Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
537/20.5T8BRR-A.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: PROVA PERICIAL
TEMPESTIVIDADE
PERTINÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I. A prova pericial é pessoal e indireta, sendo a demonstração do facto feita através do perito, que se interpõe entre o tribunal e o objeto da perícia.
II. Não é de deferir uma perícia requerida em julgamento cuja pertinência para a decisão da matéria de facto não se vislumbra.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.
A) A. (autora e recorrente): AAA
R. (Ré): BBB
Nestes autos de processo comum em que a A. pediu a final que “seja considerada licita a resolução do contrato de trabalho por parte da autora por ter ocorrido justa causa e a ré ser condenada a pagar à autora a título de indemnização:
a) 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade o que perfaz 1.264,00 (tomando como referência o valor da retribuição e diuturnidades no montante de 832,00 €) multiplicados por 21 anos de antiguidade no valor total de 26.544,00 €;
b) A quantia de 80.000,00 €, a titulo danos morais;
c) A quantia de 1.000,00 €, a titulo de danos patrimoniais;
A Ré ser condenada ainda a pagar à Autora:
d) As diuturnidades vencidas e não pagas, incluindo subsidio de férias, Férias e subsidio de Natal, desde Janeiro de 2002 a Dezembro de 2018 no montante global  de 2.805,40 €.
e) As férias e respectivo subsidio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2019, no valor de 1.664,00€.
f) As diferenças salariais pagas nas férias, subsidio de férias e subsidio de Natal , correspondendo à média anual auferida nos últimos doze meses de cada ano, desde Janeiro de 2004 até 31 de Dezembro de 2018 a titulo de abonos para falhas no montante global de 1920,00 €; e a titulo de subsidio de deslocação no montante global de 247,50 €
g) Deve, ainda a Ré pagar à Autora juros de mora à taxa legal desde a propositura da acção até integral pagamento no que respeita aos pedidos a) b) c) e e);
h) Deve pagar juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal para cada ano, acrescendo e reportados às quantias supra mencionadas em d) e f) e a vencer  desde as datas em que cada verba deveria ter sido posta à disposição da Autora, contabilizados até integral e efectivo pagamento”, não havendo acordo, a R. contestou e foi realizado o julgamento.
Aí, um requerimento da R. de realização de perícia que consta da acta de audiência de julgamento (2ª sessão de 25/10/2021), foi decidido destarte:
Dos termos do Código de Processo de Trabalho a prova deve ser requerida com os articulados, sendo que os requerimentos de prova agora apresentados já podiam então ser formulados. No mais não se afigura imprescindível para a discussão da causa porquanto as partes tiveram oportunidade de juntar aos autos os e-mails, mensagens e outras correspondências trocadas. Assim, e pelo exposto indefere-se o requerido”.
A R. não se conformou e recorreu, concluindo:
(…)
A parte contrária não contra-alegou.
O DM do Ministério Público teve vista.
Foram colhidos os competentes vistos.
II
A) É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC do CPC.
Deste modo o objecto do recurso consiste em saber se deve ser admitida a perícia requerida.
Factos assentes: os descritos na fundamentação, e ainda:
- foi proferida sentença nos autos que julgou nos seguintes termos:
“o Tribunal julga a ação parcialmente por provada e decide:
i) Condenar a Ré a pagar à Autora o montante de € 1.632,00, a título de férias e subsídio de férias proporcionais, quantia esta acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados desde o vencimento (25/02/2019) e até integral pagamento.
ii) Condenar a Ré a pagar à Autora o valor de € 750,00, a título de subsídio de férias, à razão de € 40,00 por cada ano de 2004 a 2008, e no valor de € 50,00 por cada ano de 2005 a 2019, quantia esta acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados desde o vencimento, por referência a cada ano de vencimento e até integral pagamento,
iii) Absolve a Ré do mais peticionado.
iv) Condenar a Autora como litigante de má-fé no pagamento de multa de 2UC’s”.
De Direito
Dispõe o art.º 388.º do Código Civil, relativo ao objecto, que "A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial".
