Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | NUNO MATOS | ||
Descritores: | FURTO VALOR DIMINUTO VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUALIFICAÇÃO JURÍDICA CONCURSO CONCURSO APARENTE SANÇÃO SUBSTITUÍÇÃO DO TRIBUNAL RECORRIDO PENA PARCELAR PENA ÚNICA PENA DE SUBSTITUIÇÃO PERDÃO LEI N.º 38-A/2023 DE 02-08 | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Sumário: | (da responsabilidade do relator): I - A impugnação da matéria de facto pode ser efectuada em recurso através de duas modalidades possíveis: a chamada revista alargada (ou impugnação restrita da matéria de facto) e a impugnação ampla da matéria de facto. II - Quando o Recorrente, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, invoca um erro de julgamento em relação a vários pontos da matéria de facto dada como provada (e cumpre, na motivação de recurso, os requisitos regulados no art.º 412º, nºs 3 e 4, do CPP), o tribunal de recurso tem de reapreciar a prova (a prova indicada pelo Recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis) e emitir um novo juízo em matéria de facto (restrito aos pontos factuais questionados pelo Recorrente), averiguando se tal prova impõe uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tal prova impõe uma versão factual diversa da que foi dada como provada na decisão recorrida). III - A procedência da pretensão recursiva, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, conduzindo à alteração da matéria de facto provada e não provada, impõe que se analise a questão da manutenção (ou não) do enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido constante da decisão recorrida. IV - O crime de furto simples desqualificado pelo valor e o crime de violação de domicílio, cujos elementos típicos foram preenchidos pela conduta do arguido, encontram-se numa relação de concurso real ou efectivo de crimes. V - Tendo a Relação, em recurso, revogado a decisão da 1ª Instância e formulado um diferente juízo positivo sobre a culpabilidade do arguido, deve proceder à determinação da sanção (penas parcelares, pena única e penas de substituição), em substituição do tribunal recorrido, caso este último tribunal tenha procedido ao apuramento e fixação dos factos relativos à determinação da pena. VI - A aplicação da generalidade das penas de substituição ocorre quando as mesmas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. VII - Quando a ponderação da aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 02-08, foi feita pelo tribunal de 1ª Instância da condenação, tendo aí sido aplicado o perdão, sem que tal aplicação tenha sido impugnada em sede de recurso, o tribunal de 2ª instância deve manter a aplicação do perdão ainda que tenha ocorrido, em recurso, a alteração do enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido e da sanção aplicada. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO 1. Por sentença proferida em 16/10/2023, no processo supra identificado (processo comum singular), foi decidido o seguinte (transcrição parcial do Dispositivo): “1. Pelo exposto, julga-se a acusação parcialmente procedente por provada e, em consequência, decide-se: a) Condenar o arguido AA pela prática, na forma tentada e em co-autoria, de um crime de furto simples p. e p. pelo art.º 203.º, n.º1 e 3, 22.º e 23.º do CP (em que o crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º1, 204.º, n.º 1, al. f), do CP foi convolado), na pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão efectiva; b) Perdoar um 1 (um) ano de prisão, ao abrigo do disposto no art.º 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, 7.º e 8.º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, da pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão em que o arguido vai condenado, declarando-a parcialmente extinta (artigo 127.º, n.º1 e 128.º 3, do CP), consignando-se que o perdão é concedido sob condição resolutiva de o arguido não cometer qualquer infracção dolosa até 01.09.24; c) Condenar o arguido nas custas do processo, com 2 UC de taxa de justiça, (artigo 513.º, n.º1, e artigo 8.º, do RCP), sem prejuízo do apoio judiciário a que haja lugar. (…)”. 2. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, terminando a sua motivação com a extracção das seguintes conclusões (transcrição): “1. Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público da douta Sentença de fls. 108-110 que condenou o arguido AA pela prática, na forma tentada e em co-autoria, de um crime de furto simples p. e p. pelo art.º 203.º, n.º1 e 3, 22.º e 23.º do CP (em que o crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º1, 204.º, n.º1, al. f), do CP foi convolado), na pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão efectiva. 2. O Tribunal recorrido fez uma errada apreciação da prova, ao dar como provados seguintes factos: 3. “6. Nesse instante, o arguido AA e o outro indivíduo de identidade desconhecida abandonaram o local sem levarem nenhum objecto consigo como pretendiam, o que apenas sucedeu por razões alheias às suas vontades (relevo e sublinhado nosso); 4. “7. Com a conduta supra descrita, o arguido AA e o outro indivíduo de identidade desconhecida que o acompanhava agiram de comum acordo mediante um plano previamente delineado e em comunhão de esforços, com o propósito de retirarem e levarem os objectos que se encontravam no interior da residência de BB, com o intuito de os fazerem seus, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, que actuavam sem autorização e contra a vontade da dona dos mesmos, causando-lhe prejuízo patrimonial, o que quiseram e só não o conseguiram por razões alheias às suas vontades” (relevo e sublinhado nosso); 5. Dispõe o artigo 127º, do Código de Processo Penal, dispõe que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente”; 6. Todavia, no caso dos autos, e salvo o devido respeito, entende o Ministério Público que o Tribunal “a quo” não apreciou correctamente a prova produzida, e que caso o tivesse feito, impor-se-ia a prolação de sentença condenando o arguido pela prática de um crime de furto simples, desqualificado pelo valor e, ainda, de um crime de violação de domicílio; 7. De facto, as declarações da ofendida BB prestadas na sessão de julgamento 09.10.2023, documentado em acta de fls. 103-105, gravado no sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática (Media Studio) em uso no Juízo Criminal da Amadora (J3), das 15:06:34 horas às 15:23:19 horas, com relevância entre o minuto 07:50 até ao minuto 08:57, e ainda as declarações da testemunha CC, prestadas na sessão de julgamento de 09.10.2023, documentado em acta de fls. 103-105, gravado no sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Juízo Criminal da Amadora (J3), das 15:45:02 horas às 15:52:10 horas, com relevância ao minuto 02:27 até ao minuto 02:58 horas, impunham que o Tribunal recorrido desse como provado que nas circunstâncias de tempo e lugar consideradas provadas na sentença recorrida, o arguido e o indivíduo cuja identidade não foi possível apurar retiraram do interior da habitação de BB um anel de bijuteria, de valor não concretamente apurado, mas situado entre os 7,00€ e os €8,00, fazendo-o deles, tendo aqueles abandonado o local na posse do mesmo quando foram surpreendidos pelo DD, que ocorreu ao local por indicação da sua companheira EE, que foi alertada pelo barulho. 8. BB e CC prestaram depoimentos que se revelaram seguros e credíveis, os quais, apreciados de forma conjugada com a demais prova testemunhal, outra solução não permitiria alcançar que não fosse a condenação do arguido pela prática de um crime de furto simples, desqualificado pelo valor, e de violação de domicílio; 9. Com efeito, face a tudo quanto acima se deixou transcrito não se compreende como pôde o Tribunal “a quo” com a supra prova clara e evidente ter ficado com dúvidas acerca da consumação do crime de furto; 10. Do exposto resulta que a renovação dos meios de prova acima mencionados impõe que no douto Acórdão a proferir, se deva dar como provado que: - (…) o arguido AA e o outro indivíduo de identidade desconhecida procuraram objectos que pudessem fazer seus, nomeadamente abrindo as gavetas da cómoda do quarto da ofendida, retirando do interior desta divisão um anel de bijuteria, de valor não concretamente apurado, mas situado entre os €7,00 e os €8,00. - Nessa altura, foram surpreendidos pelo DD, vizinho da ofendida, que acorreu ao local por indicação da sua companheira EE, que foi alertada pelo barulho. - Nesse instante, o arguido AA e o outro indivíduo de identidade desconhecida abandonaram o local na posse do referido anel, que o fizeram deles. - Com a conduta supra descrita, o arguido AA e o outro indivíduo de identidade desconhecida que o acompanhava agiram de comum acordo mediante um plano previamente delineado e em comunhão de esforços, com o propósito de retirarem e levarem o objecto acima identificado e apoderarem-se do mesmo, fazendo-o deles, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia, que actuavam sem autorização e contra a vontade da dona do mesmo, causando-lhe prejuízo patrimonial, propósito que se propuseram e lograram alcançar (…). 11. Do supra exposto resulta que, enquadrando-se o comportamento do arguido, no tocante à subtração, no tipo legal de furto simples, por ocorrência da desqualificação fundada no valor, coloca-se a questão de saber se tal crime de furto, está numa relação de concurso efetivo ou aparente com o crime de violação de domicílio p. e p. pelo artigo 190.º n.º1 do Código Penal, dado que se provou que o arguido penetrou numa habitação que se encontrava fechada, sem o conhecimento e autorização da sua proprietária. 12. Poder-se-ia defender que um “crime meio” “ou crime instrumento”, fosse deixado impune, desde que se tratasse de crime menos grave e que protegesse o mesmo bem jurídico do “crime fim” (neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Direito Penal Português”, tomo 1º, pág. 339, diferentemente, v.g. Palma Herrera in “Los actos Copenados”, Madrid Dykinson, pág. 184 ). 13. No caso entendemos relevar a diferença entre bens jurídicos atingidos, a propriedade no furto, a privacidade e intimidade, na violação de domicílio. 14. Por isso estamos convencido da existência de um concurso efectivo entre os crimes de furto simples p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do CP e a violação do domicílio p. e p. pelo o artigo 190.