Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1590/20.7T8VFX-A.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
SUBSTITUIÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO EM CURSO
REINÍCIO DO PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1–No âmbito do procedimento de concessão de apoio judiciário, a notificação ao requerente da nomeação de patrono, a ser feita por carta, deve sê-lo por carta registada, sob pena de não produzir efeitos, sendo como se não tivesse existido.

2–De acordo com o juízo de inconstitucionalidade da alínea a)do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho decorrente do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 515/2020, de 13 de Outubro de 2020, quando interpretada no sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do referido artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado, há que entender que só com essa notificação (ou com a do patrono nomeado, conforme a última que ocorrer) é que se reinicia o prazo anteriormente interrompido.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I–RELATÓRIO


A, residente em Casal ....., n.º ..., V____F____X____ intentou contra B [BANCO ….., S. A.], com sede à Av. ..... ..... ....., n.º …, ...º, M..... - A____ a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, alegando que no âmbito de um crédito que com esta contratou para aquisição de uma viatura, teria sido feito um desconto inicial de 3 000,00 €, que não veio a constar do contrato celebrado, entretanto deixou de conseguir pagar as prestações acordadas, sem ter conseguido renegociar o contrato, tendo entregado a viatura, que a ré vendeu por um preço abaixo do seu valor real, ficando a pagar um valor superior ao do crédito, pelo que pede a condenação da ré a cumprir o acordado e a deduzir os valores já liquidados pelo autor, devendo ainda assumir o diferencial da venda do veículo abaixo do valor de mercado (cf. Ref. Elect. 9761940 dos autos principais).

Com a petição inicial o autor juntou procuração forense por si emitida a favor da ilustre advogada Dr.ª BS..., subscritora daquela peça processual.

A ré deduziu contestação impugnando o alegado pelo autor, com excepção da celebração do contrato de crédito, conforme condições nele vertidas e entrega do veículo para venda a terceiro, concluindo pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido (cf. Ref. Elect. 9809196 dos autos principais).

O autor e a ré foram convidados a prestar esclarecimentos quanto ao alegado, o que fizeram, tendo sido dispensada a audiência prévia e a identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova (cf. Ref. Elect. 149651893 dos autos principais).

Realizada a audiência final, em 22 de Abril de 2022 foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, e absolveu a ré do pedido (cf. Ref. Elect. 152424932 dos autos principais).

A sentença foi notificada à ilustre mandatária do autor com certificação Citius de 27 de Abril de 2022 (cf. Ref. Elect. 152526321 dos autos principais).

Em 24 de Maio de 2022 o autor remeteu aos autos um requerimento em que dava conta que aguardava a nomeação de advogado pela Ordem de Advogados, juntando comprovativo da entrega por si efectuada junto da Segurança Social, nessa mesma data, de requerimento de protecção jurídica, na modalidade de nomeação e pagamento da compensação a patrono, com vista à interposição de recurso na presente acção (cf. Ref. Elect. 12373358 dos autos principais).

Em 25 de Maio de 2022, a ilustre mandatária do autor veio apresentar um requerimento em que renuncia à procuração. A renúncia foi notificada ao autor por carta registada com aviso de recepção, recebida em 13 de Junho de 2022 (cf. Ref. Elect. 12499408 dos autos principais).

Em 13 de Julho de 2022 foi comunicada aos autos a nomeação da Dr.ª Cláudia…, como patrona do autor, sendo comunicado o deferimento do requerimento de protecção jurídica dessa data, em 29 de Julho de 2022 (cf. Ref. Elect. 12575105 e 12634326 dos autos principais).

Por requerimento de 29 de Julho de 2022, a Dr.ª Cláudia… comunicou aos autos ter apresentado pedido de escusa, nos termos do art.º 34º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (cf. Ref. Elect. 12635945 dos autos principais).

Em 3 de Agosto de 2022 foi comunicada aos autos a nomeação da Dr.ª Ana…, como patrona do autor, que nessa mesma data informou nos autos ter apresentado pedido de escusa junto da Ordem dos Advogados (cf. Ref. Elect. 12646297 e 12649413 dos autos principais).

Em 19 de Agosto de 2022 foi comunicada aos autos a nomeação da Dr.ª Sónia…, como patrona do autor, que em 23 de Agosto de 2022 informou nos autos ter apresentado pedido de escusa junto da Ordem dos Advogados (cf. Ref. Elect. 12688381 e 12693968 dos autos principais).