De aqui resulta que está em causa a prova de factos de que o juiz não tem conhecimento, ou de factos em que se justifica resguardar o visado de uma inspeção judicial, por visarem a intimidade da vida privada e familiar e a dignidade da pessoa.
Trata-se de uma prova pessoal e indireta, "na medida em que a demonstração do facto é feita através de uma pessoa, o perito, que se interpõe entre o tribunal e o objeto da perícia" - Cfr. Rita Gouveia, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Univ. Católica Ed.ª, 881, em nota ao art.º 388 do Código Civil.
Adjetivando este preceito, o art.º 475, n.º 1, do Código de Processo Civil dispõe que "Ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência".
"O objeto da perícia é constituído por questões de facto que sejam condicionantes (porque infirmadoras ou corroboradoras dos factos que sustentam a pretensão e/ou a exceção) da decisão final de mérito, segundo as várias soluções plausíveis de direito. Assim, a prova pericial tanto pode incidir sobre factos essenciais como sobre factos instrumentais, desde que estes últimos sejam idóneos a conduzir à prova daqueles" - cfr. Geraldes, Pimenta e Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol I, nota I ao art.º 475.
"Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição" - art.º 476/1.
Sendo indireta e especial, louvando-se em situações específicas, mormente a exigência de conhecimentos especiais que o juiz não tem, bem se compreende que deva ter lugar em casos contados, em que se vê a sua necessidade. De contrário, em lugar de auxiliar a prova, a perícia converter-se-ia facilmente num modo de dificultar a sua produção e o bom andamento do processo, e de o encarecer por meio de atos atentatórios do princípio da limitação, consagrado no art.º 130, que determina exatamente a necessidade da economia processual.
No caso, a diligência foi recusada por ser considerada extemporanea. Antes tinha sido suscitada a questão da sensibilidade das imagens em causa, face ao seu carater privado.
Vejamos.
As diligencias de prova devem ser requeridas com os articulados (art.º 552/2 para a petição inicial, 572/d para a contestação, 423/1 para a prova documental e 486, de onde resulta que a prova pericial deve ter lugar em regra antes da audiência de discussão e julgamento, todos do CPC.), apenas devendo ter lugar posteriormente em casos pontuais e devidamente justificados (cfr. art.º 423/3).
A diligência foi requerida em audiência de julgamento, num caso em que até era previsível que poderia virem levantar-se objeções, dada a natureza intima das imagens e tanto mais que num contexto em que as partes visivelmente se digladiavam, de acordo com a conhecida troca de emails.
Poderia, pois, ter sido acautelada oportunamente.
Mas ainda que se possa discutir isto, afigura-se claro que não resulta dos autos qual a necessidade da realização da perícia. Desde logo a requerente não o diz, limitando-se a referir a oposição da A., o que é insuficiente, pois sempre cumpriria esclarecer porque provar tal ponto é de relevo, isto é, que factualidade é que a R. pretende demonstrar com a prova de que é a A. que intervém no tal vídeo e porque é que tal é importante.
E se isto era assim aquando da prolação do despacho, mais o é agora que foi proferida a sentença, que condenou a R. em montante muito inferior àquilo que a A. demandava (e mesmo a condenação prende-se com retribuições e nada com a matéria relativa a assédio sexual / resolução / danos não patrimoniais, ou o que quer que se venha conexo com o dito vídeo) – e, aliás, até sancionou a A. a titulo de litigância de má fé. Mais se evidencia a falta de relevância da pretendida diligencia, que não vislumbramos e a R. não ajuda a descortinar (e não é só pela decisão: veja-se a factualidade provada em 24 a 26 e a fundamentação da decisão de facto relativamente aos vídeos de sexo referidos em que intervém a A).
Deste modo, não se vislumbra razão à R. quando afirma que a diligência se tornou necessária (art.º 423/2, CPC), e nem qualquer pertinência.
Deste modo, mantém-se a decisão recorrida.
*
III.
Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente o recurso, e confirma o despacho recorrido.
Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 29 de junho de 2022
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega