Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1428/21.8T8LSB.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: CESSAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
SENTENÇA ESTRANGEIRA
REVISÃO E CONFIRMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONFIRMAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I – As sentenças proferidas em tribunais estrangeiros sobre direitos privados podem, no nosso sistema jurídico, gozar de plena aplicabilidade e produzirem os efeitos jurídicos previstos na legislação do país de proveniência ;
II - para que tal ocorra, a decisão proferida deve obedecer a determinadas condições ou requisitos, a verificar pelo tribunal português competente, no âmbito de uma específica acção, denominada de revisão de sentença estrangeira, prevista como processo especial nos artigos 978º a 985º, do Cód. de Processo Civil ;
III – efectiva-se, através de tal mecanismo processual, a revisão ou controlo prévio da decisão proveniente de tribunal estrangeiro, sendo claro que, sem a efectivação de tais actos de revisão e confirmação, aquela decisão não é operável, através dos seus próprios efeitos jurisdicionais, na ordem jurídica interna ;
IV - até à prolação da decisão de revisão e confirmação, a decisão proferida pelo tribunal estrangeiro configura-se apenas como um acto jurídico, com eficácia pendente, até que se mostre preenchida a condição requerida, ou seja, aquela decisão de revisão e confirmação proferida por tribunal português, no âmbito do enunciado processo especial ;
V – a mesma decisão de revisão e confirmação, aquando da sindicância do preenchimento dos requisitos das alíneas a) a f), do artº. 980º, do Cód. de Processo Civil, não aprecia acerca do mérito do decidido pelo tribunal estrangeiro, antes operando apenas uma revisão formal, no âmbito da regularidade extrínseca da sentença, sem que seja efectuada qualquer apreciação relativa ao fundo ou mérito da causa ;
VI - a necessidade de tal regime de revisão é ressalvada no que se reporta ao estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, casos em que tal mecanismo é dispensado, operando-se um automático reconhecimento ;
VII – concluindo-se pela inexistência de qualquer sentença de reconhecimento (ou, alegadamente homologatória) proferida por tribunal francês, tendo por objecto a sentença de divórcio consensual proferida pelo tribunal brasileiro, e antes resultando ter apenas ocorrido transcrição/averbamento da decisão de divórcio nos assentos de nascimento/casamento dos ex-cônjuges, nos termos do artº. 23º do Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa (que dispensa, mutuamente, a legalização, ou qualquer formalidade análoga, dos actos públicos), não pode concluir-se pela existência de uma decisão proferida num Estado-membro (in casu, a França), cujo reconhecimento se imponha aos demais Estados-membros, sem quaisquer formalidades, nomeadamente no quadro dos regulamentos da União Europeia ;
VIII - não sendo o Brasil membro da União Europeia, o convencionado em tais Regulamentos não é aplicável ao teor da sentença de divórcio ali proferida que, para produzir efeitos em Portugal, sempre teria que ser objecto de prévia revisão e confirmação por parte dos tribunais portugueses.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO
1J……………., de nacionalidade francesa, residente em Avenue ………………., França, intentou acção declarativa, sob a forma de processo especial, tendente à Cessação da Pensão de Alimentos, contra P………………, de nacionalidade francesa, residente na Rua ………….., em Lisboa, deduzindo o seguinte petitório:
i) Ser marcada a conferência de partes no prazo de 10 dias, ao abrigo do disposto no art.º 936º do C.P.C. e, na falta de acordo, seguindo-se à contestação os termos do processo comum declarativo.
ii) Subsequentemente, deverá ser extinta a obrigação por parte do Requerente, do pagamento de alimentos mensais à Requerida.
iii) E bem assim, extinta qualquer obrigação do pagamento por parte do Requerente, de quaisquer outras despesas da Requerida ou do seu agregado, para além dos alimentos que forem devidos aos menores”.
Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:
- No dia 29 de Agosto de 2005, Requerente e Requerida contraíram matrimónio em Paris, França, tendo nascido, de tal vínculo conjugal, 5 filhos: Ad……, Au…….., Au………., Na……. e Al……….., todos menores de idade ;
- No dia 12 de Setembro de 2016, divorciaram-se por mútuo consentimento, tendo sido o respectivo acordo homologado pelo Tribunal de Justiça do Estado de S. Paulo, Brasil, país de residência de ambos à data (conforme acordo e respectiva sentença de homologação transitada em Julgado, junto como Doc. 1) e em 13 de Novembro de 2017, homologado pelo Tribunal de grande instance de Paris AC 1 (Conforme Doc. 2 que se junta) ;
- Simultaneamente, acordaram atribuir o exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores de ambos à ora Ré ;
- Ficando o Autor obrigado no pagamento de uma pensão mensal de alimentos aos menores no valor de 4.750Euros e uma pensão de alimentos à Requerida no valor de 500 euros, conforme ponto 5.1. do acordo junto como Doc. 1 ;
- Tendo o Requerente ficado ainda vinculado no pagamento da renda da casa de morada de família dos menores e da Requerida, no valor de 2.000 euros mensais (pág. 19, ponto 5.5. do acordo), dos passes de transporte no valor de 25 euros mensais por menor (pág. 20 do acordo, pese que não seja devido qualquer montante mensal pelos passes e nunca tenham sido emitidos passes para os menores), dos colégios, actividades extra curriculares (ver ponto 5.3 última parte) e seguros de saúde (ponto 5.4), valores que ultrapassam os 10.000 euros mensais ;
- Tal acordo tinha por base as condições do Requerente na data da sua celebração e em concreto, os seus rendimentos mensais em resultado das funções prestadas como administrador da empresa ..., no Brasil, bem como a sua pretensão em minimizar as consequências da separação para os menores, com a manutenção do mesmo nível de vida durante um período razoável e até nova integração laboral da Ré ;
- Tendo cumprido escrupulosamente o acordado durante 32 anos, o Autor despendeu anualmente a quantia de 130.957,00 euros ;
- Em 18 de Fevereiro de 2019, o contrato de prestação de serviços do Requerente foi denunciado pela sua entidade patronal com efeitos imediatos, cessando por conseguinte funções nessa mesma data, de forma definitiva (conforme Doc. 6 que se junta) ;
- Logo transmitiu à Requerida a alteração da sua situação laboral e a nova realidade financeira em que se encontrava, propondo uma alternativa e uma redução pouco significativa dos valores contemplados no acordo e ainda assim muito confortável para a Requerida ;
- Propondo-lhe pagar, nesse mesmo ano, o valor global de 85.277,00 euros, na expectativa de que, após regressar ao seu país de origem, conseguisse rapidamente reintegrar-se profissionalmente, permitindo-lhe fazer face a tais custos ;
- O que a Requerida Ré recusou ;
- Ao regressar ao seu país natal, o Requerente passou a receber apenas um subsídio de desemprego no valor de 556,80 euros mensais ;
- Apesar de não ter outros rendimentos e, pese a sua situação financeira, o Requerente continuou a tentar cumprir por todos os meios o acordo, com o enorme esforço que isso representava ;
- A Requerida nunca alterou a sua posição inflexível, mostrando total indiferença com a nova realidade do Requerente e a sua falta de rendimentos, em resultado da sua situação de desemprego ;
- Nunca tendo demonstrado a mínima intenção em abdicar da sua pensão de alimentos, ainda que incoerente e desfasada da nova realidade do Requerente ;
- Possui a Requerida vários rendimentos próprios e recebeu avultadas quantias na decorrência do divórcio, tendo o ora Autor ficado responsável pelo pagamento de todas as dívidas contraídas pelo casal, quer no Brasil quer em França ;
- A obrigação de alimentos tem um carácter excepcional e temporário, na medida em que a mesma tem como finalidade auxiliar o ex-cônjuge carecido de alimentos na satisfação das suas necessidades básicas, dando-lhe um mínimo de condições que lhe permita, nos primeiros tempos após o divórcio, reorganizar a sua vida, sendo esta obrigação devida pelo período de tempo necessário para o alimentando se adaptar à sua nova vida apoiando-se, assim, a transição para a sua independência económica ;
- Pelo que a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges não perdurará para sempre, na medida em que o beneficiário dos alimentos tem obrigação de providenciar ao seu sustento, esforçando-se para tal.
