Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
52/19.0T8SRQ-A.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: AVAL
LIVRANÇA EM BRANCO
MORA INTERPELAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 5.1.– A característica da acessoriedade do AVAL ( nos termos do artº 32º-I, da LULL ) , por si só, não dispensa o portador da livrança em BRANCO de interpretar/informar o avalista do vencimento da obrigação subjacente, conferindo-lhe a possibilidade de cumprir nos mesmos termos em que o pode fazer o subscritor do tútulo de crédito;

5.2.– É que, ao dispor o artº 32º,II, da LULL, que a obrigação do dador do AVAL mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, então importa reconhecer que a obrigação do avalista é apenas imperfeitamente acessória relativamente à do avalizado, sendo em rigor e essencialmente uma obrigação materialmente autónoma , ou seja a obrigação do avalista tem as suas próprias condições de validade e eficácia, a que vêm acrescer as decorrentes da sua acessoriedade com a obrigação garantida, e , o seu conteúdo, se não pode exceder o desta e, em principio, é o mesmo, pode ser mais limitado;

5.3.– Do disposto em 5.1. e 5.2. decorre que, tratando-se de uma livrança em branco, não faz sentido considerar existir mora do devedor, independentemente de interpelação ( como se a obrigação tivesse prazo certo - art. 805º, nº 2, al. a), do Código Civil -,solução que decorre naturalmente da fixação de uma data determinada para o cumprimento da obrigação ), pois que a mora do devedor depende sempre de culpa ;

5.4.– Não demonstrando a exequente de que exercitou o seu direito potestativo de resolução, traduzido na competente interpelação dos devedores – v.g do subscritor do título, mas também do avalista - para pagamento do montante em dívida na data em que o apurou, impede-a de exigir do AVALISTA da livrança em Branco o pagamento dos juros de mora entre o momento do vencimento da obrigação e a instauração da execução


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Lisboa

                                    
1.–Relatório.

                         
No seguimento da propositura (em 23/2/2019) de acção executiva por A [....–Sociedade de Garantia Mútua, S.A,] com sede em Santarém, contra B [.....Sequeira, Lda.], C [....Sequeira] e D [José .....], tendo em  vista a cobrança coerciva da quantia total de 9.090,42 €, titulada por Livrança [emitida em 29/01/2019 e vencida em 08/02/2019] pela executada sociedade subscrita e avalizada pelos executados, veio D deduzir  oposição à execução, pugnando pela extinção da acção coerciva, sendo o executado absolvido da instância executiva.

1.1.–Para tanto, alegou o executado D, em síntese, que :
- Sendo verdade que subscreveu a livrança, bem como toda a documentação inerente à sua emissão, tal apenas ocorreu porque estava o embargante convencido de que o fazia, apenas e só, enquanto sócio da executada, porém, a partir de Abril de 2013, momento em que cedeu a sua quota, nunca mais teve qualquer contacto com os assuntos e/ou responsabilidades da empresa ;
- Acresce que, tratando-se de uma livrança “ em branco”,  a data de emissão nela aposta não foi convencionada com o executado, porquanto, em Janeiro de 2019, já não era sócio da Sociedade;
- Outrossim a data aposta na livrança não corresponde à data de vencimento, tendo existido um preenchimento abusivo relativamente à referida data de vencimento, a qual não corresponde sequer à sua vontade;
- Ademais, encontrando-se a obrigação vencida há mais de três anos, e não tendo a exequente requerido a citação do subscritor da livrança até cinco dias antes de completar três anos sobre a data de vencimento, a obrigação cambiária está prescrita e, prescrito o crédito cambiário, ainda assim, a livrança podia servir de título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, desde que a exequente, ora embargada, tivesse [o que não fez] alegado no requerimento executivo a relação subjacente que determinou o preenchimento da livrança;
- Também a exequente, ao instaurar execução contra o pretenso garante, volvidos cerca de seis anos, após o início do incumprimento, está a agir ilicitamente, excedendo, manifestamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito (artigo 334.º, do CC);
- Sem prejuízo do acima exposto, certo é que o executado nunca poderia ser responsabilizado pela importância de € 2.536,23, referente a juros de mora, titulada pela livrança dada à execução, pois que a exequente não deu conhecimento ao executado de a beneficiária ter accionado a garantia bancária, do montante do capital, nem exigiu o seu pagamento, razão  os juros de mora, que incidem sobre o capital em dívida, só são exigíveis a partir do momento da citação do executado.
1.2.–Recebidos os embargos à execução, e notificada a exequente para, querendo deduzir oposição, veio a mesma apresentar contestação, deduzindo no essencial defesa por impugnação motivada - negando a versão do executado/embargante, o qual, de resto, em nenhum momento põe em causa a autenticidade da assinatura aposta na letra, não desconhecendo assim, o âmbito da garantia pessoal e especial das obrigações, nomeadamente pelo instituto do aval por ele prestado, nem tão pouco o montante máximo garantido, uma vez que o mesmo consta expressamente do contrato subscrito por si - e concluindo pela inevitabilidade de a oposição à execução ser julgada totalmente como improcedente.
1.3.–Findos os articulados e designada a realização de uma Audiência Prévia, acabou a mesma por ser dispensada, proferindo-se então o despacho saneador, tabelar, com a fixação do Valor da causa, do objecto do litígio e dos temas da prova, logo se designando também a data para a realização da audiência de discussão e julgamento.
1.4.–Finalmente, procedeu-se em 10/5/2021 à audiência de discussão e julgamento, e ,concluída a mesma, e conclusos os autos para o efeito, veio – em 9/6/2021 - a ser elaborada e proferida a competente sentença, e sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“  (…)
VII – DECISÃO
Por todo o exposto, decide este Tribunal julgar os embargos parcialmente procedentes e, em consequência, decide:
a)- Ordenar o prosseguimento da execução contra o Embargante D para pagamento da dívida no montante de € 6.497,69 €, a que acrescem juros de mora vencidos sobre a referida quantia desde o dia 9 de Fevereiro de 2019 ;
b)- Condenar o Embargante e Embargada A, em custas, na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
São Roque do Pico, ...-...-....
O Juiz de Direito,
DS....”

1.5.–Inconformada com o desfecho da oposição, veio o executado D da competente sentença interpor recurso de apelação, que admitido foi e com efeito devolutivo, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
1.-A douta Sentença, ora recorrida, ordenou o prosseguimento da execução para pagamento do capital em dívida, no montante de € 6.497,69, a que acrescem juros vencidos desde 09/02/2019;
2.-Os pontos 7 a 12 da matéria assente foram considerados, indevidamente, provados pelos documentos juntos com a contestação;
3.-O Tribunal a quo considerou o ponto 7 provado através de carta datada de 23/07/2013, que a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) enviou à A..... & S..... e através da carta de 08/08/2013, enviada pela CEMG à embargada;
4.-Smo, tais documentos, só por si, são insuficientes para demonstrar que a referida sociedade não procedeu ao pagamento da quantia à CEMG ;
5.-Pois, a simples junção de cópia de duas cartas, sem comprovativo de registo e/ou aviso de recepção, são insuficientes para demonstrar que as mesmas foram enviadas e/ou recepcionadas;
6.-Aliás, tais cartas, podiam ter sido elaboradas por qualquer pessoa, em qualquer momento, e juntas aos autos;
7.-Quanto ao ponto 8, em que ficou assente que a CEMG enviou carta datada de 23/07/2013 dirigida à B, a resolver o contrato, bem como a solicitar o pagamento do montante em dívida, entendeu-se que está sedimentado pela carta datada de 23/07/2013;
8.-Ora, a correspondência carreada para os autos não demonstra que a mesma tenha sido elaborada e remetida ao seu destinatário, naquela data, muito menos recepcionada, porquanto, não foi junto qualquer registo e/ou aviso de recepção;
9.-Os pontos 9 e 10, segundo a douta decisão recorrida, estão provados pela carta de 08/08/2013, enviada pela CEMG à embargada;
10.-Quanto a estes pontos, em que deu assente o envio da carta, bem como o envio do recibo de quitação, na falta de junção de registo e aviso de recepção, tal factualidade não podia ter sido dado como provada;
11.-No ponto 11, ficou provado que a embargada pagou à CEMG o montante de € 6.459,90, no dia 11/08/2013;
12.-Para o Tribunal a quo este ponto ficou demonstrado pelas cartas de 11/09/2013 enviadas pela embargada à CEMG e à B ;
13.-Smo, porque a embargada não juntou qualquer registo e/ou aviso de recepção que demonstrasse o envio das cartas, bem como a recepção das mesmas pelos seus destinatários, a expedição da correspondência não ficou demostrada;
14.-E, com o devido respeito, a junção de uma carta acompanhada de cópia de um cheque datado de 11/09/2019, até pode querer demonstrar a intenção de qualquer coisa, mas não prova o pagamento;
15.-O simples facto de ter sido emitido um cheque, cujo débito bancário do mesmo se desconhece, não demonstra o pagamento da importância nele inscrita;
16.-Acresce que, de acordo com o recibo quitação, enviado por carta datada de 08/08/2013, a CEMG deu quitação antes de a embargada ter efectuado o pagamento, na medida em que só teria enviado o cheque na correspondência datada de 11/09/2013, algo que não é verosímil;
17.-Assim, smo, o ponto 11 também não podia ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo;
18.- Por fim, quanto ao ponto 12, ficou assente que a embargada, em 11/09/2013, enviou carta à B a interpelá-la para o pagamento de € 6.459,90;
19.-Este ponto, segundo a decisão recorrida, foi considerado provado pelo documento n.º 4 junto com a contestação, com o assunto “Solicitação de Pagamento – Garantia 2...-.0...7”;
20.-Contudo, apesar de o documento fazer a menção de carta “registada com aviso de recepção”, não foi junto qualquer comprovativo de registo nem o aviso de recepção;
21.-O mesmo é dizer que não está demonstrado nos autos que a suposta correspondência foi enviada pela embargada e recepcionada pela referida sociedade;
22.-Assim, o ponto 12, também, não podia ter sido dado como provado, contrariamente, deveria constar dos factos não provados;
23.-Pelo exposto, sem outros meios de prova, os documentos juntos aos autos, oportunamente impugnados, contrariamente, ao doutamente decidido, não têm a virtualidade de demonstrar a factualidade dada como assente nos pontos 7 a 12;
24.-Segundo o acordo de emissão de garantia autónoma, à primeira solicitação, a embargada tinha o dever de efectuar o pagamento à CEMG no prazo máximo de dez dias após recepção de carta registada com aviso de recepção, comunicando o vencimento antecipado e solicitando o pagamento;
25.-No entanto, nos autos não ficou demonstrado que a CEMG tivesse enviado carta registada com aviso de recepção à embargada, aqui apelante, comunicando o vencimento antecipado e solicitando o pagamento, ou seja, não ficou provado que foram respeitados os termos estipulados para a exigência da garantia autónoma;
26.-Por força da cláusula 2 do referido acordo, o embargante, na qualidade de avalista, obrigou-se a pagar à embargada os montantes que esta viesse pagar à CEMG, por força da referida garantia autónoma à primeira solicitação;
27.-Ora, desde logo, da factualidade assente não resulta provado que a embargada, ora apelada, tenha efectuado algum pagamento à CEMG, pois, conforme se disse, a amálgama de documentos juntos pela embargada, aqui recorrida, é, manifestamente, insuficiente;
28.-Assim, smo, o embargante não tem nenhuma obrigação para com a embargada;
29.-E, para além de violação, grosseira, do acordo de emissão de garantia autónoma, a embargante preencheu, abusivamente, a livrança;
30.-De acordo com a cláusula 4, a sociedade obrigou-se a “entregar, nesta data, à A Livrança em branco por V. Exas. subscrita e avalizada (…)”;
31.-A livrança foi emitida em 26/05/2010, ou seja, no dia em que foi outorgado o acordo de emissão de garantia autónoma ;
32.-No entanto, a embargante, no local destinado à data de emissão, apôs 29/01/2019;
33.-Ou seja, a data aposta pela exequente no título dado à execução não corresponde à data da sua de emissão.
34.-A exigência da indicação da data de emissão da livrança destina-se a determinar, através do título cambiário, a capacidade do subscritor no momento da subscrição” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/06/2003, proferido no âmbito do processo n.º 04A1044, in www.dgsi.pt), no mesmo sentido, vide A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Reprint, Lex, 1994, páginas 475 e seguintes.
35.-Ninguém subscreve um documento em branco para que a pessoa a quem o transmite faça dele o uso que lhe aprouver” (o mesmo Autor, a páginas 484);
36.-A sociedade B subscreveu a livrança em 26/05/2010 e, no mesmo dia, foi avalizada pelo embargante, ora apelante;
37.-O embargante foi sócio da B até 19/04/2013, conforme decorre da matéria assente (cfr. ponto 1);
38.-A data de emissão aposta na livrança, para além de não ter sido convencionada com o executado, porquanto, em Janeiro de 2019 já não era sócio da sociedade, não corresponde sequer à sua vontade;
39.-Um dos requisitos formais, essências, da livrança é a “ indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada” (artigo 75.º, n.º, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL));
40.-O escrito em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como livrança (…)” – artigo 76.º, da LULL;
41.-Não correspondendo a data aposta na livrança à data de emissão, tudo se passa como se o título não estivesse preenchido com a data em que foi emitido;
42.-Simplesmente, a livrança não tem data de emissão;
43.-Pois, sendo a data de emissão um requisito essencial da livrança, a respectiva falta invalida o título cambiário, não pode produzir efeitos como livrança, nos termos, conjugados, dos artigos 75.º, n.º 6 e 76.º, ambos, da LULL, ou seja, não é título executivo;
44.-Acresce que, durante seis anos, a embargada não deu conhecimento do incumprimento da sociedade ao embargante, nem o interpelou para efectuar o pagamento do montante em dívida;
45.-O que contribuiu para o agravamento da dívida, por força dos juros que se foram vencendo, bem como para dificultar a possibilidade de o embargante exercer o direito de regresso sobre a sociedade executada;
46.-Ao instaurar uma execução contra o executado, aqui apelante, volvidos seis anos, sobre o pretenso incumprimento, a exequente, ora apelada, está a agir ilicitamente, excedendo, manifestamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito (artigo 334.º, do CC);
47.-Pois, é expectável que, com o decurso do tempo, o embargante tenha confiado, criado a expectativa, que tanto tempo depois de ter deixado a sociedade não seria incomodado, ou seja, accionado judicialmente;
48.-“O abuso de direito – art. 334.º do CC –, na modalidade da supressio, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido. O Banco exequente, ao deduzir processo executivo contra o avalista duma livrança em branco, treze anos depois desse mesmo avalista ter abandonado a sociedade subscritora da livrança (entretanto declarada insolvente), e reportando-se as responsabilidades reclamadas (só conhecidas do embargante quando foi citado para a execução), a dívidas contraídas por essa sociedade já após o seu abandono como sócio, age com manifesto abuso do direito, na modalidade da supressio” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/06/2018, no âmbito do processo n.º 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1, in www.dgsi.pt).
Pelo exposto, e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas., deve conceder-se provimento ao presente recurso, substituindo-se a douta decisão por sentença que julgue a oposição procedente e, em consequência, ordene a extinção da execução e o respectivo levantamento da penhora, com as demais consequências legais, fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA!

