Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15404/21.7T8LSB.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO RESOLUTIVO
MÉDICO APOSENTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1- Evidenciando-se a celebração de um contrato de trabalho a termo resolutivo no qual se consignou expressamente a aplicabilidade do Código do Trabalho, não há como concluir que o A., médico aposentado com recurso a mecanismos legais de antecipação, se vinculou automaticamente mediante contrato de trabalho em funções públicas.
2- Não obstante o regime legal emergente do Artº 6º/6 do DL 89/2010 de 21/07, não tendo sido invocada a nulidade do contrato celebrado, o mesmo impõe-se na ordem jurídica.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

BBB tendo sido parcialmente condenado na ação que lhe moveu AAA, vem interpor recurso de apelação.
Pede a adição de dois factos provados e a anulação da sentença recorrida, absolvendo-se o Réu, ora recorrente.
Formulou as seguintes conclusões:
(…)
Não foram apresentadas contra-alegações.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer favorável à confirmação da sentença.
Abaixo exaramos um breve resumo dos autos para cabal compreensão:
AAA demandou BBB
O autor alega, em síntese, que tendo cessado por aposentação o vínculo de emprego público que manteve com a entidade antecessora da ré, em 01-12-2011, começou a produzir efeitos o contrato de trabalho a termo certo que celebrou com a ré ao abrigo do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21/07, o qual foi alvo de sucessivas renovações; que durante o período de duração do vínculo o valor do subsídio de férias foi erradamente calculado; que não lhe foi prestada nem paga a formação contínua obrigatória; e que tinha a expectativa de que o seu contrato fosse renovado até ao termo do prazo legal, dada a necessidade da sua contratação reiterada nas sucessivas renovações, pelo que a respetiva denúncia constitui um despedimento ilícito, que lhe confere direito ao pagamento de uma indemnização e ao ressarcimento dos danos não patrimoniais.
Conclui pedindo que a presente ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência:
1. Deverá ser o Réu condenado a pagar ao Autor as correções dos subsídios de férias desde 2011 até 2020, que deveriam ter sido calculados com o valor médio dos incentivos contratualizados, no total em dívida de € 15.160,00;
2. A reconhecer que os motivos e a autorização legislativa que justificaram a contratação a termo do Autor se mantêm, pelo que o contrato deveria ter sido renovado;
3. A não renovação caracteriza um despedimento ilícito.
4. Não tendo sido renovado esse contrato, o Autor tem direito aos salários vencidos, no pressuposto que ocorreu a renovação do contrato a termo existente até 31 de dezembro de 2021, valor que o Réu deve ser condenado a pagar: € 38.642,96;
5. Como o Réu deve ser condenado a reconhecer o direito de o Autor ocupar o posto de trabalho de Médico Especialista que ocupou até 31 de julho de 2020;
6. Em alternativa, caso assim não se entenda, que o Réu seja condenado a pagar ao Autor os montantes da compensação por não renovação no valor de € 11.483,05;
7. Como deve ser o Autor a pagar ao Autor o valor referente à formação contínua obrigatória não ministrada, a qual se calcula em € 1.746,80;
8. Ser o Réu condenada a entregar à Segurança Social os descontos sobre os montantes referentes aos cortes efetuados no vencimento do Autor, a processar por retenção na fonte, bem como os valores correspondentes à taxa contributiva a cargo da Réu, enquanto entidade patronal do Autor, que incide sobre tais valores.
9. Bem como deverá o Réu ser condenado no da indemnização pelos danos morais causados ao A., de valor não inferior a € 25.000,00,
10. Deve o Réu também ser condenado a pagar ao Autor juros de mora, sobre as quantias em dívida, à taxa de 4% até efetivo e integral pagamento.