Juntou prova documental, tendo a acção sido proposta em 18/01/2021.
2 – Devidamente citada, em cumprimento do despacho de fls. 136 para, querendo, contestar, no prazo de 10 dias, a Requerida não apresentou contestação, mas constituiu Mandatária Judicial.
3 – Em 08/10/2021, foi proferido o seguinte DESPACHO:
J………… instaurou a presente ação declarativa especial para cessação de pensão alimentícia contra P…………… pedindo que se declare cessada a obrigação alimentícia constituída em sede de divórcio.
Citada, a ré não contestou.
Porém, compulsados melhor os autos, verifica-se que o autor não alegou nem juntou aos autos documento autêntico donde resulte que a sentença brasileira que decretou o divórcio e homologou os acordos tenha sido objeto de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses.
Ora, nos termos do disposto no artigo 978º do Código de Processo Civil: “1 - Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.
2 - Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa.”.
 A revisão da decisão estrangeira, por força do disposto no artigo 979º do mesmo diploma, deve correr termos no “tribunal da Relação da área em que esteja domiciliada a pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, observando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 80.º a 82.º.”.
 Pelo exposto, informe o autor, em 10 dias, se correu termos processo judicial destinado a rever e a confirmar a sentença brasileira, juntando certidão do acórdão com menção do trânsito em julgado”.
4 – Em resposta, o Requerente/Autor apresentou, em 21/10/2021, o requerimento junto a fls. 141 e 142, o qual concluiu nos seguintes termos:
“Por todo o atrás exposto e salvo melhor opinião, considera o Autor inexistirem razões ou fundamentos, de facto e de direito, para que o seu acordo de divórcio seja revisto em Portugal, senão veja-se que inclusive, encontra-se a correr termos sob o processo n.º 22671/19.4T8LSB do Juiz 1 do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, acção de alteração dos alimentos devidos ao filhos menores, estando designada para o próximo dia 11.01.2022, a audiência de julgamento com a audição das testemunhas arroladas pelas partes, devendo por conseguinte o presente processo continuar seus termos até a final”.
5 – Em 08/12/2021, o Tribunal a quo proferiu o seguinte DESPACHO:
“O Regulamento n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, prevê, no artigo 21º, n.º 1, que as decisões proferidas num Estado Membro são reconhecidas pelos demais Estados Membros sem formalidades.
Porém, vincula e tem aplicação direta e imediata aos/nos Estados Membros da União Europeia. O seu âmbito espacial de aplicação circunscreve-se, com exceção da Dinamarca, às decisões proferidas por tribunais de Estados-Membros, quais sejam: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Roménia e a Suécia (cfr. 31º considerando e artigos 2º, n.º 3, e 21º, n.º 1, do Regulamento).
Ora, nos presentes autos, o autor peticiona a cessação de pensão alimentícia estabelecida em favor da ex cônjuge mulher por meio de acordo homologado por sentença proferida por tribunal brasileiro em sede de divórcio judicial consensual (cfr. ponto 5.2 do acordo, fls. 14V, e sentença homologatória, fls. 24V, proferida pelo tribunal de justiça do estado de S. Paulo, 9ª vara da família e sucessões), tudo indicando, por conseguinte, que foi esta sentença que investiu o autor na obrigação de pagar alimentos à ré.
O Brasil não integra a União Europeia, e por isso, o Regulamento n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro, não se aplica às decisões proferidas pelos tribunais brasileiros.
Invoca o autor, no requerimento que antecede e em concordância com o alegado no artigo 3º da petição inicial, que o acordo também foi homologado pelo tribunal de grande instância de Paris, referenciando um documento n.º 2 já junto.
O alegado documento 2 não se mostra numerado, o mesmo sucedendo com a tradução para a língua portuguesa, pelo que temos dificuldades em identificá-lo com rigor. Tudo indica, contudo, que o autor se reporta aos documentos de fls. 26V-31V.
Porém, no conjunto de tais documentos, não se encontra a alegada sentença homologatória proferida pelo tribunal parisiense, nem se vislumbra, com o devido respeito, o que é o tribunal francês possa ter homologado posto que o tribunal que terá homologado os acordos de que dependeu a declaração de dissolução do casamento por meio do divórcio terá sido, ante a documentação junta, o tribunal brasileiro.
Pelo exposto, e a fim de melhor se esclarecer o que antecede, convido o autor a juntar aos autos, em 10 dias, certidão da sentença que invoca ter sido proferida pelo tribunal de Paris, acompanhada de fiel tradução para a língua portuguesa”.
6 – O Requerente/Autor respondeu em 03/01/2022, referenciando, em súmula, que:
- O Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa celebraram, em 28/05/1996, em Paris, um Acordo de Cooperação em Matéria Civil ;
- No âmbito de tal Acordo foi promulgado o Decreto nº. 3598, de 12/09/2000 ;
- Estabelecendo o capítulo V de tal decreto que as decisões proferidas pelos tribunais de um dos dois Estados “são reconhecidas e executórias no território do outro Estado, sem necessidade de qualquer exame de mérito da decisão” ;
- O acordo de divórcio entre Autor e Ré foi homologado em tais termos, pelo Tribunal de Grande Instance de Paris, conforme documento que ora se junta e já junto com a p.i.
Juntou um documento.
7 – Em 27/01/2022, foi proferida a seguinte DECISÂO:
“Nos termos do disposto no artigo 978º do Código de Processo Civil: “1 - Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.
2 - Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa.”.
