Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10624/19.7T8LRS-C.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
OMISSÃO DE PAGAMENTO
PAGAMENTO
MULTA
PAGAMENTO ATÉ AO INÍCIO DA AUDIÊNCIA
PRODUÇÃO DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: De uma interpretação conforme a constituição e também conforme o Direito da União Europeia da proposição normativa do artigo 14.º, 4 do Regulamento das Custas Processuais resulta que a taxa de justiça subsequente e a multa podem ser pagas (e demonstrado o seu pagamento) até ao início da audiência de julgamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:   Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

JL instaurou acção declarativa contra MSP e outros. Notificada da data de julgamento não procedeu ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, nos termos do nº 2 do Artigo 14º do RCP. Notificado para proceder ao pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça, acrescida de multa em igual montante, o autor também não procedeu em prazo ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e respectiva multa.
Só em 13 de Junho de 2022, o autor enviou aos autos o comprovativo do pagamento da segunda taxa de justiça e da multa, pugnando para que, não obstante o pagamento em causa não ter sido efectuado no prazo de 10 dias, atento o disposto no nº 4 do Artigo 14º do RCP, sendo comprovado nos autos o referido pagamento até ao início do julgamento fossem realizadas as diligências de prova por si requeridas, sendo que no que à prova testemunhal diz respeito, o Tribunal só ouviria as testemunhas que o Recorrente apresentasse.
Sobre esta pretensão foi proferida a seguinte decisão: Nestes termos, verificando-se que o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa, por parte do autor, é extemporâneo nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais e no artigo 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, não se admite a prática do acto ( pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e multa em 13.06.2022).
Por conseguinte, o autor não pode produzir diligências de prova em audiência final».
Inconformado, interpôs o autor competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:
a) Por razões que o A/Recorrente desconhece não recepcionou o email que lhe foi enviado no dia 2 de Abril de 2022 com a guia para pagamento da segunda prestação acrescida de multa em igual montante; sendo certo que a ora signatária não recebeu qualquer informação em como o email não tinha chegado a ser entregue.
b) E por outro lado a signatária não se apercebeu que o A não tinha procedido ao respectivo pagamento;
c) Entretanto a signatária desde o passado dia 10 de Maio e até ao dia 13 de Julho esteve impossibilitada de trabalhar, conforme resulta dos Docs 1 e 2;
d) Só no dia 13 de Junho de 2022 o ora Recorrente procedeu o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e respectiva multa; e) Na mesma data – 13 de Junho de 2022 – o Recorrente enviou aos autos o comprovativo do pagamento da segunda taxa de justiça e da multa, pugnando para que, não obstante o pagamento em causa não ter sido efectuado no prazo de 10 dias, atento o disposto no nº 4 do Artigo 14º do RCP, sendo comprovado nos autos o referido pagamento até ao início do julgamento fossem realizadas as diligências de prova por si requeridas;
f) Sendo que no que à prova testemunhal diz respeito, o Tribunal só ouviria as testemunhas que o Recorrente apresentasse uma vez que não as notificaria para comparecerem (até porque à data da notificação das testemunhas não estava paga a 2ª prestação);
g) As datas agendadas para o julgamento foram entretanto dadas sem efeito e o julgamento está agora agendado para o próximo mês de Novembro;
h) O Mui Douto Tribunal a quo decidiu, quanto à falta de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça no prazo dos 10 dias após a notificação da data de julgamento, que a mesma tinha a cominação de ser recusada toda a prova requerida pelo Recorrente:
Ou seja:
Não serão inquiridas as testemunhas;
Não são feitos os depoimentos de parte já requeridos e deferidos;
Não são admissíveis as declarações de parte do ora recorrente, mesmo que este as venha a pedir.
i) Em suma: ao Recorrente está absolutamente vedada a possibilidade de produzir todo e qualquer meio de prova;
j) O ora Recorrente no seu requerimento de 13 de Junho de 2022, socorreu-se de alguma jurisprudência para alegar e defender o entendimento que não obstante o pagamento em causa não ter sido efectuado no prazo de 10 dias, atento o disposto no nº 4 do Artigo 14º do RCP, sendo comprovado nos autos o referido pagamento até ao início do julgamento deviam ser realizadas as diligências de prova por si requeridas;
k) Apoiando-se na jurisprudência que assim o defende, nomeadamente nos Acórdãos cujos excertos supra transcreveu;
l) O Mui Douto Tribunal a quo entendeu e decidiu de forma diferente, ou seja, que não tendo a segunda prestação da taxa de justiça e da multa sido pagas no prazo de 10 dias, tal falta, tem a cominação de a parte, no caso o ora Recorrente, ficar impedido de produzir toda e qualquer prova;
m) Na sua decisão, o Mui Douto Tribunal a quo mencionou igualmente vários Acórdãos onde consta tal entendimento;
n) De facto a jurisprudência não é unânime relativamente a esta matéria;
o) Ou seja, se a parte proceder ao pagamento da segunda prestação e da multa fora do prazo de 10 dias previsto no nº 3 do Artigo 14º do RCP mas ao início da audiência de julgamento comprovar que entretanto procedeu a tais pagamentos (segunda prestação da taxa de justiça e respectiva multa) fica impedida de produzir prova?