1.6.–Outrossim a exequente, A insatisfeita com a sentença do Tribunal a quo, da mesma veio apelar, o que fez deduzindo as seguintes conclusões:
A.–Nos Embargos de Executado, o Embargante invocou: que desconhecia o alcance do aval e que não era sua vontade prestar o aval; o preenchimento abusivo da livrança; a prescrição da obrigação cambiária; o abuso de Direito da Embargada; que o Embargante não deve juros de mora.
B.–Decidiu o douto tribunal a quo que dado que o Recorrido só foi interpelado pela Recorrente para proceder ao pagamento do montante em dívida em 29-01-2019, a inscrição dos juros de mora na livrança viola a cláusula 2 do contrato de emissão de garantia autónoma, considerando que só são devidos juros de mora após a data de 08-02-2019.
C.–Considera a Recorrente que ficou provado que a Recorrente diligenciou, logo após o vencimento do crédito, em Setembro de 2013, por interpelar o Recorrido para que procedesse ao pagamento dos valores em divida, facto que não foi considerado provado na douta sentença recorrida, assim se verificando uma omissão que desde já se impugna expressamente nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
D.–Tal decorre expressamente do depoimento da testemunha Dr. Pedro ....., gravado no sistema de apoio ao tribunal, nas passagens supra identificadas, pessoa que depôs com independência e sinceridade, merecendo o seu depoimento total credibilidade. Esta testemunha referiu expressamente que a Embargada, ora Recorrente, através do seu departamento de recuperação de crédito num primeiro momento, e através do recurso a uma empresa especializada em recuperação extra-judicial de créditos num segundo momento, diligenciou por contactar a empresa devedora, mas também os avalistas, entre os quais o Embargante, ora Recorrido, com vista a interpelá-los para que procedessem ao pagamento dos valores em divida.
E.–As tentativas de contacto iniciaram-se logo após a execução da garantia, em Setembro de 2013, foram efectuadas por telefone, e-mail e carta, e nunca lograram obter qualquer resposta por parte do Embargante.
F.–Face ao exposto, e salvo o devido respeito, que aliás é muito, entende a Recorrente que deveria ter sido incluída nos factos dados como provados uma alínea de teor semelhante ao seguinte: A Embargada diligenciou por interpelar o Embargado para que procedesse ao pagamento dos valores em divida logo após o vencimento do crédito e ao longo do tempo até ao preenchimento da livrança, com recurso a contactos telefónicos, por carta e e-mail, sem que o Embargante tivesse, em qualquer momento, respondido às solicitações que lhe foram feitas.
G.–A ser julgado provado este facto, como se entende que deveria ter sido, é manifesto que o segmento “4.4 Do direito da Embargada ao pagamento de juros de mora” da douta sentença recorrida teria que dispor diferentemente do que fez, porquanto, a seguir a tese ali exposta de que os juros seriam devidos pelos avalistas apenas após a interpelação para o efeito, deveria entender-se que a dita interpelação foi feita contemporaneamente à execução da garantia, em Setembro de 2013, data em que se iniciaram as tentativas de contacto da Recorrente ao Recorrido.
H.–Nos termos do n.º 2, c) do artigo 805.º do Código Civil, há mora do devedor, independentemente de interpelação, se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido. Foi o devedor, ora Recorrido, quem se furtou a todas as tentativas de interpelação feitas pela Recorrente, por si ou através de empresa especializada contratada para o efeito.
I.–Assim sendo, deveria a douta sentença recorrida ter concluído que o avalista, ora Recorrido, é devedor da totalidade dos créditos emergentes do contrato de prestação de garantia autónoma titulados pela livrança dada à execução, designadamente do capital e também dos juros de mora, contados à taxa contratualmente estabelecida, desde a data de vencimento do capital e até à data do preenchimento do aludido título.
J.–Ao decidir diferentemente, a douta sentença recorrida efectuou um incorrecto julgamento dos factos provados, subsumindo-os depois numa sentença contrária ao direito aplicável.
Por outro lado,
K.–A douta sentença recorrida interpreta a cláusula 2. do contrato de prestação de garantia (junto à contestação da Embargada como doc. 1) no sentido de que tal cláusula é também aplicável aos avalistas, uma vez que da mesma constam as expressões “V. Exas.” e “vos faça”, e que como tal estes apenas serão devedores de juros a partir do momento em que forem interpelados para fazer o pagamento. Tal interpretação é, salvo o devido respeito, equivocada.
L.–O contrato de emissão de garantia celebrado a 26 de Maio de 2010 entre a Recorrente e a sociedade B, estabelece as condições em que a Recorrente prestou, a pedido daquela sociedade, uma garantia autónoma à primeira solicitação a favor da Caixa Económica Montepio Geral.
O dito contrato é constituído por documento dirigido à sociedade B (vide cabeçalho do contrato), do qual constam as condições aplicáveis à emissão da garantia, declarando a dita sociedade, pela aposição da assinatura dos seus legais representantes, aceitar as mesmas.
M.–Ao longo de todo o documento (contrato) é utilizada, em referência à B, a expressão “V. Exas.”. Tal expressão é utilizada como reverência à sociedade comercial destinatária, e nunca no sentido de abranger como destinatários a sociedade e os avalistas. Veja-se, a propósito, que ao longo das diversas cláusulas, sempre que são indicadas as obrigações assumidas pela sociedade com a subscrição do contrato, designadamente as de adquirir acções da A, sobre elas constituir penhor em garantia dos créditos desta, pagar uma comissão de garantia sobre o valor dos saldos vivos e, naturalmente, também “ Pagar à A todos os montantes que a A venha a pagar à CAIXA em cumprimento da garantia prestada no prazo máximo de cinco dias após a interpelação que, para esse efeito esta vos faça, findo o qual serão devidos juros moratórios sobre o montante em débito” – cláusula 2. do contrato, é utilizada a expressão V. Exas.
N.–Na cláusula 4) do contrato, refere-se: “ Para garantia de todas as  responsabilidades que para V. Exas. emergem do presente contrato, deverão: entregar, nesta data, nesta data, à A, livrança em branco por V. Exas. subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, que ficará em poder da A, ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor, quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas.” A sociedade B é tratada pela expressão “V. Exas.”, sendo os avalistas as “entidades abaixo identificadas”, estando expressa, no local destinado a assinatura dos mesmos, a expressão “Avalistas”. A referida cláusula refere expressamente que os avalistas dão a sua aceitação ao pacto de preenchimento da livrança. E é, como tal, nessa qualidade que os avalistas subscrevem o contrato.
O.– Com a aposição das suas assinaturas, os avalistas aceitam os termos do pacto de preenchimento da livrança (cláusula 4.), autorizando a ora Recorrente “a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas.”, portanto o seu crédito sobre a sociedade B.
P.–Resultou provado que “Em 11-09-2013, a Embargada enviou carta à B, com o seguinte conteúdo: “ Nos termos do contrato subjacente à emissão da garantia bancária n.º 2..0.0...7, celebrado com V. Exas., em 2010-05-26, V. Exas. deverão proceder ao pagamento de todos os montantes que a A., efectue em vosso nome no prazo estabelecido nesse mesmo contrato. Assim, de acordo com o previsto contrato celebrado, deverão V. Exas. proceder ao pagamento de € 6459,90 até ao dia 2013-09-19”. – n.º 12 dos factos provados.
Q.–Como tal, nos termos da cláusula 2. do contrato, a B dispunha de um prazo de 5 dias a contar da data dessa interpelação para pagar à Recorrente todos os montantes que esta havia pago ao banco beneficiário da garantia, findo o qual seriam devidos juros moratórios sobre o montante em débito. Nos termos da Cláusula 7) do contrato, “Sobre todas as importâncias devidas por V. Exas. (recorde-se, a B.) nos termos do presente contrato e não atempadamente pagas, recaem juros de mora à taxa legal acrescida de dois pontos percentuais, que se vencem e são devidos independentemente de qualquer interpelação
R.–Ora, assim sendo, forçoso é concluir que 5 dias após a interpelação efectuada pela Recorrente à empresa A..... & S....., Lda. para que pagasse o valor pago por aquela ao beneficiário da garantia, a B incorreu em mora, uma vez que não restituiu à Recorrente o aludido valor. A partir dessa data, sobre o valor de capital em divida, passaram a vencer-se juros de mora, calculados à taxa legal em vigor aplicável às operações comerciais, nos termos das cláusulas 2) e 7) do contrato.
S.–À data do preenchimento da livrança, encontrava-se em divida o valor de capital correspondente ao valor pago ao beneficiário da garantia e as comissões de garantia devidas nos termos do contrato, bem como os juros demora, calculados conforme supra referido. Nos termos da cláusula 4) do contrato, a Recorrente ficou autorizada, pela B e pelos avalistas (entre os quais o Recorrido) a indicar como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre a referida sociedade. Como tal, o valor aposto na livrança corresponde à soma do capital e juros vencidos, conforme aliás discriminado na carta que constitui o doc. 2 junto à petição de embargos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. O pacto de preenchimento foi integralmente respeitado pela Recorrente.
T.–A função do aval é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor cambiário, a cobri-la ou caucioná-la. O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada - art.º 32, nº1 da LULL. Estando a sociedade subscritora B obrigada ao pagamento da totalidade do valor inscrito na livrança (capital e juros vencidos), os avalistas eram, como são, responsáveis pelo pagamento na mesma medida.
U.–O contrato não refere, ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, que os avalistas apenas serão devedores de juros de mora após interpelação para o pagamento do valor em divida. O contrato estabelece, isso sim, que a sociedade B é devedora de juros após interpelação para o pagamento ( que, conforme facto assente, foi efectuada a 11/09/2013), sendo que os avalistas (entre os quais o Recorrido) aceitaram que a livrança fosse preenchida pelo valor da totalidade do crédito da Recorrente sobre aquela sociedade, assumindo-se devedores solidários com a mesma.
V.–Face ao exposto, a douta sentença recorrida faz incorrecta avaliação dos factos e, por conseguinte, deficiente aplicação do direito. Deveria a douta sentença recorrida ter considerado que a livrança foi preenchida pelo valor da totalidade dos créditos de que a Recorrente era, à data do preenchimento, titular sobre a sociedade subscritora, e que os avalistas, enquanto devedores solidários, estão obrigados ao pagamento da totalidade do valor nela inscrito, assim julgando totalmente improcedentes os embargos de executado.
W.–Não tendo entendido e decidido conforme exposto, a sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, designadamente dos artigos 805.º, n.º 2, c) do Código Civil, 77.º, 30.º e 32.º, n.º 1,da LULL.
X.–Pelo que, no provimento do presente recurso, deve revogar-se a douta sentença recorrida e, em sua substituição, ser proferida outra que julgue totalmente improcedentes os embargos de executado.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, ser substituída por sentença que julgue os embargos de executado totalmente improcedentes, com as demais consequências legais. Assim se fazendo a costumada Justiça!

1.7.–Não consta dos autos que os apelados tenham apresentado contra-alegações.

***

Thema decidendum
1.8.–Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [aí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil anterior ao  aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e tendo presente o disposto no artº 6º, nº4, deste último diploma legal), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir  são as seguintes  :
I–No tocante à apelação do executado/embargante D
i)- Da pertinência da impetrada alteração da decisão do tribunal da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto;
ii)- Aferir se em razão da alteração da decisão de facto, importa por arrastamento modificar o julgado ( concs. Nº s 24 a 28 );
iii)- Aferir se da factualidade provada decorre ter existido um preenchimento abusivo da livrança, designadamente no tocante à data da sua de emissão;
iv)-Apurar se permite e obriga a factualidade provada reconhecer que ao accionar o apelante, está a exequente a agir com ABUSO DO DIREITO.
II–No tocante à apelação da exequente A,
i.- Da pertinência da impetrada alteração da decisão do tribunal da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto, máxime se ao elenco dos factos provados importa adicionar um novo ;
ii.- Aferir se a sentença apelada se impõe ser revogada, sendo os embargos deduzidos por D julgados in totum como improcedentes
***

2.–Motivação de Facto.

Pelo tribunal a quo foi fixada a seguinte factualidade:

A)–PROVADA:
2.1.-O Embargante foi sócio da B, até 19-04-2013.
2.2.-Em 26-05-2010, a A. subscreveu contrato, com o assunto “Emissão de garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido da B e a favor da Caixa Económica Montepio Geral” para garantia de um empréstimo concedido pela Caixa Económica Montepio Geral.
2.3.-O contrato referido em 2.2. também foi subscrito pela B, e pelos avalistas C e D que deram o acordo “em 26/05/2010 expresso e sem reservas, às condições emergentes da prestação da garantia pela SGM a favor da CEMG”.

2.4.-No contrato referido em 2.2 consta que :
Na sequência da proposta apresentada e no âmbito da Linha de Crédito PME Investe V, Linha Específica “Micro e Pequenas Empresas”, informamos que prestamos por este documento, por conta e a pedido de V.Exas., a garantia autónoma n.º 2010.02377, à primeira solicitação, a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., adiante designada abreviadamente por CEMG, nos seguintes termos e condições:
a)- Montante máximo garantido € 18.750,00, assegurando a A, adiante designada abreviadamente por SGM, à CEMG o bom e atempado cumprimento da obrigação de reembolso quanto a 75% do capital mutuado em divida em cada momento do tempo, emergente do contrato de mútuo celebrado nesta data, no montante de € 25.000,00, pelo prazo de 48 meses”….
(...)
c)- Se qualquer um dos montantes garantidos não for pago pela Empresa, total ou parcialmente, nas datas do respectivo vencimento, a SGM obriga-se, incondicional e irrevogavelmente, e sem possibilidade de oposição de quaisquer meios de defesa, incluindo por excepção, de que a Empresa se pudesse prevalecer contra a CEMG, a pagar os montantes garantidos, na percentagem em que os mesmos se encontram garantidos, sem quaisquer juros, sobretaxas ou encargos, no prazo máximo de dez dias após a recepção de carta registada com aviso de recepção solicitando o pagamento, devendo, para esse efeito, a CEMG dirigir à SGM uma declaração e um recibo de quitação nos termos dos anexos 1 e 2 a este contrato”.
d)-Se a CEMG declarar antecipadamente vencidas as obrigações de pagamento do capital mutuado, poderá exigir da A o pagamento antecipado das obrigações declaradas vencidas que estejam garantidas, na percentagem em que o estiverem, devendo esse pagamento ser efectuado no prazo máximo de dez dias após a recepção de carta registada com aviso de recepção, comunicando o vencimento antecipado e solicitando o pagamento”.