Em 31 de Agosto de 2022 foi comunicada aos autos a nomeação do Dr. Luís…, como patrono do autor, que em 1 de Setembro de 2022 informou nos autos ter apresentado pedido de escusa junto da Ordem dos Advogados (cf. Ref. Elect. 12717854 e 12722518 dos autos principais).

Em 8 de Setembro de 2022 foi comunicada aos autos a nomeação da Dr.ª Sara…, como patrona do autor, que em 15 de Setembro de 2022 informou nos autos ter apresentado pedido de escusa junto da Ordem dos Advogados (cf. Ref. Elect. 12744949 e 12772115 dos autos principais).

Em 21 de Setembro de 2022 foi comunicada aos autos a nomeação da Dr.ª Sofia…, como patrona do autor, que em 27 de Setembro de 2022 informou nos autos ter apresentado pedido de escusa junto da Ordem dos Advogados (cf. Ref. Elect. 12793115 e 12821042 dos autos principais).

Em 21 de Novembro de 2022, a ilustre advogada, Dr.ª Ana…, dirigiu aos autos um requerimento dando conta que fora nomeada patrona ao autor, por ofício de 11 de Outubro de 2022, tendo verificado a impossibilidade de aceder ao processo por a sua nomeação não se mostrar junta a este, tendo contactado a Ordem dos Advogados, que proferiu despacho dando conta que o ofício de nomeação teria sido remetido ao Tribunal em 11 de Outubro de 2022 (cf. Ref. Elect. 13043735 dos autos principais).

Em 24 de Novembro de 2022 foi remetido aos autos o ofício de 11 de Outubro de 2022 que dá conta da nomeação da Dr.ª Ana… como patrona do autor (cf. Ref. Elect. 13062747 dos autos principais).

Em 19 de Dezembro de 2022, o autor, por si próprio, remeteu aos autos um requerimento em que solicita cópia integral da sessão de audiência de julgamento em suporte áudio, mencionando alguns normativos legais (art.º 268º da Constituição da República Portuguesa, art.ºs 2º e 39º do DL n.º 73/2014, de 13 de Maio e art.ºs 2º e 5º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto), e dando conta que continuava a aguardar a notificação de nomeação de advogado oficioso, conforme requerido à Ordem dos Advogados, para efeitos de exercer o direito de recurso (cf. Ref. Elect. 13154949 dos autos principais).

Em 11 de Janeiro de 2023 foi proferida a seguinte decisão (cf. Ref. Elect. 155334446 dos autos principais):
“Conforme print dos CTT, ora obtido, relativamente ao AR assinado pelo Autor de fls. 100, com data de 13.06.2022, a Sentença dos autos, proferida em 22.04.2022, e regularmente notificada ao Autor em 27.04.2022, conforme notificação ref.ª 152526321, transita em julgado em 1/06/2022 ou 13/06/2022, consoante lance mão do que dispõe o art.º 638º, n.º 7 do CPC, pelo que tendo a I. Mandatária constituída pro procuração de fls. 5, renunciado à sua procuração em 25.05.2022, esta renuncia operou os seus efeitos em 13.06.2022, data do referido AR de fls. 100.
E nesta data, como supra aludido, ainda assistia ao Autor direito a interpor tempestivamente recurso caso pretendesse a reapreciação da prova gravada em audiência de julgamento que teve lugar.
Sucede que, após tal notificação da renuncia da referida I. Mandatária foram juntos ao processo variadíssimas nomeações de Patrono oficioso seguidas de pedidos de escusa, fls. 101/106, 108/112, 115/117, 119/120, 122/124, 126/130 e finalmente a nomeação de Patrono de fls. 133, com data de 11.10.2022, apresentada aos autos em 21.11.2022 pela I. Patrona, com junção de três documentos e explicação aí constante, e email de fls. 135 da Ordem dos Advogados, que além do mais adverte para o que dispõe o art.º 24º, n.º 5, alínea a) da LAJ.
Dispõe o mencionado preceito legal que “(…) 4- Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo. 5- O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; (…).”.
Ora, atentando no referido preceito legal, a entender-se assistir ao Autor o direito a recurso com pedido de reapreciação de prova gravada, tal prazo a que alude o art.º 638º, n.ºs 1 e 7 do CPC, terminou em 21.11.2022, e mesmo a lançar mão do que dispõe o art.º 139º do CPC, o requerimento apresentado em 19.12.2022, apenas pelo Autor, veja-se, desacompanhado da I. Patrona Oficiosa que lhe foi nomeada, por intempestivo, é inútil, dado que refere “continuo a aguardar a notificação da nomeação (…)”.
A Lei é clara, e sendo os autos, de tramitação electrónica, com obrigatoriedade de constituição de mandatário, no caso, com a nomeação oficiosa de Patrono, deveria ter sido dirigido aos autos, requerimento electrónico e não requerimento em papel subscrito tão só pelo Autor.
Por todo o exposto, considerando esgotado o prazo para a interposição de recurso, e bem assim, a falta de forma, do ato praticado pelo Autor, a par doo que dispõe o art.º 130º do citado diploma legal, indefiro-o.
Sem prejuízo, notifique com cópia o teor de fls. 136 e 136 verso à I. Patrona Oficiosa nomeada ao Autor, em 11.10.2022, e inserida no programa Citius, para os fins tidos por convenientes.
*
Oportunamente, arquive.”

