Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3855/17.6T8OER-A.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
ARRENDAMENTO
TÍTULO EXECUTIVO
RENDAS VENCIDAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A comunicação prevista no art.º 14.º-A do NRAU não constitui título executivo para o pagamento de quantias que não tenham nela sido comunicadas ao inquilino.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 06.11.2017 Carlos intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, ao abrigo do art.º 14.º-A do NRAU, ação de execução para pagamento de quantia certa contra Ana e contra Maria, reclamando o pagamento da quantia de € 5 892,14.
O exequente alegou, em síntese, ser legítimo proprietário da fração autónoma correspondente ao 4.º andar de um edifício sito em Carnaxide, que identificou, o qual em 22.7.2014 deu de arrendamento à 1.ª executada, constituindo-se a 2.ª executada fiadora. A renda estipulada era de € 525,00 por mês. Sucede que as rendas correspondentes aos meses de junho a setembro de 2016, no valor total de € 1 975,00, não foram pagas, pelo que o ora exequente enviou à arrendatária carta registada com aviso de receção, que esta recebeu em 19.9.2016, resolvendo o contrato, caso a arrendatária não pagasse as rendas em dívida e correspondente indemnização. A arrendatária nada fez, pelo que o ora exequente instaurou procedimento de despejo junto do Balcão Nacional de Arrendamento. Em virtude de oposição deduzida pela arrendatária, foram os autos distribuídos ao juízo local cível de Oeiras, tendo o respetivo juiz confirmado a resolução do contrato de arrendamento e ordenado a desocupação do imóvel. O despejo foi efetivado por agente de execução, tendo o senhorio recuperado a posse do imóvel em 01.8.2017. Acontece que dos valores constantes na comunicação com vista à resolução do contrato de arrendamento, no montante de € 1 975,00, a inquilina apenas pagou a quantia correspondente aos meses de junho, julho e agosto de 2016, não efetuou o pagamento do mês de setembro 2016 nem qualquer outro pagamento, posterior à resolução do contrato, continuando a utilizar o locado, até à sua entrega. Nos termos do art.º 1045.º do CC, se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, indemnização essa que é elevada ao dobro logo que o locatário se constitua em mora. Trata-se de indemnização liquidada pela própria lei, apresentando certeza e segurança, pelo que a liquidação depende de simples cálculo aritmético, devendo as executadas efetuar o pagamento da quantia de € 525,00, respeitante à renda do mês de setembro de 2016, em atraso até à resolução do contrato, e a quantia de € 5 250,00, correspondente a dez meses, ou seja, aos meses de outubro de 2016 a julho de 2017. O que perfaz o montante de € 5 775,00, acrescido de juros de mora, vencidos no total de € 117,14, bem como os que se forem vencendo até integral pagamento, bem como as respetivas custas do processo.
O exequente juntou, a acompanhar o requerimento executivo, cópias do contrato de arrendamento, da carta de comunicação da resolução do contrato de arrendamento e do respetivo aviso de receção, da sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Oeiras em 02.5.2017, do auto de entrega do imóvel ao senhorio, datado de 01.8.2017, e da notificação da inquilina-requerida, pelo agente de execução que procedeu à restituição do imóvel, de que devia respeitar e reconhecer o direito do requerente.
Em 12.02.2018 a executada Ana deduziu embargos de executado e oposição à penhora.
Alegou que na comunicação do senhorio, que pôs fim ao contrato de arrendamento, a ora executada apenas foi intimada para o pagamento da quantia de € 1 975,00, correspondente às rendas em atraso dos meses de junho a setembro de 2016. Ora, tendo o próprio exequente admitido que a ora executada entretanto pagara as rendas correspondentes aos meses de junho, julho e agosto, não pagando o mês de setembro, e não tendo havido qualquer comunicação por parte do exequente à ora executada a intimá-la a pagar o restante valor exequendo (as alegadas rendas em atraso de outubro de 2016 a julho de 2017), o exequente apenas podia peticionar a quantia de € 525,00. Pelo que a penhora do vencimento da ora embargante, a que se procedeu na execução com efeitos desde setembro de 2017, é excessiva, uma vez que ao vencimento da executada, que constitui o seu único rendimento e de sua filha menor, já foi descontado o total de € 1 067,98.