A revisão da decisão estrangeira, por força do disposto no artigo 979º do mesmo diploma, deve correr termos no “tribunal da Relação da área em que esteja domiciliada a pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, observando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 80.º a 82.º.”.
No caso em apreço, o autor peticiona a cessação da pensão de alimentos estabelecida em favor da ex cônjuge mulher através da sentença homologatória proferida por tribunal brasileiro no âmbito do divórcio judicial (cfr. ponto 5.2 do acordo, fls. 14V, e sentença homologatória, fls. 24V, proferida pelo tribunal de justiça do estado de S. Paulo, 9ª vara da família e sucessões).
Terá sido, assim, a sentença proferida pelo tribunal brasileiro que investiu o autor na obrigação de pagar alimentos à ré. Ao Estado francês terá cabido, apenas, a transcrição/averbamento da decisão de divórcio aos respetivos assentos de casamento/nascimento dos ex cônjuges dada a sua nacionalidade e a circunstância de naquele Estado terem casado, Paris.
Ora, como referido no despacho datado de 08/12/2021, o Brasil não integra a União Europeia, pelo que às decisões proferidas pelos tribunais brasileiros não pode aplicar-se o Regulamento n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro.
As decisões judiciais brasileiras, para valerem na ordem jurídica nacional, terão que ser previamente revistas e confirmadas pelos tribunais portugueses. Enquanto não forem revistas nem confirmadas, as decisões carecem de valor jurídico, o que se verifica in casu porquanto a decisão junta aos autos não serve apenas como meio de prova, mas antes como o documento que titula a obrigação de pagar alimentos que o autor ora pretende ver cessada.
Trata-se de um documento autêntico, necessário a demonstrar facto essencial, sem o qual fica por demonstrar a válida constituição da obrigação e, consequentemente, os termos da sua revisão e/ou cessação, estando a ação votada ao fracasso.
Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerandos, cremos que soçobra exceção dilatória inominada atípica, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da ré da instância declarativa, o que ora se decide.
Custas pelo autor.
Fica-se à causa o valor de € 30.000,01.
DN: registo, notificação e baixa”.
8 – Inconformado com o decidido, o Requerente Autor interpôs recurso de apelação, em 03/03/2022, por referência à sentença prolatada.
Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (rectificam-se os lapsos de redacção):
1. A presente acção tem por objecto a extinção da obrigação alimentícia do A. à sua ex cônjuge.
2. Para tanto, fez o A. junção com a P.I, da sentença de divórcio de regulação das Responsabilidades parentais e de alimentos, proferida pelo Tribunal de São Paulo, bem como da respectiva homologação, pelo Tribunal de Grande Instance de Paris, com trânsito em julgado em 13 de Novembro de 2017.
3. Com o trânsito em julgado, a referida sentença, não só passou a ter plena eficácia no país da nacionalidade das partes – França, como integrou o Espaço Europeu adquirindo força executória.
4. Posteriormente, veio a Ré fixar a residência do agregado em Portugal, determinando por conseguinte a competência dos Tribunais portugueses, para dirimir quais conflitos resultantes com a sentença de divórcio, bem como com a alteração de alimentos ou de regulação das responsabilidades parentais, nos termos do previsto no art.º 3º nº 1 al. a), do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro.
5. Razão pela qual, veio o A. intentar a presente acção, junto do Tribunal de Família e Menores de Lisboa.
6. Porém, a Douta sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, entendeu que: «nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada».
7. E desta forma considerando «constituir exceção dilatória inominada atípica, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da ré da instância declarativa, o que ora se decide».
8. Fazendo ainda constar a MMª Juiz do Tribunal a Quo, no Douto Despacho com a referência citius 409772838 que, «A revisão da decisão estrangeira, por força do disposto no artigo 979º do mesmo diploma, deve correr termos no “tribunal da Relação da área em que esteja domiciliada a pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, observando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 80.º a 82.º».
9. Discorda porém o Recorrente desta Douta decisão, em primeiro lugar por considerar que, homologada a sentença de divórcio por parte de um Tribunal Europeu e, passando necessariamente a produzir efeitos e a deter plena eficácia no país de nacionalidade das partes, passou igualmente a produzir efeitos no espaço Europeu, ao abrigo do previsto no Regulamento (CE) n.º 2116/2004 do Conselho, de 2 de Dezembro de 2004.
10. A homologação da sentença passou a ser equiparada a uma decisão proferida pelo Tribunal de Grande Instance de Paris.
11. Conforme dispõe o art.º 21º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo “à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental” e o Regulamento (CE) n.º 2116/2004 do Conselho, de 2 de Dezembro de 2004, que alterou o primeiro, «as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem quaisquer formalidades.
12. Neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no processo 211/14.1YRCBR, em que foi relator Jaime Carlos Ferreira, decidiu o seguinte: «I – O Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revogou o Regulamento (CE) nº 1347/2000, aquele vigente em Portugal desde 01/03/2005, dispõe que: “as decisões proferidas num Estado Membro são reconhecidas nos outros Estados Membros, sem quaisquer formalidades” – artº 21º/1.»
13. Este princípio “tem por base o princípio da confiança mútua e os fundamentos do não-reconhecimento serão reduzidos ao mínimo indispensável” como igualmente foi defendido pelo Tribunal da Relação do Porto, no Ac. que decidiu no processo 0825474, onde foi Relator Guerra Banha.
14. Consta ainda no texto do primeiro acórdão referido: que «O processo de revisão de sentença estrangeira, regulado nos arts. 1094.° a 1102.° do Código de Processo Civil, não é o adequado para o reconhecimento e execução em Portugal de sentença de divórcio proferida por tribunal da Alemanha, ou de outro Estado-Membro da União Europeia.»
15. Aliás, tal como constante no Despacho com a referência citius 408475172, quer o pedido do Autor, quer esse mesmo acordo de divórcio, não foram objecto de contestação.
16. Por outro lado, sempre se dirá que, o pedido do Requerente não se prende com a produção de efeitos jurídicos da sentença em Portugal, já que essa produção de efeitos foi acolhida pelo Tribunal de Grande Instance de Paris, servindo ao invés, como meio de prova ao seu pedido para fazer cessar a obrigação de prestar alimentos a sua ex cônjuge, atendendo à Lei portuguesa e à competência territorial.
17. I.e., a pretensão do Recorrente prende-se com a extinção da alimentícia à ex cônjuge, considerando entre outros o período superior a cinco anos desde o seu divórcio, perfeitamente suficiente para providenciar e assegurar o seu sustento.
18. Não podendo o Recorrente estar obrigado ab infinitum, a prestar alimentos a sua ex cônjuge, quando na realidade nem sequer deles carece.
