global de €10.000,00. Pois bem, tal pedido merece provimento, mas já não no seu quantum. Com efeito, considerando a gravidade dos danos e o período temporal desde quando os mesmos se verificam, mantendo-se a situação danosa, dever-se-á determinar como quantum de indemnização a atribuir por danos não patrimoniais à Autora o valor de €2.000,00”. Como referido, não se discute a imputação dos danos não patrimoniais ao réu condomínio, mas apenas o seu quantum. Os danos não patrimoniais consistem nos prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária, por atingirem bens que não integram o património do lesado, apenas podendo ser compensados com a imposição ao agente de uma obrigação pecuniária – Antunes Varela[10]. É hoje francamente maioritário o entendimento da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual, desde logo porque os artigos 798º e 804º, nº 1, CC, ao referirem-se à ressarcibilidade dos prejuízos causados ao credor, não distinguem entre uma e outra classe de danos, não limitando a responsabilidade do devedor aos danos patrimoniais – cfr. Pinto Monteiro[11]; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-01-2024[12]. Necessário é que tais danos não patrimoniais revistam gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito – cfr, artigo 496º, nº 1, CC. Enquadram-se no âmbito dos danos não patrimoniais a honra, o bom nome, a saúde, a integridade e dores físicas, a liberdade e outros bens de caráter imaterial. Tais bens, sendo insuscetíveis de uma valoração pecuniária, quando violados, demandarão, não a atribuição de uma verdadeira indemnização, mas de uma compensação que terá como finalidade primacial a satisfação do lesado pelo sofrimento causado. A determinação da indemnização (compensação) por danos não patrimoniais, deve ser fixada nos termos do artigo 496º, nº 4, do Código Civil, ou seja, equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494º do mesmo Código. Tem vindo a entender-se que a gravidade do dano deve ser medida por padrões objetivos, não devendo ser atribuída qualquer indemnização quando estejam em causa simples incómodos ou contrariedades – Pires de Lima e Antunes Varela[13]. Por outro lado, o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo Tribunal, atendendo às circunstâncias de cada caso, à sua gravidade, grau de culpabilidade do agente e à situação económica deste e do lesado – cfr. artigos 496º, nº 3 e 494º, CC. A este propósito, apurou-se que na sequência de realização de obras no telhado e cobertura do edifício, em 2015, quando este se encontrava sem telhas, choveu e a água da chuva infiltrou-se na fração da autora, causando humidade, manchas (amarelas e negras), formação de empolamento ou bolhas nas superfícies pintadas, bolor, fungos e fissuras nos tetos e paredes, apodrecimento e levantamento dos tacos de madeira, apodrecimento e descolamento dos rodapés e cheiro a mofo. Mais se apurou que a cobertura do edifício continua a apresentar falta de estanquidade e a água da chuva continua a infiltrar-se no edifício e na fração da autora, designadamente na zona da chaminé, por cima do fogão, quando chove, cai muita água e sujidade, impossibilitando a Autora de utilizar o fogão e, portanto, de confecionar os alimentos. As portas dos armários de cozinha têm a tinta empolada e envelhecida. Na extração e conduta de ar verificam-se infiltrações e manchas enegrecidas. Alguns móveis, cortinados, tapetes, candeeiros, vestuário e calçado da Autora estragarem-se devido à humidade. As lâmpadas, os interruptores e as tomadas de eletricidade estão sempre a avariar, por causa da humidade, tendo que ser frequentemente reparados ou substituídos. Com a presença da humidade, os tacos de madeira apodreceram e aumentaram no seu volume gerando fortes tensões ao ponto de ficarem levantados, os rodapés apodreceram e descolaram das paredes, dificultando a normal circulação das pessoas no interior da fração. A habitação tornou-se, em geral, mais fria e húmida, mesmo nas estações quentes e secas. Cheira sempre a mofo. Existe um deficiente estado de conservação do prédio e risco de curto-circuito. A autora sofre de uma débil condição de saúde, que se agravou por força da degradação da casa onde habita. Como referido na decisão recorrida, afigura-se que tais danos não patrimoniais assumem gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, podendo qualificar-se como “inexigíveis em termos de resignação” – expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-06-1979[14]. Ponderando decisões proferidas em processos similares, salienta-se que: - no acórdão de 7-3-2024, desta Relação de Lisboa, proferido no processo nº 3325/20.5T8VFX.L1[15] foi fixado o mesmo montante indemnizatório (€ 2.000,00) a arrendatário que se viu limitado no uso da fração arrendada pelo período de cerca de um ano, sendo que ao longo do primeiro mês foi mesmo privado da sua utilização, com impacto significativo no exercício das responsabilidade parentais relativamente à sua filha menor; - no acórdão do STJ de 24-01-2012, proferido no processo 540/2001.P1.S1[16], foi fixado, a título de danos não patrimoniais, o montante indemnizatório de € 10.000,00 atribuído a compradores de fração urbana com vários vícios, que inviabilizaram o uso de uma das divisões, durante oito anos; - no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2010, proferido no processo nº 60/10.6YFLSB[17], foi fixado o montante indemnizatório de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais causados pela privação total e definitiva do bem arrendado; - no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-06-2008, proferido