Inconformado com esta decisão, veio o autor interpor o presente recurso cuja motivação concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 13328648):
1.–A decisão de nomeação de patrono ainda não foi notificada ao Recorrente;
2.–No dia 11.10.2022, a Ordem dos Advogados nomeou a Patrona signatária para patrocinar o Recorrente;
3.–No dia 18.11.2022, por despacho, a Ordem dos Advogados informou a Patrona que, no dia 11.10.2022, remeteu o ofício de nomeação ao Tribunal;
4.–No dia 21.11.2022, a Patrona requer a junção ao processo do referido despacho e do email da Ordem dos Advogados, do ofício de nomeação e o acesso ao processo;
5.–No dia 24.11.2022, a Ordem dos Advogados junta ao processo o ofício de nomeação da Patrona;
6.–No dia 19.12.2022, o Recorrente, por si mesmo, requer ao Tribunal uma cópia integral, em suporte de CD Audio, da sessão de audiência de discussão e julgamento, mencionando que continua a aguardar a notificação de nomeação de patrono para interpor recurso;
7.–Por despacho de 11.01.2023, o tribunal a quo indeferiu o requerimento do Recorrente por considerar que o prazo de interposição de recurso terminou no dia 21.11.2022;
8.–Por notificação, com a data de 12.01.2023, a Patrona toma conhecimento do requerimento do Recorrente e do despacho;
9.–No dia 27.01.2022, o recorrente toma conhecimento do referido despacho por carta de notificação, de 12.01.2023, enviada em correio registado;
10.–A falta de notificação ao Recorrente da nomeação de patrono deve ser dada como assente, sendo que o prazo de interposição de recurso ainda não se iniciou;
11.–Atenta a literalidade da norma contida na al. a) do nº 5 do artº 24º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, decidiu a Meritíssima Juiz a quo que o prazo de interposição de recurso terminou no dia 21.11.2022, porquanto foi tomada em consideração a data da nomeação de patrono para contagem de tal prazo;
12.–A Ordem dos Advogados juntou o ofício de nomeação de patrono ao processo, no dia 24.11.2022;
13.–O recorrente não foi notificado da decisão de nomeação de patrono pela Ordem dos Advogados;
14.–Apenas com a notificação da decisão de nomeação de patrono, o Recorrente fica em posição de exercer o seu direito, e não antes;
15.–Ao requerer a nomeação de patrono, o Recorrente aguarda que lhe seja comunicada a respectiva decisão de nomeação;
16.–A ratio do artº 24º, nº 5, da Lei 34/2004, de 19.07, centra-se na defesa dos interesses do requerente de apoio judiciário, à luz do princípio constitucionalmente consagrado de acesso à justiça;
17.–Interpretar a al. a) do nº 5 do art. 24º da Lei 34/2004, de 29.07, “com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do nº 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente de apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado”, atenta contra o direito de acesso à justiça;
18.–Razão pela qual al. a) do nº 5 do art. 24º da Lei 34/2004, de 29.07, interpretada naquele sentido foi declarada, com força obrigatória geral, inconstitucional – Acórdão do Tribunal Constitucional nº 515/2020 (Diário da República, 1ª série, nº 225, de 18.11.2020);
19.–O tribunal a quo não atendeu ao facto do Recorrente, beneficiário de apoio judiciário, ainda não ter sido notificado, nem à data da prolação do despacho, nem posteriormente, da decisão de nomeação de patrono,
20.–Sendo que, em consequência, o prazo de interposição de recurso ainda não decorreu, porque ainda não se iniciou;
21.–Decidindo como decidiu, a decisão judicial recorrida violou a norma do artº 24, nº 5, al. a) da Lei 34/2004, de 29.07, por ser a mesma inconstitucional, por representar uma verdadeira denegação do exercício dos direitos de defesa de acesso aos tribunais, ao arrepio da lógica e dos princípios plasmados na Lei Fundamental Portuguesa, quando interpretada a al. a) do nº 5 do artº 24º da Lei 34/2004, de 29.07, no sentido de considerar que o prazo interrompido se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação.
Termina pedindo a revogação da decisão recorrida, considerando-se que o prazo de interposição de recurso da decisão final ainda não está esgotado.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Admitido o recurso e remetido a esta Relação, em 17 de Março de 2023 a ora relatora proferiu despacho a ordenar que se solicitasse à Ordem dos Advogados no sentido de informar em que data ocorreu a notificação ao recorrente de nomeação da patrona Dr.ª Ana…(cf. Ref. Elect. 19744338).