19. Em qualquer caso, na mera hipótese de que a pretensão do Recorrente passasse pelo pedido – facultativo – de executoriedade da sentença (caso não tivesse sido objecto de homologação), o recurso ao reconhecimento da sentença por Tribunal português, far-se-ia de acordo com os procedimentos previstos na secção 2 do capítulo III (arts. 28.º a 36.º), sendo como tal competente o Tribunal de comarca ou o Tribunal de Família e Menores, tal como dispõe o n.º 3 do mesmo artigo 21.º que se passa a citar:
20. «Sem prejuízo do disposto na secção 4 do presente capítulo, qualquer parte interessada pode requerer, nos termos dos procedimentos previstos na secção 2 do presente capítulo, o reconhecimento ou o não-reconhecimento da decisão. A competência territorial dos tribunais indicados na lista comunicada por cada Estado-Membro à Comissão nos termos do artigo 68.º é determinada pela lei do Estado-Membro em que é apresentado o pedido de reconhecimento ou de não-reconhecimento».
21. Neste sentido, o citado Acórdão fez constar, «IV - Pelo que se nos afigura que presentemente cabe aos Tribunais de Comarca e aos Tribunais de Família e Menores apreciar os pedidos (facultativos) de reconhecimento ou de não-reconhecimento de sentença estrangeira proferida em matéria de divórcio.»
22. É como tal entendimento da jurisprudência dominante (Ver acórdão supra citado e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo 211/14.1YRCBR, onde foi Relator Jaime Carlos Ferreira) que o Tribunal da Relação seria incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do pedido de reconhecimento da sentença de divórcio (art. 101.º do Código de Processo Civil).
23. Neste mesmo sentido, veja-se o decidido no Tribunal da Relação de Lisboa (Decisão de 15/1/2008, proc. 8350/2007-6, in dgsi.pt), onde é considerado «Portugal um dos Estados em que as sentenças estrangeiras são admitidas a desenvolver os efeitos que lhes pertencem segundo a lei do país de origem, sendo, para tanto, necessário que o preenchimento de determinadas condições pela sentença seja verificado pelo competente tribunal português, em ação intentada para esse fim, a que corresponde o processo especial de revisão de sentenças estrangeiras, sendo o sistema o da revisão formal, embora com certos desvios a favor da revisão de mérito».
24. Uma destas condições, refere-se ao privilégio da nacionalidade, cuja finalidade é defender os interesses dos portugueses contra decisão proferida no estrangeiro, menos favorável do que aquela a que conduziria a aplicação do direito material português.
25. O que porém, não é o caso em concreto, já que as partes são de nacionalidade Francesa, tendo a referida sentença sido homologada no seu país de origem.
26. Assim, consagrando o privilégio da nacionalidade, o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão que decidiu no processo 265/20.1YRPRT, onde foi Relatora Eugénia Cunha, entendeu como um fundamento autónomo de dedução de impugnação, que implica um controlo de mérito, cabendo ao tribunal apreciar os factos dados como provados na sentença revidenda e o direito aplicável, sem que isso, possa significar proceder a um novo julgamento, a verificação dos seguintes requisitos cumulativos:
i) ter a sentença revidenda sido proferida contra pessoa de nacionalidade portuguesa;
ii) ser o direito material português competente perante o direito de conflitos português;
iii) ser o resultado da ação mais favorável à pessoa de nacionalidade portuguesa se o tribunal tivesse aplicado o direito material português».
27. Requisitos que, novamente, não tem aplicação no caso em concreto.
28. Para concluir, veja-se o sumário do Ac. de 20/11/2008 no processo N.º 232/08.3YRCBR, em que foi Relator: DR. JACINTO MECA: Legislação Nacional: ARTS. 1094º E 1095º DO CPC, Legislação Comunitária: ART.º 21º, Nº 1, DO REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003 DO CONSELHO, DE 27/11/2003 Sumário:
28.1 A nossa ordem jurídica confere aos Tribunais da Relação a necessária competência para revisão de sentenças estrangeiras, a qual se adjectiva através de um processo especial previsto nos artºs 1094º e segs. do CPC.
28.2 O artº 1094º do CPC excepciona da necessidade de revisão todas as situações que estejam estabelecidas em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais (…).
28.3 O Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003, entrou em vigor no dia 1/08/2004 e, com excepção das matérias vertidas nos artºs 67º, 68º, 69º e 70º, é vinculativo em todos os seus elementos e directamente aplicável nos Estados –Membros, em conformidade com o tratado que institui a Comunidade Europeia, a partir de 1/03/2005.
28.4 O reconhecimento e execução de uma decisão proferida por um Estado Membro tem por base o princípio da confiança, aplicando-se o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho às decisões de divórcio, de separação e anulação do casamento, excluindo as questões relativas às causas de divórcio e aos efeitos patrimoniais do divórcio, proferidas em datas posteriores à sua entrada em vigor – artº 72º.
28.5 A questão que objecta a que o Tribunal da Relação conheça do pedido de revisão de sentença estrangeira de divórcio proferido em Estado-Membro da Comunidade enquadra-se no pressuposto processual de falta de interesse em agir, falta de interesse que se manifesta através da existência de norma regulamentar comunitária – artº 21º, nº 1 – que vincula o Estado-Membro a reconhecer uma decisão proferida por outro Estado-Membro sem qualquer formalidade, bastando que o pedido seja dirigido ao Tribunal de Comarca/Família e Menores.
29. Considera pois o Recorrente inexistirem razões ou fundamentos, de facto e de direito, para que a sentença de divórcio seja objecto de revisão em Portugal, antes de mais por ter sido homologada por outro Tribunal Europeu.
30. Por fim, salvo melhor opinião, entende o Recorrente estar fora da competência dos Tribunais Portugueses, qualquer decisão sobre os termos desta homologação, tanto mais considerando o acordo de cooperação mútua em Matéria Civil, celebrado em Paris em 28 de maio de 1996, entre o Estado Francês e o Estado Brasileiro, no âmbito do qual, foi promulgado o Decreto nº 3598, de 12 de Setembro de 2000, de reconhecimento das sentenças proferidas pelos seus Tribunais, e da integração no respectivo ordenamento jurídico do outro Estado, com plena eficácia.
31. Tal e como vem consagrado, no Capítulo V do referido Dec. Lei, sendo as decisões proferidas pelos tribunais de um destes dois Estados, reconhecidas e executórias no território do outro Estado, sem necessidade de qualquer exame de mérito da decisão”.
Conclui, no sentido da procedência do recurso, devendo ser “revogada a douta decisão de 1ª instância, que decidiu não considerar a homologação da sentença de divórcio e respectivos termos, pelo Tribunal de Grande Instance de Paris e que subsequentemente, decidiu absolver a Ré da instância sob o entendimento de constituir exceção dilatória inominada atípica, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa.
Devendo por sua vez proceder o pedido do A. de extinção da obrigação alimentícia, seguindo-se os ulteriores termos do processo até à final”.
9 – A Apelada/Recorrida não apresentou contra-alegações.