no processo 08B628[18] foram atribuídas indemnizações de € 3.000, por privação definitiva do local onde os arrendatários residiam há vários anos; - no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-09-2009[19] proferido no processo nº 09B0368, fixou-se a indemnização de € 4.000,00, a título de danos não patrimoniais resultantes de infiltrações continuadas no teto da habitação que perturbaram significativamente a normalidade da vida familiar; Ora, ponderando sobretudo a gravidade dos danos sofridos pela autora, o facto de, em parte, se deverem à execução de obras pelo condomínio ao nível da cobertura sem ter sido acautelada a possibilidade de entrada de água da chuva, e o longo período já decorrido, revela-se adequado, proporcional e equilibrado o montante indemnizatório de € 5.000,00, assim procedendo parcialmente o recurso da Autora. Em face da decisão que antecede, o pagamento de tal montante indemnizatório incumbe ao réu Condomínio do Prédio sito na Rua …, em Lisboa. * Ao montante indemnizatório fixado acrescerá o montante devido pelos juros moratórios, face ao pedido da autora nesse sentido. Nos termos do artigo 805º, nº3, 2ª parte, CC, nos casos de responsabilidade baseada em facto ilícito (ou no risco), o devedor constitui-se em mora desde a citação, posto que ainda não esteja constituído em mora até esse momento. Assim sendo, visto não deixar de radicar em facto ilícito o pedido indemnizatório apresentado, natural é a constatação de que, in casu, são devidos juros de mora, à taxa de 4% ao ano, aplicável por força da Portaria n.º 263/99, de 8/4. Porém, não deverá esquecer-se que a indemnização supra fixada se reporta a danos não patrimoniais computados equitativamente (logo, por cálculo atualizado). Assim, os juros serão contabilizados desde a presente decisão, com base em cálculo atualizado, e não desde a citação – cfr artigos citados e Ac. STJ nº 4/2002, de 5/6 que fixou jurisprudência obrigatória – DR I-A, de 27/6/2002. O recurso da autora revela-se, portanto, parcialmente procedente. * A autora e o réu “Condomínio do Prédio sito na Rua …, em Lisboa”, deverão ser responsabilizados pelas custas do recurso por ela interposto, na proporção do seu decaimento, que depende de mero cálculo aritmético – e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário com que a primeira litiga – cfr. artigos 527º e 529º, CPC. Os réus recorrentes serão responsabilizados pelas custas do recurso que interpuseram, em função do seu decaimento, que se fixa em 40% - cfr. artigo 527º, CPC. Na parte remanescente, a responsabilidade pelo pagamento das custas de tal recurso incumbe à autora e ao réu “Condomínio do Prédio sito na Rua …, em Lisboa”, na proporção do respetivo decaimento, em igual medida entre a primeira e ao segundo e sem prejuízo do apoio judiciário concedido - cfr. artigos 527º e 529º, CPC * Em face das alterações operadas à decisão da primeira instância, fixa-se o decaimento das custas da ação em 40% para a autora, 30% para os primeiros réus e 30% para o réu Condomínio. * III – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível: - Julgar parcialmente procedente o recurso instaurado pelos réus/recorrentes D e E, absolvendo-os dos pedidos relativos à execução de obras de reparação na fração arrendada e de pagamento de qualquer indemnização à autora, mantendo, no demais, a decisão recorrida; - Julgar parcialmente procedente o recurso instaurado pela autora, condenando o réu “Condomínio do Prédio sito na Rua … em Lisboa”, no pagamento à autora, a título de danos não patrimoniais, do valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), e respetivos juros de mora, computados à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data da presente decisão e até integral e efetivo pagamento, mantendo, no demais, a decisão recorrida. Custas do recurso da autora, por si e pelo réu “Condomínio do Prédio sito na Rua … em Lisboa”, na proporção do respetivo decaimento, que depende de cálculo aritmético, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário com que a primeira litiga – cfr. artigos 527º e 529º, CPC. Custas do recurso interposto pelos réus, pelos recorrentes, pela autora e pelo réu “Condomínio do Prédio sito na Rua … em Lisboa” na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 40%, para os primeiros, e de 35% para cada um dos restantes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à autora - cfr. artigos 527º e 529º, CPC Em face das alterações operadas à decisão da primeira instância, fixa-se o decaimento das custas da ação em 40% para a autora, 30% para os primeiros réus e 30% para o réu Condomínio. D.N. Lisboa, 26 de setembro de 2024 Rute Sobral Laurinda Gemas Paulo Fernandes da Silva _______________________________________________________ [1] Código de Processo Civil Anotado, 3º edição, Volume 2, pág.735 [2] Ob. cit. páginas 735 e 736 [3] CPC anotado, 1981, Vol. V, páginas 124 e 125. [4] Manual de Processo Civil, Coimbra editora, 2ª edição, 1985, pág. 686. [5] Proferido no processo nº 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt [6] Disponível em www.dgsi.pt [7] Disponível em www.dgsi.pt [8] Disponível em www.dgsi.pt [9] Disponível em www.dgsi.pt, [10] Das Obrigações em Geral, 6ª edição I, pág. 571. [11] Cláusula Penal e Indemnização, pág. 31, nota 77. [12] Proferido no processo nº 21419/21.8T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt [13] CC anot. Vol I, 3ª edição, pág. 473. [14] Cj IV, 3, 892. [15] Disponível em www.dgsi.pt [16] Disponível em www.dgsi.pt [17] Disponível em jurisprudência.csm.org.pt [18] Disponível em www.dgsi.pt [19] Disponível em www.dgsi.pt |