A ré contestou, por exceção (invocando a incompetência material do tribunal, questão essa já apreciada em sede de saneador e julgada improcedente), e por impugnação, sustentando em síntese que a decisão de não renovação do contrato do autor, de 28/05/2020, é anterior à publicação do Decreto-Lei n.º 50/2020, de 07/08, que veio facultar a possibilidade legal de prorrogação dos contratos com médicos aposentados; que o autor não foi despedido; que inexiste qualquer direito a compensação por caducidade, por tal não existir no caso da contratação a termo de aposentados; que não se verificam os invocados danos não patrimoniais, sendo certo que o autor continua a exercer as suas funções no Hospital ….; que o autor não tem direito aos demais créditos reclamados, nomeadamente à consideração dos incentivos à transplantação na retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal, nem lhe sendo devida qualquer quantia a título de formação, visto que foi contratado para formar médicos internos e é detentor de experiência e diferenciação únicas em Portugal.
Conclui pugnando pela procedência da exceção dilatória ou, assim não se entendendo, pela improcedência da ação, com a sua absolvição dos pedidos.
O autor respondeu à exceção, concluindo como na petição inicial.
Teve lugar o julgamento, vindo a ser proferida sentença que julga parcialmente procedente a presente ação e, em consequência:
a) CONDENA-SE a ré BBB a pagar ao autor AAA a quantia de € 16.181,58 (dezasseis mil cento e oitenta e um euros e cinquenta e oito cêntimos), relativa ao total dos créditos laborais devidos pela execução e pela cessação do contrato, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respetivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%.
b) ABSOLVE-SE a ré do demais peticionado pelo autor.
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª - Devem ser aditados dois novos factos?
2ª - Não é aplicável o regime emergente do CT?
3ª - O Despacho 7215/2015 é aplicável?
4ª - Vigoraram restrições orçamentais impeditivas da solução judicial encontrada?
5ª - Sendo o A. aposentado não lhe assiste qualquer direito à retribuição correspondente ao crédito mínimo de formação não ministrada?
FUNDAMENTAÇÃO:
Pretende o Apelante que se aditem dois novos pontos de facto, a saber:
1. Autor foi contratado para realizar exames especiais de endoscopia digestiva alta diagnóstica e programada – cláusula 3.ª do contrato e depoimentos de todas as testemunhas;
2. A sua contratação foi autorizada por despacho do Secretário de Estado da Saúde, a 29 de fevereiro de 2012, com efeitos a 1 de dezembro do ano anterior, nos termos dos n.º 4 e seguintes do artigo 6.º do DL n.º 89/2010 – documentos junto pelo Autor com a PI.
Esta factualidade não obteve qualquer resposta na decisão recorrida, tendo-se ali consignado que “a circunstância de a demais matéria constante dos articulados não ter sido elencada supra resulta de o Tribunal a ter considerado não pertinente para a decisão da causa – atentas as regras de repartição do ónus da prova – e/ou matéria de direito ou conclusiva”.
A matéria ínsita nas conclusões é precedida de uma parca referência na motivação, não se explicando onde terá sido alegada em sede de articulados.
Em bom rigor, no ponto 1 da matéria de facto já consta a primeira parte da matéria que o Apelante pretende ver aditada, pois se faz menção ao contrato cuja cópia consta dos autos.
Nada impede, porém, antes clarifica, que se adicione a pretendida matéria, coincidente com o clausulado no contrato sob o número 3º.
Quanto à segunda parte, constatamos que a matéria foi alegada no Artº 3º da contestação e vem documentada juntamente com a petição inicial.
Assim, podendo assumir relevância na decisão final, aditar-se-á também esta factualidade transcrevendo, porém, todo o conteúdo do despacho, a saber:
“Despacho nº 33534/2012
1 - Considerando a proposta do conselho de administração do Hospital …., e o parecer favorável do conselho diretivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, autorizo o exercício das funções médicas em causa pelo aposentado AAA, nos termos e para os efeitos do estatuído no DL nº 89/2010 de 21/07, em particular nos artigos 4º e 5º e nos nºs. 4 e seguintes do artigo 6º.
2 – O presente despacho produz efeitos a 1 de Dezembro de 2011.
 29 de Fevereiro de 2012
O Secretário de Estado da Saúde”.
 Consideramos, pois, provado que a sua contratação foi autorizada por despacho do Secretário de Estado da Saúde, a 29 de fevereiro de 2012, com efeitos a 1 de dezembro do ano anterior, despacho esse com o seguinte teor:
….”
Os factos tomarão os números 2-a e 2-b.