10 – O recurso foi admitido por despacho datado de 10/05/2022, como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
11 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do Recorrente/Apelante Autor que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina fundamentalmente:
- aferir se a sentença de divórcio, no âmbito da qual foi homologado o acordo que fixou alimentos mensais a favor da ora Requerida/Ré Recorrida (bem como outras despesas desta ou do seu agregado), e cuja cessação é ora peticionada, foi objecto de posterior homologação por parte de Tribunal Francês, assim passando obrigatoriamente a produzir efeitos no restante espaço europeu, por força do disposto no Regulamento (CE) nº. 2201/2003, do Conselho, de 27/11/2003 ;
- ou se, tenha ou não sido objecto de tal homologação por um tribunal europeu, impõe-se a sua prévia revisão e confirmação, nos termos do processo especial previsto nos artigos 978º e segs., do Cód. de Processo Civil, de forma a possuir eficácia em Portugal.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade a considerar é a que resulta exarada no relatório supra, à qual, nos termos dos nºs. 3 e 4, do artº. 607º, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, ambos do Cód. de Processo Civil, e com base na prova documental junta, se aditam os seguintes FACTOS PROVADOS:
1. por sentença datada de 12/09/2016, proferida pela 9ª Vara da Família e Sucessões, Foro Central Cível, Comarca de São Paulo, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no âmbito do Processo de Divórcio Consensual nº. 1095491-52.2016.8.26.0100, em que figuraram como Requerentes J…………. e P……………., foi homologado “o acordo de fls. 01/34” e, consequentemente, “decretado o divórcio” dos Requerentes, “pondo termo ao casamento para todos os fins e efeitos legais”, com consequente extinção do processo – cf., doc. de fls. 24 vº ;
2. tal sentença transitou em julgado em 12/09/2016 – cf., doc. de fls. 25 vº ;
3. Consta do acordo referenciado em 1. acerca da guarda e residência dos filhos menores, direito de visitas, da pensão alimentícia para os filhos menores, do pagamento das despesas escolares e plano de saúde destes e do pagamento mensal de um denominado “auxílio de moradia”, correspondente ao “garantir a moradia dos filhos do casal até os 24 (vinte e quatro) anos do filho menor”  ;
4. bem como acerca da partilha dos bens do casal ;
5. prevendo, ainda, o mesmo acordo o pagamento por parte de J………….. à ex-cônjuge P………….. da pensão alimentícia mensal correspondente ao valor de 500,00 € (quinhentos euros), bem como de um plano de saúde – cf., doc. de fls. 7 a 23 ;
6. No dia 12 de Novembro de 2017, o Procurador-geral da República do Tribunal de Grande Instância de Paris, enviou a J…………., comunicação escrita, “referência 17/09306/CC Registo Civil”, com o seguinte teor:
Exmo. Sr.,
Tenho a honra de informar que a rectificação do estado civil por Vª Excia. solicitada, foi deferida.
É de sua responsabilidade solicitar novos documentos corrigidos nos respectivos serviços.
Enviam-se em anexo os documentos para restituição.
Com os Melhores Cumprimentos,
Subscreve,
PELO PROCURADOR DA REPÚBLICA” – cf., documento original de fls. 26 vº., traduzido a fls. 31 ; 
7. Consta dos autos “Acto de casamento – Cópia Integral”, referente ao “Assento de casamento nº 83”, emitido pela Câmara Municipal de Paris, que em 29 de Agosto de 2005, compareceram publicamente na Administração Municipal J………. e P…………… e, questionados, “declararam que, em 11 de Julho de 2005 contraíram casamento na presença Sr. Guy BRAULT, notário em Paris; tendo declarado a sua vontade de contrair matrimónio, pelo que, ao abrigo da Lei, estão unidos pelo matrimónio” ;
8. Constando, ainda, da parte final do mesmo assento a seguinte menção:
Casamento dissolvido. Sentença de divórcio do tribunal de São Paulo (Brasil) de 12 de Setembro de 2016. Instruído pelo Ministério Público de Paris nº. 17/09306/CC de 3 de Novembro de 2017
Paris, aos 9 de Novembro de 2017” – cf., documento original de fls. 27., traduzido a fls. 31 vº..
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA
A decisão recorrida raciocinou nos seguintes termos:
- o Autor peticiona a cessação da pensão de alimentos estabelecida em favor da ex-cônjuge mulher, através de sentença homologatória proferida por tribunal brasileiro no âmbito do divórcio judicial ;
- foi tal sentença, proferida por tribunal brasileiro, que investiu o Autor na obrigação de pagar alimentos à Ré ;
- ao Estado Francês terá cabido, apenas, a transcrição/averbamento da decisão de divórcio aos respectivos assentos de casamento/nascimento dos ex-cônjuges, dada a sua nacionalidade  a circunstância de terem casado naquele Estado (Paris) ;
- o Brasil não integra a União Europeia, pelo que às decisões proferidas pelos tribunais brasileiros não pode aplicar-se o Regulamento nº. 2201/2003 do Conselho, de 27/11 ;
- as decisões judiciais brasileiras, para valerem na ordem jurídica nacional, têm de ser previamente revistas e confirmadas pelos tribunais portugueses ;
- pois, enquanto não forem revistas e confirmadas pelos tribunais portugueses, carecem de valor jurídico, o que se verifica in casu ;
- efectivamente, a decisão junta aos autos não serve apenas como meio de prova, mas antes como documento que titula a obrigação de pagar alimentos que o Autor ora pretende ver cessada ;
- trata-se de um documento autêntico, necessário a demonstrar facto essencial, sem o qual fica por demonstrar a válida constituição da obrigação e, consequentemente, os termos da sua revisão e/ou cessação ;
- verifica-se excepção dilatória inominada atípica, de oficioso conhecimento, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da Ré da instância declarativa.
Questionando tal entendimento, o Apelante Autor aduz, no essencial, o seguinte:
=» a sentença de divórcio proferida pelo Tribunal de São Paulo foi objecto de homologação pelo Tribunal de Grande Instância de Paris, com trânsito em julgado em 13/11/2017 ;
=» tendo, assim, adquirido executoriedade, pois passou a integrar, em pleno, o ordenamento jurídico do país da nacionalidade das partes e a ter plena eficácia no espaço europeu ;
=» a Ré fixou a sua residência em Portugal, o que determinou a competência dos tribunais portugueses – o artº. 3º, nº. 1, alín. a), do Regulamento (CE) nº. 2201/2003, de 27/11 e o artº. 4º, do Regulamento (EU) nº. 1215/2012, de 12/12 ;
=» homologada a sentença de divórcio por parte de um tribunal europeu (Tribunal de Grande Instância de Paris), correspondente ao da nacionalidade das partes e detendo plena eficácia neste país, passou obrigatoriamente a produzir efeitos no restante espaço europeu, por força do disposto no Regulamento (CE) nº. 2201/2003, do Conselho, de 27/11/2003 ;
=» nomeadamente, tendo em consideração o prescrito no artº. 21º, nºs. 1 a 3, de tal Regulamento, bem como a competência atribuída aos tribunais de comarca e aos tribunais de família e menores para apreciar os pedidos (facultativos) de reconhecimento ou não reconhecimento de sentença estrangeira proferida em matéria de divórcio ;
=» devendo, ainda, ponderar-se o Acordo de Cooperação Mútua em Matéria Civil, celebrado em Paris, em 28/05/1996, entre o Estado Francês e o Estado Brasileiro, no âmbito do qual foi promulgado o Decreto nº. 3598, de 12/09/2000, de reconhecimento de sentenças proferidas pelos seus tribunais, e da integração no respectivo ordenamento jurídico do outro Estado (especialmente o capítulo V).