p) Ou dito por outras palavras, quando o nº 4 do Artigo 14º estipula que sem prejuízo do prazo adicional concedido pelo nº 3 do referido Artigo, se no dia da audiência final não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta, refere-se apenas à possibilidade concedida à parte de naquele dia juntar aos autos o comprovativo de pagamento que tenha efectuado no prazo do nº 3, ou concede à parte a possibilidade de produzir prova se ainda que fora do prazo previsto no nº 3 os pagamentos tenham sido entretanto realizados? Ainda que tal prova se resuma à que a parte puder apresentar uma vez que o Tribunal não notificaria as testemunhas para comparência;
Vejamos, as consequências de um e outro entendimento, num caso, como o sub judice, em que a parte paga a segunda prestação acrescida de multa de igual montante, após o prazo de 10 dias para o efeito, mas antes do início do julgamento, que está agora agendado para Novembro:
q) Segundo o entendimento defendido pelo ora Recorrente e nos Acórdãos supra mencionados e a prática dos Tribunais, generalizada pelo menos até à entrada em vigor no novo CPC:
Sem estar comprovado nos autos o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça acrescida da multa em igual montante o Tribunal não notifica as testemunhas, nem ordena a realização de outros meios de prova, no entanto se chegado o dia do início do julgamento e a parte comprovar ter entretanto procedido ao pagamento da taxa de justiça e multa (muitas vezes feito naquele momento…), as testemunhas que tiver conseguido fazer apresentar no Tribunal serão ouvidas;
r) Segundo o entendimento defendido na decisão recorrida e pelos Acórdãos nela mencionados, mais recentes:
Se a parte não proceder no prazo de 10 dias ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa em igual montante, mesmo que o faça posteriormente, fica impedida de produzir toda e qualquer prova.
s) Assim, e segundo este entendimento, as consequências da falta de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça no prazo de 10 dias a que alude o nº 3 do Artigo 14º, são, na realidade, e na sua globalidade, as seguintes:
- Pagamento de multa de igual montante;
- A acção ficar irremediavelmente condenada à improcedência, por não provada; com a consequente absolvição dos RR do pedido; e
- A negação de o autor poder intentar outra acção igual onde pudesse produzir prova, por ter ocorrido a absolvição do pedido e não da instância.
t) Ao invés, se a parte em vez de faltar ao pagamento atempado da segunda prestação da taxa de justiça, faltar ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, as consequências são apenas as seguintes:
- Desentranhamento da PI, e declaração da extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, mantendo-se, obviamente, o direito a intentar outra acção em tudo igual;
u) De onde teria que se concluir que quanto mais grave a falta menos gravosa a consequência…
Mais,
v) Nem se diga que apesar de a falta de pagamento atempado da segunda prestação da taxa de justiça, existe qualquer possibilidade de vencimento da acção;
w) Porquanto sempre que um autor é notificado para proceder ao  pagamento da segunda prestação da taxa de justiça é porque foi agendado o julgamento; logo, se foi agendado julgamento é porque o processo não contém elementos para o Tribunal conhecer do mérito da acção, caso contrário, teria, obrigatoriamente que ter decidido em momento anterior ao agendamento do julgamento; teria que ter decidido em saneador sentença, atento o facto de lhe estar vedada a prática de actos inúteis (Artigo 130º do CPC);
x) Portanto, só se chega à fase de agendamento do julgamento quando o processo não contém prova suficiente para decisão da acção em saneador sentença;
y) Se é vedada ao autor a possibilidade de produzir qualquer prova, pela falta atempada do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, obrigatoriamente a acção será julgada improcedente por não provada, vedando-se assim ao autor não só o direito de produzir prova nesta acção mas vedando-lhe igualmente o direito de intentar nova acção,
z) E pelo menos neste aspecto, de ser vedado ao autor intentar nova acção em tudo igual à anterior, que ficou irremediavelmente condenada à improcedência pela proibição de produção de prova como sanção (mais uma para além da multa) pelo pagamento intempestivo da segunda prestação da taxa de justiça e multa, entende o ora Recorrente que se verifica uma violação do direito de acesso à Justiça e aos Tribunais, constitucionalmente consagrado no Artigo 20º, nº 1, pelo que, considera que a interpretação do nº 4 do Artigo 14º do RCP, de que a falta de pagamento atempado da segunda prestação da taxa de justiça que provoca a improcedência da acção, com a absolvição dos RR do pedido, vedando ao autor a possibilidade de intentar nova acção em tudo igual, o que não acontece se o autor não pagar a totalidade da taxa de justiça, é inconstitucional por violar o Artigo 20º, nº 1 da CRP, o que desde já se alega para todos os efeitos legais.