A embargante concluiu pedindo que a execução fosse suspensa, sem prestação de caução, que lhe fosse devolvido o que fora retirado a mais do que o montante de € 525,00, levantando-se a penhora do vencimento da executada e julgando-se a ação extinta e a executada absolvida do pedido.
Recebidos os embargos e tendo sido ordenado que o exequente fosse notificado para contestar e se pronunciar acerca da requerida suspensão da execução sem prestação de caução, veio o exequente contestar, opondo-se à suspensão da execução sem prestação de caução e, quanto à matéria dos embargos, invocando jurisprudência que, no seu entender, defende o entendimento mais adequado e conforme com o espírito do nosso ordenamento jurídico, que a exequibilidade do título dado à execução, nos presentes autos, é extensiva às rendas que se vencerem entre a comunicação efetuada à arrendatária e a efetiva entrega do locado, devendo a respetiva liquidação ser efetuada pelo exequente no requerimento executivo. Quanto às condições económicas da executada, afirmou o seu desconhecimento e apontou a falta de prova apresentada pela executada, afirmando ainda que ele próprio, exequente, tem encargos familiares e não pode ficar desprotegido contra situações como a dos autos, em que a executada só abandonou o locado dez meses depois de quando tal se impunha.
O embargado concluiu pela improcedência dos embargos, por não provados, devendo a executada ser condenada como peticionado, mantendo-se a penhora até integral pagamento da quantia exequenda e demais encargos do processo, indeferindo-se a requerida suspensão da execução, sem prestação de caução, em conformidade.
Em 03.5.2018 foi proferido o seguinte saneador-sentença:
A presente execução para pagamento de quantia certa foi instaurada em 6-IX-17 por Carlos (…) contra Ana (…) e Maria (…) – sendo indicado, como título executivo, “Artigo 14º A NRAU”.
Por despacho de 15-II-18 foram liminarmente admitidos os embargos e oposição à penhora deduzidos pela 1ª executada – tendo o exequente deduzido contestação.
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Tendo em conta as regras dos artigos 732º/2 e 593º/1 do CPC, dispensa-se a realização da audiência prévia.
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O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia – e não há nulidades que invalidem todo o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas - fixando-se o valor da causa em 5.892,14€ (CPC 304º/1).
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Nos seus embargos, a 1ª executada, admitindo ter recebido (em 13-IX-16) a comunicação para pagamento do montante de 1.975,00€ (rendas entre Junho e Setembro de 2016), e aceitando a confissão do exequente de ter recebido as rendas relativas aos meses de Junho a Agosto de 2016, excepciona a falta de título executivo para todas as quantias que excedam o valor da renda do mês de Setembro de 2016 (525,00€).
Respondeu o exequente que “é entendimento da jurisprudência que a executoriedade de tal comunicação é extensiva às rendas que se vencerem entre a comunicação efectuada ao arrendatário e a efectiva entrega do locado”.
Importa apreciar – estabelecendo o artigo 14º-A (aditado pela Lei 31/12 de 14-VIII) da Lei 6/06 que “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.”.
Sem prejuízo das soluções jurisprudenciais indicadas pelo embargado, o certo é que a letra da lei não deixa margem para dúvidas: o título executivo é composto pelo contrato e pela comunicação dos valores em dívida – pelo que apenas podem ser executados os valores previamente comunicados ao arrendatário.
Conclui-se, assim, que o exequente não tem título para executar valores que não indicou (e não estavam então em dívida) na comunicação prevista no artigo supra citado.
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Importa apreciar - estabelecendo o nº 1 do artigo 733º do CPC que “O recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se: (…) c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.”
Face à decisão supra, justifica-se, nesta fase, suspender o prosseguimento da execução até ao trânsito em julgado do presente saneador-sentença.