º, n.1 do C.P. 15. Em sentido paralelo, conforme refere Costa Andrade “(…) Também há concurso efectivo em caso de dano seguido de furto salvo se do primeiro resultar a destruição total da coisa. Inversamente, já haverá concurso aparente nos casos de furto qualificado nos termos do artº 204º nº 1 al. e), e nº 2 al. e). Só não será assim se, por força do disposto no nº 4 do artº 204º não houver lugar à qualificação do furto, hipótese em que a solução será, mais uma vez, o concurso efectivo”. (In Comentário Conimbricense cit., Tomo II, pág. 212); 16. Como se refere no acórdão do STJ de 4.10.2007, disponível em texto integral no site www.dgsi.pt. a desqualificação do nº 4 do artigo 204º do Código Penal não poderá prejudicar o funcionamento do disposto no nº 1 do seu artigo 30º, que, no que vem ao caso, manda aferir o número de crimes pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos. Crimes efetivamente cometidos com o sentido de que se não encontram numa relação de concurso aparente ou de normas; 17. Assim, não havendo lugar à qualificação do furto devido ao disposto no artigo 204º, n.º 4 do Código Penal, as condutas do arguido assumem autonomia e devem ser punidas em concurso real, como sustentado no Acórdão do STJ de 4/10/ 2007, no Acórdão do STJ de 12/01/2006 e no Acórdão do TRE de 29/04/ 2014, todos disponíveis em www.dgsi.pt; 18. Por último, cumpre referir que apesar de o crime de violação de domicílio se tratar de crime semi-público, resulta do depoimento da ofendida BB, constante de fls. 21-22, que a mesma expressou desejo de procedimento criminal pelos factos ocorridos nos autos dentro do respectivo prazo legal. 19. Por todo o exposto, verificando-se todos os elementos objetivos e subjectivos, entendemos que deverá o arguido ser punido, como co-autor e em concurso efectivo, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea f), e n.º 4, por referência ao 202º, alínea e), todos do Código Penal e de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190º, n.º 1, do Código Penal. 20. Ao ter-se decidido na sentença recorrida de forma diversa da ora sustentada, nele se violou o disposto nos artigos 127º e 410º, nº 2, al. c), ambos do Código de Processo Penal e o disposto nos artigos 30.º, 203.º, n.º 1 e 190.º, n.º 1, ambos do Código Penal, razão pela qual deverá ser substituída a sentença nos termos supra expostos; 21. Sem prescindir, caso se venha a entender que o Tribunal “a quo” andou bem ao considerar que da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não resultou por provado a consumação do crime de furto, afigura-se-nos que, salvo melhor entendimento, que face à factualidade considerada provada na sentença recorrida que o arguido deverá ser punido pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado na forma tentada p. e pelos artigos 22.º, 23.º, 203.º, 204.º, n.º 1, al. f), todos do Código Penal. 22. Na verdade, da factualidade considerada provada decorre que o arguido executou actos tendentes à apropriação dos bens que sabia que eram alheios e que pretendia fazer seus, o que só não logrou fazer, porquanto foi surpreendido por DD. 23. Mais se apurou que a “A residência da ofendida continha no seu interior pequenos eletrodomésticos, utensílios de uso doméstico, bem como jóias de valor não concretamente apurado, mas seguramente superior a 102,00€”. 24. Assim, perante o quadro fáctico de que o arguido e o indivíduo de identidade desconhecida, de forma não concretamente apurada, acederam ao interior da habitação da ofendida, onde se encontravam bens de valor superior a €102,00, visando aqueles retirarem e fazerem deles os bens e objectos que ali se encontravam, o que só não conseguiram fazer porquanto o arguido foi surpreendido pela testemunha DD, o que determinou a sua fuga do local, não haverá dúvidas de que o arguido cometeu o crime de que se encontrava acusado, previsto e punido pelos art.º 22º, 23º, 203º e 204º, n.º 1, al. f) do Código. 25. Ao ter-se decidido na sentença recorrida de forma diversa da ora sustentada, nela se violou as supra citadas disposições legais. 26. Por fim, sem prescindir, sempre se dirá que caso o Acórdão que vier a ser proferido considere que andou bem o tribunal recorrido ao condenar o arguido pela prática de um crime de furto simples, na forma tentada, afigura-se-nos, contudo, que o mesmo deverá, ainda, ser condenado, em concurso efectivo, pela prática de um crime de violação de domicilio, cujos argumentos remetemos para os pontos 12 a 18 das presentes conclusões e que aqui damos por integralmente reproduzidos, por questões de economia processual. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, não deixarão de doutamente suprir. Deve o recurso ser julgado procedente, por provado, consequentemente, deverá ser a sentença proferida em 1.ª instância ser substituída por outra que condene o arguido pela prática, como co-autor e em concurso efectivo, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea f), e n.º 4, por referência ao 202º, alínea e), todos do Código Penal e de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190º, n.º 1, do Código Penal.”. 3. Admitido o recurso, não foi apresentada resposta pelo arguido/recorrido. 4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual acompanhou a argumentação do Exmª Magistrada recorrente, acrescentando que se verifica o vício de contradição insanável entre os factos e a fundamentação (contradição entre os pontos nºs 4, 7 e 8 e a referida fundamentação), integradora do vício previsto no art.º 410º, nº 2, al. a), do CPP. 5. Cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2, do CPP, não foi oferecida resposta ao parecer do Ministério Público. 6. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência. 7. Nada obsta ao conhecimento do recurso. * II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Delimitação do objecto do recurso. Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, onde sintetiza as razões do pedido, que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal superior (art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). O essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso estão contidos nas conclusões (sendo certo que os recursos servem para apreciar questões e não razões e não visam criar decisões sobre matéria nova), exceptuadas as questões de conhecimento oficioso. As questões de conhecimento oficioso prendem-se com (i) a detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19-10- 95, Proc. n.º 46580, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 28-12-95, que fixou jurisprudência então obrigatória: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”) e (ii) a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP. Face às conclusões extraídas pelo Recorrente (MºPº) da motivação apresentada, as questões a conhecer são as seguintes: - Impugnação (ampla) da decisão sobre a matéria de facto provada; Por via da procedência desta questão: - Concurso efectivo (ou aparente) entre o crime de furto simples, desqualificado pelo valor, e o crime de violação de domicílio; Por via da improcedência das anteriores questões: - Verificação do vício de contradição insanável entre os factos e a fundamentação; - Prática de um crime de furto qualificado na forma tentada. 2. Enumeração dos factos provados, não provados e respectiva motivação, tal como constam da sentença recorrida (transcrição). “A. FACTOS PROVADOS 1. Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior ao dia 24.08.2021, o arguido AA, acompanhado de outro indivíduo de identidade desconhecida, combinaram entre si deslocarem-se à residência de BB sita na ... em ... e entrarem no seu respectivo interior, sem autorização da respectiva dona e dali retirarem objectos com valor económico. 2. Assim, em execução de um plano por ambos delineado, em comunhão de esforços e divisão de tarefas, pelas 23h20m do dia 24.08.2021, o arguido AA e o outro indivíduo deslocaram-se à referida residência, visando entrar no seu interior e apoderar-se de bens com valor, que sabiam existirem no seu interior. 3. Aí chegados, o arguido AA e aquele outro indivíduo acederam ao interior da referida residência de forma não concretamente apurada, cuja porta da rua se encontrava fechada. 4. A residência da ofendida continha no seu interior pequenos electrodomésticos, utensílios de uso doméstico, bem como jóias de valor não concretamente apurado, mas seguramente superior a 102,00€. 5. De seguida, quando o arguido AA e o outro indivíduo procuravam objectos que pudessem fazer seus, nomeadamente abrindo as gavetas da cómoda do quarto da ofendida, foram surpreendidos DD, vizinho da ofendida, que acorreu ao local por indicação da sua companheira EE, que foi alertada pelo barulho. 6. Nesse instante, o arguido AA e o outro indivíduo de identidade desconhecida abandonaram o local sem levarem nenhum objecto consigo como pretendiam, o que apenas sucedeu por razões alheias às suas vontades. 7. Com a conduta supra descrita, o arguido AA e o outro indivíduo de identidade desconhecida que o acompanhava agiram de comum acordo mediante um plano previamente delineado e em comunhão de esforços, com o propósito de retirarem e levarem os objectos que se encontravam no interior da residência de BB, com o intuito de os fazerem seus, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, que actuavam sem autorização e contra a vontade da dona dos mesmos, causando-lhe prejuízo patrimonial, o que quiseram e só não o conseguiram por razões alheias às suas vontades. 8. O arguido AA agiu com o propósito concretizado de entrar no interior da referida residência que se encontrava fechada, tendo para acedido ao seu interior contra a vontade do seu dona, a fim de alcançar em conjunto com o outro arguido, os seus desígnios nomeadamente obterem objectos com valor económico, fazendo-os seus, o que representaram e concretizaram. 9. O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, ciente de que a sua condutas era proibida e punida pela lei penal. Mais se provou: 1. A ofendida apresentou queixa em 17.01.22 2. Na sequência de complicações decorrentes de uma intervenção cirúrgica após a nascença, AA ficou com uma deficiência auditiva irreversível que afectou o seu processo de desenvolvimento e exigiu por parte da família um esforço de adaptação às necessidades especiais que apresentava. 3. O arguido frequentou o ..., da ..., numa unidade direccionada para alunos com necessidades especiais, não tendo concluído a escolaridade obrigatória, por desistência dos estudos no 8º ano de escolaridade. 4. No presente, AA não possui qualquer vínculo laboral, nem enquadramento ocupacional estruturado. 5. Vive com o pai e um irmão mais velho, numa dinâmica familiar marcada por dificuldades de relacionamento com um progenitor que atribui sobretudo à sua condição de inactividade e dificuldades de inserção laboral. 6. Tem averbadas no seu CRC as seguintes condenações: i. Condenação no processo n.º 325/14.8PBAMD, dos juízos centrais criminais de Sintra, Juiz 3, por decisão transitada em julgado em 2015/01/21, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na execução, acompanhada de regime de prova, pela prática, em 2014/04/02 de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 22.º, 23.º, 73.º, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ex vi do art.º 202.º, al. d) e e), do CP. A suspensão da execução da pena foi revogada por despacho transitado em julgado em 2016/10/07. ii. Condenação no processo n.