aa) Assim, ainda que se defenda o entendimento de que a falta de pagamento tempestivo da segunda prestação da taxa de justiça conduz à proibição de produção de prova (ainda que paga antes do início do julgamento), sendo certo que o momento para o pagamento é posterior ao de o Tribunal ter concluído que não tinha prova suficiente para decidir sem o julgamento (caso contrário tinha que decidir no saneador), sempre se deverá entender que a consequência deverá ser o desentranhamento da PI (como acontece quando não é paga a taxa de justiça no momento da apresentação da PI, ou no caso de injunção nos 10 dias subsequentes à distribuição, e portanto já depois da oposição) e a consequente declaração de extinção da instância por ocorrer circunstância que impede o prosseguimento da acção até ao conhecimento do mérito da mesma e por conseguinte deverá considerar-se que ocorreu uma impossibilidade superveniente da instância;
bb) Pois com qualquer uma das consequência acima mencionadas, não é negado ao autor o direito de intentar nova acção;
cc) Ao invés, ao defender-se que a consequência da falta de pagamento tempestivo da segunda prestação da taxa de justiça é mais gravoso do que a falta de pagamento da primeira, ou até da falta de pagamento da totalidade da taxa de justiça, está a impor-se sanção desproporcional à falta, a verificar-se a falta de unidade do ordenamento jurídico, e a negar-se ao autor o direito de protecção efectiva dos seus direitos na acção em causa bem como o direito a intentar nova acção.
Mais,
dd) No caso sub judice o Mui Douto Tribunal a quo agendou o julgamento porque entendeu não ter nos autos elementos de prova que lhe permitissem decidir do mérito da acção em saneador sentença;
ee) Não existe nos autos reconvenção;
ff) Pelo que, os únicos pedidos a decidir são do autor;
gg) Se não existiam nos autos elementos que permitissem ao Tribunal decidir em saneador, e se está vedado ao A a produção de todo e qualquer meio de prova, significa que tais elementos, de que o Tribunal precisa para decidir dos pedidos do autor e que não tem ainda nos autos, não vão ser trazidos aos autos,
hh) Logo, o Mui Douto Tribunal a quo prosseguiu com os autos sabendo que a acção, pela proibição de produção de prova dos factos que integram a causa de pedir, que nunca poderiam vir a ser provados, tinha como destino a improcedência;
ii) Assim sendo, como na realidade é, e atenta a proibição da prática de actos inúteis no processo, deveria ter sido declarada a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do Artigo 277º do CC;
jj) O que não impedia o A, ora Recorrente, de intentar nova acção com o mesmo objecto.
Mais,
kk) No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-02-2011, no processo 3711/05.0TVLSB (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) decidiu-se que «A demonstração do pagamento, quer da taxa de justiça, quer da multa, exigida pelo artigo 512º-B do Código de Processo Civil sob cominação da impossibilidade de realização das diligências de prova requeridas ou a requerer, pode ser feita até ao início da audiência de julgamento»:
ll) Era a seguinte a redacção do ali referido Artigo 512º-B do antigo CPC:
Artigo 512.º-B
Omissão do pagamento das taxas de justiça
1 - Sem prejuízo do disposto quanto à petição inicial e à contestação, se o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.
2 - Sem prejuízo do prazo concedido no número anterior, se, no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória, não tiver sido unto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta.
mm) Este preceito foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 e Fevereiro, ou seja o Regulamento das Custas Processuais (RCP);
nn) No entanto, o Artigo 14º deste diploma legal manteve em tudo igual a redacção do Artigo 512º-B do CPC que revogou; vejamos:
oo) Pelo que, não ocorreu qualquer alteração sobre esta matéria com a entrada em vigor do RCP, nem por qualquer outro diploma legal, nomeadamente com o novo CPC;
pp) Por outro lado com a reforma do processo civil veio largamente permitir-se a opção por soluções que privilegiam aspectos de ordem substancial, em detrimento das questões de natureza meramente formal;
qq) Ora mal se compreendia que tendo o legislador privilegiado aspectos de ordem substancial com a reforma do processo civil, tivesse por outro lado pretendido alterar o regime previsto pelo Artigo 512º-B do antigo CPC, no sentido que lhe era dado pela jurisprudência, ou seja, que «A demonstração do pagamento, quer da taxa de justiça,  quer da multa, exigida pelo artigo 512º-B do Código de Processo Civil sob cominação da impossibilidade de realização das diligências de prova requeridas ou a requerer, pode ser feita até ao início da audiência de julgamento»
rr) É que não se pretende um ordenamento jurídico repleto de contradições mas sim a unidade do ordenamento jurídico.
ss) É, pois, sempre o Direito, em conjunto, que se aplica.