2.5.-Na cláusula 2 do contrato referido em 2.2. , consta queComo contrapartida da garantia autónoma por nós prestada emergem, para V. Exas, as seguintes obrigações…
Pagar à A todos os montantes que a A venha a pagar à CMG em cumprimento da garantia prestada no prazo máximo de cinco dias após a interpelação que, para esse efeito esta vos faça, findo o qual serão devidos juros moratórios sobre o montante em débito”.
2.6.-Na cláusula 4 do contrato referido em 2.2 consta que “ 4) Para garantia de todas as responsabilidades que para V. Exas. emergem do presente contrato, deverão entregar, nesta data, à A livrança em branco por V. Exas. subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da A, ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da Livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas”.
2.7.-A B não procedeu ao pagamento da totalidade da quantia que recebeu através do contrato de mútuo celebrado com a Caixa Económica Montepio Geral.

2.8.-A Caixa Económica Montepio Geral enviou carta datada de 23-07-2013, para a morada Avª. ... ..., - 9...-... - M_____ P____, dirigida à B, com o seguinte conteúdo :
A Caixa Económica Montepio Geral vem, pela presente, por motivo de incumprimento de V. Exa., falta de pagamento da(s) prestação(ões) entretanto vencida(s), resolver o contrato identificado em assunto, tendo procedido ao apuramento da respectiva dívida em atraso que, nesta data, é de € 8.705,55 (Oito mil setecentos e cinquenta euros e cinco cêntimos), nos termos seguintes:
- Capital – 8.613,23 €
- Juros – (2013-05-26) a (2013/07/23) – 33,26 €
- Cláusula penal de 4 % desde 2012/12/18 - € 55,51
- Encargos (imposto selo) – € 3,55
Nestes termos, solicitamos a V. Exa. que proceda à regularização da referida dívida, no prazo máximo de 10 dias, sob pena de procedimento judicial”.

2.9.-A Caixa Económica Montepio Geral enviou carta datada de 08-08-2013, à Embargada, com o seguinte conteúdo:
 “CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, instituição de crédito, com sede na rua Áurea, números 219 a 241, em Lisboa, registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, 1.ª Secção, sob o número de matrícula 500792615, com o capital institucional de € 1.295.000.000,00 (Mil duzentos e noventa e cinco milhões de euros), declara ter comunicado em 23.07.2013 à Garantida o vencimento antecipado do contrato de empréstimo ( conforme cópia da carta que anexa), não lhe tendo sido paga por esta a importância de € 8.613.23 (Oito mil seiscentos e treze euros e vinte e três cêntimos) vencida em 23 de julho de 2013, referente a capital mutuado. Faz esta declaração para o efeito de lhe ser paga a importância de € 6.459,90 (seis mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e noventa cêntimos), ao abrigo da garantia n.º 2010.02377, emitida pela A, assumindo inteira responsabilidade, nomeadamente em relação à Garantida, por todas as consequências decorrentes de qualquer inexactidão das afirmações aqui feitas”.

2.10.-Na carta datada de 08-08-2013, referida no número anterior, a Caixa Económica Montepio Geral enviou recibo de quitação à Embargada.
2.11.-A Embargada pagou à Caixa Económica Montepio Geral o montante de 6.459,90 €, no dia 11-08-2013.

2.12.-Em 11-09-2013, a Embargada enviou carta à B, com o seguinte conteúdo:
Nos termos do contrato subjacente à emissão da garantia bancária n.º 2010.02377, celebrado com V. Exas., em 2010-05-26, V. Exas. deverão proceder ao pagamento de todos os montantes que a A., efectue em vosso nome no prazo estabelecido nesse mesmo contrato. Assim, de acordo com o previsto contrato celebrado, deverão V. Exas. proceder ao pagamento de € 6459,90 até ao dia 2013-09-19”.
2.13.-Em 29 de Janeiro de 2019, a Embargada preencheu a livrança em branco subscrita por B e avalizada por C e D com os seguintes dados: Local de emissão; S_____; Data de emissão: 29 de Janeiro de 2019; Importância: € 9.033,92; Vencimento: 8 de Fevereiro de 2019; Local de pagamento: Praceta ... ... ... N° ... 1° A-B-C, ....-... - S______;
2.14.-O Embargante foi interpelado para proceder ao pagamento da importância titulada pela livrança em 29 de Janeiro de 2019.
2.15.-Na carta de interpelação referida no número anterior, a Embargada comunicou ao Embargante que deveria proceder ao pagamento da importância titulada pela livrança até à data de vencimento da mesma.
2.16.-Em 19 de Fevereiro de 2019, A. instaurou acção executiva contra os Executados B, C e D, com base numa livrança no montante de 9.033,92 €, com data de emissão no dia 29-01-2019 e data de vencimento no dia 08-02-2019, subscrita por B e avalizada por C e D.
2.17.-O montante de € 9.033,92 inscrito na livrança contempla o montante de 2.536,23 relativo a juros de mora e respectivo imposto de selo.

B)–NÃO PROVADA:
2.18-O Embargante desconhecia o alcance do aval.
2.19-Não era vontade do embargante se constituir avalista das obrigações emergentes da livrança.
2.20-Ao subscrever a documentação inerente ao acordo de emissão de garantia autónoma, incluindo a livrança, o embargante estava convencido de que o fazia como sócio da executada.

***

3.– MOTIVAÇÃO DE DIREITO

3.1.-DA APELAÇÃO DO EXECUTADO D.

3.1.1.-Da reclamada alteração da decisão do tribunal da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto
No âmbito das alegações (stricto sensu)e conclusões do executado/embargante, descortina-se com clareza a não aceitação pelo mesmo do julgamento de facto efectuado pelo tribunal a quo, designadamente a discordância no tocante à recondução ao elenco dos factos provados da “factualidade” que consta dos itens de facto nºs 2.7. a 2.12 do presente Acórdão.
No essencial, considera o apelante que o conteúdo dos pontos de facto referidos não justificada integrar o elenco dos factos provados, porque não devidamente suportado pela prova carreada para os autos, máxime documental, logo, todos eles merecem ser reconduzidos ao rol dos factos NÃO PROVADOS.
Mostrando-se observados os ónus  da impugnação de facto a que se refere o artº 640º, nº1, alíneas a) a c), do CPC, designadamente a indicação pelo recorrente dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, dos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa da recorrida e , também, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas,  nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das  respostas aos pontos de facto indicados e impugnados.

E conhecendo
Em sede de cumprimento do disposto no artº 607º,nº4, do CPC e, no tocante aos pontos de facto pelo apelante impugnados, consta da sentença recorrida a seguinte explicação/justificação :
O ponto 7 está sedimentado através da carta datada de 23-07-2013, que a Caixa Económica Montepio Geral enviou à B, e através da carta de 08-08-2013 enviada pela Caixa Económica Montepio Geral à Embargada, juntas à contestação.
O ponto 8 está sedimentado através da carta datada de 23-07-2013, que a Caixa Económica Montepio Geral enviou à B, junta à contestação.
Os pontos 9 e 10 estão provados pela carta de 08-08-2013 enviada pela Caixa Económica Montepio Geral à Embargada, junta à contestação.
O ponto 11 está provado pela carta de 11-09-2013, enviadas pela Embargada à Caixa Económica Montepio Geral e à B, juntas à contestação.
O ponto 12 está provado pela carta enviada pela Embargada à B de 11-09-2013, junta à contestação.”.

Dissentindo da referida fundamentação/explicação, e a suportar o respectivo convencimento de que o tribunal a quo incorre em erro de apreciação/valoração da prova ao integrar no elenco dos factos provados todos os que impugna e respeitantes aos nºs 2.7 a 2.12, aduz o apelante que :
“ (....)
O Tribunal a quo considerou o ponto 7 provado através de carta datada de 23/07/2013, que a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) enviou à B e através da carta de 08/08/2013, enviada pela CEMG à embargada juntas com a contestação.
Tais documentos, só por si, smo, são insuficientes para demonstrar que a referida sociedade não procedeu ao pagamento da quantia à CEMG.
A simples junção de cópia de duas cartas, sem comprovativo de registo e/ou aviso de recepção, são insuficientes para demonstrar que as mesmas foram enviadas e/ou recepcionadas.
Aliás, tais cartas, podiam ter sido elaboradas por qualquer pessoa, em qualquer momento, e juntas aos autos.
Quanto ao ponto 8, em que ficou assente que a CEMG enviou carta datada de 23/07/2013 dirigida à B, a resolver o contrato, bem como a solicitar o pagamento do montante em dívida, entendeu-se que está sedimentado pela carta datada de 23/07/2013.
Ora, a correspondência carreada para os autos não demonstra que a mesma tenha sido elaborada e remetida ao seu destinatário, naquela data, muito menos recepcionada, porquanto, não foi junto qualquer registo e/ou aviso de recepção.
Os pontos 9 e 10, segundo a douta decisão recorrida, estão provados pela carta de 08/08/2013, enviada pela CEMG à embargada.
Quanto a estes pontos, em que deu assente o envio da carta, bem como o envio do recibo de quitação, na falta de junção de registo e aviso de recepção, tal factualidade não podia ter sido dado como provada.
No ponto 11, ficou provado que a embargada pagou à CEMG o montante de € 6.459,90, no dia 11/08/2013.
Para o Tribunal a quo este ponto ficou demonstrado pelas cartas de 11/09/2013 enviadas pela embargada à CEMG e à B.
Smo, porque a embargada não juntou qualquer registo e/ou aviso de recepção que demonstrasse o envio das cartas, bem como a recepção das mesmas pelos seus destinatários, a expedição da correspondência não ficou demonstrada.
E, com o devido respeito, a junção de uma carta acompanhada de cópia de um cheque datado de 11/09/2019, até pode querer demonstrar a intenção de qualquer coisa, mas não prova o pagamento.
O simples facto de ter sido emitido um cheque, cujo débito bancário do mesmo se desconhece, não demonstra o pagamento da importância nele inscrita.
Acresce que, de acordo com o recibo quitação, enviado por carta datada de 08/08/2013, a CEMG deu quitação antes de a embargada ter efectuado o pagamento, na medida em que só teria enviado o cheque na correspondência datada de 11/09/2013.
Efectivamente, o devedor tem direito a obter quitação, ou seja, tem direito a conseguir documento que faça a demonstração de estar quite, desobrigado (artigo 787.º, do Código Civil (CC)).
No entanto, o recibo quitação é emitido após pagamento, sob pena risco de inversão do ónus da prova para o credor, ou seja, poderá ter de vir a fazer contraprova daquilo que resulta do documento, designadamente, de que ainda não recebeu a prestação que lhe é devida, o que é de prova diabólica.
Aliás, “o nº 2 do artº 787º C. Civil., que permite ao devedor recusar a prestação enquanto a quitação não for dada, tem de ser interpretado no sentido de que se trata de pagamento e quitação simultâneos, efectuados na mesma altura” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29/05/2007, proferido no processo n.º 16/02.2GBPBL-B.C1, disponível in www.dgsi.pt).
Assim, smo, o ponto 11 também não podia ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo.
Por fim, quanto ao ponto 12, ficou assente que a embargada, em 11/09/2013, enviou carta à B a interpelá-la para o pagamento de € 6.459,90.
Este ponto, segundo a decisão recorrida, foi considerado provado pelo documento n.º 4 junto com a contestação, com o assunto “Solicitação de Pagamento – Garantia 2...1.0...7”.
Contudo, apesar de o documento fazer a menção de carta “registada com aviso de recepção”, não foi junto qualquer comprovativo de registo nem o aviso de recepção.
O mesmo é dizer que não está demonstrado nos autos que a suposta correspondência foi enviada pela embargada e recepcionada pela referida sociedade.
Assim, o ponto 12, também, não podia ter sido dado como provado, contrariamente, deveria constar dos factos não provados.
“O envio de uma carta, desacompanhada de aviso de recepção, na ausência de prova sobre o efectivo recebimento da carta, é insuficiente para provar que a mencionada comunicação do banco ao cliente foi feita” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2811/218. no processo n.º 494/14.7TBFIG-A.C1, in www.dgsi.pt).
Pelo exposto, os pontos 07 a 12 foram considerados indevidamente como provados.

Conhecidos os fundamentos que suportam a divergência do apelante em relação ao julgamento de facto realizado pelo tribunal a quo, vejamos de seguida se são eles de atender, justificando-se introduzir alterações na decisão de facto prolatada pelo Primeiro Grau.

Antes de analisarmos porém o conteúdo e valia da prova produzida nos autos, designadamente e também a invocada pelo apelante a fundamentar a impugnação deduzida, importa começar por recordar que se é verdade que no âmbito de impugnação de decisão de facto, exige-se que o Tribunal da Relação se debruce sobre a razoabilidade da convicção em que assentou o “julgamento” do tribunal a quo, impondo-se e exigindo-se inclusive ao tribunal de recurso formar a sua própria convicção (1), o que deve fazer outrossim no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova (cfr. artº 607º,nº5, do CPC), o certo é que outrossim pacífico é que não cabe todavia ao tribunal de segunda instância realizar um segundo ou um novo julgamento, sendo antes a sua competência residual (2), ou seja, a impugnação deduzida pelo recorrente “não pode transformar o tribunal de segunda instância em tribunal de substituição total e pleno, anulando, de forma plena e absoluta, o julgamento que foi realizado por um tribunal a quem cabe, em primeira e decisiva linha, fazer uma aproximação, imediata e próxima, das provas que lhe são presentes.