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Decisão
Pelo exposto, julgam-se os embargos procedentes, e reduz-se a quantia exequenda para 525,00€ (e juros de mora, desde 30-IX-16).
Custas pelo embargado.
Registe e notifique – e comunique ao Agente de Execução.”
O exequente apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
I. O âmbito do presente recurso tem por base a interpretação do art. 14-A do NRAU, por parte da Mmo Juiz do Douto Tribunal a quo, por via da qual, a mesma veio a concluir que “(…) o exequente não tem título para executar valores que não indicou (e que não estavam então em divida) na comunicação prevista no artigo supra citado.” o que, consequentemente, levou ao indeferimento parcial da execução quanto ao pedido do valor excedente.
II. Não pode o aqui Recorrente concordar com a interpretação restritiva efetuada, dado que a exigência do comprovativo de comunicação ao arrendatário, do montante das rendas em dívida, destina-se a obrigar o exequente a proceder à liquidação prévia das rendas em dívida, de forma a conferir um grau de certeza quanto ao montante em divida à data da resolução, sendo que as demais rendas que se forem vencendo, devem ser contabilizadas e liquidadas, à data da instauração do procedimento executivo, por simples calculo aritmético, aliás conforme exigência legalmente fixada no art. 716º CPC.
III. Ao contrário do defendido pela Mma Juiz do Tribunal a quo, não crê o Recorrente que tenha sido intenção do legislador afastar da previsão do art. 14º A do NRAU as rendas vincendas, na medida em que, da própria leitura do corpo do artigo decorre que é atribuída força executória, com vista à instauração de ação executiva para pagamento de quantia certa, ao contrato de arrendamento acompanhado da comunicação ao arrendatário das rendas em atraso, visando a recuperação das rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, pelo que não se considera que seja legítimo o afastamento da previsão da norma das rendas vincendas dado que estas correm, nos termos legais, por conta do arrendatário até à entrega efetiva do imóvel.
IV. No entender do Recorrente a comunicação ao arrendatário da resolução não visa liquidar a quantia exequenda, dado que o valor da renda se encontra contratualmente fixado, nem interpelar para pagamento, dado que a obrigação do arrendatário é de prazo certo, visa, outrossim, dar um grau de certeza quanto ao quantitativo do valor em divida, inclusive para se aferir da legitimidade para a resolução legal do contrato, sendo que a liquidação final da quantia exequenda deverá, outrossim, ser realizada no próprio requerimento executivo, após apuramento de todas as rendas, encargos ou despesas da responsabilidade do arrendatário.
V. Razão pela qual entende o Recorrente que deverá ser revogada a decisão recorrida prosseguindo a execução os seus termos até integral pagamento de todas as quantias reclamadas e liquidadas no requerimento executivo apresentado.
O apelante terminou pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e, consequentemente, se reconhecesse como devida ao exequente a globalidade das quantias reclamadas e líquidas por via do requerimento executivo apresentado, prosseguindo a respetiva execução até pagamento integral de tais quantias.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
A questão que se suscita neste recurso é se a comunicação de resolução de contrato de arrendamento enviada pelo ora exequente à ora 1.ª executada vale como título executivo para a totalidade das quantias por ele reclamadas nesta execução.
Com relevo para o recurso, e para além do que consta no Relatório supra, dos autos resulta a seguinte
Matéria de facto
1. Em 22.7.2014 o ora exequente e as ora executadas subscreveram o “contrato de arrendamento habitacional com prazo certo” documentado a fls 46 a 50 destes autos, nos termos do qual o ora exequente declarou dar de arrendamento à ora 1.ª executada a fração autónoma aí identificada, correspondente ao 4.º andar fração A, sito na Rua (…), n.º 34, 2790-027 Carnaxide, para habitação daquela, mediante o pagamento da renda mensal de € 525,00, com início do contrato em 01.8.2014 e termo em 01.8.2017, renovável por iguais períodos de três anos.