"O direito será um contínuo problematicamente constituendo" - Prof. C. Neves, Rev. Leg. e Jup. ano 131, Pág. 11: "dialéctica entre sistema e problema num objectivo judicativo de realização normativa"
Tal impõe que a "ratio legis" se dialectize e se veja superada pela "ratio iuris".
tt) A hermenêutica será um normativo encontrar o direito em concreto.
E a jurisprudência - e com maior relevância, a uniformizadora – como ciência interpretativa, encerra em si pensamento normativo de realização do direito, correspondente às expectativas prático-sociais dos sujeitos, realizando o direito na solução do caso concreto com a consciência jurídica geral, com as expectativas jurídico-sociais de validade e justiça.
uu) Só, assim, a Justiça será o fundamento necessário da interpretação jurídica.
vv) Com efeito a solução injusta no resultado não pode ser entendida como vontade da lei - art 9.º, nº 3 CC.
ww) Por isso desde Esser e Zippelius, o primeiro índice a observar na interpretação circunscreve-se às valorações expressas pelo legislador: sentido de cada norma em referência ao "ordenamento jurídico global" na expressão de Engisch.
xx) Ou seja, há que interpretar a norma em referência à "unidade do sistema jurídico" – Artigo 9º nº1 CC -, frente ao "princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica" - Dr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Pág. 191.
yy) Unidade intrinsecamente coerente a ser interpretada em projecção da ideia de Direito, tradutora de uma concebida ordem social justa, que a fundamenta.
zz) Ora se já no âmbito do antigo CPC se previa e defendia que o momento último para o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça (ou taxa de justiça subsequente) era o do início do julgamento ou da diligência em que se fosse produzir a prova, se tal norma passou epsis verbis para o RCP, se no âmbito da reforma do processo civil até se passou a dar primazia aos aspectos de ordem substancial, em detrimento das questões de natureza meramente formal, não há qualquer fundamento para se ter passado ou passar a defender que o momento último para o pagamento em causa deixou de ser o do julgamento e que passado o prazo de 10 dias, por uma questão formal, a acção fica irremediavelmente condenada à improcedência (necessariamente, uma vez que se o processo contivesse os elementos probatórios necessários o Tribunal não chegaria a agendar julgamento e decidiria em saneador);
aaa) Tal entendimento não só não encontra apoio na letra da Lei, como vai contra o espírito do Legislador e viola o princípio da unidade do ordenamento jurídico.
bbb) Ao exposto acresce que o fim último do ordenamento jurídico é o de realização de justiça; ora no caso vedar-se ao Recorrente o direito a que quer nestes autos, quer noutros, pudesse fazer prova dos factos que alega, com vista a ser ressarcido dos prejuízos causados pelos RR, pela destruição selvagem perpetrada por estes e que se traduziu nem mais nem menos em deitarem-lhe a casa abaixo, traduzir-se-ia numa temerária injustiça, tanto mais que o Recorrente não pode proceder ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa no prazo de 10 dias por não ter recebido o email que lhe foi enviado.
ccc) Depois jamais se poderia compreender que a falta de pagamento da totalidade da taxa de justiça conduzisse à absolvição da instância e que a falta de pagamento atempado da segunda prestação da taxa de justiça conduzisse à absolvição do pedido;
ddd) E constituiria um verdadeiro atentado à proibição de actos inúteis por parte do Tribunal, o prosseguimento de uma acção (sem reconvenção) em que o autor está proibido de fazer prova dos factos que integram a causa de pedir;
eee) Ou seja, seria feito um julgamento meramente de fachada, de faz de conta, com vista a ser proferida uma decisão à priori conhecida e aa única possível de improcedência por não ter sido provada a matéria de facto.
fff) Ora a entender-se que mesmo com o pagamento da segunda prestação e da multa antes do início do julgamento está vedado ao autor produzir prova, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, sempre deverá considerar-se que ocorreu (desde que tais pagamentos não foram feitos no prazo de 10 dias) a impossibilidade superveniente da lide, devendo a mesma ser declarada extinta e não se vedar ao autor o direito a intentar nova acção na qual possa fazer prova dos factos que alega.