Ou seja, cabendo tão só à segunda instância proceder ao julgamento da decisão de facto por forma a corrigir erros de julgamento patentes nos tribunais de 1.ª instância, mas dentro de limites que não podem exacerbar ou expandir-se para além do que a lei comina” (3), então  e porque de resto [em razão do princípio da imediação] muito do apreendido pelo Julgador da primeira instância nunca chega - porque não é gravado ou registado - ao ad quem  [sempre existindo inúmeros factores difíceis de concretizar ou verbalizar e que são importantes e decisivos em sede de formação da convicção ], em coerência exige-se que a Relação evite introduzir alterações quando não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de um efectivo erro de apreciação da prova relativamente aos concretos pontos de facto impugnados. (4)
Neste conspecto (formação pela Relação da sua convicção), pertinente é também ter bem presente que que sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos ( cfr. artº 341º, do Código Civil), tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens. (5)
É que, para o referido efeito, o que releva e é exigível,  tão só , é que (6) em função de critérios de razoabilidade essenciais à aplicação do Direito, o julgador forme uma convicção assente na certeza relativa do facto, ou, dito de um outro modo, psicologicamente adquira a convicção traduzida numa certeza subjectiva da realidade de um facto, existindo assim um alto grau de probabilidade (mas suficiente em razão das necessidades práticas da vida) da sua verificação.
Por último, e porque no essencial tem a impugnação do apelante por objecto itens de facto relacionados com o efectivo envio e recebimento de comunicações entres as partes, por carta, temos igualmente por adequado reproduzir uma passagem da “Prova por Presunção no Direito Civil “ (7), dizendo-se a dado passo na referida obra que “(…) Nas ... relações contratuais, é comum que as comunicações entre as partes ocorram pelo envio de carta, simples ou registada. Quando a relação entra em fase litigiosa, é comum que uma das partes negue a recepção da carta. Neste contexto, há que valorar o envio da carta como indício da sua recepção (indício missio). Ou seja, desde que se prove o facto-indiciário do envio da carta (por testemunhas, tratando-se de carta não registada ou pelo registo, tratando-se de carta registada), haverá que presumir a sua recepção. O que fundamenta a presunção é a máxima da experiência no sentido da fiabilidade dos serviços de correios no sentido de que o transporte se efectiva correctamente e a carta chegou em condições ao destinatário. Nos Estados Unidos é pacífica a presunção no sentido de que uma carta regularmente endereçada e remetida foi recebida (..). Essa presunção abrange também a recção de faxes ou e-mails, desde que se prove o seu envio regular (..)..”. (8)

Aqui chegados, e analisando a prova documental junta aos autos [ designadamente junto com a contestação da exequente dos embargos), máxime a que se refere o tribunal a quo na sentença apelada, pacífico é que estamos na presença, apenas, de cópias de pretensas comunicações havidas entre a CAIXA ECONOMICA MONTEPIO GERAL e a A (a carta de 8/8/2013), entre a CAIXA ECONOMICA MONTEPIO GERAL e a B (a carta de 23/7/2013 ), entre a A e a CAIXA ECONOMICA MONTEPIO GERAL (a carta de 11/9/2013)  e entre a A e B  (a carta de 11/9/2013), não tendo a exequente/embargada junto aos autos e em complemento uma qualquer cópia do registo e/ou de aviso de recepção com as mesmas cartas relacionado.
Porém, como não pode desconhecer o apelante, em audiência de julgamento (na sessão de 10/5/2021) prestou depoimento a testemunha Pedro ..... [coordenador da Garval v.g. em sede de recuperação de créditos], o qual, de uma forma clara, pormenorizada, convincente e idónea, detalhou [a par e passo, e denotando conhecimento, cf. v.g. depoimento prestado ao minuto 12,10 e segs.. da gravação efectuada] todo o procedimento e “expediente” relacionado com o objecto dos presentes autos, tendo sido claro em atestar/confirmar que todas as comunicações reflectidas nos documentos incorporados nos autos foram reais, ou seja, tiveram efectivamente lugar.

No seguimento do acabado de expor, e no mínimo, importa reconhecer que existe prova do facto-indiciário do envio das comunicações que integram o conteúdo dos documentos juntos aos autos pela apelada e, por arrastamento, outrossim a verificação do indício da sua recepção (indício missio), o que tudo justifica considerar como adquirido/provado o facto presumido [ porque o funcionamento a presunção deve operar logo na decisão sobre a matéria de facto, tal como decorre do disposto no artº 607º, nº 4, do CPC ].

Acresce que, nada obriga a que in casu a prova do envio e do recebimento de concreta comunicação/declaração negocial tenha forçosamente que ser efectuada através da junção do registo e/ou do aviso de recepção, podendo ambos ser objecto de qualquer outro meio probatório, inclusive por prova testemunhal [ já para não falar da confissão – cfr. nº2, do artº 364º, do CC, sendo que, por regra, as missivas/comunicações  dirigidas e trocadas entre as entidades bancárias e a sociedade de garantia mútua, e entre ambas e os respectivos clientes, não têm todas que obedecer forçosamente a qualquer formalidade especial, por exemplo sejam todas elas enviadas por carta registada com aviso de recepção, bastando, a nosso ver, que o envio de cada uma de tais missivas seja processado em conformidade com o estabelecido/acordado no contrato, o qual ( o de 26-05-2010 ), in casu, e sobre tal matéria, apenas exige a comunicação por carta registada com aviso de recepção relativamente a duas situações, estando as mesmas contempladas nas alíneas c) e d) [infra descritas - no Item 4.2. do presente acórdão], dos termos e condições alusivas à emissão de garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido da B e a favor da Caixa Económica Montepio Geral .

Ao exposto, acresce que a postura processual do próprio apelante D nos presente autos, designadamente em sede de cumprimento de ónus de impugnação e/ou de contra-prova ( artº 345º, do CPC ), não pode deixar de relevar também em sede de formação da convicção – livre - do tribunal e, in casu, certo é que não é também ela favorável à impugnação da decisão de facto que deduz. (9)

É que, convenhamos, não se adequa minimamente com o dever a que alude o artº 8º do CPC ( dever de boa-fé processual ) que uma parte, e relativamente a documento cuja assinatura lhe é atribuída por outra parte (v.g. o título de crédito/Letra), enverede (logo no articulado inicial) por uma oposição no mínimo titubeante (por estar em causa um facto pessoal, que não pode desconhecer), alegando que desconhecia a existência de uma livrança por si avalizada, e acabando por “impugnar todo o conteúdo do título junto (artºs 2º e 3º, da pi), ao mesmo tempo em que não é igualmente – a mesma parte - assertiva e clara em relação à assinatura que lhe é atribuída, não a assumindo em termos peremptórios, mas reconhecendo que a existente no título e em alguns caracteres ou formas, é idêntica à do aqui embargante.

É que, recorda-se [sendo inquestionável que formalmente a petição de embargos não constitui em rigor uma contestação da acção executiva, razão porque não se aplicam os ónus cominatórios a cargo do réu na acção declarativa   - v.g. o de impugnação especificada -, certo é que não há como negar que assume na prática o carácter duma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e cujo escopo é precisamente obstar ao prosseguimento da acção executiva (10)] o artº 574º, nº1, do CPC é peremptório em expressar que o réu deve tomar posição definida (o que equivale a dizer que “obrigado” está o impugnante em revelar de forma clara e sem ambiguidades ou meias palavras qual a sua posição relativamente aos factos que pretende impugnar/contrariar) perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor [considerações que ainda que com as devidas adaptações servem também para os embargos de executado em relação ao título que suporta a execução].

Ora, e designadamente em relação à comunicação a que se refere o item de facto nº 2.8. [carta de Caixa Económica Montepio Geral ,datada de 23-07-2013, e - prima facie enviada para a morada Avª. ... ..., 9...-...- M____ P____ - dirigida à B ], vem o apelante no seu articulado de 29/11/2019 e de resposta à documentação junta pela exequente com a contestação dos embargos, aduzir ser “por demais, evidente que a sociedade, executada, nunca foi notificada pelo Montepio do vencimento antecipado do contrato de empréstimo, nem para proceder ao pagamento da quantia em dívida, e isto porque a co-executada, B, como é do conhecimento da embargada, a sede e estabelecimento, único, da referida sociedade, situa-se na Rua ... ..., n.º 49..

Com todo o respeito pela referida defesa, não é crível, segundo as regras da experiência e do senso comum, que uma carta endereçada a pessoa colectiva com sede em Rua da Ilha do Pico ( ainda que se trate da segunda maior ilha do Arquipélago dos Açores, tem apenas uma superfície de 447 km² e uma população residente de não mais do que 15.000 habitantes), não tenha v.g. chegado (sido recebida) ao seu destino pela simples razão de nela não se mostrar indicada com exactidão a característica da via pública em causa (Avenida, em vez de Rua , ou vice-versa) e qual o exacto número de polícia .
Seja como for, e começando pelo item de facto nº 2.27, pacífico é que em face do depoimento prestado no julgamento pela testemunha Pedro ......, a B, não procedeu ao pagamento da totalidade da quantia que recebeu através do contrato de mútuo celebrado com a Caixa Económica Montepio Geral, razão porque forçoso foi dar início ao competente procedimento de contencioso (que a testemunha descreveu ponto por ponto) para que o incumprimento fosse resolvido.
Logo, e independentemente da existência, envio e valia probatória das cartas datadas de 23-07-2013 e de 08-08-2013 e que a Caixa Económica Montepio Geral enviou à B, nada justificava que o item de facto nº 2.7 tivesse sido julgado “Não Provado .
Já o item de facto 2.8., este sim alusivo especificamente a efectiva comunicação (a se), e pelas razões acima já aduzidas (a propósito da prova do envio e recebimento de comunicações por carta), não se mostra também que assente em erro de avaliação da prova documental, de resto porque igualmente suportada por prova testemunhal produzida em audiência.
Seguindo-se os itens de facto nºs 2.9 e 2.10 , e para além de suportados em prova documental carreada para os autos [uma carta datada de 08-08-2013, enviada pela Caixa Económica Montepio Geral à Embargada, de ambas constando a anotação – através de carimbo – de recebimento pela destinatária], e além de igualmente corroborados pelo depoimento da testemunha Pedro ....., tudo conjugado nada justifica que enverede este tribunal de recurso por uma diversa e livre convicção, antes a do tribunal a quo mostra-se perfeitamente ajustada e, de resto, isenta de qualquer excessivo voluntarismo.
Por último, quer o ponto 2.11, quer o ponto 2.12, mostram-se ambos outrossim suportados em pertinente (avaliada segundo a nossa livre convicção) prova documental junta aos autos (cópia de comunicações, de recibo, e de cheque) e, também relativamente ao conteúdo e respectiva veracidade de todos eles, existe prova testemunhal produzida (idónea, clara e isenta) em audiência que o suporta/ampara com alguma segurança/tranquilidade.
Ademais, sendo verdade que o recibo quitação, enviado por carta datada de 08/08/2013, incorpora uma data que é anterior à do efectivo pagamento ( na medida em que a apelada só teria enviado o cheque na correspondência datada de 11/09/2013 ),olvida o apelante que de procedimento se trata que é seguido – com frequência - no mundo empresarial, designadamente por  parte de algumas empresas de seguros e em sede de regularização de sinistros,  e , seja como for, certo é que do recibo junto [ de resto enviado em cumprimento do estipulado na cláusula 2.2., alínea c), do contrato referido em 2.2 e tendo por objecto a emissão de garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido da B e a favor da Caixa Económica Montepio Geral ] aos autos consta ainda que o presente recibo será plenamente válido e eficaz após boa cobrança do valor acima referido.
Em suma, tudo visto e ponderado, não encontra este tribunal qualquer razão (em face da prova produzida nos autos e analisada ) válida e atendível que obrigue a enveredar por uma diversa convicção da formada pelo tribunal a quo, razão porque, sem necessidade de mais considerações, a impugnação da decisão de facto da autoria do executado apelante D, IMPROCEDE IN TOTUM.