2. Com data de 13.9.2016 o ora exequente enviou à ora 1.ª executada, por carta registada com aviso de receção, a comunicação documentada a fls 44, com o seguinte teor:
Eu, Carlos (…) (…), proprietário da fração 4º A, da Rua (…), N.º 34, Carnaxide, venho por este meio renunciar [sic] o contrato de arrendamento relativo ao referido imóvel, celebrado com Ana (…) a 22 de Julho de 2014.
A resolução justifica-se, com o incumprimento do pagamento na totalidade de 4 rendas mensais de acordo com n.º 3 do Artigo 1083 do Código Civil.
O valor mensal de renda que consta do contrato de arrendamento é 525 euros.
Está em falta o pagamento integral das rendas relativas aos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2016,
O valor devido é 1975 euros por um dos meses ter sido parcialmente pago.
3. A ora 1.ª executada recebeu a aludida carta em 19.9.2016 (fls 45 destes autos).
4. O ora exequente intentou contra a ora 1.ª executada, no Balcão Nacional do Arrendamento, procedimento especial de despejo, para desocupação da fração acima referida, apresentando como base do procedimento o contrato de arrendamento e a comunicação supra referida em 2 (cfr. sentença documentada a fls 51 a 58 dos autos).
5. Notificada, a requerida/arrendatária (ora executada) deduziu oposição à pretensão do requerente/senhorio (ora exequente), alegando, em síntese, vicissitudes de desemprego que teriam originado o atraso no pagamento das rendas, a que, porém, teria começado a pôr cobro (cfr. sentença documentada a fls 51 a 58 dos autos).
6. O procedimento especial de despejo foi distribuído ao Juízo Local Cível de Oeiras – Juiz 2, tendo aí, com data de 02.5.2017, sido proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julga-se improcedente a oposição da Requerida e, consequentemente, determina-se a desocupação do locado, em conformidade com o disposto no artigo 15º J do NRAU.
Custas pela Requerida, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Registe e notifique.
Comunique a presente decisão ao Balcão Nacional do Arrendamento.” (sentença documentada a fls 51 a 58 dos autos).
7. Em 01.8.2017 o agente de execução entregou ao requerente, ora exequente, a posse do dito imóvel, lavrando o respetivo auto (auto documentado a fls 59 deste processo).
8. A requerida, ora executada, foi notificada pelo agente de execução referido em 7, da referida entrega do imóvel ao requerente e que, “nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 15º do Decreto-Lei n.º 1/2013 de 7 de Janeiro”, ficava notificada de que “deverá respeitar e reconhecer o direito do requerente.” (fls 60 destes autos).
O Direito
A ação executiva pressupõe a anterior definição dos elementos, subjetivos e objetivos, da relação jurídica de que é objeto. Tal definição está contida no título executivo, documento que constitui a base da execução por a sua formação reunir requisitos que a lei entende oferecerem a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar.
O título executivo constitui um pressuposto processual específico da execução. É ele que determina o fim e os limites da ação executiva (art.º 10.º n.º 5 do CPC). Daí que a sua falta ou insuficiência constitua fundamento para a recusa do requerimento executivo pelo agente de execução (art.º 725.º n.º 1 alínea d) do CPC), para o indeferimento liminar do requerimento executivo pelo juiz (art.º 726.º n.º 2 alínea a) do CPC), para ulterior rejeição oficiosa da execução (art.º 734.º n.º 1 do CPC) e para oposição à execução (artigos 729.º n.º 1 alínea a) e 731.º do CPC).
Como é sabido, o novo CPC (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6) infletiu o sentido de ampla executoriedade de documentos consagrada no anterior CPC, retirando exequibilidade aos documentos particulares, com ressalva dos títulos de crédito (vide art.º 46.º n.º 1 al. c) do anterior CPC e art.º 703.º n.º 1 do atual CPC). Visou-se contrariar o aumento exponencial de execuções e o risco de execuções injustas, por ausência de controlo prévio sobre o crédito invocado e de contraditório (vide Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, que deu origem ao novo CPC). Assim, a executoriedade de documentos particulares está, atualmente, dependente de disposição legal especial, que lhes atribua força executiva (n.º 2 do art.º 703.º do CPC).