O ponto 1 do acervo fático contém um evidente lapso de escrita, pois menciona:
- Entre o autor e a ré foi outorgado, em 09-03-2012[1], o acordo escrito denominado “Contrato de Trabalho a termo Resolutivo Certo” cuja cópia faz fls. 16 a 17 dos autos, celebrado “…nos termos do Decreto-Lei n.º 89/2020[2], de 21 de Julho”.
Como é óbvio em 2012 não poderia ter sido celebrado um contrato ao abrigo de um diploma que viria a ser publicado em 2020.
Compulsado o documento que titula o contrato a referência legal que ali consta é o DL 89/2010 de 21/07.
Alterar-se-á, em conformidade, e oficiosamente, o ponto 1.
Idêntico lapso se perceciona no ponto 15, onde consta:
- O autor nasceu no dia 01-10-1855[3].
Contudo, a solução aqui não passa pela mera retificação. Não só porque não se vê que no Artº 58º da PI conste alegada a data de nascimento, como também tal data nunca poderia ter sido considerada provada por acordo das partes, conforme mencionado no dito ponto 15. Para o efeito é requerida prova documental que, não se mostrando junta, inviabiliza a inserção da matéria no acervo provado.
Assim, eliminar-se-á este ponto de facto.
FACTOS PROVADOS:
Discutida a causa, e com pertinência, mostram-se provados os seguintes factos:
1. Entre o autor e a ré foi outorgado, em 09-03-2012, o acordo escrito denominado “Contrato de Trabalho a termo Resolutivo Certo” cuja cópia faz fls. 16 a 17 dos autos, celebrado “…nos termos do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de Julho” [artigo 2.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].
2. O autor teve um vínculo de emprego público para exercício de funções médicas, desde 01- 10-1992, celebrado com a entidade antecessora da ré …., vínculo esse que cessou no dia 01-12-2011, quando se aposentou [artigos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].
2-a. O Autor foi contratado para realizar exames especiais de endoscopia digestiva alta diagnóstica e programada.
2-b. A sua contratação foi autorizada por despacho do Secretário de Estado da Saúde, a 29 de fevereiro de 2012, com efeitos a 1 de dezembro do ano anterior, despacho esse com o seguinte teor:
“Despacho nº 33534/2012
1 - Considerando a proposta do conselho de administração do …., e o parecer favorável do conselho diretivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, autorizo o exercício das funções médicas em causa pelo aposentado AAA, nos termos e para os efeitos do estatuído no DL nº 89/2010 de 21/07, em particular nos artigos 4º e 5º e nos nºs. 4 e seguintes do artigo 6º.
2 – O presente despacho produz efeitos a 1 de Dezembro de 2011.
29 de Fevereiro de 2012
O Secretário de Estado da Saúde”.
3. Nos termos da cláusula 1.ª, n.º 2, do acordo referido em 1 «O Contrato tem a duração de 12 meses, tendo a data de início e termo, respetivamente, em 01 de Dezembro de 2011 e 30 de Novembro de 2012, podendo ser renovado por períodos iguais ou diferentes, até ao limite legal constante do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de Julho» [artigo 7.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].
4. Nos termos do n.º 1 da cláusula Segunda (“Justificação”), «É aposto termo resolutivo certo ao contrato com fundamento no disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho, ou seja em razão de necessidade de se dar resposta à insuficiência de médicos na área de Gastrenterologia, em virtude da aplicação do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de Julho» [artigo 8.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].
5. De acordo com o n.º 1 da cláusula Quarta (“Remuneração”) «A remuneração base do SEGUNDO OUTORGANTE é fixada nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de Julho. O SEGUNDO OUTORGANTE aposentado com recurso a mecanismos legais de antecipação, é devida a remuneração base mensal ilíquida no valor de 2703,68€, correspondente à categoria de Assistente Graduado de Gastrenterologia da Carreira Especial Médica, acrescida de incentivos ao transplante em função do número de transplantes» [artigo 9.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].