***

3.2.–Se em razão da alteração da decisão de facto, importa por arrastamento modificar o julgado, ou se a revogação da sentença recorrida se impõe por decorrer da factualidade provada ter existido um preenchimento abusivo da livrança, designadamente no tocante à data da sua de emissão.
Não existindo alteração da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, mostra-se assim prejudicada a pretensão do apelante no sentido de a alteração do julgado poder/dever amparar-se na referida e almejada alteração.
Ainda assim, vem o apelante reafirmar e insistir pelo erro de julgamento do tribunal a quo, já que, no seu entendimento,  foi a livrança pela embargante preenchida abusivamente, pois que, tendo sido emitida em 26/05/2010, isto é ,no dia em que foi outorgado o acordo de emissão de garantia autónoma, certo é que a embargante, no local destinado à data de emissão, apôs 29/01/2019, ou seja, a data aposta pela exequente no título dado à execução não corresponde à data da sua de emissão.
Destarte, conclui o apelante que uma vez que a data de emissão aposta na livrança, para além de não ter sido convencionada com o executado ( porquanto, em Janeiro de 2019 já não era sócio da sociedade) , não corresponde sequer à sua vontade, então “tudo se passa como se o título não estivesse preenchido com a data em que foi emitido”, ou seja, a livrança não tem data de emissão,  e ,sendo a data de emissão um requisito essencial da livrança, a respectiva falta invalida o título cambiário, não pode produzir efeitos como livrança, nos termos, conjugados, dos artigos 75.º, n.º 6 e 76.º, ambos, da LULL, ou seja, não é título executivo”.
A referida questão do preenchimento abusivo foi pelo tribunal a quo resolvida, recorda-se, e em parte, nos seguintes termos :
“(...) No caso vertente, temos que na cláusula 4 do contrato celebrado no dia 26-05-2010, com o assunto “ Emissão de garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido da B e a favor da Caixa Económica Montepio Geral” consta que “4) Para garantia de todas as responsabilidades que para V. Exas. emergem do presente contrato, deverão entregar, nesta data, à SGM livrança em branco por V. Exas. subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da SGM, ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da Livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas”.
Esta cláusula rege o preenchimento da livrança, constituindo um pacto de preenchimento.
Desta cláusula resulta que a A ficaria na posse de uma livrança em branco, que preencher quando o entendesse conveniente, fixando-lhe nomeadamente a data de emissão.
Esta cláusula não impunha que a A preenchesse a data de emissão da livrança de acordo com a data do acordo de emissão da garantia autónoma ou a data do pagamento dos montantes garantidos pela Embargada à Económica Montepio Geral. A Embargada apôs a data de emissão de 29-01-2019 na livrança e à luz da cláusula quarta do contrato celebrado no dia 26-05-2010, com o assunto “Emissão de garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido da B e a favor da Caixa Económica Montepio Geral”, a Embargada estava habilitada a colocar a data de emissão de 29-01-2019, na livrança. Em suma, a livrança tem data de emissão e a data de emissão aposta não violou o pacto de preenchimento da livrança.
Face ao exposto, improcede a invocação de preenchimento abusivo da livrança e a invocação da invalidade da livrança.
Ora, tendo presente a factualidade provada, não vislumbramos fundamento diverso e atendível que pudesse ter suportar uma decisão direccionada para a questão do preenchimento abusivo diversa da prolatada pelo primeiro Grau, antes nela nos revemos.
Senão ,vejamos.
Como ressalta do relatório do presente Ac. e, outrossim, da factualidade provada, manifesto é que in casu é uma livrança que consubstancia o título executivo que suporta a execução, sendo a mesma o título a que alude o artº 10º, nº5 , do CPC, o qual reza que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva“ .
Inquestionável é, assim, que o título executivo que suporta a execução intentada pela apelada mais não é do que um título de crédito pelo qual o emitente (subscritor) promete incondicionalmente o pagamento a determinada pessoa (tomador ), ou à ordem desta,  de uma determinada quantia em dinheiro. (11)
Por outra banda, pacífico é também que o título executivo/livrança que suporta a acção executiva, foi pela executada/apelada subscrita em BRANCO (cfr. itens 2.3 a 2.6), que o mesmo é dizer, sem estar ainda completamente preenchida, o que a LULL admite (cfr. Artºs  10º  e 77º da LULL), pois basta que nela exista a assinatura de um dos obrigados cambiários (subscritor, avalista ou endossante) e que tal assinatura tenha sido feita com intenção de contrair uma obrigação cambiária, existindo ou podendo existir um acordo - expresso ou tácito - de preenchimento . (12)
Ou seja, ainda que lhe falte algum dos requisitos do Artº 75º da LULL [v.g. a indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada – nº 6, do artº 75º], estando portanto incompleta, se porém num título que contenha a designação – impressa e expressa - de “Livrança” é aposta - com intenção de contrair uma obrigação cambiária - uma assinatura, está dado um passo decisivo para que possa surgir uma obrigação cambiária, sendo que o título de crédito em causa apenas adquire plena eficácia/eficiência quando, ulteriormente, for preenchido com as indicações em falta. (13)
Em suma, sendo válida, a livrança em branco apenas produzirá os seus efeitos próprios como título de crédito - que incorpora um direito a uma prestação pecuniária - com seu preenchimento integral, ou seja, quando da mesma constem todos os requisitos legais essenciais constantes do artº 75º, da LULL” (14), mas , então , os efeitos do preenchimento retroagem, em princípio, à data em que foi passada  (15).      
Isto dito, e dispondo o artº 10º, da LULL, que “ Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”,  é óbvio que a livrança em branco deve ser completada de harmonia com os acordos realizados, pois que, a assim não ocorrer, verifica-se então uma situação que é conhecida/chamada de preenchimento abusivo.
Por outro lado, também o artº 17º da LULL, refere que “As pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”.
Tal equivale a dizer que, entrando uma livrança em circulação, e em razão dos princípios de literalidadeabstracção - o titulo de crédito é independente da “causa debendi “ - e autonomia que caracterizam as obrigações cambiárias, incorporando portanto a livrança uma obrigação abstracta que se destaca da relação subjacente que motiva a sua subscrição  (16) , apenas no domínio das relações imediatas [ou seja, no domínio das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, isto é, nas relações nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente das convenções extracartulares], pode o demandado invocar/opor – em sede de defesa – excepções fundadas na obrigação causal ou nas relações pessoais, maxime arguir o preenchimento abusivo.
Porque in casu, como resulta manifesto da factualidade assente, encontra-se a livrança que sustenta a execução no domínio das relações imediatas, desde logo porque não chegou a entrar em circulação, tendo ainda o respectivo subscritor/avalista/oponente outorgado o pacto de preenchimento (itens 2.3 e 2.6), é pacífico que nada obstava a que o oponente, no âmbito da oposição à execução, viesse - como o veio a fazer - excepcionar o seu preenchimento abusivo, invocando que foi a letra completada pela ora apelada contrariamente aos acordos realizados.
Já no tocante à temática do ónus da prova da excepção do preenchimento abusivo, é consensual – na jurisprudência e na doutrina – o entendimento de que é ao accionado que incumbe alegar e provar, em sede de oposição à execução [ou seja, no articulado a que alude o artº 731º, do CPC], os factos que lhe permitem comprovar o preenchimento abusivo, desde logo que interveio no pacto de preenchimento, questionando então a obrigação exequenda, e afirmando nomeadamente a sua inexistência e/ou o seu excesso  (cfr. art. 342º, nº 2 Código civil), pois que, como bem se salienta em Ac. do STJ de 30/9/2010 (17) , tal alegação desempenha então “ a função de excepção no confronto com o direito que o exequente pretende fazer valer na execução, assim fazendo (…) uma oposição de mérito à execução”.
De igual modo, também em Ac. do STJ de 28/2/2013 (18), e aderindo-se a entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação de Coimbra (19), é o nosso mais Alto Tribunal incisivo e categórico em sustentar que, pretendendo o oponente à execução invocar o preenchimento de uma livrança de forma abusiva, porque alegadamente nela aposta um montante superior ao devido , é a ele que incumbe provar os factos dos quais se extrai o abuso, e isto porque a “ inexistência da dívida titulada pela letra e o preenchimento abusivo desta são factos impeditivos do direito invocado pelo exequente, pelo que, nos termos do artº 342º, nº 2, do C. Civil, o respectivo ónus da prova compete ao executado, ou seja àquele contra quem o direito é invocado”.
É que, podendo é certo o executado, no domínio das relações imediatas, opor factos relacionados com a relação obrigacional subjacente ou causal (v.g. que a letra dada à execução foi abusivamente preenchida), incumbe-lhe porém provar os factos dos quais se extrai o abuso , ou seja, “ o valor probatório da letra terá de ser ilidido por aquele a quem se exige o cumprimento da obrigação, mostrando que essa letra, que foi assinada quando o título estava em branco, não se acha preenchida em conformidade com o ajustado entre o sacador e o aceitante, sendo que, “ a inexistência da dívida titulada pela letra e o preenchimento abusivo desta são factos impeditivos do direito invocado pelo exequente, pelo que, nos termos do artº 342º, nº 2, do C. Civil., o respectivo ónus da prova compete ao executado, ou seja àquele contra quem o direito é invocado”. (20)
Alinhando por semelhante raciocínio, também a doutrina especializada, mais exactamente o Prof. JOSÉ LEBRE de FREITAS (21), considera que a violação do pacto de preenchimento, ao configurar uma falsidade material do título, retirando-lhe, na medida do que for desrespeitado, a eficácia probatória, obriga a que impenda sobre quem a invoca – no caso o Oponente - a prova desse facto impeditivo ( ilisão do valor probatório – art. 378º cit.).
Mais recentemente, também CAROLINA CUNHA (22), explicando que o título em branco é por norma utilizado como uma prestação de garantia num contexto de relativa incerteza, pois que o direito de crédito não se mostra ainda inteiramente definido [ o que tudo aponta corresponder à situação dos autos ], vem reiterar que a formulação adoptada pelo artº 10º, da LU, aponta para a atribuição ao subscritor do titulo do ónus de provar tanto a desconformidade do conteúdo inserido com a vontade por si manifestada, como a má fé ou falta grave do adquirente.
E, tal solução, acrescenta ainda CAROLINA CUNHA (23) , explica-se deste modo : “quem voluntariamente emite uma letra incompleta suporta o risco inerente a essa actuação - o risco da inserção de um conteúdo não coincidente com a sua vontade - a menos que se verifique em particular desmerecimento na posição do portador-adquirente por a uma actuação ser passível de um juízo de censura ético-jurídica “.
Logo, conclui a mesma autora, o ónus da prova recai sobre o subscritor em branco, é ele quem terá de provar, desde logo, que a letra foi preenchida contrariamente à vontade por si manifestada . (24)                
Em face do acabado de expor, inevitável era que, logo em sede de articulado – o qual se destina à impugnação dos requisitos do título executivo e do direito substancial do exequente, em termos idênticos aos da posição assumida pelo contestante em processo comum de declaração - de oposição à execução, viesse o executado alegar ( para os poder provar ) factos reveladores do preenchimento abusivo da livrança em branco, v.g. factos demonstrativos de ter o exequente violado o acordado em sede de pacto de preenchimento.
Mas atenção.
Porque como vimos já, a inexistência da dívida titulada pela letra e o seu preenchimento abusivo são factos impeditivos, ou seja, integra matéria de excepção cujo ónus de alegação e prova incumbe ao executado/oponente (cfr. artº 342º,nº2, do CC), a este não lhe basta – em sede de oposição – apenas impugnar motivadamente a existência do crédito exequendo, antes lhe incumbe provar/demonstrar  – através de factos concretos – que ele não existe, logo, houve efectivamente um abusivo preenchimento da letra, designadamente quanto ao seu montante. (25)
Em síntese, incumbindo ao exequente – no articulado de contestação à oposição - a prova do contrato de preenchimento da letra em branco, é  já sobre o executado que incide o ónus de alegação e prova [através de factos concretos constitutivos da excepção (26), e isto porque o preenchimento abusivo reveste manifestamente a natureza de facto impeditivo ou extintivo do direito do portador do título de crédito – art. 342.º, n.º 2, do Código Civil] da excepção de direito material do preenchimento abusivo.
Aqui chegados, e incidindo finalmente sobre o concreto (em sede de alegação e prova), tudo aponta prima facie para que a exequente, invocando como título executivo uma livrança que pelo executado/oponente foi subscrita em BRANCO, logrou provar que, com base em Contrato de Preenchimento de Título Cambiário identificado em 2.6., assistia-lhe o direito de preencher/completar a livrança  fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito”.
Ou seja, com fundamento do acordado no Contrato de Preenchimento de Título Cambiário identificado em 2.6., assistia portanto à exequente, e tendo por objecto as obrigações pelo executado assumidas no Contrato identificado em 2.2.,preencher a livrança em branco, o que fez, designadamente apondo-lhe a data de emissão, a qual não tem necessariamente que corresponder à data da respectiva assinatura por um dos por ela obrigados/vinculados  [a livrança em branco pode conter apenas a assinatura do subscritor, não deixando de o ser por isso, sendo que, embora o artº 2º da LULL afirma que o escrito a que falte algum dos requisitos indicados no nº1 (v.g. data em que é passada) não produzirá efeitos como letra, tal facto não poderá significar senão que os requisitos do artº 1º são elementos – não de existência – mas sim de eficácia (...),ou seja, a obrigação cambiária surge logo no momento da emissão - Quando a livrança é emitida em branco a obrigação cambiária por ela titulada considera-se constituída desde o momento da sua assinatura e entrega (27) - , podendo a letra circular por meio de endosso, mesmo ainda por preencher, desde que tenha já indicado o nome do tomador (28) ].
Tendo a apelada, prima facie, cumprido portanto o que lhe era exigível, certo é que é já a factualidade provada e em absoluto perfeitamente incapaz de revelar/provar/demonstrar um preenchimento abusivo do título pela exequente dado à execução, máxime e desde logo no que à data de emissão concerne.
Com efeito e tendo presente o fixado (cfr. item de facto 2.6.) em sede de pacto de preenchimento do título de crédito emitido em branco, nada justifica concluir que a aposição da data de emissão de 29/1/2019 não respeita, antes viola, o que naquele foi fixado/acordado.
Neste conspecto, recorda-se que o executado/embargante D foi demandado na execução como avalista da subscritora da livrança B, a qual foi pelo mesmo embargante igualmente subscrita na qualidade de sócio da referida  sociedade, logo pacifico é que o aval que prestou à subscritora se integra ainda no domínio da relação fundamental subjacente à emissão da livrança, sendo-lhe lícito portanto [cfr. artigos 10.º e 17.º ,ambos da LULL , ex vi do artº 77º do mesmo diploma] alegar e provar, em sede de oposição à execução, a eventual violação do respectivo pacto de preenchimento.
Porém, porque não logrou fazê-lo ( tendo presente a factualidade provada, sendo que nesta matéria de excepção não releva a mera impugnação dos dizeres nela entretanto apostos/preenchidos na livrança ), inevitável é que a oposição tivesse sido julgada improcedente quanto à referida questão, como o foi.
Destarte, forçosa é, portanto, também a improcedência da apelação nesta parte.
                                
***

3.3.–Se permite e obriga a factualidade provada reconhecer que ao accionar o apelante, está a exequente a agir com ABUSO DO DIREITO.
A justificar a alteração do julgado, invoca ainda o apelante/executado que a exequente, com o seu comportamento [ v.g.  manteve-se durante cerca de seis anos sem dar conhecimento do incumprimento da sociedade ao embargante, não o tendo interpelado para efectuar o pagamento do montante em dívida, o que contribuiu para o agravamento da dívida, por força dos juros que se foram vencendo, bem como para dificultar a possibilidade de o embargante exercer o direito de regresso sobre a sociedade executada] e ao instaurar uma execução contra o executado volvidos seis anos, está a agir ilicitamente, excedendo, manifestamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito (artigo 334.º, do CC).
É que, alega o apelante, “é expectável que, com o decurso do tempo, o embargante tenha confiado, criado a expectativa, que tanto tempo depois de ter deixado a sociedade não seria incomodado, ou seja, accionado judicialmente “.

Não tendo o tribunal a quo acolhido o entendimento do apelante, para tanto aduziu, em síntese, os seguintes considerandos :
“(...)
No caso dos autos, entendemos que a invocação de abuso de direito com fundamento nos vários anos que decorreram contados do incumprimento até à interpelação do Embargante e até à data da instauração da acção executiva não preenche os requisitos exigidos pela norma.
Com efeito, estipula o artigo 334.º do Código Civil que apenas incorre em abuso de direito a conduta do credor cujo exercício exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
A preocupação do legislador com o exercício de um direito em determinado prazo está materializada no instituto da prescrição.
No caso em apreço, a obrigação não está prescrita, sendo judicialmente exigível.
Quanto ao fundamento de que a Embargada contribuiu para a impossibilidade do Embargante poder exercer o direito de regresso contra a Devedora originária, importa referir que a Embargada é alheia à relação entre o Embargante e a sociedade B não podendo por isso ser responsabilizada pela frustração do direito de regresso de que goza o Embargante sobre a sociedade B..
Não existe qualquer outro motivo que permita concluir pela existência de conduta abusiva, como por exemplo, a recusa em receber o pagamento antecipado pela Embargada.
Deste modo, improcede a alegação de conduta ilícita da e Embargada, através do instituto do abuso de direito.”

Adiantando desde já nosso veredicto, também nesta parte a apelação do executado  D não merece ser atendida e, mais uma vez, por ausência de prova de factualidade pertinente, v.g. capaz de integrar o comportamento coercivo da apelada exequente na previsão do artº 334º, do CC.
Na verdade, dispondo o artº 334º, do CC, que “ é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito “, imperioso é desde logo que aponte a factualidade provada para uma situação de acto ilegítimo, consistindo a ilegitimidade num excesso de exercício de um certo e determinado direito subjectivo. (29)
Mais exactamente, importa que os factos provados evidenciem com segurança que o titular do direito, ao exercê-lo, ultrapassa os limites que ao mesmo direito são impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo próprio fim social ou económico do direito exercido.
Sucede que, in casu, e da factualidade assente, APENAS decorre que, tendo a exequente/embargada pago à Caixa Económica Montepio Geral o montante de 6.459,90 €, no dia 11-08-2013 [ na sequência da resolução pela Caixa Económica Montepio Geral e a 23-07-2013 do contrato de 26-05-2010 [outorgado pela A, alusivo à “Emissão de garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido da B. e a favor da Caixa Económica Montepio Geral” ], prima facie apenas a 29/1/2019 vem a preencher a LIVRANÇA em branco pelo embargante subscrita e, só em 23/2/2019 vem executar o embargante, ou seja, quase 6 anos após o pagamento à Caixa Económica Montepio Geral do montante de 6.459,90 €.
A mesma factualidade, porém, é em absoluto totalmente omissa no tocante designadamente à existência e/ou inexistência de quaisquer comunicações/avisos ou interpelações havidas entre a ora exequente e o ora executado/avalista e embargante, máxime em momento anterior ao preenchimento da livrança ou da propositura da acção executiva, apenas se sabendo que desde o pagamento pela exequente à Caixa Económica Montepio Geral do montante de 6.459,90 € e a data de 29/1/2019 (data aposta na livrança como sendo a da respectiva emissão) , decorreram cerca de 6 anos.
Ora, a propósito da existência e/ou inexistência de quaisquer comunicações/avisos ou interpelações havidas entre a ora exequente e o ora executado/avalista e embargante, é a jurisprudência praticamente consensual em  considerar a respectiva irrelevância (como condição) para efeitos de exequibilidade do título, tendo designadamente o STJ no seu Acórdão de 30/4/2019 (30), concluído que “A falta dessas comunicações não implica, porém, que as livranças não podiam ter sido preenchidas, nem significa que o seu preenchimento foi abusivo e que as livranças são inexequíveis quanto ao avalista, nem implica a extinção da execução que foi instaurada contra o avalista.

O mesmo Supremo Tribunal de Justiça, já em Acórdão de 28/9/2017 (31), havia concluído com pertinência que “A falta de interpelação do avalista da subscritora, no âmbito de uma livrança em branco, com vista ao seu preenchimento quanto à data do vencimento e ao montante, só releva se a necessidade dessa interpelação resultar do respectivo pacto de preenchimento( o que não é o nosso caso ) .

Outrossim perante uma situação de facto da qual apenas decorre ter existido um período de alguns anos  entre a data da assinatura de titulo de crédito em BRANCO e o seu preenchimento e subsequente cobrança coerciva, é a jurisprudência do STJ praticamente consensual em considerar/concluir que “ O simples decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é susceptível de, sem mais, criar no devedor a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende”, razão porque a referida circunstância, só por si, não consubstanciam fundamento bastante para o reconhecimento do abuso de direito previsto no artigo 334º do Código Civil, na modalidade de "venire contra factum proprium. (32)

Mais recentemente o mesmo STJ, em Acórdão de 4/7/2019 (33), veio concluir que :
- Quanto à questão do preenchimento abusivo ou indevido das livranças dos autos, tendo os pactos de preenchimento autorizado a exequente embargada a, de acordo com o seu próprio juízo, preencher a data de vencimento das livranças em função do incumprimento das obrigações pela devedora “ou para efeitos de realização do respectivo crédito”, não é possível concluir-se que aquela – ao apor nas livranças uma data mais de três anos ulterior em relação à declaração de insolvência da devedora, e alguns meses anterior à acção executiva – tenha incorrido em preenchimento abusivo.
- Acresce que, mesmo que os termos dos pactos de preenchimento dos autos não atribuíssem à exequente tal margem de discricionariedade, atento o regime normativo da prescrição, sempre seria discutível se o simples decurso do tempo sem exigir o cumprimento das obrigações bastaria para configurar uma situação de abuso do direito.

Por último, e em Acórdão ainda “fresco”, porque de 20-04-2021 (34), veio o STJ a concluir que :
I.-O abuso de direito, na modalidade de suppressio, tutela a confiança do beneficiário, perante a inacção do titular do direito, devendo, para ser relevante, verificar-se um não exercício prolongado, uma situação de confiança, uma justificação para essa confiança, um investimento de confiança e a imputação da confiança ao não-exercente.
II.-O mero decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é susceptível de criar no devedor a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende.
III.-Não abusa do direito a credora que instaura uma execução com base em livranças, assinadas pela subscritora e pelo avalista, que lhe foram entregues aquando da celebração de contratos de garantia bancária e que preencheu de acordo com esses contratos, apondo-lhes data de vencimento cerca de 8 anos após poder exigir o cumprimento da obrigação subjacente aos devedores.

Porque nos revemos nas decisões acima aludidas e do STJ, e , porque no essencial não permite a factualidade provada ( porque manifestamente escassa para o efeito ) concluir que actuação da exequente embargada, ao apor a data ( de 29/1/2019 ) de emissão da livrança , está a incorrer na violação dos princípios da boa-fé e da confiança, integrando a sua conduta a previsão do instituto do abuso de direito [ quer na modalidade do venire contra factum proprium ou de qualquer outra susceptível de integrar o instituto do abuso de direito ] previsto no art. 334º do Código Civil, eis porque no tocante à questão em apreço improcede outrossim a apelação de D, o que aqui se decreta.

***

4.-Da apelação da exequente A.
4.1.-Da reclamada alteração da decisão do tribunal da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto.
Entende a apelante/exequente A, que do elenco dos factos provados, e em face da prova produzida nos autos, justificava-se que fizesse parte um novo item de facto, sendo o respectivo conteúdo do seguinte teor : “A Embargada diligenciou por interpelar o Embargado para que procedesse ao pagamento dos valores em divida logo após o vencimento do crédito e ao longo do tempo até ao preenchimento da livrança, com recurso a contactos telefónicos, por carta e e-mail, sem que o Embargante tivesse, em qualquer momento, respondido às solicitações que lhe foram feitas “.

Não obstante invoque a apelante que a suportar o novo facto provado existe vasta e firme prova, certo é que , em rigor, a única que existe é a testemunhal, máxime o depoimento prestado em audiência pela testemunha Pedro ..... , ou seja, se relativamente às alegadas interpelações direccionadas designadamente para B, existe prova documental nos autos a corroborar o referido depoimento, já relativamente ao executado e embargante D  aquela - prova documental - não existe.
Ora, invocando a exequente apelante que os contactos direccionados para D  foram vários e diversos, designadamente por carta e e-mail ,não se concebe que um único não tenha sido carreado para os autos (o que já sucedeu com as comunicações dirigidas a outros obrigados), designadamente para melhor  (cfr. artº 516º, nº 6, do CPC) reforçar o depoimento testemunhal de Pedro ...... .

Destarte, sem necessidade de mais considerações, improcede a apelação de A  no que concerne à reclamada alteração da decisão de facto, pois que, com segurança, a prova pela impugnante invocada é insuficiente para concluir pela existência de um erro de julgamento de facto – que importe reparar - em sede de apreciação e valoração da prova.

***
                                        
4.2.-Se a sentença apelada se impõe ser revogada, sendo os embargos deduzidos por D julgados in totum como improcedentes

Discorda a exequente A. do sentenciado pelo tribunal a quo no que aos juros de mora concerne, ou seja, da decidida procedência parcial dos embargos no tocante ao reclamado pagamento da quantia de € 2.536,23 a título de juros de mora [devendo assim a execução prosseguir apenas para pagamento da quantia de 6.497,69 € (€ 9.033,92 - €2.536,23)], sendo os mesmos - juros de mora e relativamente ao executado D – devidos/contabilizados apenas a contar do dia 9 de Fevereiro de 2019, nos termos do art.º 805 n.º 1 do Código Civil.

A sustentar a decisão do Primeiro Grau no que à presente questão dos juros de mora concerne, recorda-se, considerou-se que :
i)-Do conteúdo da  cláusula 2 do contrato para emissão da garantia autónoma resultava que também os avalistas (que não apenas a avalizada/B) tinham que ser interpelados para efectuar o pagamento dos montantes que a A viesse a pagar à CMG em cumprimento da garantia prestada, ou seja, desde que devidamente interpretada, a referida cláusula não parece bastar-se apenas com a interpelação da avalizada para que os avalistas possam e devam também responder pela dívida, pois a mesma refere-se a todos os subscritores do contrato de emissão de garantia autónoma à primeira solicitação, nos quais se incluem os avalistas;
ii)-In casu, o Embargante apenas foi interpelado em 29 de Janeiro de 2019 para proceder ao pagamento do valor de € 9.033,92 , podendo fazê-lo até à data de vencimento da livrança a 8 de Fevereiro de 2019, logo, não pode ele (embargante) ser responsabilizado pelo pagamento da quantia de € 2.536,23 a título de juros de mora, devendo a execução prosseguir apenas para pagamento da quantia de 6.497,69 € (€ 9.033,92 - € 2.536,23) e dos juros de mora devidos a contar do dia 9 de Fevereiro de 2019, nos termos do art.º 805 , n.º 1 , do Código Civil.

Dissentindo a exequente do referido entendimento, para tanto invoca em abono da sua posição - no sentido de que também no que aos juros concerne, deve a oposição do embargante improceder - , e em síntese, que ;
i)-Não permite de todo o conteúdo da  cláusula 2 do contrato para emissão da garantia autónoma a interpretação que daquela faz o tribunal a quo ;
ii)-É que, ao longo de todo o clausulado (incluindo a cláusula 2) do referido contrato  as referências a “V. Exas.” que dele constam referem-se exclusivamente à sociedade B, pois é esta quem assume a generalidade das obrigações decorrentes do mesmo;
iii)-Ademais, a função do aval é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor cambiário, a cobri-la ou caucioná-la, ou seja, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada - art. 32, nº1 da LULL - , razão porque, estando a sociedade subscritora B obrigada ao pagamento da totalidade do valor inscrito na livrança (capital e juros vencidos), os avalistas eram e são também responsáveis pelo pagamento na mesma medida.
Conhecidas portanto as razões de Direito que justificam/suportam a apelação da exequente/embargada direccionada para a questão dos juros, vejamos se são elas de atender, importando sobremaneira [a reclamada inclusão no elenco dos factos provados de um novo, mostra-se resolvida/ultrapassada em face do exposto/decidido em 4.1., razão porque a alteração do julgado nesta parte apenas se justificará com fundamento em razões de direito] aferir do acerto da interpretação que faz do conteúdo da cláusula 2 do contrato identificado em 2.2..

Ora, do “contrato” identificado em 2.2., consta, designadamente, que :

B
M____ ;
9...- ...'.M_____ (Pico)
Candidatura nº  6..-.-6..
M_____, ... de ... de 2...
Assunto: Emissão de garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido da B e a favor da Caixa Económica Montepio Geral.
Na sequência da proposta apresentada e no âmbito da Linha de Crédito PME Investe V, Linha específica "Micro e Pequenas Empresas", informamos que prestamos por este documento, por conta e a pedido de V. Exas., a garantia autónoma nº 2010.02377, à primeira solicitação, a favor da Caixa Económica Montepio Geral, adiante designada abreviadamente por CEMG, nos seguintes termos e condições:
a)- Montante máximo garantido ( 18.750,00., assegurando a ( A., adiante designada abreviadamente por SGM, à CEMG o bom e atempado cumprimento da obrigação de reembolso quanto a 75% do capital mutuado em divida em cada momento do tempo, emergente do contrato de mútuo celebrado neste data, no montante de € 25.000,00, pelo prazo de 48 meses.
b)-O montante máximo garantido referido supra será progressivamente reduzido à medida que a empresa efectuar os reembolsos de capital previstos no contrato de mútuo, mantendo-se, no entanto, a garantia pela percentagem garantida, ou seja, 75% do capital em divida em cada momento do tempo.
c)- Se qualquer um dos montantes garantidos não for pago pela Empresa, total ou parcialmente, nas datas do respectivo vencimento, a SGM obriga-se, incondicional e irrevogavelmente, e sem possibilidade de oposição de quaisquer meios de defesa, incluindo, por excepção, de que a Empresa se pudesse prevalecer contra a CEMG, a pagar os montantes garantidos, na percentagem em que os mesmos se encontram garantidos, sem quaisquer juros, sobretaxas ou encargos, no prazo máximo de dez dias após a recepção de carta registada com aviso de recepção solicitando o pagamento, devendo, para esse efeito, a CEMG dirigir à SGM uma declaração e de um recibo de quitação nos termos dos anexos 1 e 2 a este contrato.
d)-Se a CEMG declarar antecipadamente vencidas as obrigações de pagamento do capital mutuado, poderá exigir da SGM o pagamento antecipado das obrigações declaradas vencidas que estejam garantidas, na percentagem em que o estiverem, devendo esse pagamento ser efectuado no prazo máximo de dez dias após a recepção de  carta registada com aviso de recepção, comunicando o vencimento antecipado e solicitando o pagamento.
e)- A garantia caduca e fica sem efeito, em relação a cada um dos montantes garantidos, se a CEMG não solicitar o seu pagamento à SGM nos 90 dias imediatamente posteriores ao respectivo vencimento, acima indicado, ou no caso de vencimento antecipado à comunicação deste à empresa.
f)- Que esta garantia, é emitida ao abrigo do protocolo celebrado em 24 de Março de 2010 entre o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, IP, a PME Investimentos - Sociedade de Investimento, S.A., a CEMG e a SGM, beneficiando,por conseguinte, a EMPRESA de uma bonificação da comissão de garantia.