Uma dessas disposições legais especiais, que conferem força executiva a documentos particulares, é a que se contém no art.º 14.º-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02, com a redação introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14.8:
Título para pagamento de rendas, encargos ou despesas
O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.
Esta norma tem como sua antecessora o art.º 15.º n.º 2 do NRAU na sua versão original:
Título executivo
1 - Não sendo o locado desocupado na data devida por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa:
a) Em caso de cessação por revogação, o contrato de arrendamento, acompanhado do acordo previsto no nº 2 do artigo 1082º do Código Civil;
b) Em caso de caducidade pelo decurso do prazo, não sendo o contrato renovável por ter sido celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato escrito donde conste a fixação desse prazo;
c) Em caso de cessação por oposição à renovação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no artigo 1097º do Código Civil;
d) Em caso de denúncia por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado dos comprovativos das comunicações previstas na alínea c) do artigo 1101º do Código Civil e no artigo 1104º do mesmo diploma;
e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no nº 1 do artigo 1084º do Código Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra;
f) Em caso de denúncia pelo arrendatário, nos termos do nº 5 do artigo 37º ou do nº 5 do artigo 43º, o comprovativo da comunicação da iniciativa do senhorio e o documento de resposta do arrendatário.
2 - O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
Trata-se, como se aventou na decisão sumária proferida pela Relação de Lisboa em 12.12.2008, no processo 10790/2008-7 (consultável, tal como todas as outras decisões que adiante serão referidas, em www.dgsi.pt), de título executivo de feição complexa, integrado por dois elementos corpóreos: o contrato de arrendamento escrito e o documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida.
Para além da sua aplicabilidade ao fiador do arrendatário, questão que não abordaremos, por não fazer parte do objeto deste recurso, na jurisprudência discutiu-se se esta norma abrangia a indemnização a que se refere o artigo 1045.º do Código Civil (“Indemnização pelo atraso na restituição da coisa - 1 - Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida. 2 - Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro”) e, ainda, se seria possível executar quantias vencidas em momento posterior à aludida comunicação, sem prévia ação declarativa.
A este respeito a jurisprudência mostrou-se dividida.
Assim, a Relação do Porto, no acórdão de 12.5.2009, proferido no processo n.º 1358/07.6YYPRT-B.P1, embora reportando-se à indemnização prevista no art.º 1041.º n.º 1 do CC (“Mora do locatário 1 - Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento”), num juízo transportável para a questão que ora nos ocupa, considerou que a indemnização por mora no pagamento da renda não cabe na previsão daquela norma, por não caber na letra do preceito e ter origem diversa da do pagamento da renda, que emana do contrato e foi expressamente aceite pelo arrendatário, contrariamente à obrigação de pagamento da indemnização, que decorre da lei. Assim, a obrigação de pagamento de indemnização, ainda que tenha sido comunicada pelo senhorio, não é abrangida pelo título executivo formado nos termos do n.º 2 do art.º 15.º do NRAU, na sua redação original. Quanto às rendas, só seriam executáveis as que tivessem sido reclamadas por comunicação feita.