Nestes termos,
Nos melhores de direito e sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exas., VENERANDOS (AS) DESEMBARGADORES (AS), deverá o presente recurso ser julgado procedente e ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que permita a produção de prova do Recorrente, quer requerida quer a requerer, por ter sido feito o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa antes do início do julgamento;
A não entenderem V. Exas. assim, deverá o recurso ser julgado procedente e em consequência ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que declare a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, como ocorre quando não é paga a totalidade da taxa de justiça na acção ou o pagamento do remanescente da taxa de justiça na injunção após a distribuição, não sendo assim negado ao Recorrente o direito a intentar nova acção,
Com o que farão, V. Exas., Venerandos (as) Desembargadores (as), a já costumada JUSTIÇA!».
Não foram apresentadas contra-alegações.
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A questão a apreciar é a de saber se a taxa de justiça subsequente e a multa podem ser pagas (e demonstrado o seu pagamento) até ao início da audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais.
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Questão de direito sendo, remete-se em termos de enquadramento fáctico para o descrito no relatório.
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Do direito
A resposta à única questão decidenda passa por uma interpretação conforme a constituição e também conforme o Direito da União Europeia.
Explica J. J. Gomes Canotilho que saber o que é interpretação in harmony with the Constitution não é tarefa fácil, «como o demonstram os vários sentidos em que a expressão é tomada:
1- Como regra preferencial para a decisão entre vários resultados de interpretação.
2. Como meio de limitar o controlo judicial.
3. Como instrumento hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais.
(Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra Editora, Coimbra, 1982:404).
Canotilho dá preferência ao sentido referido em terceiro lugar: «interpretar, aplicar e concretizar conforme a lei fundamental é considerar as normas hierarquicamente superiores da constituição como elemento fundamental na determinação do conteúdo das normas infraconstitucionais» (Ibidem:406).
Deste sentido derivam os referidos corolários:
1- No caso de uma lei ter vários sentidos, deve escolher-se aquele que permite a conformidade da lei com outras normas constitucionais.
2. Uma norma legal não deve considerar-se inconstitucional enquanto puder ser interpretada de acordo com a constituição.
3. Deve recorrer-se às normas constitucionais para determinar o conteúdo intrínseco das leis (ibidem:405).
Os elementos constitutivos da interpretação conforme ao direito da União Europeia, que constitui um dos pilares em que se apoia a construção do ordenamento europeu, são dois:
«O primeiro é um elemento de caracter estrutural.
A interpretação conforme invoca um confronto entre disposições pertencentes a diferentes textos jurídicos (…)
O segundo elemento, de carácter funcional, invoca a «torção interpretativa» que sofre a norma nacional por efeito da norma ou do sistema de normas axiologicamente superiores ou da sua interpretação por parte (no caso, o Tribunal de Justiça) de quem possui o monopólio interpretativo.
O intérprete substitui à interpretação original (na base da letra da lei ou da intenção do legislador) uma diversa interpretação «conforme» às normas axiologicamente superiores ou à sua interpretação por parte do Tribunal de Justiça» (Roberto Cosio, «L´Interpretazione conforme al diritto dell´Unione Europea», (a cura di Giuseppe Bronzini e Roberto Cosio), Interpretazione Conforme, Bilanciamento dei Diritti e Clausole Generali, Giuffré Editore, Milano, 2017:42).
No que se refere à Constituição importa ter presente e levar a sério alguns direitos e princípios constitucionais: o princípio do Estado de direito (artigo 2.º), e o respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, sendo um desses direitos o direito que a todos pertence a uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, 1).
O direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos de cada um é, entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras» (Ac. TC 86/88).
O direito de acesso aos tribunais significa antes de mais garantia da via judiciária ou, dito de outro modo, direito à protecção jurídica através dos tribunais, mediante um processo equitativo (artigos 20.º, 3 CRP)
De direito a um processo equitativo versa também o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
Pressuposto indefectível de todas as garantias do artigo 6.º é o direito de acesso aos tribunais. 
O direito de acesso aos tribunais deve ser prático e efectivo e não meramente teórico e ilusório (TEDU, caso Zubac c. Croazia, Proc. 05.04/2018). Refere Rosanna Angarano que a «efectividade de um direito depende prevalentemente da capacidade do ordenamento no qual o mesmo é reconhecido de lhe assegurar uma adequada tutela» (La Convenzione Europea dei Diritti dell´Uomo, Zanichelli Editore, 2022:331). A plenitude do acesso aos tribunais postula um direito à prova ou proibição de indefesa. De nada serve ter acesso ao tribunal se depois a parte se defronta com filtros que impedem que demonstre que tem razão. Sem prejuízo de se reconhecer que razões de interesse público podem impor limites a esse direito, eles não devem ser excessivos, injustificados e desproporcionados.