º 526/15.1PGAMD, dos Juízos Locais Criminais da Amadora, Juiz 2, por decisão transitada em julgado em 2016/03/29, na pena única de 1 ano e 10 meses de prisão efectiva, pela prática em 09.07.15 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 203º, n.º1 e 204º, n.º 2, al. e), do CP e de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelo art.º 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, al. b), do CP. Pena declarada extinta pelo cumprimento em 2019/12/12. iii. Condenação no processo n.º 609/14.5PCAMD, dos Juízos Centrais Criminais de Sintra, Juiz 1, por decisão transitada em julgado em 2016/07/08, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática de 3 crimes de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, praticados em 25.09.14. Nestes autos foi proferido acórdão cumulatório, que englobando a pena em que o arguido foi condenado no processo identificado em i, fixou a pena única de 3 anos de prisão. Pena extinta pelo cumprimento a 30.07.19. iv. Condenação no processo n.º 271/20.6PALSB, dos Juízos Locais Criminais de Lisboa, Juiz 4, por decisão transitada em julgado em 2021/05/17, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão, suspensa na execução com regime de prova, pela prática em 2020/05/31, de um crime de tráfico de estupefacientes. [B]. FACTOS NÃO PROVADOS Que o arguido e o indivíduo que o acompanhava tenham seleccionado os bens que visavam transportar para o exterior da residência e fazer seus. [C]. MOTIVAÇÃO O Tribunal fundou a sua convicção no apuramento dos factos objecto dos autos no conjunto da prova documental e da prova produzida em audiência de julgamento, analisando uma e outra de forma crítica e de acordo com as regras da experiência comum. A prova das circunstâncias de tempo e lugar resultaram demonstradas com base no auto de denúncia e o depoimento de EE, DD e GG. AA remeteu-se ao silêncio e na data dos factos não foi detido em flagrante delito. Na verdade, não foi surpreendido no interior da residência da ofendida pelos agentes da PSP, mas apenas pelo vizinho DD, razão pela qual só foi constituído arguido em momento ulterior. De todo o modo, o arguido era conhecido de DD e da sua companheira, EE, por serem todos vizinhos de longa data e por aquele ter trabalhado na sua casa em momento anterior. A acrescer, mostraram-se conhecedores da surdez do arguido tendo, ainda assim o primeiro conseguido dizer-lhe, quando o avistou no interior da residência da ofendida, para se ir embora, o que este inequivocamente compreendeu, fazendo o que lhe foi ordenado. A actuação destas testemunhas foi determinante no caso vertente, pois foi a sua intervenção que obstou a que o arguido e o indivíduo que o acompanhava lograssem retirar do interior daquela residência quaisquer bens. Cumpre referir que a ofendida mora no rés-do-chão do prédio sito ..., que arrenda à testemunha GG Nas traseiras da fracção existe uma varanda, que foi fechada com uma marquise, com janelas a toda a volta, que dá para um pátio, vedado no seu perímetro, do qual as testemunhas EE e DD têm serventia. A testemunha EE estava em casa quando foi alertada pelo barulho dos cães e, espreitando, apercebeu-se da presença de um indivíduo, diferente do arguido, naquele local, e ainda que as janelas da vizinha se encontravam abertas, contrário ao seu costume quando se encontra para fora, como sucedia naquele caso. Olhando para o seu interior, avistou o arguido, que não teve qualquer dúvida em reconhecer. Suspeitando que se pudesse tratar de um furto, libertou um dos cães, para os assustar, chamando, de seguida, quer o pai quer o companheiro. Quando DD ali chegou, entrando na residência pela mesma marquise, apenas o arguido se encontrava no local, estando a porta da frente entreaberta, o que permite concluir que o outro indivíduo por ali saiu. No que concerne ao modo de entrada na fracção da ofendida, temos que esta própria admitiu que nem sempre fecha à chave a porta de acesso à marquise, tal como não faz relativamente às janelas desta última, exactamente por a mesma dar para um pátio fechado, o que a tranquilizava. Aliás, não foi por ninguém referido a existência de danos na porta ou na janela da marquise ou da porta da frente da fracção, que indiciariam que as mesmas tinham sido arrombadas. Todavia, esclareceu a ofendida que deixa a porta da entrada fechada, o que reforça a convicção de que foi o outro indivíduo quem a abriu quando fugiu do local. Ou seja, a porta de entrada não foi seguramente o local pelo qual o arguido e o outro indivíduo entraram na residência. Na verdade, a presença deste no pátio e a abertura das janelas da marquise exclui que a entrada tenha sido feita pela porta da frente. Com efeito, atendendo a que o pátio é vedado, a saída do local seria mais fácil pela porta da frente, não suscitando o alarme ou a desconfiança dos vizinhos. O que ficou, todavia, por demonstrar, foi como é que acederam a esse pátio, embora indubitavelmente o tenham feito. A ofendida não deu por falta de nada, tal como não o deu o seu filho, CC, como de forma consentânea resultou do depoimento de ambos. Com efeito, apenas a ofendida se referiu a um anel, de reduzido valor, não se mostrando segura que o seu desaparecimento tenha acontecido nessa ocasião. Aliás, a ofendida não regressou de imediato, antes tendo continuado a gozar as suas férias, apenas tendo apresentado queixa no dia 17.01.22 (fls. 22). Aliás, DD não viu que este tivesse alguma coisa nas mãos. Todavia, resultou do depoimento de mãe e filho que as gavetas se encontravam remexidas, o que é indiciador de que o arguido e a pessoa que o acompanhava em momento imediatamente anterior tinham estado a inteirar-se do seu conteúdo, o que apenas se compreende se, efectivamente, pretendessem fazer seus os bens de valor comercial que encontrassem. Na verdade, mais nenhuma explicação se afigura plausível, atentas as regras da experiência comum. Quer a ofendida quer o seu filho viviam ali, tendo a primeira feito referência a uma pequena caixa onde guardava o ouro, pelo que das regras da experiência resulta que o recheio daquela casa tinha um valor superior a 102€, o que o arguido tão pouco podia ignorar. Do depoimento conjunto de EE e DD resultou particularmente evidente que o arguido e o outro indivíduo agiram nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, de um modo idêntico, introduzindo-se naquela habitação e dela fugindo quando surpreendidos. Assim, na sua actuação não poderiam os mesmos deixar de estar de acordo. Deste modo, apenas se compreende a sua actuação como a execução de um plano previamente elaborado no sentido de fazerem seus os bens de valor que ali se encontrassem. Cumpre lembrar que o arguido havia já trabalhado na casa daquela testemunha, sendo por isso conhecedor do local, circunstância de que manifestamente se aproveitou. Não se afigura plausível que os factos tenham sido um crime de ocasião, aderindo o arguido e o outro indivíduo à conduta um do outro enquanto ela se estava a desenvolver. Com efeito, o acesso foi feito de noite, pelas traseiras do prédio, o que pressupõe que a deslocação aquele local foi antecedida de uma decisão conjunta já enformada pela vontade de partilharem os frutos do crime. O facto de as luzes estarem apagadas quando DD ali entrou é demonstrativo da preocupação destes em ocultar a sua actuação, indiciador do conhecimento que tinham da punibilidade da sua conduta. Aliás, a consciência da ilicitude é manifesta, no caso do arguido, que já havia sido condenado por crimes similares. Não obstante, o arguido não se absteve de agir da forma descrita, de onde se conclui que era sua intenção atingir aquele resultado que sabia ser proibido e punido por lei. Nada nos autos nos permite concluir que o arguido não tivesse a capacidade ou a liberdade para agir de modo diverso, razão pela qual se deu como provado que agiu de forma livre, voluntária e consciente. Os factos que se deram como provados quanto à situação económica e pessoal do arguido resultaram do teor do relatório social. O Tribunal teve, ainda, em consideração o teor do CRC.”. 3. Apreciação do mérito do recurso. Apreciemos as questões/pretensões recursivas suscitadas pelo Recorrente (MºPº), respeitantes à Sentença proferida nos autos, acima assinaladas, observando-se uma ordem lógica de conhecimento (traçada, de resto, na motivação de recurso e no parecer da Exmª PGA junto deste tribunal). * 3.1. Impugnação da matéria de facto. A pretensão recursiva prende-se, em primeiro lugar, com a insurgência do Recorrente contra a decisão da matéria de facto. Os poderes de cognição deste Tribunal abrangem a matéria de facto e de direito, nos termos do artigo 428º do Código Processo Penal (CPP). Como se sabe, a forma e a extensão com que a impugnação da matéria de facto pode ser efectuada em recurso assume duas modalidades possíveis: a chamada revista alargada (ou impugnação restrita da matéria de facto) e a impugnação ampla da matéria de facto. Na primeira modalidade (revista alargada ou impugnação restrita), está em causa a arguição dos vícios decisórios previstos no art.º 410º, nº 2, do CPP, fazendo-se o escrutínio da decisão recorrida sem extravasar o texto decisório em si mesmo, ou seja, os vícios decisórios (traduzidos em falha, erro, omissão ou contradição) somente podem ser verificados em face do teor da decisão, «por si só ou conjugada com as regras de experiência comum», posto que não é admissível a valoração de elementos externos à decisão (nomeadamente, a avaliação das provas produzidas em audiência de julgamento). Neste caso, o recorrente não tem mais que invocar a existência dos mencionados vícios (se o recurso apenas tiver como objecto tais vícios, os mesmos têm de ser invocados, sob pena de ausência de objecto; se o recurso tiver como objecto outro fundamento, tal invocação nem sequer é essencial), impondo-se ao tribunal, por dever de ofício, deles conhecer (pois que são os vícios extremos, em absoluto não tolerados pela ordem jurídica), desde que os mesmos sejam patentes e resultem da simples leitura da decisão recorrida. Na segunda modalidade (impugnação ampla), prevista no art.º 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP, está em causa uma reapreciação da decisão recorrida não restringida ao texto da decisão, mas através das provas que esta também apreciou e, consequentemente, a formulação de um juízo crítico autónomo pelo tribunal de recurso sobre a factualidade que deve ser dada como provada e não provada. Cabem aqui todos os casos de erro (não notório) na apreciação da prova de que o tribunal de recurso se aperceba na reanálise dos pontos de facto apreciados e permitidos pelo recurso em matéria de facto. Entram neste campo o error in judicando (erro de julgamento), no qual se inclui o erro na apreciação das declarações orais prestadas em audiência e devidamente documentadas e a não ponderação ou errada ponderação de prova documental, erros que, não sendo notórios, impõem uma diversa ponderação. Assim como o uso inadequado de presunções naturais, conhecimentos científicos, regras de experiência comum ou simples lógica. Neste caso, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art.