Em 27 de Março de 2023 o Conselho Regional da Ordem dos Advogados comunicou aos presentes autos o conteúdo do despacho proferido (cf. Ref. Elect. 627675):
“Informar o Tribunal que,
1.-Em 11.10.2022, este Conselho Regional, procedeu à nomeação do(a) Senhor(a) Advogado(a), Dr.(a) Ana…, para o patrocínio;
2.-A nomeação atrás mencionada, foi comunicada por Ofício datado de 11.10.2022 remetido por via postal simples;
Este Conselho Regional mantém-se ao dispor para qualquer esclarecimento que se entenda útil e necessário.
Lisboa, 27 de Março de 2023”

Em 21 de Abril de 2023 foi comunicada aos autos a nomeação de novo patrono ao recorrente, o Dr. Francisco…, cuja notificação à parte foi ordenada, por despacho de 24 de Abril de 2023 (cf. Ref. Elect. 631150).
*

II–OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação do recorrente importa apreciar se o prazo para interposição do recurso da decisão final (proferida em 22 de Abril de 2022) se iniciou em 11 de Outubro de 2022, com a notificação à Dr.ª Ana..., da sua nomeação como patrona do recorrente.

Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III–FUNDAMENTAÇÃO

3.1.- FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra.
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3.2.–APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
O recorrente vem sustentar que ainda não foi notificado da decisão de nomeação de patrono de 11 de Outubro de 2022, circunstância que determina que o prazo de interposição do recurso da decisão final não se teria reiniciado com essa nomeação, porquanto apenas com tal notificação fica aquele em posição de exercer o seu direito, em conformidade com a declaração de inconstitucionalidade do art.º 24º, n.º 5, a) da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que estabelece o Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais[2].

Tenha-se, pois, em consideração, o seguinte:
A sentença proferida em 22 de Abril de 2022 foi notificada à então ilustre mandatária do autor com certificação Citius de 27 de Abril de 2022, considerando-se notificada em 2 de Maio de 2022;
O prazo de 30 dias para interposição do recurso terminaria em 1 de Junho de 2022 (cf. art.º 638º, n.º 1 do CPC);
Se o autor pretendesse recorrer com reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição acresceriam 10 dias, que terminaria a 13 de Junho de 2022;
Em 25 de Maio de 2022, a ilustre mandatária do autor renunciou ao mandato; renúncia notificada ao autor por carta registada com aviso de recepção, recebida em 13 de Junho de 2022, data em que se produziram os efeitos da renúncia (cf. art.º 47º, n.º 3 do CPC);
Já em 24 de Maio de 2022 o autor dera conhecimento nos autos que havida requerido protecção jurídica, na modalidade de nomeação e pagamento da compensação a patrono, com vista à interposição de recurso na presente acção, o que lhe foi deferido, sendo em que em 13 de Julho de 2022 foi comunicada aos autos a nomeação de patrono ao autor;
A patrona inicialmente nomeada dirigiu à Ordem de Advogados um pedido de escusa;
Sucederam-se outras cinco nomeações de patrono, com subsequentes pedidos de escusa, todos devidamente comunicados aos autos;
Em 21 de Novembro de 2022, a última patrona nomeada (antes da prolação da decisão recorrida), Dr.ª Ana…, informou nos autos a sua nomeação, ocorrida em 11 de Outubro de 2022, o que apenas foi comunicado aos autos em 24 de Novembro de 2022;
Em 19 de Dezembro de 2022, o autor, por si próprio, remeteu aos autos um requerimento em que solicitou cópia integral da sessão de audiência de julgamento em suporte áudio e dando conta que continuava a aguardar a notificação de nomeação de advogado oficioso.