Pois bem: O artigo 512.º-B, que foi aditado ao Código de Processo Civil (CPC), pelo Decreto-Lei n.º 324/03, de 27 de dezembro, tem a seguinte redacção:  
Artigo 512.º-B
Omissão do pagamento das taxas de justiça
1 - Sem prejuízo do disposto quanto à petição inicial e à contestação, se o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.
2 - Sem prejuízo do prazo concedido no número anterior, se, no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória, não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta.
Lê-se no preâmbulo desse diploma: «1. Em cumprimento do Programa do XV Governo Constitucional para a área da justiça estão presentemente em curso várias reformas que corporizam uma estratégia concertada, assente num conjunto de princípios já longamente debatidos e aceites pela comunidade jurídica, com vista a garantir de forma efectiva o acesso ao direito. Visa-se introduzir maior celeridade na obtenção de decisões judiciais, removendo obstáculos ao funcionamento racional e eficaz do sistema, quer através da simplificação dos processos e da desjudicialização de muitos actos que não requerem a intervenção do tribunal, quer através do recurso a meios informáticos, e sempre garantindo os direitos das partes processuais. (…) 2 - É neste enquadramento que o Governo procede agora a uma profunda, mas ponderada, revisão do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, tendo em consideração que esta matéria, apesar de revestir natureza essencialmente instrumental ou adjectiva, assume uma importância fundamental do ponto de vista da concretização do acesso à justiça e aos tribunais.
(…) 3 - A matéria das custas judiciais está actualmente regulada de forma complexa, sendo reconhecida a sua difícil acessibilidade à generalidade dos cidadãos, bem como à grande maioria dos operadores judiciais, com evidentes prejuízos para todos os interessados (…)
4 – (…) 5 - Cabendo ao Estado o dever de garantir e facultar o acesso à justiça por parte da totalidade dos cidadãos, (…) o acesso universal à justiça encontra-se genericamente garantido pelo instituto do apoio judiciário, que assegura que nenhum cidadão seja privado do acesso ao direito e aos tribunais nomeadamente por razões de ordem financeira. Ora, se na área socialmente mais premente da justiça criminal, está especialmente assegurada a concessão do benefício do apoio judiciário, nas demais situações, designadamente naquelas em que se discutam interesses patrimoniais e de natureza económica, é lógica e socialmente aceite que uma parte dos custos da justiça deve ser suportada por quem a ela recorre e dela retira benefícios e não, tal como sucede actualmente, pela generalidade dos cidadãos.

Ora, o actual sistema não acautela este objectivo, antes beneficia, por um lado, quem recorre indiscriminadamente e de forma imponderada aos tribunais e, por outro, quem dá causa à acção, impondo ao Estado e à comunidade o ónus de suportarem grande parte dos custos da justiça. Para tal situação contribuem, decisivamente, dois factores: a restituição antecipada (independentemente de o vencido proceder ao pagamento das custas de sua responsabilidade), pelo Cofre Geral dos Tribunais, da taxa de justiça paga pelo vencedor no decurso da acção, e a ausência (excepto para o autor) de penalizações processuais efectivas pela falta de pagamento da taxa de justiça devida.
(…) Por outro lado, volta a ser consagrada a regra do desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas, a operar apenas após a mesma ter sido sucessivamente notificada para o efeito, e salvaguardando-se o caso em que esteja comprovado o pedido de concessão do benefício do apoio judiciário. Com tal medida contribui-se para a igual responsabilização das partes processuais, considerando que esta regra já existe no regime actualmente em vigor em relação ao autor, e introduz-se um factor acrescido de moralização no recurso aos tribunais.
6 – (…) 7 - A par da sujeição genérica do Estado e das demais entidades públicas ao pagamento de taxa de justiça, são introduzidos critérios de tributação mais justos e objectivos do que os actuais (…).Por sua vez, no sistema actual, o pagamento da taxa de justiça subsequente deve ser efectuado após a notificação para a audiência preliminar, ou seja, num momento em que o tribunal pouca ou nenhuma intervenção teve ainda no processo e antes de se realizar qualquer diligência no sentido da conciliação das partes. Assim, altera-se o momento do pagamento da taxa de justiça subsequente, relegando-o para quando ocorra a notificação para a audiência de discussão e julgamento. Com tal medida pretende-se não só ajustar a tributação à intervenção processual do juiz, mas também fomentar a possibilidade de ser obtida uma resolução amigável do litígio (os destacados são nossos).

Comentando o n.º 2 daquele novo Artigo 512.º-B, diz Carlos Lopes do Rego: A omissão do pagamento pontual de tal taxa de justiça subsequente – devida na sequência da notificação para a audiência final (…)- implica que a secretaria deva notificar «oficiosamente» o faltoso para em , em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC, nem superior a 10 UC.