º 412º, nºs 3 e 4, do CPP. Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação. Em consonância, o art.º 431º, al. b), do CPP estabelece que a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada se a prova tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do art.º 412º. O recorrente tem, assim, o dever de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa. Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão. Este modo de impugnação não permite nem visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, ou seja, não pressupõe uma reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes constitui um mero remédio (jurídico) para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, isto é, trata-se de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Quer dizer, não obstante as mudanças que o sistema de recursos foi sofrendo nas sucessivas alterações legislativas (em cumprimento da garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto), o princípio estruturante do Código de Processo Penal permanece intocado: o verdadeiro julgamento é o da primeira instância e a apreciação da decisão sobre a matéria de facto pelo Tribunal da Relação é limitada (servindo a imposição de impugnação especificada como contrapartida da ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância). No cumprimento da imposição de impugnação especificada, a censura quanto ao modo de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção. Doutra forma ocorreria uma inversão de posição das personagens do processo, mediante a substituição da convicção de quem tem de julgar pela convicção de quem espera a decisão (cfr. Acs. STJ, de 05/06/2008, proc. 06P3649, de 14-05-2009, proc. 1182/06.3PAALM.S1, de 29-10-2008, proc. 07P1016, e de 20-11-2008, proc. 08P3269; Ac. RC, de 24/02/2010, proc. 138/06.0GBSTR.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt; Cfr. Ac. TC nº 198/2004, de 24/03/2004, in DR, II S, de 01/06/2004; Cfr. Paulo Pinto Albuquerque, «Comentário do Código de Processo Penal», Vol. II, 2023, anotações ao art.º 412º, págs. 676 e ss., e ao art.º 428º, págs. 713 e ss.; cfr. João Pedro Baptista/Sérgio Maia Tavares Marques, “O recurso do arguido sobre a matéria de facto no processo penal português e o critério da imposição de decisão diversa da recorrida. Estudo à luz dos princípios in dúbio pro reo e da culpa provada, na Constituição e no Direito da União Europeia.”, in «Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade», Volume I, 2023, págs. 1001 e ss.). No recurso dos presentes autos, a impugnação da matéria de facto vertida na motivação de recurso (e respectivas conclusões) inclui apenas a impugnação ampla da matéria de facto (surgindo deslocada a referência ao art.º 410º, nº 2, al. c), do CPP, feita da conclusão 20 da motivação). No parecer emitido, nesta Relação, pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, é suscitada a verificação do vício de contradição insanável entre os factos e a fundamentação (contradição entre os pontos nºs 4, 7 e 8 e a referida fundamentação), integradora do vício previsto no art.º 410º, nº 2, al. a), do CPP. Contudo, se bem percebemos a pretensão veiculada no aludido parecer (a correcção dos vícios do art.º 410º, nº 2, do CPP, provoca uma decisão que irá ter implicações na matéria de facto provada e não provada; contudo, não se mostra líquido que a pretensão veiculada no aludido parecer seja no sentido da alteração da matéria de facto), a invocação do referido vício só existe na perspectiva da manutenção, por esta Relação, dos factos dados como provados na sentença recorrida e ainda da qualificação jurídica dos factos aí defendida. Quer dizer, trata-se de uma pretensão de carácter subsidiário, a operar caso seja improcedente a pretensão recursiva ancorada na impugnação ampla da matéria de facto. Por outro lado, o art.º 431º do CPP tem subjacente a ideia de que a modificação da decisão recorrida sobre a matéria de facto pelo tribunal de recurso pode obviar ao reenvio do processo para novo julgamento, em face da existência de vícios do art.º 410º, nº 2, do CPP. Assim, a análise da questão da impugnação restrita da matéria de facto será ponderada em momento ulterior (caso tal análise se mostre necessária). 3.1.1. Da impugnação ampla da matéria de facto. A sindicância da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, implica a reapreciação da decisão de facto pelas provas, não havendo uma mera sindicância da fundamentação da decisão recorrida (típica da impugnação restrita). A sindicância de um juízo sobre a prova – ou seja, a sindicância de uma convicção alheia, do juiz de julgamento – só se concretiza reapreciando a mesma prova, pois só esta desempenha as funções de mediação entre o facto e o juiz (cfr. Ana Barata Brito, “Os poderes de cognição das Relações em matéria de facto em processo penal”, in www.tre.tribunais.org.pt). Assim, a reapreciação da decisão de facto pelas provas envolve necessariamente uma nova apreciação das provas produzidas e a emissão de um novo juízo em matéria de facto (pedindo-se ao tribunal de recurso que sindique a convicção alheia, para perceber se, perante as provas produzidas, essa era a convicção probatória correcta e que se impunha existir, não constituindo óbice relevante para alcançar tal desiderato a circunstância de o tribunal de recurso não ter podido intervir no processo de produção de algumas das provas), embora rigorosamente restrito aos pontos questionados pelo recorrente. Neste caso, como já referido, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art.º 412º, nºs 3 e 4, do CPP. Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação. Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão. Este ónus cumpre, assim, a dupla função de definição da extensão da dissidência do recorrente relativamente à decisão recorrida e de delimitação dos poderes cognitivos do tribunal de recurso. Uma vez observados pelo recorrente os requisitos previstos no art.º 412º, nºs 3 e 4, do CPP, o tribunal de recurso tem de averiguar se as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis, impõem uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tais provas impõem uma versão factual diversa daquela dada como provada na decisão recorrida). Como é referido no Ac. STJ, de 30/11/2006 (relator: Pereira Madeira; in www.dgsi.pt), “em sede de conhecimento do recurso da matéria de facto, impõe-se que a Relação se posicione como tribunal efectivamente interveniente no processo de formação da convicção, assumindo um reclamado «exercício crítico substitutivo», que implica a sobreposição, ou mesmo, se for caso disso, a substituição, com assento nas provas indicadas pelos recorrente, da convicção adquirida pela 1.ª instância pela convicção do tribunal de recurso, sobre todos e cada um daqueles factos impugnados, individualmente considerados, em vez de se ficar por uma mera atitude de observação aparentemente externa ao julgamento. A pretensão recursiva do Recorrente é constituída pela invocação de erro de julgamento em relação aos pontos 6 e 7 da matéria de facto dada como provada, pretendendo que o tribunal de recurso, no âmbito dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto, profira decisão modificativa da decisão recorrida, estabelecendo versão factual (e jurídica) diferente daquela que o tribunal a quo considerou provada. Em decorrência do pretendido estabelecimento de diferente versão factual, o Recorrente entende que o arguido/recorrido AA deve (e devia) ser condenado pela prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de furto simples, desqualificado pelo valor (p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, alínea f), e n.º 4, por referência ao 202º, alínea e), todos do Código Penal) e de um crime de violação de domicílio (p. e p. pelo artigo 190º, n.º 1, do Código Penal). Para além de invocar os factos que considera incorrectamente julgados, o Recorrente indicou as concretas provas que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida: as declarações que foram prestadas pela ofendida BB e pela testemunha CC. E indicou as passagens daquelas declarações em que se funda a impugnação. Em matéria de recurso da decisão final, a «peça chave» para aquilatar, em primeira linha, da viabilidade de qualquer sindicância é a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Isto também é assim mesmo que o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada, pois a fundamentação é, em regra, o «sismógrafo» do bom ou mau julgamento da matéria de facto. Contudo, uma sentença bem motivada, na parte que aqui interessa (da motivação da matéria de facto), apenas explica adequada e suficientemente a razão do convencimento do juiz, não garantindo, por si só, que o juiz se convenceu bem. É este controlo – o de averiguar se o juiz se convenceu bem – que o recurso da matéria de facto viabiliza, competindo ao tribunal de recurso – de acordo com o pedido do recorrente – detectar e reparar (se existir) o erro de facto, não apenas o notório, o evidente ou grosseiro. O Recorrente aponta o erro de julgamento aos factos provados nºs 6 e 7. Aceita-se que o Recorrente deu cumprimento ao ónus de impugnação especificada, i.e., impugnou validamente a decisão da matéria de facto (indicando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida). Assim, como já referido, impõe-se que este Tribunal reaprecie a prova (in casu, a prova indicada pelo Recorrente, i.e., os depoimentos da ofendida BB e da testemunha CC) e emita um novo juízo em matéria de facto (restrito aos pontos factuais questionados pelo Recorrente), em que conclua (i) pela correcção da convicção probatória levada a cabo pelo tribunal a quo e consequente manutenção da versão factual fixada na decisão recorrida ou (ii) pela incorrecção da convicção probatória levada a cabo pelo tribunal a quo e consequente (imposição de) alteração da versão factual fixada na decisão recorrida. Vejamos. Está em causa o facto de o arguido, e o outro indivíduo de identidade desconhecida que o acompanhava, terem levado algum objecto da casa da ofendida. O tribunal a quo deu como provado que “o arguido AA e o outro indivíduo de identidade desconhecida abandonaram o local sem levarem nenhum objecto consigo como pretendiam” (facto provado nº 6) e que “agiram (…) com o propósito de retirarem e levarem os objectos que se encontravam no interior da residência de BB, (…) só não o conseguiram por razões alheias às suas vontades” (facto provado nº 7). Na «motivação» da decisão, o tribunal a quo consignou, no que agora releva, o seguinte: “A ofendida não deu por falta de nada, tal como não o deu o seu filho, CC, como de forma consentânea resultou do depoimento de ambos. Com efeito, apenas a ofendida se referiu a um anel, de reduzido valor, não se mostrando segura que o seu desaparecimento tenha acontecido nessa ocasião. Aliás, a ofendida não regressou de imediato, antes tendo continuado a gozar as suas férias, apenas tendo apresentado queixa no dia 17.01.22 (fls. 22). Aliás, DD não viu que este tivesse alguma coisa nas mãos.”