A decisão recorrida considerou que o prazo para interposição do recurso da sentença se reiniciou com a notificação da nomeação da Dr.ª Ana... como patrona do autor ocorrida em 11 de Outubro de 2022, pelo que considerou que tal prazo, acrescido de 10 dias para eventual impugnação da decisão sobre a matéria de facto, teria terminado no dia 21 de Novembro de 2022, sem que tivesse sido interposto qualquer recurso, sendo que o requerimento apresentado pelo próprio autor, em 19 de Dezembro de 2022, não teria qualquer virtualidade para considerar o acto praticado, até porque sempre seria extemporâneo.

Conforme decorre do estatuído no artº 16º, nº 1, b) do RADT[3], o apoio judiciário abrange, entre outras, a modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, a ser requerido pelo interessado na sua concessão – cf. art.ºs 19º e 22º do RADT.

Quando esteja em causa esta específica modalidade de apoio judiciário, estatui o art.º 24º do RADT o seguinte:
“[…]
4- Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5- O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a)-A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b)-A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.”

A decisão final sobre o pedido de protecção jurídica é notificada ao requerente e, se o pedido envolver a designação de patrono, também à Ordem dos Advogados, a quem compete proceder à nomeação de patrono – cf. art.ºs 26º, n.º 1 e 30º, n.º 1 do RADT.

Sendo o requerimento de protecção jurídica apresentado na pendência de acção judicial, a decisão final sobre o pedido de apoio judiciário é notificada ao tribunal em que a acção se encontra pendente, bem como, através deste, à parte contrária – cf. art.º 26º, n.º 4 do RADT.

A nomeação de patrono é notificada pela Ordem dos Advogados ao requerente e ao patrono nomeado e, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 26.º, para além de ser feita com a expressa advertência do início do prazo judicial, é igualmente comunicada ao tribunal – cf. art.º 31º, n.º 1 do RADT.

Por sua vez, o art.º 34º do RADT dispõe o seguinte:
1-O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos.
2-O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º
3-O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.
4-A Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores aprecia e delibera sobre o pedido de escusa no prazo de 15 dias.
5-Sendo concedida a escusa, procede-se imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, excepto no caso de o fundamento do pedido de escusa ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada nova nomeação para o mesmo fim.
6-O disposto nos n.os 1 a 4 aplica-se aos casos de escusa por circunstâncias supervenientes.”

Daqui decorre que a norma do n.º 5 do art.º 24º do RADT é também aplicável às situações de interrupção do prazo em curso por via da dedução de um pedido de escusa por patrono nomeado, desde que junto aos autos o documento comprovativo desse pedido.

Em face do regime de apoio judiciário, na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, tal como decorre das normas referidas, verifica-se que, nessa situação, há lugar a uma nomeação administrativa de um patrono oficioso, a quem caberá, na sequência da sua nomeação pela Ordem de Advogados, promover o que processualmente se impuser para dar andamento à acção judicial pendente, tendo em conta designadamente os prazos legais aplicáveis à situação em concreto.

No caso em apreço, na sequência dos pedidos de escusa antecedentes, a patrona nomeada, Dr.ª Ana…, notificada da sua nomeação, dispunha de um prazo de 30 dias para interpor o recurso de apelação da sentença final proferida nestes autos, considerando que, à partida, tal prazo se reiniciou ou voltou a correr com a sua notificação da sua designação pela Ordem de Advogados, nos termos do disposto no art.º 24º, n.ºs 1, 4 e 5, a) do RADT, ou seja, no caso, a partir de 12 de Outubro de 2022.

Foi precisamente considerando estes normativos legais que a decisão recorrida entendeu que o mencionado prazo de 30 dias, ou tal prazo acrescido de 10 dias em caso de pretensão de reapreciação de prova gravada, transcorrera já por inteiro, terminando em 21 de Novembro de 2022, sem que qualquer requerimento de interposição de recurso houvesse sido apresentado nos autos.

Sucede que, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 515/2020, de 13 de Outubro de 2020, publicado no DR 1ª Série de 18 de Novembro de 2020, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado, considerando que o início do prazo interrompido numa situação de desconhecimento pelo requerente de apoio judiciário sobre a identidade de quem o patrocina em juízo, e à qual deve colaboração, o coloca em posição de indefesa, podendo ver frustrado o seu direito de acesso à justiça devido a insuficiência de meios económicos.