Como contrapartida da garantia autónoma por nós prestada emergem, para V. Exas., as seguintes obrigações:
1)- Pagar à A uma comissão de garantia sobre o valor dos saldos vivos garantidos e em dívida em cada momento do tempo. Sem prejuízo, considerando os termos resultantes Empresas e do à Inovação, protocolo IP, celebrado a PME Investimentos entre o Instituto - Sociedade de Apoio às de Pequenas Investimento, e Médias S.A, o Banco e a SGM, V. Exas. beneficiam de uma bonificação da comissão de garantia que será liquidada e paga, trimestral e antecipadamente, pelo FINOVA, representado pela PME Investimentos.,. Sociedade de Investimento, S.A., entidade gestora da linha, sendo ,esta de 2%, ao ano sobre o valor dos saldos vivos garantidos e em dívida em cada momento do tempo.
2)- Pagar à A todos os montantes que a SGM venha a pagar à CEMG em cumprimento da garantia prestada no prazo máximo de cinco dias após a interpelação que, para esse efeito esta vos faça, findo o qual serão devidos juros moratórios sobre o montante em débito.
3)- Adquirir, nesta data, 380 acções nominativas, representativas do capital social da A, no valor nominal de € 1,00 cada.
(...)
4)- Para garantia de todas as responsabilidade que para V. Exas. emergem do presente contrato, deverão entregar, nesta data, à SGM livrança em branco por V.Exas. subscrita, e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da A, ficando esta, desde Já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V.Exas.
5)- Qualquer uma das seguintes situações confere à A o direito de exigir imediatamente de V. Exas. o pagamento de todos os montantes que lhe forem devidos nos termos do presente contrato, acrescidos do valor da garantia por ela prestada à CEMG, que nesse momento ainda subsistir, independentemente de já ter efectuado ou não o pagamento à CEMG dos montantes garantidos, mediante interpelação que vos seja dirigida por carta, para as moradas infra:
(...)
7)- Sobre todas as Importâncias devidas por V. Exas. nos termos do presente contrato e não atempadamente pagas, recaem juros de mora à taxa de juros legal acrescida de dois pontos percentuais, que se vencem e são devidos independentemente de qualquer Interpelação.
(...)
O presente contrato bem como a garantia que dele consta a favor da CEMG produzirá os seus efeitos logo que V. Exas. e bem assim os avalistas infra indicados nos dêem o acordo às estipulações elencadas, formalizem as garantias requeridas e comprovem terem adquirido as acções mencionadas na cláusula terceira.
O presente documento foi Impresso em três exemplares originais, destinam-se um original à A, outro à B e outro à CEMG.
Perante o conteúdo da cláusula 2 supra descrita, por si só, ou compreendida no âmbito [como se impõe, porque a interpretação de uma cláusula de um contrato, o exacto alcance/sentido da mesma, não pode partir apenas da análise isolada do seu teor, devendo para tanto atender-se também ao conjunto das demais estipulações daquele, qual "interpretação complexiva (35)], e tendo presente os normativos dos artºs 236º a 238º, todos do CC, certo é que não subscrevemos de todo o entendimento do Primeiro Grau no sentido de que da cláusula referida resulta que não basta a interpelação da avalizada para que os avalistas possam também responder pela dívida, pois que, refere-se a mesma a todos os subscritores do contrato de emissão de garantia autónoma à primeira solicitação, nos quais se incluem os avalistas, conforme se extrai da expressão “esta vos faça”, ou seja, “para que a Embargada pudesse ser paga dos montantes despendidos com a garantia autónoma prestada por si, tinha de interpelar também os avalistas e não apenas a avalizada.

A referida interpretação, com todo o respeito, além de não ter qualquer correspondência (cfr. artº 238º,nº1, do CC) com o texto da própria cláusula 2 (a se), ainda que isolada do respectivo contexto negocial global, não tem outrossim qualquer suporte - juridicamente relevante – no complexo regulativo que é o negócio jurídico como um todo.

Com efeito, e desde logo [como bem salienta a apelante ], importa ter bem presente que o contrato de emissão de garantia celebrado a 26 de Maio de 2010 é concluído na sequência de proposta ( Candidatura nº 6..-.-6..) formalizada pela cliente/sociedade B. e dirigida à A., proposta que é por esta última aceite nos termos e condições constantes de documento escrito, declarando no final do mesmo a referida sociedade/proponente - pela aposição da assinatura dos seus legais representantes - aceitar os termos e as condições aludidas.

No documento referido, que em rigor formaliza/conclui o acordo de vontades entre B e a A, e o qual fixa os termos e condições da garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido da B e a favor da Caixa Económica Montepio Geral, é claro em precisar/estipular expressis verbis que como contrapartida da garantia autónoma prestada à proponente emergem para esta última [Como contrapartida da garantia autónoma por nós prestada emergem, para V. Exas., as seguintes obrigações...] determinadas obrigações, de entre as quais a que consta da cláusula 2 .

Ou seja,  a obrigação a que alude a cláusula 2 [ a de a B, pagar à A todos os montantes que a A venha a pagar à CEMG em cumprimento da garantia prestada], incide em primeira linha sobre a B, isto por um lado e, por outro, há-de por esta última ser cumprida no prazo máximo de cinco dias após a interpelação para o referido efeito lhe seja efectuada [devendo portanto a expressão “interpelação que, para esse efeito esta vos faça equivaler a  “interpelação que, para esse efeito, venha a ser dirigida a V. Exas] findo o qual serão devidos juros moratórios sobre o montante em débito.

No essencial, e como assim (e bem) o considera a apelante/exequente, todas as obrigações que se mostram descriminadas no documento resposta da exequente à proposta da B e que são contrapartida da garantia autónoma pela A, prestada, incidem directa e especificamente sobre a sociedade B [tratada ao longo de todo o clausulado do contrato através das referências a V. Exas., sendo já os avalistas – como resulta claro designadamente da cláusula 4 – considerados como as entidades abaixo identificadas”], limitando-se a parte final do mesmo documento e no que aos avalistas/entidades concerne a aludir/atestar que estes últimos expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao contrato que ele (documento) formaliza/documenta e às responsabilidades que para si e do mesmo emergem .

Em suma, temos assim que além de não resultar do conteúdo/letra da cláusula 2, de todo e com a mínima segurança [nos termos dos artºs 236º e 238º, nº1, do CC , e tendo presente que a declaração negocial deve ser objecto de uma interpretação sistemática e contextual, segundo o qual o negócio deve ser visto no seu todo, considerando as expressões utilizadas no contexto e nas circunstâncias em que foram proferidas (36)], a necessidade/imposição de interpelação também do avalista para que a B, passasse a estar obrigada a pagar à A os montantes que esta tenha pago à CEMG em cumprimento da garantia prestada, certo é  que outrossim tal “necessidade“  [máxime como condição prévia do preenchimento da livrança] não decorre de qualquer imposição legal, mormente da LULL, e , ademais, não se mostra também prevista/estipulada no pacto de preenchimento [porque à mesma não se refere – cfr cláusula 4 supra transcrita ], neste último nada se prevendo ou estipulando que previamente ao preenchimento do título devessem os AVALISTAS ser informados da situação de incumprimento do subscritor da livrança, máxime da resolução do contrato de mútuo objecto da  garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido da mutuária/B e a favor da mutuante/Caixa Económica Montepio Geral [constatação esta última que obriga a afastar a verificação de qualquer preenchimento abusivo decorrente da ausência de comunicação/interpelação do avalista].

Aqui chegados, ou seja, considerando nós não se verificar o pressuposto que suporta a decisão do Primeiro Grau no sentido de não poder o Embargante/avalista ser responsabilizado pelo pagamento da quantia de € 2.536,23  incluída no montante total aposto na Livrança ( e a título de juros de mora ), apenas devendo a execução prosseguir para pagamento da quantia de 6.497,69 € ( € 9.033,92 - € 2.536,23) e dos juros de mora devidos a contar do dia 9 de Fevereiro de 2019, nos termos do art.º 805 n.º 1 do Código Civil, importa de seguida aferir se, por arrastamento, forçosa se mostra a alteração do julgado, nos termos reclamados pela apelante/exequente.

É que, não existindo preenchimento abusivo, desde logo porque  não provada a necessidade (de acordo com o pacto de preenchimento)de interpelação – prévia claro está ao preenchimento da livrança - do avalista para pagamento da divida decorrente da resolução do contrato de mútuo , importa não olvidar que de acordo com o disposto no art. 32, §1º da LULL, “O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.”, ou seja, inquestionável é que o avalista responde na medida objectiva da obrigação do avalizado, nos termos e quantidade em que este seria responsável, ou, dito de outra forma, a responsabilidade que para o avalista emerge do aval determina-se pela do avalizado, responsabilidade que não é subsidiária, mas sim solidária (respondendo o avalista a par dos demais subscritores pelo pagamento integral da letra – cfr, artº 47º, nºs 1 e 2, da LULL) , acessória da do avalizado e cumulativa. (37).
Ademais, e de acordo com doutrina conceituada (38), pacífico é que o AVAL na LU é ainda, essencialmente, uma fiança, e que o avalista assume uma obrigação subsidiária ou acessória da obrigação do avalizado, razão porque “para que o avalista esteja obrigado, basta que o esteja o próprio aceitante .

Ocorre que, de há algum tempo a esta parte, tem a jurisprudência vindo a enveredar pelo entendimento de que, com fundamento princípio da boa fé e [n]o dever de actuação em conformidade com ele (art. 762/2 do CC), é de exigir ao exequente a obrigação de informar os avalistas dos títulos, simultaneamente partes no pacto de preenchimento, dos montantes em dívida, das datas de vencimento e em que termos os títulos serão preenchidos em caso de não pagamento, e isto sob pena de a falta de interpelação pelo credor/exequente, implicar que a obrigação apenas se considera vencida com a citação, o que há-de forçosamente relevar para efeitos de contagem dos juros moratórios. (39)

Este entendimento, é aquele que, estamos em crer, tem vindo a ser sufragado – de forma praticamente consensual – pelo STJ, tendo designadamente este Tribunal, em Acórdão de 30/4/2019 (40), vindo a concluir que :
I- A resolução do contrato tem que ser oposta à contraparte no contrato, e não também ao avalista nas livranças entregues em branco nos termos do contrato.
II- O que não significa que o facto da resolução do contrato, causa legitimadora do preenchimento das livranças e da responsabilização cambiária do avalista, não deva ser objecto de comunicação ao avalista.
III- De igual forma, impõe-se a comunicação ao avalista sobre o montante em dívida a inscrever nas livranças e sobre a data do respectivo vencimento.
IV- A falta dessas comunicações não implica, porém, que as livranças não podiam ter sido preenchidas, nem significa que o seu preenchimento foi abusivo e que as livranças são inexequíveis quanto ao avalista, nem implica a extinção da execução que foi instaurada contra o avalista.
V- Tal tem simplesmente como consequência que a obrigação que o avalista assumiu se vence e se torna exigível apenas com a citação para a execução fundada nas livranças, que foram preenchidas de acordo com os respectivos pactos de preenchimento.

E para concluir nos termos acima transcritos, discorreu o STJ do seguinte e modo :
“A questão não é, pois, de preenchimento abusivo, mas simplesmente de interpelação e de exigibilidade.
A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de interpelação do devedor e esta é feita operar.
E tanto vale, como comunicação do acto resolutivo e como comunicação da existência da dívida (o que tudo representa um ato de interpelação), a comunicação extrajudicial como a citação para a acção onde, invocando-se a resolução, se visa fazer valer as respectivas consequências.
Em suma, não tendo sido fixado um prazo nos pactos de preenchimento (nem podia ter sido, pois que estava dependente de um acontecimento incerto ou eventual, que era o incumprimento da parte contratante financiada), a falta de comunicação do Exequente ao ora Embargante/AVALISTA, implica tão só que a obrigação apenas se considera vencida com a sua citação. Isto decorre da conjugação das normas dos art.s 777.º, n.º 1 do C.Civil e do 610º n.º 2 al. b) do CPCivil, estipulando esta última que, quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação.

Já mais recentemente, e de uma forma mais vincada, veio o mesmo Supremo Tribunal a concluir, em Acórdão de 21/10/2020 (41), que :
I.-O Aval desencadeia uma obrigação independente e autónoma, tendo por conteúdo uma promessa de pagar o título de crédito e por função a garantia desse pagamento.
II.- O avalista obriga-se ao pagamento da quantia titulada no título de crédito, na data do vencimento ou nos termos em que o pacto de preenchimento foi acordado.
III.- A livrança em branco deve ser preenchida em conformidade com o pacto de preenchimento para apuramento da responsabilidade do avalista que nele teve intervenção.
IV.- A falta de comunicação ao avalista sobre o montante em dívida a inscrever na livrança e sobre a data do respectivo vencimento tem apenas como consequência que a obrigação por ele assumida se vence e se torna exigível com a citação para a execução fundada na livrança.
V.- A falta de demonstração pela exequente de que exercitou o seu direito potestativo de resolução, traduzido na competente interpelação dos devedores para pagamento do montante em dívida, e que preencheu a livrança, em conformidade com o pacto de preenchimento, com base nesse montante e na data em que o apurou, impede-a de exigir dos avalistas o pagamento dos juros entre o momento do vencimento da obrigação e a instauração da execução

Ora, o entendimento referido e que pelo STJ tem vindo a ser seguido (42), é aquele que in casu faz todo o sentido sufragar, máxime pelas seguintes e judiciosas razões :
PRIMO Desde logo porque,como bem se explica em Acórdão deste Tribunal da Relação e de 14/9/2017 (43) “ao assinar o aval na livrança em branco quanto ao vencimento, o pré-avalista aceita, ex-ante, poder ter de cumprir, na data do vencimento, a prestação que, então, for devida e, a partir daí, as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor (art. 32/I da LULL). A assunção do risco tem esse limite. Assim sendo, se não for informado pelo credor do vencimento da obrigação, isto é, se não for colocado em condições de poder cumprir nos mesmos termos em que o pode fazer o subscritor, daí não poderá resultar um aumento do risco do pré-avalista. Ou seja: o pré-avalista, quando for, mais tarde, intimado para cumprir, não estará vinculado a mais do que aquilo que estaria se fosse esse o momento do vencimento da obrigação;
SECUNDODepois, porque tratando-se de livrança em branco, não faz sentido considerar existir mora do devedor, independentemente de interpelação, no caso de a obrigação ter prazo certo (art. 805º, nº2, al.a), do C.Civil), solução esta que decorre naturalmente da fixação de uma data determinada para o cumprimento da obrigação (data que em princípio é do conhecimento do devedor), o que não acontece, necessariamente, no caso das livranças em branco, se não forem apresentadas a pagamento, não se vendo como possa existir aí mora do devedor, a qual depende sempre de culpa (44) ;
TERTIO Acresce que, ao dispor o artº 32º,II, da LULL, que a obrigação do dador do AVAL mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, então importa reconhecer que a obrigação do avalista é apenas imperfeitamente acessória relativamente à do avalizado, sendo em rigor uma obrigação materialmente autónoma , ou seja a obrigação do avalista tem as suas próprias condições de validade e eficácia, a que vêm acrescer as decorrentes da sua acessoriedade com a obrigação garantida, e o seu conteúdo, se não pode exceder o desta e, em principio, é o mesmo, pode ser mais limitado (45) ;
QUARTUS PRIMA FACIE e enquanto garantia autónomado pagamento da letra (cfr. artº 30º,I, da LULL), em rigor o avalista  responde objectivamente pelo pagamento da letra, não responde subjectivamente, isto é, pelo pagamento dela por parte da pessoa avalizada,  em suma, o avalista não responde pela obrigação do avalizado, antes responde autonomamente por um lado e, como ele, por outro , tendo o artº 32º I, da LULL [ao dispor que o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada] apenas por objectivo definir a responsabilidade do avalista, dizer em que consiste, como responde ele, utilizando o legislador uma adequada locução adverbial “da mesma maneira”,razão porque da letra do referido artº 32º I resulta que o mesmo só dispõe sobre o conteúdo da obrigação do avalista, da sua responsabilidade, e não sobre as condições em que o avalista responde ou não (46).