. Contudo, esta conclusão do tribunal a quo não tem correspondência no conteúdo (e na forma) do depoimento da ofendida BB e da testemunha CC (não se colocando qualquer problema de falta de credibilidade destes depoimentos). Ouvidos os depoimentos das referidas pessoas (com correspondência nos segmentos transcritos na motivação de recurso), resulta evidente assistir razão ao Recorrente (existindo o erro de julgamento por esta apontado), impondo-se a alteração dos factos provados nºs 6 e 7. Impõe-se também a alteração do facto provado nº 5, para que fique em consonância com a alteração dos factos provados nºs 6 e 7. E impõe-se a fixação de dois factos não provados. As mencionadas alterações são as seguintes: A. FACTOS PROVADOS 5. De seguida, o arguido AA e o outro indivíduo procuraram objectos que pudessem fazer seus, nomeadamente abrindo as gavetas da cómoda do quarto da ofendida, retirando do interior dessa divisão um anel de bijuteria de valor não concretamente apurado, mas próximo de €7,00. 6. Nesse momento, foram surpreendidos por DD, vizinho da ofendida, que acorreu ao local por indicação da sua companheira EE, que foi alertada pelo barulho, altura em que o arguido AA e o outro indivíduo de identidade desconhecida abandonaram o local na posse do referido anel, que fizeram coisa sua. 7. Com a conduta supra descrita, o arguido AA e o outro indivíduo de identidade desconhecida que o acompanhava agiram de comum acordo mediante um plano previamente delineado e em comunhão de esforços, com o propósito de retirarem e levarem o objecto atrás identificado e apoderarem-se do mesmo, fazendo-o coisa sua, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia, que actuavam sem autorização e contra a vontade da dona do mesmo, causando-lhe prejuízo patrimonial, propósito que lograram alcançar. B. FACTOS NÃO PROVADOS 1. O arguido AA e o outro indivíduo de identidade desconhecida abandonaram o local sem levarem objectos de valor. 2. O arguido AA acompanhado de outro indivíduo de identidade desconhecida só não o conseguiram por razões alheias às suas vontades. Em suma, procede a pretensão recursiva relativa à impugnação ampla da matéria de facto (com inerente alteração da matéria de facto provada e não provada), nos termos atrás descritos (sendo que a eventual consequência jurídica de tal alteração da matéria de facto será questão a analisar de seguida). * 3.2. Qualificação jurídica dos factos. A pretensão recursiva prende-se, em segundo lugar, com a qualificação jurídica dos factos. Na sentença recorrida foi considerado que a conduta do arguido/recorrido, aí dada como provada, integrava a prática, em co-autoria, de um crime de furto simples na forma tentada, p. e p. pelos arts. 203.º, n.ºs 1 e 3, 22.º e 23.º do Código Penal (o arguido encontrava-se acusado da prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 203.º e 204.º, n.º 1, al. f), todos do Código Penal). O Recorrente entende que, por via da procedência do recurso quanto à impugnação ampla da matéria de facto (com inerente alteração da matéria de facto provada [e não provada]), o arguido/recorrido AA deve ser condenado pela prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo,, de um crime de furto simples, desqualificado pelo valor (p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, alínea f), e n.º 4, por referência ao 202º, alínea e), todos do Código Penal) e de um crime de violação de domicílio (p. e p. pelo artigo 190º, n.º 1, do Código Penal). A procedência parcial da pretensão recursiva, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, conduziu à alteração da matéria de facto provada e não provada, nos termos atrás descritos. E a questão que agora se coloca para decisão é a de saber se tal alteração factual, introduzida pelo presente acórdão, tem ou não efeito no enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido/recorrido ou, dito doutro modo, saber se deve ou não ser mantida a imputação criminosa constante da sentença recorrida. A questão coloca-se, em primeiro lugar, ao nível dos tipos de crime que integram a conduta do arguido/recorrido. A questão coloca-se, em segundo lugar (caso se conclua pela pluralidade de tipos legais aplicáveis à conduta do arguido), ao nível do eventual concurso dos crimes praticados pelo arguido/recorrido. Vejamos. No que respeita ao crime de furto simples, desqualificado pelo valor (p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, alínea f), e n.º 4, por referência ao 202º, alínea e), todos do Código Penal), perante os (novos) factos dados como provados e não provados, não existem dúvidas de que a conduta do arguido/recorrido preenche os elementos típicos do referido crime, mostrando-se insubsistente a condenação do arguido/recorrido pela prática de um crime de furto simples na forma tentada (p. e p. pelos arts. 203.º, n.ºs 1 e 3, 22.º e 23.º do Código Penal), conforme decidido na sentença recorrida. Concorda-se com as considerações jurídicas vertidas na sentença recorrida, aqui dadas por reproduzidas, no que respeita à integração da conduta do arguido/recorrido no crime de furto simples, desqualificado pelo valor. «O crime de furto consuma-se com a violação do poder de facto do detentor ou proprietário e com a substituição desse poder pelo do agente independentemente de a coisa ficar ou não pacificamente, por mais ou menos tempo, na posse do agente. (…) No que respeita ao carácter alheio da coisa, tal traduzir-se-á na circunstância daquela não pertencer ao autor da apropriação - mesmo que não esteja determinado o proprietário – ou sequer estar sob o seu poder de guarda ou detenção. Qualifica o crime o modo de execução do mesmo, ou porque o agente se introduz ilegitimamente na habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou porque ali permanece com a intenção de furtar. Introduzir na habitação, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado implica a transposição de todo o corpo para o interior do mesmo. (…) A razão de ser da qualificativa assenta, por um lado na maior censurabilidade adveniente do facto do agente, para cometer o crime, se ter predisposto a pôr em causa um espaço resguardado, cujo acesso não é livre, mas limitado. Por outro lado, existe uma perigosidade ínsita na conduta que o agente observa, que recobre a sua actuação de uma maior ilicitude. Para a prossecução do resultado apropriativo, o agente decide-se à prática de actos que isoladamente poderiam integrar, exactamente pela essa entrada ou permanência não autorizada, a prática de crimes de violação de domicílio ou de introdução em lugar vedado ao público (artigos 190.º e 191.º, do CP). (…) O crime de furto é um crime doloso que exige, ainda, uma especial intenção de apropriação, exigindo-se que o agente, contra a vontade do proprietário ou detentor da coisa furtada, pretenda fazer a coisa sua ou de outra pessoa. Assim, o dolo haverá de abranger todos os elementos relevantes do tipo incriminador, como são, no caso do furto, o facto de se estar perante uma coisa alheia e, ainda, o facto da própria subtracção: o agente haverá que mentalmente representar e querer o acto de subtrair algo a alguém (dolo genérico) e haverá de representar e querer a apropriação da coisa (dolo específico). (…)». Para o cometimento do crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204º, nº 1, al. f), do CP, mostra-se necessário (para além de o agente, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheio, introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar) que o bem ou animal subtraído não tenha um valor diminuto. Ou seja, o valor tem de ser igual ou superior a uma unidade de conta (artigo 202.º, al. c), do CP), que actualmente, tal como à data dos factos se cifra em 102€, sob pena de não haver lugar à qualificação (nº 4 do art.º 204º). No caso dos autos, provou-se que o arguido/recorrido, na companhia de outro individuo cuja identidade não foi possível apurar, logrou introduzir-se na residência da ofendida, pese embora soubesse que tal lhe não era permitido e que não se encontrava a tal autorizado por aquela, contra a vontade de quem agia. Mas, a entrada naquele local não era o fim último da conduta do arguido/recorrido e da pessoa que o acompanhava. Com efeito, e como se demonstrou, pretendiam ambos fazer seus os bens de valor que ali encontrassem. E lograram atingir o seu desiderato, pois procuraram objectos que pudessem fazer seus, nomeadamente abrindo as gavetas da cómoda do quarto da ofendida, e retiraram do interior dessa divisão um anel de bijuteria de valor não concretamente apurado, mas próximo de €7,00, tendo abandonado o local na posse do referido anel, que fizeram coisa sua, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia, que actuavam sem autorização e contra a vontade da dona do mesmo, causando-lhe prejuízo patrimonial, propósito que lograram alcançar. Em suma, a conduta do arguido/recorrido preenche os elementos típicos do crime de furto simples, desqualificado pelo valor (p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, alínea f), e n.º 4, por referência ao 202º, alínea e), todos do Código Penal). No que respeita ao crime de violação de domicílio (p. e p. pelo artigo 190º, n.º 1, do Código Penal), perante os (novos) factos dados como provados e não provados, não existem dúvidas de que a conduta do arguido/recorrido preenche os elementos típicos do referido crime (o arguido/recorrido introduziu-se na habitação da ofendida, sem consentimento, actuando dolosamente e sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei). De resto, a sentença recorrida é clara na afirmação de que a conduta do arguido/recorrido, aí dada como provada, preenche os elementos típicos do crime de violação de domicílio, defendendo, contudo, que «entre o crime de furto qualificado e o crime de violação de domicílio existe um concurso aparente» e que «a circunstância do furto qualificado ter sido “desgraduado” não permite, em nosso entendimento, ressuscitar a introdução no domicílio d[e] outrem enquanto facto susceptível de um juízo de valoração autónomo, ao abrigo do artigo 190º do CP». Em suma, a conduta do arguido/recorrido preenche os elementos típicos do crime de violação de domicílio (p. e p. pelo artigo 190º, n.º 1, do Código Penal). Assim, o que agora se coloca para decisão no presente recurso é uma questão relativa ao concurso de crimes, concretamente, saber se o crime de furto simples desqualificado pelo valor e o crime de violação de domicílio, cujos elementos típicos foram preenchidos pela conduta do arguido/recorrido, se encontram, in casu, numa relação de concurso aparente ou real de crimes. Como já referido, o tribunal a quo entendeu existir um concurso aparente entre o crime de furto qualificado (art.º 204º, nº 1, al. f), do CP) e o crime de violação de domicílio (art.º 190º, nº 1, do CP), mesmo que o furto qualificado tenha sido desqualificado e convolado para um furto simples em função do valor diminuto da coisa subtraída (arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, alínea f), e n.º 4, por referência ao 202º, alínea e), todos do CP). O Recorrente tem entendimento diverso, em face da diferença entre bens jurídicos atingidos, para além de, não havendo lugar à qualificação, as condutas assumirem autonomia e deverem ser punidas em concurso real (sendo ainda certo verificar-se a existência de queixa tempestiva da ofendida quanto ao crime de violação de domicílio). A propósito do concurso de crimes aparente, impuro ou impróprio, refere Figueiredo Dias (in “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2020, pág. 1175): “A pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global constitui sintoma legítimo ou presunção prima facie de uma pluralidade de sentidos de ilícito autónomos daquele comportamento global e, por conseguinte, de um concurso de crimes efectivo, puro ou próprio. Casos existem, no entanto, em que uma tal presunção pode ser elidida porque os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social; por um sentido de tal modo predominante, quando lido à luz dos significados socialmente relevantes – dos que valem no mundo da vida e não apenas no mundo das normas –, que seria inadequado e injusto incluir tais casos na forma de punição prevista pelo legislador quando editou o art.º 77º do Código Penal.”. Na lógica do art.º 30º, nº 1, do Código Penal, verifica-se nestes casos uma pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis, mas não uma pluralidade de crimes efectivamente cometidos (de acordo com o art.º 30º, nº 1, do Código Penal, “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”). Na lição do ilustre Professor, um dos critérios de determinação da existência, entre os sentidos de ilícito coexistentes numa dada situação, de um sentido de ilícito absolutamente dominante, preponderante ou principal e, por isso, autónomo, mostrando-se o restante ou os restantes como dominados, subsidiários ou dependentes (a tal ponto que a punição em concurso efectivo se mostraria desproporcionada, político-criminalmente desajustada e até inconstitucional) é o critério do crime instrumental ou crime-meio. São aqui abrangidos aqueles casos em que um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu sentido e os seus efeitos (pelo que a valoração autónoma e integral do crime-meio representaria uma violação da proibição constitucional da dupla valoração), sem que assuma especial relevo a existência ou não de uma conexão objectiva (parentesco dos bens jurídicos violados) ou subjectiva (unidade ou pluralidade de resoluções) entre os tipos legais violados pelo comportamento global. Contudo, como também adverte o ilustre Professor, a existência de um crime instrumental ou crime-meio não conduz sempre à concussão deste crime pelo crime-fim. Em anotação ao art.º 190º do Código Penal (in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, 2012, pág. 1027), Costa Andrade refere que “A violação de domicílio é frequentemente acompanhada de outras infracções criminais. (…) Uma regra que valerá face à constelação típica mais frequente: concorrência de Violação de domicílio e Furto. Nos termos do art.º 204º (nº 1 f) e nº 2 e)), a violação de domicílio constitui fundamento de qualificação do furto. Apesar disso e segundo, v. g., a jurisprudência praticamente constante do STJ, o agente deve ser punido por pluralidade de infracções. Só não será assim nas hipóteses em que a violação de domicílio “é essencial para a qualificação do furto”, isto é, figura em concreto como o único fundamento de qualificação. Então poderá falar-se de concurso aparente: a punição por Furto qualificado consome a Violação de domicílio, como mero facto típico acompanhante. (…) Inversamente, já deverão levar-se à conta da pluralidade de infracções os casos em que, a par da violação de domicílio, subsistem outras causas de qualificação do furto (…).”. Em anotação ao art.º 212º do Código Penal (in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II, Volume I, 2022, pág. 288), Costa Andrade refere que “Também há concurso efectivo em caso de Dano seguido de Furto (…), salvo se do primeiro resultar a destruição total da coisa. Inversamente, já haverá concurso aparente nos casos de Furto Qualificado nos termos do artº 204º nº 1 al. e), e nº 2 al. e). Só não será assim se, por força do disposto no nº 4 do artº 204º não houver lugar à qualificação do Furto, hipótese em que a solução será, mais uma vez, o concurso efectivo (no mesmo sentido e no contexto do homólogo direito alemão…).”. Na motivação de recurso (e suas conclusões) o Recorrente cita vários acórdãos em abono da tese do concurso efectivo de crimes (Ac. STJ, de 04/10/2007; Ac. STJ, de 12/01/2006; Ac. RE, de 29/04/2014; todos em www.dgsi.pt), sublinhando que a desqualificação do nº 4 do artigo 204º do Código Penal não poderá prejudicar o funcionamento do disposto no nº 1 do seu artigo 30º, que, no que vem ao caso, manda aferir o número de crimes pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos. Crimes efetivamente cometidos com o sentido de que se não encontram numa relação de concurso aparente ou de normas. Assim, não havendo lugar à qualificação do furto devido ao disposto no artigo 204º, n.º 4 do Código Penal, as condutas do arguido assumem autonomia e devem ser punidas em concurso real. Passando para o caso dos autos, não vemos razões para não aplicar aos factos dados como provados a posição jurídica, acima descrita, da relação de concurso efectivo de crimes. Assim, impõe-se a conclusão de que o arguido/recorrido, com a sua conduta, efectivamente praticou, em co-autoria e na forma consumada, um crime de furto simples, [desqualificado pelo valor] (p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, alínea f), e n.º 4, por referência ao 202º, alínea e), todos do Código Penal) e um crime de violação de domicílio (p. e p. pelo artigo 190º, n.º 1, do Código Penal) e que pelos mesmos deve ser efectivamente punido, i.e., em concurso real ou efectivo de crimes, julgando-se procedente o recurso, nesta parte. A procedência do recurso, na parte agora analisada, conduz a que fique prejudicada a apreciação da pretensão recursiva qualificada como «3ª Questão». * 3.3. As consequências jurídicas do crime (penas parcelares, pena única e penas de substituição). Tendo esta Relação, em recurso, revogado a decisão da 1ª Instância e formulado um diferente juízo positivo sobre a culpabilidade do arguido/recorrido (entendendo que este deve ser punido pela prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de furto simples, [desqualificado pelo valor] (p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, alínea f), e n.º 4, por referência ao 202º, alínea e), todos do Código Penal) e de um crime de violação de domicílio (p. e p. pelo artigo 190º, n.º 1, do Código Penal), segue-se a questão de saber se cabe a esta Relação (ou à 1ª Instância) proceder à escolha e determinação da medida concreta da pena, i.e., à determinação da sanção. O Acórdão do STJ nº 4/2016 (Fixação de Jurisprudência), de 21/01/2016 (in DR, 1.ª Série, de 22/02/2016, págs. 532 e ss.), fixou a seguinte jurisprudência: “Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.”. Se, nas situações em que a Relação conclui pela culpabilidade do arguido, revogando a decisão absolutória da 1º instância, deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, caso o tribunal recorrido tenha procedido ao apuramento e fixação dos factos relativos à determinação da pena, e só nestes casos (cfr. António Latas/Pedro Soares de Albergaria, anotação ao art.º 424º do CPP, in “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo V, 2024, pág. 281), mais se justifica (por maioria de razão) que a Relação proceda às operações de determinação da sanção quando, por força da procedência do recurso, seja colocada perante uma requalificação jurídica dos factos, actuando, neste caso, em substituição do tribunal recorrido. Importa salientar a limitação do Tribunal da Relação, enquanto tribunal de recurso, à modificação, na sua espécie ou medida, das sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo do arguido, quando este é o único recorrente, isto é, está vinculado a respeitar a proibição da reformatio in pejus (art.º 409º do CPP), o que não está em causa nos presentes autos (o recorrente é o Ministério Público). No caso dos autos, a decisão recorrida contém os factos pertinentes para a determinação da sanção a aplicar ao arguido/recorrido, tanto mais que este foi aí condenado pela prática de um crime de furto simples na forma tentada, procedendo então esta Relação às operações de determinação da sanção com base naqueles factos. Cumpre salientar que no direito processual penal português o princípio geral em sede de fixação da pena concreta é o da independência judicial relativamente aos outros sujeitos processuais (com pequenas excepções que não relevam para o caso dos autos), tendo por referência os factos provados e o direito aplicável. Vejamos. De acordo com as coordenadas lógicas do sistema penal português, no que respeita às reacções criminais, a compreensão dos fundamentos, do sentido e dos limites das penas deve partir de uma concepção de prevenção geral de integração (a pena só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídicos – art.º 40º, nº 1, do CP –, visando uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada e em que a intimidação só actua dentro do campo marcado por certas orientações culturais, por modelos ético-sociais de comportamento que a pena visa reforçar), ligada institucionalmente a uma pena da culpa (a pena deve supor sempre e sem alternativa um elemento ético de censura pessoal do facto ao seu agente, por exigência constitucional de respeito da dignidade da pessoa humana, revelando a personalidade do agente para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico perpetrado; a culpa constitui ainda o limite inultrapassável da pena – art.º 40º, nº 2, do CP), a ser executada com um sentido predominante de (re)socialização do delinquente (trata-se de oferecer ou de proporcionar ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o ordenamento jurídico-penal – art.º 40º, nº 1, do CP). I) O crime de furto simples (arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, alínea f), e n.º 4, por referência ao 202º, alínea e), todos do Código Penal), praticado pelo arguido/recorrido, é punido com pena de prisão de até 3 anos (de 1 mês a 3 anos) ou com pena de multa (de 10 a 360 dias). O crime de violação de domicílio (art.º 190º, n.