6. O referido contrato foi objeto de renovações em 13-01-2017, nos termos da “Adenda ao Contrato Individual de Trabalho a Termo Resolutivo Certo” cuja cópia faz fls. 21 e 22 dos autos, com efeitos a partir de 01-12-2016; em 04-12-2017, nos termos da “Adenda ao Contrato Individual de Trabalho a Termo Resolutivo Certo” cuja cópia faz fls. 23 e 23v. dos autos, com efeitos a partir de 01- 12-2017; em 10-10-2019, nos termos da “Adenda ao Contrato Individual de Trabalho a Termo Resolutivo Certo” cuja cópia faz fls. 24 e 24v. dos autos, com efeitos a partir de 01-08-2019 [artigo 10.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].
7. O histórico de remunerações do autor foi o seguinte [artigos 11.º, 12.º e 13.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes]:
7.1.- No período de 01-12-2011 a 30-04-2016, a ré pagou ao autor a retribuição base mensal de € 2.703.68;
7.2.- No período de 01-05-2016 a 31-07/2020, a ré pagou ao autor a retribuição base mensal € 2.027.76;
7.3.- À data de comunicação da caducidade do contrato a termo o autor auferia a remuneração base mensal de € 2.033,84.
8. Entre 2012 e 2020 o autor recebeu da ré, a título de “incentivos ao transplante/colheita de órgãos”, as seguintes quantias mensais [artigos 17.º e 18.º da PETIÇÃO INICIAL]:
2020 2019 2018 2017 2016 2012
JANEIRO 4 200,00 3 300,00 3 600,00 3 000,00 2 100,00
FEVEREIRO 3 775,00 2 400,00 1 250,00 3 600,00 3 600,00
MARÇO 3 600,00 2 100,00 3 000,00 3 600,00 4 500,00
ABRIL 614,50 4 200,00 3 900,00 1 500,00 5 700,00
MAIO 2 700,00 2 400,00 2 400,00 3 900,00 4 391,00
JUNHO 1 200,00 4 200,00 6 600,00 3 300,00 3 900,00
JULHO 900,00 4 500,00 0,00 2 400,00 4 800,00
AGOSTO 3 000,00 3 300,00 3 300,00 2 700,00 3 600,00
SETEMBRO 3 300,00 3 900,00 2 700,00 2 100,00
OUTUBRO 3 000,00 2 700,00 3 000,00 2 100,00 0,00
NOVEMBRO 3 900,00 5 100,00 2 700,00 1 800,00 3 000,00
DEZEMBRO 3 000,00 3 600,00 3 300,00 3 300,00 2 400,00.
9. A ré não facultou ao autor formação contínua [artigo 20.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].
10. A necessidade de médicos especialistas como o autor sempre existiu e ainda existe na estrutura orgânica da ré [artigos 24.º, 25.º, 26.º e 28.º da PETIÇÃO INICIAL].
11. O autor tinha a expectativa de ver o seu contrato renovado até ao limite legalmente estabelecido [artigo 31.º da PETIÇÃO INICIAL].
12. A equipa onde o autor estava integrado efetuava exames de elevadíssimo risco de contágio por Covid [artigo 33.º da PETIÇÃO INICIAL].
13. O Autor era o único Hepatologista que integrava essa equipa, o que acontecia desde o primeiro transplante hepático em Portugal, em 1992 [artigos 35.º e 36.º da PETIÇÃO INICIAL].
14. Em 15-06-2020 a ré remeteu ao autor a carta cuja cópia faz fls. 29 dos autos, com o assunto “Cessação do contrato de trabalho a termo certo resolutivo certo”, comunicando-lhe a caducidade do contrato de trabalho celebrado em 01-12-2011 com efeitos a 31-07-2020 [artigos 51.º e 52.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].
15. Eliminado.
16. O Autor, que é um médico reconhecido no seio da sua classe como um homem íntegro e um profissional competente, começou a andar preocupado com a sua imagem junto da classe e receou ver uma carreira profissional de 42 anos, entre os quais 32 como especialista, ser interrompida de forma abrupta [artigos 65.º, 66.º e 67.º da PETIÇÃO INICIAL].