O n.º 2 prevê a sanção processual aplicável ao não pagamento de tal sanção tributária ATÈ AO MOMENTO EM SE DEVA REALIZAR A AUDIÊNCIA FINAL OU QUALQUER OUTRA DILIGÊNCIA PROBATÒRIA: impossibilidade de determinação judicial, de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta» (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2004:449/450).
O STJ, no seu Acórdão de 03.02.2011, Proc. 3711/05.0TVLSB (consultável, como os restantes citados em www.dgsi.pt), deliberou que «a “penalização processual” [por falta de pagamento de taxa de justiça subsequente devida] traduz-se, como se viu, não no “desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas, a operar apenas após a mesma ter sido sucessivamente notificada para o efeito” (mesmo preâmbulo), como em regra sucede, mas na impossibilidade de produção da prova requerida (ou que venha a ser requerida) pela parte em falta.
Por essa razão se marca como momento último para a demonstração do pagamento (da taxa de justiça e da multa) aquele em que a prova vai ser produzida: sem aquela demonstração, não se realizam as diligências de prova. E, sendo certo que é na “audiência final” que a prova (constituenda, naturalmente) é produzida, a lei marca o correspondente dia como limite regra para o efeito.
É também esse o significado da expressão “sem prejuízo do prazo concedido no número anterior” com que começa o nº 2 do artigo 512º-B do Código de Processo Civil; significado esse que está de acordo com a gravidade da sanção cominada e que em nada prejudica o desenrolar do processo: a demonstração do pagamento, quer da taxa, quer da multa, pode ser feita até ao início da audiência de julgamento».
Nos Acs. RP de 22.09.2008, Proc. 0854067, e de 02.12.2008, Proc. 855922, afirmou-se: «Ora, da conjugação das normas referenciadas, resulta claro que à parte compete comprovar o pagamento da taxa de justiça subsequente no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, e que, se não o fizer, tem dez dias para a pagar acrescida de multa, a contar da notificação que para o efeito a secretaria lhe fará.
Se, chegado o dia da produção de prova, não pagar, tanto a taxa de justiça aplicável, como a consequente multa por não pagamento atempado, fica impedida de produzir a prova que pretende.

No entanto, a lei concede a possibilidade de produzir prova mesmo sem ter sido paga a taxa de justiça, desde que, no dia da audiência final, junte documento comprovativo desse pagamento, conforme resulta da expressão inicial “Sem prejuízo do prazo concedido no número anterior,..” inserida no n.º 2 do citado artigo processual».
Também da mesma RP, pode compulsar-se o Ac. de 02.12.2008, Proc. 855922, onde se lê: «Desta norma [artigo 512.º-B] parece resultar que se pretende que a parte se determine ao pagamento da taxa de justiça subsequente, no prazo de 10 dias, contados a partir da notificação da data designada para a audiência de julgamento, como estabelecem os Art.ºs 26.º, n.º 1, alínea a) e 28.º do Cód. das Custas Judiciais. No entanto, se a parte não o fizer, é notificada para, em 10 dias, pagar a taxa em falta, acrescida de multa de igual montante. Se mesmo assim não pagar, é-lhe concedida uma terceira oportunidade, que consiste no pagamento da taxa em falta e da multa até ao dia da audiência final. Nesta última hipótese e se não proceder ao pagamento, o Tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova requeridas pela parte relapsa. Ora, se assim é, parece que a falta de pagamento aquando da 1.ª notificação, da taxa em singelo, ou aquando da 2.ª notificação, da taxa acrescida de multa, não preclude a possibilidade de produzir a prova requerida, se até ao dia da audiência de julgamento a parte relapsa proceder ao pagamento da taxa de justiça subsequente, acrescida de multa de igual montante. Na verdade, pretende o legislador possibilitar a produção da prova requerida pela parte relapsa, concedendo-lhe três hipóteses para o efeito».
O Ac. RL de 13.12.2007, Proc. 5143/2007.1, por sua vez, sustentou: «resulta do complexo das disposições referidas que a parte respectiva deve comprovar o pagamento da taxa de justiça subsequente no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final, e que, se não o fizer, tem dez dias para a pagar acrescida de multa, a contar da notificação que para o efeito a secretaria lhe fará; se ainda assim não pagar chegado o dia da produção de prova, fica impedida de a produzir. Note-se, todavia, que a lei concede a possibilidade de produzir prova mesmo sem ter sido paga a taxa de justiça, se ainda estiver a correr o prazo para pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa fixado pela secretaria, conforme resulta da expressão “sem prejuízo do prazo concedido no número anterior” contida no nº 2 do art.º 512º-B do C.P.C».