Analisando:
Prevendo acerca da necessidade de revisão de sentenças estrangeiras, estatui o artº. 978º, do Cód. de Processo Civil, que:
“1 - Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.
2 - Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa” (sublinhado nosso).
As sentenças proferidas em tribunais estrangeiros podem, no nosso sistema jurídico, gozar de plena aplicabilidade e produzirem os efeitos jurídicos previstos na legislação do país de proveniência.
Todavia, para que tal ocorra, a decisão proferida sobre direitos privados deve obedecer a determinadas condições ou requisitos, a verificar pelo tribunal português competente, no âmbito de uma específica acção, denominada de revisão de sentença estrangeira, prevista como processo especial nos artigos 978º a 985º, do Cód. de Processo Civil.
Opera-se assim, através de tal mecanismo processual, a revisão ou controlo prévio da decisão proveniente de tribunal estrangeiro, sendo claro que, sem a efectivação de tais actos de revisão e confirmação, aquela decisão não é operável, através dos seus próprios efeitos jurisdicionais, na ordem jurídica interna.
Deste modo, até à prolação da decisão de revisão e confirmação, a decisão proferida pelo tribunal estrangeiro configura-se apenas como um acto jurídico, com eficácia pendente, até que se mostre preenchida a condição requerida, ou seja, aquela decisão de revisão e confirmação proferida por tribunal português, no âmbito do enunciado processo especial [2].
Decisão que, por sua vez, aquando da sindicância do preenchimento dos requisitos das alíneas a) a f), do artº. 980º, do Cód. de Processo Civil, não aprecia acerca do mérito do decidido pelo tribunal estrangeiro, antes operando apenas uma revisão formal, no âmbito da regularidade extrínseca da sentença, sem que seja efectuada qualquer apreciação relativa ao fundo ou mérito da causa.
Todavia, a necessidade de tal regime de revisão é ressalvada no que se reporta ao estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, casos em que tal mecanismo é dispensado, operando-se um automático reconhecimento.
Entendeu o Tribunal a quo que a sentença que subjaz ao peticionado na presente acção – cessação da obrigação do Requerente em pagar a pensão alimentícia fixada a favor da Requerida, bem como quaisquer outras despesas desta, ou do seu agregado, com excepção dos alimentos devidos aos filhos menores – consubstancia-se na sentença proferida pelo Tribunal Brasileiro que investiu o Autor/Requerente na obrigação de pagar alimentos à Ré/Requerida, ora referenciada nos factos provados 1., 2. e 5., proferida no âmbito do processo de divórcio consensual.
Relativamente à alegada sentença homologatória proferida pelo Tribunal Francês – Tribunal de Grande Instância de Paris -, esteve apenas em equação a transcrição/averbamento daquela decisão de divórcio nos respectivos assentos de nascimento/casamento dos ex-cônjuges, atenta a sua nacionalidade (francesa) e a circunstância de terem casado naquele Estado.
Donde, estando em causa aquela sentença proferida por Tribunal Brasileiro, e não qualquer sentença ou decisão prolatada por Tribunal Francês, não integrando o Brasil a União Europeia, não lhe é aplicável o teor dos vários Regulamentos da União Europeia (alude especificamente ao Regulamento nº. 2201/2003, do Conselho, de 27/11), que seriam susceptíveis de preencher a enunciada ressalva quanto à necessidade de revisão.
O Autor, ora Apelante, referencia, por sua vez, que tendo sido homologada a sentença de divórcio proferida pelo Tribunal Brasileiro, pelo Tribunal de Grande Instância de Paris, passou a mesma a produzir efeitos no demais espaço comunitário, por força do disposto, nomeadamente, no artº. 21º do Regulamento (CE) nº. 2201/2003. E, como tal, devidamente reconhecida em Portugal, sem necessidade de observância de quaisquer formalidades.
Justificando tal entendimento, invoca, ainda, o estabelecido no Acordo de Cooperação Mútua em Matéria Civil, celebrado em Paris, em 28/05/1996, entre o Estado Francês e o Estado Brasileiro, em virtude do qual foi promulgado o Decreto nº. 3598, de 12/09/2000, de reconhecimento das sentenças proferidas pelos seus tribunais e da sua integração no respectivo ordenamento jurídico do outro Estado.
Vejamos.
O Decreto Presidencial Brasileiro nº. 3598/2000, de 12/09, promulgou o Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa, celebrado em Paris, em 28 de Maio de 1996, tendo entrado em vigor em 10/10/2000.
Consta do artº. 1º, nº. 1, de tal Acordo que “cada um dos dois Estados compromete-se a prestar ao outro cooperação mútua judiciária em matéria civil. Para os fins do presente Acordo, a matéria civil compreende o direito civil, o direito de família, o direito comercial e o direito trabalhista”, enunciando-se no nº. 2 como autoridades centrais encarregadas de satisfazer as obrigações no mesmo definidas, os Ministérios da Justiça dos dois Estados, podendo as comunicações entre as autoridades centrais ser substituídas por via diplomática.
Relativamente ao Reconhecimento e Execução das Decisões Judiciais, prevista no Capítulo V de tal Acordo, estatui o artº. 18º que “as decisões proferidas pelos tribunais de um dos dois Estados serão reconhecidas e poderão ser declaradas executórias no território do outro Estado, se reunirem as seguintes condições:
a) que emanem de uma jurisdição competente, segundo a lei do Estado requerido;
b) que a lei aplicável ao litígio seja aquela designada pelas regras de conflito de leis admitidas no território do Estado requerido; entretanto, a lei aplicada pode ser diferente da lei designada pelas regras de conflito do Estado requerido, se a aplicação de uma ou de outra lei conduzir ao mesmo resultado;
c) que a decisão tenha adquirido força de coisa julgada e que possa ser executada; entretanto, em matéria de obrigação alimentar, de direito de guarda de menor ou de direito de visita, não é necessário que a sentença tenha transitado em julgado, mas deva ter força executória;
d) que as partes tenham sido regularmente citadas ou declaradas revéis;
e) que a decisão não contenha disposições contrárias à ordem pública do Estado requerido;
f) que um litígio entre as mesmas partes, fundado sobre os mesmos fatos e tendo o mesmo objeto que aquele no território do Estado onde a decisão foi proferida:
 i) não esteja pendente perante um tribunal do Estado requerido, ao qual se tenha recorrido em primeiro lugar; ou i https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11199043/
i) não tenha dado origem a uma decisão proferida no território do Estado requerido em data anterior àquela da decisão apresentada para exequatur; ou ii
i) não tenha dado origem a uma decisão proferida no território de um terceiro Estado em data anterior àquela da decisão apresentada para exequatur, e que reúna as condições necessárias para seu reconhecimento no território do Estado requerido”.