Também no acórdão da Relação do Porto, de 18.10.2011, processo 8436/09.5TBVNG-A.P1, se excluiu da execução, mesmo que tivesse sido alvo de comunicação prévia, o valor referente a indemnização por mora, desta feita na restituição do locado, prevista no n.º 2 do art.º 1045.º do CC. Mas admitiu-se que estariam incluídas no título executivo as “rendas” devidas até à restituição do locado, nos termos do n.º 1 do art.º 1045.º
A posição largamente maioritária da jurisprudência é a de que o legislador equipara as quantias devidas nos termos do art.º 1045.º do CC, pelo menos nos termos do n.º 1 do preceito, a rendas. Veja-se o a esse propósito aduzido no acórdão da Relação de Lisboa, de 26.7.2010, processo 8595/08.4YYLSB-B.L1-1:
Como se vê, apesar de o contrato de arrendamento ter findado, a lei continua a designar por locatário o obrigado a pagar a renda ou o aluguer, que as partes tenham estipulado. Portanto, contrariamente ao defendido na decisão recorrida, é a própria lei que usa termos jurídicos decorrentes do contrato, como locatário, o mesmo que arrendatário (locatário de imóvel), e renda. Isto permite desde logo concluir pela ocorrência de uma espécie de ultravigência do contrato extinto, para efeitos de cobrança de todas as rendas devidas e que com ele estão conexionadas. Não se trata de uma solução única no nosso ordenamento jurídico, pois, algo semelhante acontece no tocante às sociedades comerciais, quando uma sociedade dissolvida mantém a sua personalidade jurídica tão-só para efeitos da sua liquidação.
No caso presente o n.º 2 do supra referido art.º 15.º não restringe a formação de título executivo à acção para pagamento de renda na pendência do contrato de arrendamento. Portanto, afigura-se não dever ser o intérprete e aplicador a fazer uma tal distinção restritiva.”
No mesmo sentido, veja-se, v.g., os acórdãos proferidos pela Relação do Porto, de 22.3.2012, processo 5664/11.2TBMAI-A.P1; pela Relação de Lisboa, de 15.12.2012, processo 1105/12.0YRLSB-2; pela Relação de Coimbra, de 05.02.2013, processo 643/11.7TBTND-A.C1 (este quanto à indemnização pela mora no pagamento da renda – 1041.º/1 CC); pela Relação de Coimbra, de 18.02.2014, processo 182/13.1TBCTB-A.C1; pela Relação de Lisboa, de 22.5.2014, processo 8960/12.2TCLRS-B.L1-6.
Igual posição é propugnada ao abrigo do atual art.º 14-A: vide o acórdão da Relação de Lisboa, de 18.01.2018, processo 10087/16.9T8LRS-B.L1-6.
Efetivamente, cremos que o legislador não recusa, aos montantes devidos pelo uso indevido do locado, a supra referida equiparação às rendas em sentido estrito. Veja-se o n.º 3 do art.º 15.º-N do NRAU: no caso de resolução do contrato de arrendamento para habitação determinada por falta de pagamento de rendas, em que a falta de pagamento se tenha devido a carência de meios do arrendatário, pode ser determinado o diferimento da desocupação do imóvel (art.º 15.º-N, n.º 2 al. a); nos termos do n.º 3 do art.º 15.º-N, nesse caso de diferimento da desocupação do locado, caberá ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social “pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando aquele sub-rogado nos direitos deste.”
Na doutrina, defendendo a tese ampla supra propugnada, quanto à indemnização moratória prevista no n.º 1 do art.º 1041.º do CC, vide, v.g., Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 8.ª edição, 2017, Almedina, pág. 221.
No caso destes autos, o apelante liquidou, no requerimento executivo, um montante devido pelo atraso na restituição do locado, calculado nos termos do n.º 1 do art.º 1045.º do CC.
A decisão recorrida rejeitou a execução relativamente a esse segmento da quantia reclamada. Porém, a rejeição não assentou na natureza indemnizatória da aludida prestação pecuniária, mas tão só no facto de esses valores não terem sido indicados na comunicação que o exequente efetuara nos termos do art.º 14.º-A do NRAU.
No sentido, expressamente afirmado, de que a inclusão na comunicação supra referida é requisito da exequibilidade da prestação pecuniária reclamada, veja-se, por exemplo, as já acima citadas decisão sumária da Relação de Lisboa, de 12.12.2008; acórdão da Relação do Porto, de 12.5.2009; Relação de Coimbra, de 05.02.2013.
Na doutrina, no mesmo sentido, cfr. Menezes Leitão, obra citada, pág. 221.