O artigo 512.º-B do CPC foi revogado pelo artigo 25.º, 2, b) do DL 34/2008, de 26 de fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais (RCP).
No preâmbulo desse diploma assinala-se que «A presente reforma resulta assim de um processo de acompanhamento e avaliação contínuos da implementação do sistema inserido pela revisão de 2003, tendo sido levados em consideração os estudos realizados pelo Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, os quais deram origem a um relatório de avaliação, de Novembro de 2005, e o relatório final de inspecção do sistema de custas judiciais apresentado pela Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça em Agosto de 2006.
Partindo do alerta, realizado pelos referidos estudos, para alguns problemas concretos na aplicação do Código das Custas Judiciais e para alguns aspectos disfuncionais do respectivo regime, partiu-se para uma reforma mais ampla, subordinada ao objectivo central de simplificação que se insere no plano do Governo de combate à complexidade dos processos e de redução do volume dos documentos e da rigidez das práticas administrativas, cujas linhas de orientação foram, fundamentalmente, as seguintes:
a) Repartição mais justa e adequada dos custos da justiça;
b) Moralização e racionalização do recurso aos tribunais, com o tratamento diferenciado dos litigantes em massa;

c) Adopção de critérios de tributação mais claros e objectivos;
d) Reavaliação do sistema de isenção de custas;
e) Simplificação da estrutura jurídica do sistema de custas processuais e unificação da respectiva regulamentação;
f) Redução do número de execuções por custas».
Nenhuma referência é aí feita quanto à intenção de o legislador alterar o regime de omissão de pagamento de taxa de justiça.
O artigo 14.º, 4 do RCP reproduz quase integralmente o anterior n.º 2 do artigo 512.º-B, mantendo substancialmente o mesmo regime.
O que mudou, entretanto, foi a interpretação que da regra foi dada por alguns acórdãos, citados nos autos, os quais fizeram uma interpretação menos garantista do preceito, fundamentada em razões meramente literais e semânticas de fraco valor convincente.
Repita-se: a reforma de 2003 do regime de custas visou garantir de forma efectiva o acesso ao direito, introduzir maior celeridade na obtenção de decisões judiciais, removendo obstáculos ao funcionamento racional e eficaz do sistema, mas sempre garantindo os direitos das partes processuais.
É neste enquadramento que o intérprete se deve situar. Assim como deve fazer uma interpretação conforme a Constituição e a CEDU.
O Recorrente quando instaurou os presentes autos liquidou a taxa de justiça em duas prestações, procedendo na altura ao pagamento da primeira prestação no montante de 408,00€.
Notificado da data do julgamento o Recorrente não procedeu ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, nos termos do nº 2 do Artigo 14º do RCP.
Em 28 de Março de 2022 a mandatária do autor foi notificada para proceder ao pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça, acrescida de multa em igual montante.
Só no dia 13 de Junho de 2022 o ora Recorrente procedeu o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e respectiva multa. Na mesma data – 13 de Junho de 2022 – o Recorrente enviou aos autos o comprovativo do pagamento da segunda taxa de justiça e da multa, pugnando para que, não obstante o pagamento em causa não ter sido efectuado no prazo de 10 dias, atento o disposto no nº 4 do Artigo 14º do RCP, sendo comprovado nos autos o referido pagamento até ao início do julgamento, fossem realizadas as diligências de prova por si requeridas;
No dia 14 de Junho de 2022, o julgamento foi adiado para Novembro, tendo o tribunal decidido quanto à falta de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça no prazo dos 10 dias após a notificação da data de julgamento que a mesma tinha a cominação de ser recusada toda a prova requerida pelo Recorrente.
Discordamos desse entendimento. O recorrente tinha legalmente essa terceira oportunidade. Só esta interpretação está de acordo com um processo que faz prevalecer o fundo sobre a forma e, como tão bem sublinha o Acórdão do STJ acima citado, com  a gravidade da sanção cominada e que em nada prejudica o desenrolar do processo: a demonstração do pagamento, quer da taxa, quer da multa, pode ser feita até ao início da audiência de julgamento.
O segmento «sem prejuízo» não exclui, não deve ser interpretada com o sentido de «sem causar dano a», mas com um sentido adverbial, «independentemente de». Não exclui, antes adita, complementa.
Não se vislumbram que razões ponderosas podem estar subjacentes a uma interpretação restritiva do citado artigo 14.º, 4 do RCP, como a que ressalta do despacho recorrido, a qual, se se for de cariz contrário, como propugnamos, em nada afecta a marcha do processo nem os cofres do Estado.
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Pelo exposto acordamos em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida que se substitui por outra que permite a produção de prova requerida pelo Recorrente.
Custas pela parte vencida a final.
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17.11.2022
Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Maria do Céu Silva