Com efeito, pode ler-se em tal acórdão o seguinte:
“A interrupção dos prazos por efeito do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono — estabelecida pelo n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho — foi entendida, pelo Tribunal Constitucional, como garantia inerente ao direito à de acesso à justiça e aos tribunais, estatuído no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição. No Acórdão n.º 461/2016, apontam – se as razões em que assenta o mecanismo interruptivo dos prazos processuais, enquanto instrumento alicerçado no n.º 1 do artigo 20.º da
Constituição, em termos que importa aqui recuperar:
«6— Dentre as várias modalidades operativas de proteção jurídica comportadas no referido regime — elencadas no artigo 16.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho — , a norma em apreço disciplina os efeitos do pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono, quando apresentado na pendência de ação.
Quem careça de ser patrocinado em juízo por advogado e não disponha de condição económica idónea a suportar o custo de tais serviços, pode requerer que lhe seja nomeado patrono e satisfeito pelo Estado — total ou parcialmente — o respetivo pagamento, devendo fazê-lo, por regra, antes da primeira intervenção processual subsequente a tal necessidade (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho), junto dos serviços da segurança social da área de residência ou sede do requerente, entidade administrativa competente para a respetiva decisão (artigos 20.º e 21.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho). Mas, porque a resposta a essa pretensão não é imediata, coloca-se o problema de acautelar que, até que seja emitida uma decisão, positiva ou negativa, o normal decurso do processo pendente, mormente no plano dos prazos processuais preclusivos já em curso, não comprometa irremediavelmente a posição do requerente de apoio judiciário.

7— Esse problema encontra resposta no mecanismo interruptivo dos prazos em curso e nova contagem por inteiro, estatuído nos n.ºs 4 e 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho […]

Lê -se no Acórdão n.º 98/2004:
“O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo constitucional plasmado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do referido instituto no nosso ordenamento; impõe-se que a sua modelação seja adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses.
Nesta conformidade, há de a lei estabelecer, designadamente, medidas que, no plano da tramitação processual (se o pedido é formulado na pendência de um processo), acautelem a defesa dos direitos do requerente do apoio, em particular no que concerne aos prazos em curso.
Tais medidas impõem-se tanto mais quanto o pedido de apoio visa a nomeação de patrono, uma vez que, desacompanhada de mandatário forense, a parte não dispõe de meios para, no processo, defender (ou defender adequadamente) os seus direitos. […]
A norma ora fiscalizada não se liga ao estabelecimento da interrupção dos prazos, mas à definição do momento em que estes se reiniciam. Sendo certo que a definição dessa ocasião obedece, necessariamente, às mesmas razões que determinaram a interrupção: a possibilidade de o requerente de apoio judiciário vir, em condições de igualdade com as outras partes, utilizar os meios processuais ao seu dispor.