17. O Autor ficou ansioso e angustiado [artigos 68.º e 69.º da PETIÇÃO INICIAL].
18. O autor celebrou com o Hospital ….., o acordo denominado “Contrato de Trabalho em Funções Públicas, na modalidade de contrato a termo certo resolutivo certo”, cuja cópia faz fls. 66 dos autos, com início de vigência em 16-08-2021 e termo em 31-12-2021, podendo ser renovado até ao termo do período de vigência do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de junho, ou até ao termo de outro que venha a ser legalmente aprovado [artigo 23.º da CONTESTAÇÃO].
19. O autor foi contratado para formar os médicos internos e por ser detentor de experiência e diferenciação únicas em Portugal [artigo 39.º da CONTESTAÇÃO].
O DIREITO:
O essencial da apelação cinge-se ao regime legal aplicável à relação jurídica em presença.
Defende o Apelante que se verifica:
 a. Errónea aplicação do regime do Código do Trabalho porque o caso dos autos implica forçosamente a celebração de contrato de trabalho em funções públicas;
b. Erro de julgamento na inaplicação ao caso dos autos do regime da proibição de pagar mais aos contratados do que se prevê para a relação jurídica de emprego público;
c. Erro de julgamento na tarefa de subsumir o caso dos autos ao disposto no artigo 258.º do Código do Trabalho;
d. Erro de julgamento cometido na aplicação do artigo 134º do Código do Trabalho ao caso dos autos.
Vejamos!
Conforme revelado pela matéria de facto o A., aposentado da função pública, foi contratado a termo resolutivo certo ao abrigo do DL 89/2010 de 21/07.
Para cabal compreensão, transcrevemos infra o regime daqui emergente na parte relevante:
Artigo 1.º
Objeto
1 - O presente decreto-lei estabelece o regime a que obedece o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado por médicos aposentados em serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica.
2 - O exercício de funções referidas no número anterior processa-se exclusivamente nos termos do presente decreto-lei.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação objetivo
1 - O regime do presente decreto-lei aplica-se, com as necessárias adaptações, ao exercício de funções públicas ou à prestação de trabalho remunerado por médicos aposentados em quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, pessoas coletivas públicas ou empresas públicas.
2 - O exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado referido no número anterior abrange:
a) Todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração;
b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de prestação de serviços, e da sua forma, escrita ou meramente verbal;
c) Tanto as situações em que o aposentado se obriga pessoalmente como aquelas em que o exercício de funções ou a prestação de trabalho ocorre no âmbito de um contrato celebrado pelo serviço ou estabelecimento de saúde ou equiparado com um terceiro, com o qual aquele tem relação.
Artigo 3.º
Âmbito de aplicação subjetivo
1 - O regime disposto no presente decreto-lei aplica-se aos médicos aposentados com ou sem recurso a mecanismos legais de antecipação, uma vez observado o procedimento de autorização previsto no artigo 4.º
2 - Os médicos aposentados compulsivamente e com fundamento em incapacidade não podem, em nenhuma circunstância, voltar a exercer funções ou a prestar trabalho remunerado para as entidades referidas no n.º 1 do artigo anterior.
3 - Os membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da administração pública e da saúde definem, por despacho conjunto, os contingentes de médicos aposentados que podem ser contratados num determinado ano.
4 - Não são abrangidos pelo disposto no número anterior os médicos que, cumulativamente, tenham a sua pensão de aposentação suspensa nos termos do presente decreto-lei e exerçam funções ao abrigo de um contrato celebrado nos termos do n.º 6 do artigo 6.º
Artigo 4.º
Autorização
1 - O exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado por médicos aposentados, com ou sem recurso aos mecanismos legais de antecipação, depende da autorização do membro do Governo responsável pela área da saúde, que fundamenta o interesse público excecional em causa, nos termos do n.º 2 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 179/2005, de 2 de Novembro.
2 - A autorização prevista no número anterior é precedida de proposta do estabelecimento de saúde onde as funções devam ser exercidas ou o trabalho deva ser prestado, que fundamenta o interesse na contratação em causa, instruído com informação da Caixa Geral de Aposentações sobre a situação do médico aposentado, e produz efeitos durante o período de vigência do presente decreto-lei.