Acrescenta o artº. 19º que:
1. O processo de reconhecimento e execução da sentença é regido pelo direito do Estado requerido.
2. A autoridade judiciária requerida não procederá a qualquer exame de mérito da decisão.
3. Se a decisão versou sobre várias questões, a execução poderá ser concedida parcialmente”.
Por sua vez, o artº. 20º prevê acerca dos documentos que deverão ser apresentados pela “pessoa que invocar o reconhecimento ou que peça a execução”.
Por fim, prevendo acerca da dispensa de legalização, prescreve o artº. 23º (já no Capítulo VII) que:
1. Os atos públicos expedidos no território de um dos dois Estados serão dispensados de legalização ou de qualquer formalidade análoga, quando tiverem que ser apresentados no território do outro Estado.
2. São considerados como atos públicos, no sentido do presente Acordo:
a) os documentos que emanem de um tribunal, do Ministério Público, de um escrivão ou de um Oficial de Justiça;
b) as certidões de estado civil;
c) os atos notariais;
d) os atestados oficiais, tais como transcrições de registro, vistos com data definida e reconhecimentos de firmas apostas num documento particular”.
Ora, conforme resulta da prova documental junta, traduzida na factualidade supra considerada como provada, não resulta que o alegado Tribunal de Grande Instância de Paris tenha procedido a qualquer homologação da sentença proferida pelo Tribunal Brasileiro, nem que tenha ocorrido processo de reconhecimento (ou de declaração de executoriedade) no mesmo Tribunal Francês, nos termos equacionados no aludido Acordo de Cooperação.
Efectivamente, o que ocorreu, conforme factos provados 6. a 8., sustentados nos documentos originais juntos a fls. 26 vº. e 27 (traduzidos a fls. 31 e 31 vº.), e como bem evidencia a decisão sob apelo, foi o observar dos trâmites legais de forma a proceder-se à transcrição/averbamento da decisão de divórcio nos respectivos assentos de nascimento e casamento dos ex-cônjuges, atenta a sua nacionalidade (francesa) e o facto de terem outorgado contrato de casamento no mesmo Estado (França).
Com efeito, tal resulta, de forma concludente, do teor da comunicação descrita no facto 6., emitida pela Procuradoria-Geral da República Francesa, e tendo como destinatário o ora Autor, que alude ao deferimento da solicitada rectificação do estado civil, sem qualquer alusão a um aludido ou eventual processo de reconhecimento, ainda que meramente formal, da decisão proferida pelo Tribunal Brasileiro.
O que terá sido efectivado através do mecanismo de dispensa de legalização previsto no citado artº. 23º do mesmo Acordo de Cooperação, que dispensa de legalização, ou de análoga formalidade, os actos públicos expedidos no território de cada um dos Estados, entre os quais se computam os “documentos que emanem de um tribunal”.
Donde se conclui, o que se reafirma, pela inexistência de qualquer sentença de reconhecimento (ou, alegadamente homologatória) proferida por tribunal francês, tendo por objecto a sentença de divórcio consensual proferida pelo tribunal brasileiro.
Conforme resulta dos autos, apesar do Autor ter sido expressamente notificado para juntar ao processado certidão da aludida sentença que invoca ter sido proferida pelo Tribunal Francês, nunca o fez, limitando-se à junção dos documentos já supra apreciados, bem como de uma Declaração emitida pelo Consulado Geral de França em São Paulo – cf., fls. 145, junta pelo requerimento de 03/01/2022 -,  que se limita a informar acerca da existência do aludido Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa, realçando e transcrevendo o enunciado no já apreciado artº. 23º acerca da dispensa de legalização dos actos públicos.
Pelo que, consequentemente, não pode concluir-se pela existência de uma decisão proferida num Estado-membro (in casu, a França), cujo reconhecimento se imponha aos demais Estados-membros, sem quaisquer formalidades, nomeadamente no quadro dos regulamentos da União Europeia.
Concretizando, e tendo em atenção o enquadramento reiteradamente efectuado pelo Autor, ora Recorrente, bem como pela decisão apelada, a inexistência da aludida decisão proferida pelo Tribunal Francês inviabiliza o seu reconhecimento, nomeadamente nos termos do citado artº. 21º, nºs. 1 e 3 do Regulamento CE nº. 2201/2003, de 27/11.
E, não sendo o Brasil membro da União Europeia, o convencionado em tal Regulamento não é aplicável ao teor da sentença de divórcio ali proferida que, para produzir efeitos em Portugal, sempre teria que ser objecto de prévia revisão e confirmação por parte dos tribunais portugueses, o que não se mostra efectivado.
Por outro lado, conforme bem se refere na decisão sob sindicância, a sentença proferida pelo Tribunal Brasileiro não configura ou serve nos presentes autos apenas como meio probatório, a ponderar na realização do julgamento, mas é antes o concreto e efectivo documento que titula ou sustenta a obrigação alimentícia, que onera o devedor Autor, e cuja cessação peticiona nos presentes autos.
Ou seja, conforme expressamente referencia a mesma decisão, trata-se do documento autêntico, “necessário a demonstrar facto essencial, sem o qual fica por demonstrar a válida constituição da obrigação e, consequentemente, os termos da sua revisão e/ou cessação, estando a ação votada ao fracasso”. 
O que inviabiliza, consequentemente, a aplicabilidade do juízo de desnecessidade de revisão previsto no transcrito nº. 2, do artº. 978º, do Cód. de Processo Civil.
E, consequentemente, determina juízo de total improcedência das conclusões recursórias, com consequente confirmação da decisão apelada/recorrida.
Aqui chegados, e à latere, no que concerne à reclamada aplicação dos regulamentos comunitários que, conforme vimos, não é sequer pertinentemente equacionável, atenta a inexistência de uma decisão que se possa afirmar como proferida num Estado-Membro, sempre se consigna o seguinte:
- o Regulamento (CE) nº. 2201/2003, de 27/11 – aplicável a partir de 01/03/2005, com excepção de alguns artigos aplicáveis a partir de 01/08/2004, cf., artº. 72º -, aplicável a Decisões em Matéria Matrimonial e Responsabilidade Parental, vindo substituir o Regulamento (CE) nº. 1347/2000 (cf., artº. 71º), enuncia no artº. 1º, nº. 1, alín. a) e 3, alín. e), ser aplicável, “independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:
a) Ao divórcio, à separação e à anulação do casamento”
, não sendo aplicável aos alimentos ;
- os nºs 1 a 3 do artº. 21º, do mesmo Regulamento, prevendo acerca do reconhecimento das decisões, enuncia que:
“1. As decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem quaisquer formalidades.