Como é referido no Acórdão n.º 461/2016:
«8—A questão aqui em apreço radica, não já no momento interruptivo — e nos ónus que lhe estão associados —, mas, a jusante, no momento em que, feita a notificação da nomeação de patrono, ocorre a cessação desse efeito e volta a correr o prazo processual, in casu o prazo para a contestação em processo de injunção.
Não obstante, ainda que distintos, aos dois momentos preside a mesma teleologia: proporcionar ao interessado carenciado de recursos económicos meios de defender em juízo de forma tecnicamente efetiva e eficaz os seus direitos e interesses legalmente protegidos, assegurando que tenha acesso a quem esteja legalmente habilitado a exercer o patrocínio judiciário e possa, por intermédio deste, exercer em condições de igualdade com os demais litigantes os instrumentos processuais ao seu dispor. Ora, se, como se viu, a solução de paralisia do prazo em curso obedece à necessidade de preservar a possibilidade de o requerente de apoio judiciário vir aos autos através de técnico do direito expor as suas razões de facto e de direito, então, por identidade de razão, o reinício do prazo interrompido haverá de obedecer à reunião de condições que garantam o efectivo estabelecimento e a atuação de uma relação de patrocínio judiciário. O que pressupõe naturalmente, como em qualquer relação comunicante, o conhecimento pelos seus dois polos — patrono e patrocinado — da existência de um tal vínculo […]
Para o tribunal a quo, e também para o recorrente, o início do prazo interrompido nas apontadas condições de desconhecimento pelo requerente de apoio judiciário sobre a identidade de quem o patrocina em juízo, e à qual deve colaboração, coloca este em posição de indefesa, podendo ver frustrado o seu direito de acesso à justiça devido a insuficiência de meios económicos.
De facto, desconhecendo a nomeação e a identidade do patrono, o beneficiário do apoio não dispõe de informação que lhe permita prestar a colaboração necessária à apresentação de articulado de defesa, mormente no plano dos factos, além de que não tem meios de apurar por si mesmo que o prazo interrompido voltara a correr. Aliás, a dupla advertência imposta pelo legislador no artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 julho, visa justamente obstar a uma tal situação de impotência, e de indefesa, consubstanciadora de uma posição processual desfavorável em relação às partes ou sujeitos processuais que possam suportar a constituição de mandatário, em termos similares ao que se julgou nos Acórdãos n.ºs 98/2004 e 467/2004.
11— É certo que a notificação do patrono nomeado assegura de imediato o estabelecimento da relação de representação em juízo, nada obstando a que o advogado, ciente da premência da obtenção de elementos para a defesa, desencadeie sponte sua o contacto com quem patrocina, fazendo-o em tempo côngruo com o respeito pelo prazo processual cuja contagem se iniciou com a sua notificação.
Porém, mesmo que o cumprimento de tais deveres postule uma conduta ativa por parte do advogado nomeado no quadro do apoio judiciário, de modo a que a comunicação entre representante e representado seja estabelecida antes mesmo do recebimento da notificação estipulada nos n.ºs 1 e 2 do artigo 31.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, não existem garantias normativas idóneas a assegurar que assim aconteça em todos os casos. E, sobretudo, não remove a possibilidade de o cidadão economicamente carenciado sofrer, sem culpa sua, um encurtamento, ou até a inutilização, do prazo de organização e exercício da sua defesa em juízo com a assistência de um representante que assegure a condução técnico -jurídica do processo, face ao que teria ao seu dispor caso, logo após a notificação do requerimento de injunção, contasse com meios económicos para contratar de imediato os serviços de um advogado como seu mandatário. Persiste o risco, incompatível com o respeito pelo processo equitativo, na dimensão de igualdade substantiva entre as partes e de proibição da indefesa (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), de o interessado economicamente carenciado não poder defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quer porque o prazo se poderá esgotar, quer porque disporá de um prazo inferior ao estabelecido na lei para prática do ato ao qual o prazo está funcionalizado.
12—Conclui -se, pelo exposto, pela desconformidade constitucional, à luz da norma – princípio de garantia de acesso direito e aos tribunais, sem denegação por insuficiência de meios económicos (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição), em conjugação com o direito ao processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), da interpretação normativa, extraída do artigo 24.º, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 34/2004, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado».”
Em face deste juízo de inconstitucionalidade com força obrigatória geral cumpre, ao contrário do que decidiu a 1ª instância, desaplicar a norma do art.º 24º, n.º 5, a) do RADT com o sentido apontado de que o reinício do prazo ocorre com a notificação da nomeação ao patrono designado.
O recorrente, requerente do apoio judiciário na apontada modalidade, terá sido notificado da nomeação da Dr.ª Ana..., conforme indicação da Ordem dos Advogados, por ofício datado de 11 de Outubro de 2022, remetido por via postal simples.
No entanto, não foi remetido aos presentes autos qualquer comprovativo da expedição desse ofício.
De todo o modo, tomando por bom que foi expedido e que não foi devolvido, tal circunstância – a de uma carta enviada por correio simples para a morada de determinada pessoa não ser devolvida ao remetente - não prova que o destinatário a recebeu; apenas prova que não foi devolvida, podendo ter sido destruída, extraviada, entregue em morada distinta da do destinatário, entre outras possibilidades.
Ora, o envio por correio simples, sem registo, não obedece à forma legalmente prescrita.
Na verdade, ainda que o RADT não preveja qualquer forma especial para a notificação, o respectivo art.º 37º estabelece como regime subsidiário as disposições do Código do Procedimento Administrativo em tudo o que não esteja especialmente regulado na referida lei.
Assim, nos termos do art.º 112.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, a notificação faz-se por carta registada enviada para o domicílio do notificando (ou por contacto pessoal com o notificando, por telefax, telefone, correio electrónico ou notificação electrónica, por edital ou anúncio, quando verificadas as situações descritas nas restantes alíneas do mencionado normativo legal).

A ter sido cumprido o legalmente determinado, a consulta do registo permitiria determinar a data da notificação. Não o tendo sido, não é possível apurar a data em que o apelante foi notificado, que, sendo alheio ao incumprimento da lei por parte da entidade encarregada da notificação, não pode ser por tal prejudicado.
Com efeito, a se mostrar comprovada nos autos a notificação, por carta registada, dirigida pela Ordem dos Advogados para o endereço do requerente do patrocínio judiciário indicado no requerimento inicial do procedimento administrativo, funcionaria a presunção a que se reporta o art.º 249.º, n.º 1 do CPC, que rege sobre as notificações às partes que não constituam mandatário, presumindo-se que a notificação foi feita no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Dado que, neste caso, a notificação foi expedida por via postal simples, tal presunção não pode operar, por ter sido omitida a formalidade indicada no preceito acima indicado.