Nos outros acórdãos acima referidos (Lisboa, 26.7.2010; Porto, 18.10.2011; Porto, 22.3.2012; Lisboa, 15.11.2012; Coimbra, 18.02.2014; Lisboa, 22.5.2014; Lisboa, 18.01.2018), entre os quais se incluem os acórdãos reproduzidos pelo apelante na sua alegação, refere-se que, efetuada a comunicação prevista no art.º 15.º n.º 2 do NRAU (versão inicial) ou no art.º 14.º-A (NRAU atual), o senhorio tem título executivo para as quantias que se vençam posteriormente, até à restituição do locado, bastando proceder à liquidação do devido no requerimento de execução, por se estar perante mero cálculo aritmético.
Porém, a verdade é que em todas as situações julgadas nesses arestos o senhorio incluíra na aludida comunicação a reclamação de todas as quantias que se vencessem após a mesma, até à entrega do locado, ou procedeu a comunicações ulteriores, antes de avançar para o procedimento executivo para cobrança dessas quantias.
O que, a nosso ver, constitui clara exigência da lei.
Num tempo em que, como exposto supra, os documentos particulares constitutivos de obrigações eram título executivo, a aparente desnecessidade da previsão dos artigos 15.º n.º 2 e 14.º-A do NRAU era arredada pela consideração de que o legislador pretendia “obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a tendencial vocação duradoura do contrato” (citada decisão sumária da Relação de Lisboa, de 12.12.2008).
Poderá dizer-se que, atentos os interesses em presença, o legislador quis obrigar o senhorio a, antes de enveredar pelo acionamento dos meios estaduais coercivos para efetivar o seu direito, confrontar o inquilino com as concretas e efetivas quantias que considerava serem por este devidas, numa interpelação prévia que eventualmente evitasse o acionamento daqueles meios.
Atualmente, se o senhorio puser termo ao contrato por falta de pagamento de rendas através da legal comunicação da resolução do contrato e se o locatário não restituir o locado, poderá recorrer ao procedimento especial de despejo (PED) previsto nos artigos 15.º e seguintes do NRAU.
O PED terá como fim principal a concretização da desocupação do locado, através da prévia constituição, no decurso do procedimento, de título para desocupação do locado (art.º 15.º-E do NRAU) ou da prolação de decisão judicial para desocupação do locado (art.º 15.º-J n.º 1 do NRAU).
O senhorio poderá cumular o pedido de despejo com o de pagamento de rendas, encargos ou despesas, discriminando o valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas. Porém, tal pedido está dependente da prévia comunicação ao arrendatário do montante em dívida (al. g) do n.º 2 do art.º 15.º-B e n.º 5 do art.º 15.º do NRAU). Nesse caso, o requerido será notificado de que na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa liquidada pelo requerente, serão ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento (al. d) do n.º 4 do art.º 15.º-D). Durante o procedimento especial de despejo não é permitida a alteração dos elementos constantes do requerimento, designadamente do pedido formulado, ressalvada a desistência do pedido de pagamento de quantias (n.º 4 do art.º 15.º-B). O título para desocupação do locado ou a decisão judicial que condene o requerido no pagamento daquelas quantias constituem título executivo para pagamento de quantia certa, aplicando-se, com as necessárias adaptações, os termos previstos no CPC para a execução para pagamento de quantia certa baseada em injunção (n.º 5 do art.º 15.º-J do NRAU).
Ou seja, também a execução desencadeada pelo PED assenta, quanto às quantias a executar, na prévia comunicação ao inquilino, pelo senhorio, das quantias devidas.
No caso destes autos não se mostra que o senhorio, ora exequente, tenha comunicado à inquilina, ora executada, a dívida emergente da demora na restituição do locado. Pelo contrário, o próprio exequente apenas alegou que comunicara à inquilina o montante das rendas em dívida à data da resolução do contrato.
Pelo que, a nosso ver, a apelação é improcedente.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo do apelante, que nela decaiu (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 21.02.2019

Jorge Leal
Pedro Martins
Laurinda Gemas