2. Em particular, e sem prejuízo do disposto no n.º 3, não é exigível nenhuma formalidade para a actualização dos registos do estado civil de um Estado-Membro com base numa decisão de divórcio, separação ou anulação do casamento, proferida noutro Estado-Membro e da qual já não caiba recurso, segundo a legislação desse Estado-Membro.
3. Sem prejuízo do disposto na secção 4 do presente capítulo, qualquer parte interessada pode requerer, nos termos dos procedimentos previstos na secção 2 do presente capítulo, o reconhecimento ou o não-reconhecimento da decisão.
A competência territorial dos tribunais indicados na lista comunicada por cada Estado-Membro à Comissão nos termos do artigo 68.º é determinada pela lei do Estado-Membro em que é apresentado o pedido de reconhecimento ou de não-reconhecimento” ;
- consta do Considerando (8) que “quanto às decisões de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, o presente regulamento apenas deve ser aplicável à dissolução do vínculo matrimonial e não deve abranger questões como as causas do divórcio, os efeitos patrimoniais do casamento ou outras eventuais medidas acessórias”, acrescentando-se no Considerando (11) estarem os Alimentos “excluídos do âmbito de aplicação do presente regulamento uma vez que já se encontram regulados pelo Regulamento (CE) n.º 44/2001. Os tribunais competentes nos termos do presente regulamento serão igualmente competentes para decidir em matéria de alimentos, ao abrigo do n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001” ;
- Por sua vez, enuncia o Considerando (21) que “o reconhecimento e a execução de decisões proferidas num Estado-Membro têm por base o princípio da confiança mútua e os fundamentos do não-reconhecimento serão reduzidos ao mínimo indispensável” ;
- ora, in casu, apesar da sentença proferida se reportar ao divórcio [3], estando em causa nos presentes autos o segmento relativo à fixação de alimentos devidos à ex-cônjuge mulher, sempre seria discutível a aplicabilidade do presente Regulamento á concreta decisão [4];
- o Regulamento (EU) nº. 1215/2012, de 12/12, aplicável relativamente à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, tendo procedido à revogação do já mencionado Regulamento (CE) nº. 44/2001, de 16/01 ;
- consta dos Considerandos (35) e (36) que o “respeito pelos compromissos internacionais subscritos pelos Estados-Membros implica que o presente regulamento não prejudique as convenções em que são parte os Estados-Membros e que incidam sobre matérias específicas”, e que “sem prejuízo das obrigações dos Estados-Membros decorrentes dos Tratados, o presente regulamento não deverá prejudicar a aplicação de convenções e acordos bilaterais entre Estados-Membros e países terceiros celebrados antes da data de entrada em vigor do Regulamento (CE) n.º 44/2001 que abrangem matérias regidas pelo presente regulamento” ;
- todavia, resulta claramente do enunciado no artº. 1º, nºs. 1 e 2, alín. e), não ser o presente Regulamento aplicável “às obrigações de alimentos decorrentes de uma relação familiar, parentesco, casamento ou afinidade” ;
- o que sempre excluiria a sua aplicabilidade in casu ;
- o Regulamento (CE) nº. 4/2009, do Conselho de 18/12/2008 (entrou em vigor em 18/06/2011), relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, que alterou o Regulamento (CE) nº. 44/2001, de 16/01, substituindo as disposições aplicáveis em matéria de obrigações alimentares (cf., o artº. 68º, nº. 1) ;
- consta do Considerando (11) que “o âmbito de aplicação do presente regulamento deverá incluir todas as obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade, a fim de garantir igualdade de tratamento entre todos os credores de alimentos. Para efeitos do presente regulamento, o conceito de obrigação alimentar deverá ser interpretado de forma autónoma” ;
- prescreve o artº. 1º, relativo ao seu âmbito de aplicação, ser o presente Regulamento “aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade” ;
- sendo, ainda, pertinente a consideração do prescrito nos artigos 2º, nº. 1, ponto 1. e nº. 8, 16º, 17º, 56º, nº. 2, alín c) e 69º, nºs. 1 e 2.
Relativamente à tributação, decaindo o Apelante no recurso interposto, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, é responsável pelo pagamento das custas devidas, sem prejuízo do eventual benefício do apoio judiciário de que goze – cf., fls. 153 a 156.
*
IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. em julgar totalmente improcedente a presente apelação, na qual figura como Apelante/Recorrente/Autor J……….., e como Apelada/Recorrida/Ré P…………. ;
1. consequentemente, em confirmar a decisão apelada/recorrida.
2. nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas devidas são suportadas pelo Apelante, sem prejuízo do eventual benefício do apoio judiciário de que goze.

Lisboa, 14 de Julho de 2022
Arlindo Crua
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco
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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, Universidade de Coimbra, 1973, Aditamentos, pág. 92.
[3] Relativamente à desnecessidade de revisão da sentença de divórcio, decorrente da aplicabilidade do Regulamento (CE) nº. 2201/2003, cf., o douto Acórdão da RC de 05/05/2015, Relator: Jaime Carlos Ferreira, Processo nº. 24/14.1YRCBR, in www.dgsi.pt .
[4] Defendeu-se em douta Decisão Singular desta Relação de 10/05/2011 – Rui Vouga, Processo nº. 1105/10.5TYRLSB-1, in www.dgsi.pt -, citando-se LUÍS DE LIMA PINHEIRO - O reconhecimento de decisões estrangeiras em matéria matrimonial e de responsabilidade paternal, publicado in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2006, Ano 66 - Vol. II - Set. 2006 - que no âmbito do Regulamento (CE) nº. 2201/2003 o “reconhecimento só tem por objecto a dissolução do vínculo matrimonial, e já não as suas consequências económicas ou de outro tipo, designadamente quanto aos bens do casal e à obrigação alimentar” ; relativamente à inaplicabilidade de tal Regulamento aos efeitos patrimoniais do divórcio, cf., ainda, o douto Acórdão desta Relação e Secção de 29/04/2021, Relatora: Inês Moura, Processo nº. 2127/17.6YRLSB-2, in www.dgsi.pt  ; no mesmo sentido, tendo por referência quer os efeitos patrimoniais do casamento, quer a partilha dos bens comuns, cf., o douto Acórdão da RP de 08/10/2020, Relator: Aristides Rodrigues de Almeida, Processo nº. 98/19.8YRCBR, in www.dgsi.pt .