Veja-se, neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-06-2018, processo n.º 4211/16.9T8ENT-A.E1[4]:
“Na verdade, se é certo que a Lei do Apoio Judiciário não contém actualmente qualquer formalidade específica quanto à efectivação da notificação, por ter sido revogado pela alínea a) do n.º 5 da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, o n.º 4 do artigo 31.º da LAJ, não é menos correcto que a eliminação de formalidades específicas quanto à notificação da decisão referente ao pedido de apoio judiciário, apenas significa que não se justificam desvios nesta sede relativamente ao «regime geral de comunicação de atos no âmbito do processo civil e do procedimento administrativo».
Ora, mesmo que se considere não ser aplicável aquele preceito à notificação efectuada pela Ordem dos Advogados ao requerente, sempre lhe seria aplicável o disposto nos artigos 112.º, n.º 1, alínea a) e 113.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, que regulam a forma e a perfeição das notificações, e que não foram cumpridos, porque se referem à carta registada e não à carta simples.
Deste modo, em face do disposto nestes preceitos legais, da não devolução da carta simples expedida pela Ordem dos Advogados para o Requerente da nomeação de patrono, não pode extrair-se a presunção do seu efectivo recebimento, porquanto a base da mesma assenta no envio da carta registada, formalidade que não teve lugar.”
Conforme decorre do acima expendido, uma interpretação conforme à Constituição da norma do art.º 24º, n.º 5, a) do RADT não pode viabilizar um procedimento de concessão de apoio que onere o requerente com uma diminuição das suas garantias de defesa, sendo certo que no caso de um pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, a parte, desacompanhada de mandatário forense, não dispõe de meios para, no processo defender (ou defender adequadamente) os seus direitos e interesses.
Logo, tendo a Ordem dos Advogados remetido carta simples para notificação do ora recorrente, e tendo este alegado que a não recebeu e que nunca foi notificado da nomeação da patrona Dr.ª Ana..., (cujo ofício dando conta da nomeação só foi, aliás, remetido aos autos em 24 de Novembro de 2022), não funcionando a presunção legal de ocorrência da notificação no 3.º dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, há que concluir que à data em que foi proferida a decisão recorrida não podia o Tribunal a quo ter entendido que estava transcorrido por inteiro o prazo de recurso, porquanto não se mostrava comprovada nos autos a notificação ao requerente da nomeação da patrona, sendo que só a partir dessa notificação é possível reiniciar a contagem do prazo de recurso – cf. neste sentido acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-06-2020, processo n.º 8/19.2TRGMR.S1; do Tribunal da Relação do Porto de 10-11-2020, processo n.º 3878/17.5T8OAZ-A.P1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-11-2017, processo n.º 46/17.0T8VLS-A.L1-2; e do Tribunal da Relação de Évora de 11-05-2021, processo n.º 451/20.4PALGS.E1, de 19-12-2019, processo n.º 1691/19.4YLPRT.E1.

Não estando demonstrada a notificação do requerente e não tendo sido feita por carta registada, é como se não tivesse existido.

Deve, pois, ser revogado o despacho recorrido que considerou esgotado o prazo para a interposição do recurso.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A pretensão que o apelante trouxe a juízo merece provimento.
Dado que a ré não influenciou a decisão recorrida nem a decisão deste recurso, não pode ser considerada vencida para os efeitos previstos no art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Por sua vez, quem do recurso tirou proveito e, por isso, seria responsável pelo pagamento das respectivas custas, seria o recorrente.
No entanto, o recorrente beneficia de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de compensação a patrono e dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cf. Ref. Elect. 9761940 e 12634326) e ninguém contra-alegou, e como o recurso não envolveu a realização de despesas (encargos), não há lugar ao pagamento de custas em qualquer das suas vertentes (cf. art. 529º, n.º 4 do CPC).
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IV–DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar o despacho recorrido.
Sem custas.
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Lisboa, 2 de Maio de 2023


Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Alexandra Castro Rocha



[1]Adiante designado pela sigla CPC.
[2]Adiante designado pela sigla RADT.
[3]Na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.
[4]Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.