º 1, do Código Penal), praticado pelo arguido/recorrido é punido com pena de prisão até 1 ano (de 1 mês a 1 ano) ou com pena de multa até 240 dias (de 10 a 240 dias). II) Porque os referidos crimes preveem, em alternativa, a aplicação de penas de prisão e multa, importa, ao abrigo do disposto no art.º 70º do Código Penal (norma que é fruto de uma orientação político-criminal de restrição da aplicação da pena de prisão), verificar a existência de factores que, à luz das finalidades da punição (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), legitimem a aplicação ao arguido/recorrido de uma pena não privativa da liberdade. São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena de multa e a sua efectiva aplicação. E a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. Quer dizer, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa quando a aplicação da pena de prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela. Quanto ao papel da prevenção geral, deve surgir aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa de multa só não será aplicada se a aplicação da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pags. 330 e ss.). A decisão recorrida, num quadro de qualificação jurídica diverso é certo (com uma punição mais leve, diga-se), fundamentou a opção pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão em termos que podem ser transportados para a nova qualificação jurídica dos factos e que merecem a nossa concordância. Salientam-se, desde logo, as exigências de prevenção geral, na medida em que os crimes contra o património, sobretudo quando cometidos no interior de residências, são aqueles que mais contendem com a percepção de segurança da comunidade. Acresce que, a protecção da propriedade e o respeito pelos bens alheios encontra-se profundamente enraizada nas sociedades modernas ocidentais, impondo-se por isso reforçar o valor da norma violada, pacificando os receios da comunidade. Salientam-se, depois, as exigências de prevenção especial, na medida em que o arguido, apesar de ter apenas 28 anos de idade, averba já quatro condenações, por um total de 7 crimes, onde avultam os crimes contra o património, 3 furtos qualificados (em residências, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado), dois deles na forma tentada, 3 crimes de roubo e um crime de tráfico de estupefacientes. A carreira delitiva do arguido iniciou-se aos 18 anos, com a prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, observando hiatos temporais entre os diferentes ilícitos, mas que se encontram conexos com a privação da liberdade. Assim, o arguido cometeu os supramencionados crimes contra o património em 02.04.14, 25.09.14, e 09.07.15, quando tinha 18, 19 e 20 anos de idade. Extinta a pena em que foi condenado, em 05.02.20, o arguido cometeu, nem 4 meses volvidos, um crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual foi condenado em pena de prisão suspensa na execução no decurso da qual cometeu os factos objecto destes autos. O arguido encontra-se desintegrado pessoal e profissionalmente, mostrando uma preocupante propensão para a prática deste tipo de ilícitos que faz recear a sua reiteração. O juízo sobre as suas necessidades de reeducação é, por isso, muito reservado. Assim, no caso em apreciação, pelas apontadas razões, não se mostra ajustada, adequada e suficiente a aplicação de penas de multa ao arguido/recorrido. III) Determinada a moldura penal abstracta dos crimes e afastada a aplicação da pena de multa, cumpre fixar a medida concreta das penas de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos no art.º 71º do CP. Decorre do art.º 71º, nº 1, do CP que a determinação da pena concreta, dentro da moldura penal cominada nos respetivos preceitos legais, far-se-á “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” geral e especial do agente, determinando o nº 2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do agente, desde que não façam parte do tipo legal de crime, “considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”. Decorre, por fim, do nº 3 do citado preceito legal, que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”. O critério e as circunstâncias do art.º 71º do CP são contributo quer para a determinação da medida concreta proporcionalmente compatível com a prevenção geral (que depende da natureza e do grau de ilicitude do facto face ao maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), quer para identificar as exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), fornecendo ainda indicações exógenas objectivas para a apreciação e definição da culpa do agente. As exigências de prevenção geral são determinantes de primeira referência na fixação da medida da pena, face à necessidade de reafirmação da validade das normas, defendendo o ordenamento jurídico e assegurando segurança à comunidade, para que esta sinta confiança e protecção pela norma, apesar de violada. Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com as exigências de prevenção especial, quer no sentido de evitar a reincidência, quer na socialização do agente com vista a respeitar os valores comunitários fundamentais tutelados pelos bens jurídico-criminais. A culpa, não fornecendo a medida da pena (a culpa é apreciada em concreto e constitui o fundamento e o suporte axiológico-normativo da pena), indica o seu limite máximo, que em caso algum pode ser ultrapassado em nome das exigências preventivas. As condições pessoais, sociais e económicas do arguido/recorrido constam dos factos provados suplementares nºs 2 a 6, ressaltando, conforme é mencionado na decisão recorrida, que o arguido estava perfeitamente ciente do desvalor da sua conduta por já ter sido condenado em pena de prisão pela prática de crimes idênticos. Por outro lado, os factos foram praticados em pleno período de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado no processo n.º 271/20.6PALSB, indiferente ao risco de revogação da mesma, o que é demonstrativo de uma vontade particularmente resoluta e impenitente. A culpa é, por isso, elevada. Salienta-se, contudo, o diminuto valor do objecto subtraído pelo arguido/recorrido. No entanto, o arguido/recorrido apresenta relevantes antecedentes criminais e desinserção pessoal e profissional. Tudo ponderado, entende-se como proporcionadas as seguintes penas: - Crime de furto simples: a pena de 1 ano 4 meses de prisão; - Crime de violação de domicílio: a pena de 5 meses de prisão. IV) O arguido/recorrido é condenado pela prática de dois crimes, estando os mesmos numa clara situação de concurso (art.º 30º e 77º do CP). Importa, portanto, determinar a pena única a aplicar, fazendo-se o respectivo cúmulo jurídico das penas parcelares, tendo em conta a moldura penal abstracta do concurso e sendo determinada a pena concreta a aplicar ao arguido/recorrido, para o que deverão ser considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art.º 77º, nº 1, do C. Penal). A medida concreta da pena é, pois, decidida em função da imagem global dos crimes imputados e da personalidade do agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes. Perante um concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados, enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes, da verificação ou não da identidade dos bens jurídicos. O que interessa e releva considerar é a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime (cabendo, neste caso, atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta), ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). A opção legislativa por uma pena conjunta não pode, por certo, deixar de traduzir, também a este nível, a orientação base ditada pelo art.º 40º do CP, em matéria de fins das penas. Daí que essa orientação base, que como se sabe estabelece, como fins da pena, só propósitos de prevenção (geral e especial), e que atribui à culpa, uma função apenas garantística, de medida inultrapassável pela pena, essa orientação continuará a ser pano de fundo da escolha da pena conjunta. Sem que nenhum destes vectores se constitua em compartimento estanque, é certo que para o propósito geral-preventivo interessará antes do mais a imagem do ilícito global praticado, e para a prevenção especial contará decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou, pelo contrário, perante a expressão de um procedimento regular, para não dizer já, de um modo de vida. Interessará à prossecução do primeiro propósito a gravidade dos crimes, a frequência com que ocorrem na comunidade e o impacto que têm na sociedade, e à segunda finalidade a idade, o percurso de vida, o núcleo familiar envolvente, as condicionantes económicas e sociais que rodeiam o agente, tudo numa preocupação prospectiva, da reinserção social que se mostre possível. E nada disto significará qualquer dupla valoração, tendo em conta o caminho traçado para escolher as parcelares, porque tudo passa a ser ponderado, só na perspectiva do ilícito global, e só na perspectiva de uma personalidade que se revela, agora, pólo aglutinador de um conjunto de crimes, e não enquanto manifestada em cada um deles. A pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, este efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos já aludidos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas. Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa[s] pena[s] parcelar[es] deverá contar para a pena conjunta. Contrariamente, se as parcelares são poucas, cada um delas pesa muito no ilícito global. Vejamos o caso dos autos. Estão em causa duas penas parcelares, respeitantes aos crimes de furto simples e violação de domicílio. Os crimes foram praticados numa mesma altura temporal, com evidente ligação entre eles. O arguido/recorrido apresenta relevantes antecedentes criminais. A moldura penal abstracta do cúmulo vai de 1 ano e 4 meses de prisão (a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas aos crimes em concurso) a 1 ano e 9 meses de prisão (a soma material das penas parcelares concretamente aplicadas aos crimes em concurso). Assim, fixa-se a pena única em 1 anos e 6 meses de prisão. V) Tendo em consideração a pena única de prisão agora aplicada ao arguido/recorrido (1 ano e 6 meses de prisão), é tempo de analisar a questão da aplicação de penas de substituição. Como é sabido, a aplicação da generalidade das penas de substituição ocorre quando as mesmas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Na ponderação da aplicação das penas de substituição, dentro do quadro das finalidades da punição, o tribunal deve atender à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. No caso dos autos, a pena de prisão concretamente aplicada (1 ano e 6 meses) permite a ponderação da aplicação de algumas das penas de substituição previstas no Código Penal. A lei penal dá prevalência às penas de substituição não detentivas: substituição da prisão por multa (art.º 45º do CP), suspensão da execução da pena de prisão (art.º 50º) e substituição da prisão por trabalho a favor da comunidade (art.