Em suma, garantindo em rigor (de acordo com a disciplina da LULL) o avalista o pagamento da livrança, que não a obrigação do avalizado (47), não basta assim ser o avalizado responsável pelo pagamento de juros moratórios para com fundamento no artº 32º I da LULL também o ser o avalista [entre a obrigação do avalista e a do avalizado a lei estabelece uma mera “ligação de caracter tipológico” destinada a individualizar a responsabilidade de “posição” do avalista”(48)], ainda que este último não interpelado . 

No seguimento de todos os considerandos supra aduzidos, de natureza doutrinal e jurisprudencial, e ainda que com fundamento em razões algo diversas das sufragadas pelo Primeiro Grau, forçoso é assim a confirmação do julgado ( no que aos juros de mora concerne e integrados no valor aposto na livrança dada à execução ), e a improcedência da apelação do exequente.

É que, reconhecendo o exequente que não chegou efectivamente a interpelar o avalista/apelante nos mesmos termos em que o fez relativamente à B  ( em 11-09-2013, cfr item de facto  2.12. ) e não tendo logrado provar (apesar de o ter alegado) que a referida não interpelação efectiva se ficou a dever a “culpa” do embargante avalista ( para efeitos do nº 2, do artº 224º, do Código Civil ), forçosa é então a improcedência da apelação da exequente.
Com efeito, e socorrendo-nos das palavras da decisão proferida por este mesmo Tribunal da Relação no acórdão de supra citado e de 14/9/2017 , se é certo que o tomador da livrança em branco não tinha in casu o dever de informar (de acordo com o pacto de preenchimento) o pré-avalista de que iria preencher a livrança porque incumprido pelo mutuário e resolvido o contrato de mútuo, tinha pelo menos o ÓNUS de o ter feito [para que o executado/avalista pudesse ter pago, evitando o agravamento da dívida por força dos juros de mora vencidos até ao preenchimento da letra, e outrossim dos juros de mora cartulares devidos desde a data do vencimento da livrança exequenda] se quiser que o avalista/executado cubra o crédito total representado pela livrança preenchida.

EM CONCLUSÃO,
ambas as apelações improcedem, impondo-se a confirmação do julgado.

***

5- Concluindo (cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC): (acima transcrito)
5.1.– A característica da acessoriedade do AVAL ( nos termos do artº 32º-I, da LULL ) , por si só, não dispensa o portador da livrança em BRANCO de interpretar/informar o avalista do vencimento da obrigação subjacente, conferindo-lhe a possibilidade de cumprir nos mesmos termos em que o pode fazer o subscritor do tútulo de crédito;
5.2.– É que, ao dispor o artº 32º,II, da LULL, que a obrigação do dador do AVAL mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, então importa reconhecer que a obrigação do avalista é apenas imperfeitamente acessória relativamente à do avalizado, sendo em rigor e essencialmente uma obrigação materialmente autónoma, ou seja a obrigação do avalista tem as suas próprias condições de validade e eficácia, a que vêm acrescer as decorrentes da sua acessoriedade com a obrigação garantida, e , o seu conteúdo, se não pode exceder o desta e, em principio, é o mesmo, pode ser mais limitado;
5.3.–Do disposto em 5.1. e 5.2. decorre que, tratando-se de uma livrança em branco, não faz sentido considerar existir mora do devedor, independentemente de interpelação ( como se a obrigação tivesse prazo certo - art. 805º, nº 2, al. a), do Código Civil -,solução que decorre naturalmente da fixação de uma data determinada para o cumprimento da obrigação ), pois que a mora do devedor  depende sempre de culpa ;
5.4.–Não demonstrando a exequente de que exercitou o seu direito potestativo de resolução, traduzido na competente interpelação dos devedores – v.g do subscritor do título, mas também do avalista - para pagamento do montante em dívida na data em que o apurou, impede-a de exigir do AVALISTA da livrança em Branco o pagamento dos juros de mora entre o momento do vencimento da obrigação e a instauração da execução

***

6.–Decisão

Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de LISBOA, em, não concedendo provimento às apelações interpostas por exequente A, e executado D :
6.1.-Confirmar, ainda que com base em fundamentos não exactamente coincidentes com os explanados na decisão recorrida, a sentença apelada.
*
Custas das apelações a cargo dos respectivos apelantes.

***

***


LISBOA, 06/01/2022



António Manuel Fernandes dos Santos–(O Relator)
Ana de Azeredo Coelho–(1ª Adjunta)               
Eduardo Petersen Silva–(2º Adjunto)


 
(1)-Cfr. De entre muitos outros os Acs. do STJ de 2/12/2013, Proc. Nº 1420/06.2TVLSB.L1.S1, e de 24/1/2012, Proc. nº 1156/2002.L1.S1, ambos in www.dgsi.pt.
(2)-Cfr. António Santos ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, 3ª Edição, pág. 309, e Ac. do STJ de 3/11/2020, Proc. Nº 2168/17.8T8PNF.P1.S1, sendo Relatora MARIA JOÃO VAZ TOMÉ em www.dgsi.pt.
(3)-Cfr. Ac. do STJ de 1/7/2014, Proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1, in www.dgsi.pt.
(4)-Cfr. António Santos ABRANTES GERALDES, ibidem, pág. 318.
(5)-Cfr. Prof. ANTUNES VARELA e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, Almedina, págs. 420 e segs.
(6)-Cfr.  Prof. ANTUNES VARELA e outros, ibidem.
(7)-De LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, ALMEDINA,  2017, 3ª ed., págs. 298/299.
(8)-Vide, a propósito da questão abordada, o Ac. do STJ de 13/4/2021, proferido no Proc. Nº 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, sendo Relatora GRAÇA AMARAL e em www.dgsi.pt.
(9)-Como bem se salienta no Acórdão proferido por este tribunal da Relação de Lisboa e de 25/3/2003 [ proferido no Proc. nº 2155/2003-7, sendo Relator ABRANTES GERALDES e in  www.dgsi.pt. ], não deve ficar totalmente alheio ao processo de formação da convicção o comportamento processual da parte ..., pois se é verdade que o ónus da prova não lhe pertence, também é certo que, como parte interessada no litígio, a sua actuação processual pode e deve ser valorada de acordo com as regras da experiência comum.
(10)-Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, em A Acção Executiva, Depois da reforma da reforma,5ª Edição, Coimbra Editora, pág. 190.
(11)-Cfr. José A. ENGRÁCIA ANTUNES, in Os Títulos de Crédito, uma introdução, 2ª Edição, pág. 109
(12)-Cfr. José A. ENGRÁCIA ANTUNES, ibidem, pág. 65.
(13)-Cfr. VAZ SERRA, in BMJ 61º, pág. 264, e ABEL PEREIRA DELGADO, in Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, Anotada, 4.ª Edição, 1980, págs. 61 e segs.
(14)-Cfr. José A. ENGRÁCIA ANTUNES, ibidem, pág. 68.
(15)-Cfr. José OLIVEIRA ASCENÇÃO, in Direito Comercial, Lisboa,1992, Vol. III, 117.
(16)-Cfr. ABEL PEREIRA DELGADO, ibidem, pág. 95.
(17)-In Proc. nº 2616/07.5TVPRT-A.P1.S1, sendo Relator ALBERTO SOBRINHO, e in www.dgsi.pt.
(18)-Proc. nº 981/09.9 TBPTM-B.E2.S1 e in  www.dgsi.pt.
(19)-Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21-03-2006, Proc. nº 395/06, e in www.dgsi.pt.
(20)-Cfr. Ac. referido na nota que antecede.
(21)-In “A Falsidade no Direito Probatório”, págs. 132/133.
(22)-In  “Manual de Letras e Livranças, 2016, Almedina, págs. 165 e segs..
(23)-Ibidem, pág. 179.
(24)-Ibidem, pág. 180 e 186.
(25)-Cfr. Acórdão do STJ de 24/10/2006, Proc. nº 06A2470, sendo Relator NUNO CAMEIRA, e Acórdão do STJ de 12/10/2017, Proc. nº 1097/14.1TBFUN-A.L1.S1, sendo Relator TOMÉ GOMES, ambos em www.dgsi.pt.
(26)-Cfr. Acórdão do STJ de 23/9/2010, Proc. nº 4688-B/2000.L1.S1, sendo Relator LOPES DO REGO, e Acórdão do STJ de 17/4/2008, Proc. nº 08A727, sendo Relator SILVA SALAZAR, ambos in www.dgsi.pt.
(27)-Cfr. v.g. e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de  11/7/2006, Proc. nº 1998/06, sendo Relator HÉLDER ROQUE, e Acórdão do STJ de 4/7/2019, Proc. nº 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1, sendo Relatora  MARIA DA GRAÇA TRIGO, ambos in www.dgsi.pt.
(28)-Cfr. ABEL PEREIRA DELGADO, em LEI UNIFORME SOBRE LETRAS E LIVRANÇAS, ANOTADA, 4ª EDIÇÃO, LISBOA, PETRONY,66.
(29)-Cfr. FERNANDO AUGUSTO CUNHA DE SÁ, em ABUSO DO DIREITO, CADERNOS DE CIÊNCIA E TÉCNICA FISCAL, 1973, pág. 102/103.
(30)-Acórdão de 30/4/2019, Proc. nº 1959/16.1T8MAI-A.P1.S1, sendo Relator JOSÉ RAINHO e  in www.dgsi.pt.
(31)-Acórdão proferido no Proc. nº 779/14.2TBEVR-B.E1.S1, sendo Relator TOMÉ GOMES e in www.dgsi.pt
(32)-Cfr. Acórdão do STJ de 19-10-2017, proferido no Proc. nº 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, sendo Relatora ROSA TCHING, e in www.dgsi.pt.
(33)-Acórdão proferido no Proc. nº 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1, sendo Relatora MARIA DA GRAÇA TRIGO, e in www.dgsi.pt.
(34)-Acórdão proferido no Proc. nº 7268/18.4T8LSB-A.L1.S1, sendo Relator FERNANDO SAMÕES, e in www.dgsi.pt.
(35)-Cfr. EDUARDO SANTOS JÚNIOR, em Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos, AAFDL, Lisboa, 1988 ,págs. 188 e segs;
(36)-Cfr. Acórdão do STJ de 22/9/2015, proferido no Proc. nº 852/12.1TBPTM-A.E1.S1, sendo Relator PINTO DE ALMEIDA e in www.dgsi.pt.
(37)-Cfr. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito Comercial, Títulos de Créditos, AAFDL, 1990, pág.126 e J.A.ENGRÁCIA ANTUNES, em Os Títulos de Créditos, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág.85.
(38)-Vide a este propósito o Prof. PINTO COELHO, citado por PAULO SENDIN e EVARISTO MENDES, em A NATUREZA DO AVAL e A QUESTÃO DA NECESSIDADE OU NÃO DE PROTESTO PARA ACCIONAR O AVALISTA DO ACEITANTE, ALMEDINA, 1991, pág.55 .
(39)-Vide neste sentido, e de entre outros, v.g. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/04/2014, proferido no Proc. nº 1033/10.4TBLSD-A.P2 e in www.dgsi.pt.
(40)-Acórdão proferido no Proc. nº 1959/16.1T8MAI-A.P1.S1, sendo Relator JOSÉ RAINHO e  in www.dgsi.pt.
(41)-Acórdão de 21/10/2020, proferido no Processo nº 1384/14.9TBGMR-A.G1.S1, sendo Relator FERNANDO SAMÕES e in www.dgsi.pt.
(42)-Por exemplo nos Acórdãos do STJ de 24/10/2018  [ proferido no Proc. nº 1418/14.7TBPVZ-B.P2.S2, sendo Relator ACÁCIO NEVES], de 19/6/2018 [proferido no Proc. nº 1418/14.7TBPVZ-A.P1.S1, sendo Relator ROQUE NOGUEIRA  ], de 8/10/2020  [ proferido no Proc. nº 4410/16.3T8VNF-B.G1.S1, sendo Relator NUNO PINTO OLIVEIRA], e de 6/4/2021 [ proferido no Proc. nº 4410/16.3T8VNF-C.G1.S1, sendo Relator PEDRO DE LIMA GONÇALVES ], todos eles disponíveis in www.dgsi.pt.
(43)-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/09/2017, proferido no Proc. nº 818/15.0T8AGH-A-2 e in www.dgsi.pt.
(44)-Cfr. PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil, Anotado, vol.II, 2ª ed., pág.76 , citado no Ac. do STJ de 19/6/2018  [ proferido no Proc. nº 1418/14.7TBPVZ-A.P1.S1, sendo Relator ROQUE NOGUEIRA ;
(45)-Cfr. PAULO SENDIN e EVARISTO MENDES, em A NATUREZA DO AVAL E A QUESTÃO DA NECESSIDADE OU NÃO DE PROTESTO PARA ACCIONAR OAVALISTA DO ACEITANTE, ALMEDINA, 1991, págs. 26 e 30.
(46)-Cfr. PAULO SENDIN e EVARISTO MENDES, ibidem, págs. 39, 44 , 64 e 66.
(47)-Cfr. CAROLINA CUNHA, em MANUAL DE LETRAS E LIVRANÇAS, 2016,ALMEDINA, Págs. 39/41.
(48)-Cfr. PAVONE LA ROSA, apud CAROLINA CUNHA, ibidem, pág. 42, nota 95.