º 58º do CP). Segue-se a ponderação da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação (art.º 43º do CP), sendo esta uma pena de substituição detentiva. No caso dos autos, está excluída a aplicação da substituição por multa, em face da pena de prisão concretamente aplicada. Nos termos do disposto no art.º 50º do Código Penal, o tribunal tem o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. É sabido que só se deve optar pela suspensão da execução da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime. Esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se, pois, de uma convicção subjectiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso (cf. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 344). De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspectiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado. Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare a suspensão, no caso, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. A aposta que a opção pela suspensão sempre pressupõe, há-de fundar-se num conjunto de indicadores que a própria lei adianta: personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste. Dentro da margem de discricionariedade que a lei concede ao tribunal na aplicação ou não aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, devem ser ponderadas algumas circunstâncias que se assumem como muito relevantes. Uma das circunstâncias que o tribunal deve ponderar na aplicação ou não aplicação da suspensão da execução da pena de prisão diz respeito à existência de antecedentes criminais por crimes da mesma natureza. A existência de tais antecedentes, como sucede no caso dos autos, demonstra uma tendência do agente, com a agravante de o agente agir com indiferença à condenação de que foi alvo, o que desaconselha a aplicação da pena suspensa. De facto, o arguido/recorrido, para além do passado criminal em si mesmo considerado, tem a agravante de os factos objecto destes autos terem sido praticados no período da suspensão da condenação sofrida noutro processo (Processo n.º 271/20.6PALSB). Acresce, como é sublinhado na sentença recorrida, que o arguido/recorrido já tinha beneficiado de uma pena de prisão suspensa na sua execução, que veio a ser revogada por, no seu decurso, ter praticado outros ilícitos. Com efeito, no período de suspensão da execução da pena em que foi condenado no Processo 325/14.8PBAMD, o arguido/recorrido cometeu dois outros crimes de idêntica natureza pelos quais foi condenado no Processo 526/15.1PGAMD. O arguido/recorrido não é, por isso, minimamente permeável à ameaça de cumprimento de pena de prisão. Outra das circunstâncias que o tribunal deve ponderar na aplicação ou não aplicação da suspensão da execução da pena de prisão diz respeito à personalidade do agente e às condições da sua vida. Como já foi referido, o arguido/recorrido encontra-se desintegrado pessoal e profissionalmente, mostrando uma preocupante propensão para a prática de ilícitos como os que estão em causa nos presentes autos que faz recear a sua reiteração. O juízo sobre as suas necessidades de reeducação é, por isso, muito reservado. Rejeita-se, assim, a formulação de qualquer juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do arguido/recorrido, recusando-se a suspensão da execução da pena única de prisão que lhe foi aplicada no presente acórdão. No que respeita à substituição da pena única de prisão aplicada ao arguido/recorrido por prestação de trabalho a favor da comunidade, pelas razões atrás expostas (salientando-se ainda o facto do arguido já ter cumprido penas de prisão efectiva não obstante a sua idade e sendo certo que a idade do arguido/recorrido, por si só, não é critério para a aplicação da pena de substituição em análise), mostra-se evidente que a aplicação desta pena de substituição não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. art.º 58º, nº 1, do Código Penal). Vejamos, por fim, a possibilidade de aplicação da pena de substituição (detentiva) constituída pelo cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica. Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, é executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meio técnicos de controlo à distância, a pena de prisão efetiva não superior a dois anos (art.º 43.º, n.º 1, al. a), do Código Penal). O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas (art.º 43.º, n.º 2, do Código Penal). O alargamento do campo de aplicação da pena de substituição em análise, através das alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017, de 23-08, traduz o entendimento generalizado de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efectiva do condenado. O critério legal de aplicação do regime de permanência na habitação em alternativa à execução em meio prisional é reportado, primordialmente, às finalidades específicas da execução da pena de prisão tal como estabelecidas no art.º 42º do Código Penal, que define claramente como orientação particular da execução da pena de prisão, a “reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”. Quer dizer, relevam aqui necessidades de prevenção especial positiva, assumidas tradicionalmente como critério orientador da execução da pena de prisão, independentemente de a decisão prévia de não substituir a prisão ter ficado a dever-se a razões de prevenção geral ou especial (negativa ou de intimidação), e só residualmente deixará de aplicar-se o regime de permanência na habitação por exigências de prevenção geral (ainda que o art.º 42º não afaste totalmente a relevância das necessidades de prevenção geral ao referir-se à defesa da sociedade). Aceitando-se (como se afirma no Ac. RP, de 09/10/2019; relator: Liliana de Paris Dias; in www.dgsi.pt) que estão em causa dois modos diferentes de execução da pena de prisão efectiva – duma pena privativa da liberdade –, na cadeia ou em casa (realidade bem diversa das restantes penas de substituição, não detentivas), há que relevar a finalidade de evitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação total da liberdade e/ou do ingresso em meio prisional (quando associados a penas curtas de prisão). Ora, o arguido/recorrido já cumpriu penas em meio prisional, pelo que aquele vector de tentar evitar o efeito criminógeno decorrente do ingresso em meio prisional não surge com a acuidade que existiria caso se tratasse de uma primeira situação de cumprimento de pena de prisão em meio prisional. Como é referido na sentença recorrida, o arguido/recorrido tem vindo de condenação em condenação, a frustrar as expectativas em si depositadas de reintegração e adopção de futuro de um comportamento de acordo com o dever ser jurídico. Em suma, as necessidades de punição impostas pelo caso dos autos implicam que o arguido/recorrido cumpra a pena única de prisão (1 ano e 6 meses) em regime prisional. * 4. A Lei nº 38-A/2023, de 02-08 (Lei da amnistia e perdão). Importa agora abordar uma questão que já foi objecto de análise na sentença recorrida. A Lei nº 38-A/2023, de 02-08, estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (art.º 1º). Esta Lei entrou em vigor em 01/09/2023. Em sede de apreciação do recurso, já se concluiu ser de alterar a condenação do arguido/recorrido, nos termos atrás decididos. Segue-se a ponderação da aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 02-08 (tanto mais que o arguido/recorrido tinha 26 anos de idade à data da prática dos factos e os crimes de furto simples e de violação de domicílio não se mostram excluídos do perdão). Ora, apesar de a aplicação das leis de amnistia e perdão (no caso concreto, a Lei nº 38-A/2023, de 02-08) ser da competência do tribunal de 1.ª Instância (cfr. art.º 14º da referida Lei, que constitui lex specialis face ao preceituado no art.º 474º, nº 2, do CPP), casos há em que a sua aplicação pode (deve) ser feita pela Relação, ou melhor, pode (deve) ser mantida pela Relação. O caso dos autos é um desses casos, uma vez que o tribunal de 1ª instância aplicou o perdão e nenhum dos sujeitos processuais questionou, em recurso, tal aplicação, não havendo assim supressão de um grau de jurisdição no que tange à decisão sobre esta matéria se o Tribunal da Relação se limitar a manter a aplicação do perdão, como é o caso, ainda que tenha ocorrido, em recurso, a alteração do enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido e da sanção aplicada. Em suma, este Tribunal mantém a aplicação do perdão de um ano à pena de 1 ano e 6 meses de prisão em que o arguido vai agora condenado, com consequente extinção parcial de tal pena e sem prejuízo da condição resolutiva prevista no art.º 8º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023, de 02-08). III. DECISÃO Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 9ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa, na apreciação do recurso interposto pelo Ministério Público, em: a) Julgar procedente o recurso quanto à impugnação (ampla) da matéria de facto, nos termos decididos no ponto 3.1.1. do presente acórdão (com alteração dos factos provados nºs 5, 6 e 7 e fixação dos factos não provados nºs 1 e 2); b) Julgar procedente o recurso quanto à qualificação jurídica dos factos e, em consequência: b.1) Revogam a sentença recorrida no que respeita à condenação do arguido/recorrido AA pela prática, em co-autoria, de um crime de furto simples na forma tentada; b.2) Em substituição do tribunal recorrido: (i) Condenam o arguido AA, pela prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de furto simples, [desqualificado pelo valor] (p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, alínea f), e n.º 4, por referência ao 202º, alínea e), todos do Código Penal), na pena de 1 ano 4 meses de prisão; (ii) Condenam o arguido AA, pela prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de violação de domicílio (p. e p. pelo artigo 190º, n.º 1, do Código Penal), na pena de 5 meses de prisão; (iii) Operado o cúmulo jurídico das penas referidas em a) e b), condenam o arguido AA na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão (efectiva); c) Mantêm o perdão de um ano da pena de 1 ano e 6 meses de prisão em que o arguido AA vai condenado (artigos 2º, nº 1, e 3º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023, de 02-08), declarando-a parcialmente extinta (artigos 127º, nº 1 e 128º, nº 3, do Código Penal), consignando-se que o perdão é concedido sob condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa até 01/09/2024 (art.º 8º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023, de 02-08). Custas pelo arguido/recorrido, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça (art.º 513º, nºs 1 e 3, do CPP e art.º 8º, nº 9, do RCP, por referência à Tabela III anexa), sem prejuízo do apoio judiciário a que haja lugar. Notifique. Certifica-se que foi dado cumprimento ao disposto no art.º 94º, nº 2, do CPP. Lisboa, 12 de Setembro de 2024 Nuno Matos Paula Cristina Bizarro Jorge Rosas de Castro |