3 - A autorização prevista nos números anteriores pode abranger o exercício da função prevista no n.º 2 do artigo 6.º e no artigo 9.º dos Estatutos dos hospitais, E. P. E., constantes do anexo ii do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro, com a redação dada pelos Decretos-Leis n.os 50-A/2007, de 28 de Fevereiro, e 176/2009, de 4 de Agosto.
4 - A competência do membro do Governo responsável pela área da saúde prevista no n.º 1 pode ser delegada no conselho diretivo da administração regional de saúde territorialmente competente.
Artigo 5.º
Regime de exercício de funções e da prestação de trabalho por médicos aposentados
Os médicos contratados nos termos do presente decreto-lei:
a) São contratados através de contrato de trabalho a termo resolutivo certo ou contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, nos termos do regime legal aplicável, que pode ser renovado, cuja duração não pode exceder o prazo de vigência do presente decreto-lei;
b) Estão sujeitos aos regimes previstos nos Decretos-Leis n.os 176/2009, de 4 de Agosto, e 177/2009, de 4 de Agosto, respetivamente, com as devidas adaptações, bem como aos instrumentos de regulamentação coletiva, quando lhes sejam aplicáveis.
A primeira observação que se nos configura é a de que é absolutamente claro que a contratação não tem que obedecer necessariamente ao regime do contrato de trabalho em funções públicas.
Como bem explícito ao longo do texto supra citado, tanto o regime do contrato de trabalho a termo resolutivo, quanto o do contrato de trabalho em funções públicas pode ser adotado.
Ocorre que no caso concreto foi expressamente adotado o regime do contrato de trabalho a termo resolutivo – pontos 1 e 4. E também o próprio texto do contrato onde se refere “tudo o que não estiver expressamente previsto no contrato é regido pelo disposto no Código do Trabalho e no Decreto-Lei 176/2009, de 4 de Agosto[4]” (Clª 11ª).
Subscrevemos, pois, quanto a este propósito se consignou na sentença recorrida, ou seja, “É inquestionável que o contrato em apreço nos autos se enquadra no regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21/07 que, conforme decorre do seu artigo 1.º, n.º 1, estabelece o regime a que obedece o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado por médicos aposentados em serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica. De resto, o n.º 2 do aludido preceito dispõe expressamente que o exercício de funções referidas no número anterior processa-se exclusivamente nos termos do presente decreto-lei.
   Todavia, apesar de tal diploma legal condicionar o exercício de tais funções, o mesmo não toma partido quanto à respetiva natureza jurídica…
E, assim, tal como ali, “Tem-se, pois, por inquestionável que o contrato em apreço consubstancia efetivamente um contrato de trabalho – que é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas (cfr. artigos 1.º da LCT, 10.º do CT/2003 e, atualmente, 11.º do Código do Trabalho e 1152.º do Código Civil) –, sujeito ao regime do Código de Trabalho (para o qual, aliás, as partes remetem na cláusula décima primeira), sem embargo das especificidades decorrentes do Decreto-Lei n.º 89/2010.”
Ao contrato foi aposto um termo, cuja validade o A. questionou, questão apreciada na sentença que concluiu pela respetiva suficiência (compreensível) e validade. Matéria que está subtraída de apreciação nesta apelação.
Mais ali se concluiu que verificados os pressupostos de aplicação do DL 89/2010 de 21/07 e obtida a necessária autorização do competente membro do Governo, “mostra-se válido o termo respetivo, cuja duração não pode exceder o prazo de vigência do aludido diploma legal (prazo esse que tem sido sucessivamente prorrogado; atualmente vigora até 31712/2022 (Artº 2º do Decreto-Lei nº 104/2021 de 27/11)).
Tendo o contrato sido celebrado ao abrigo do DL 89/2010 e tendo-se optado pelo contrato de trabalho a termo resolutivo, ser-lhe-ão aplicáveis as normas legais decorrentes quer daquele diploma, que contém algumas especificidades, quer do Código do Trabalho.
Porém, defende o Apelante que os contratos celebrados ao abrigo do regime do DL 89/2010 com médicos aposentados com recurso a mecanismos legais de antecipação da reforma só podem ser contratados em funções públicas, atento o que dispõe o n.º 6 do artigo 6.º do DL 89/2010, cujo teor é o seguinte:
- Com a autorização para o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado pelos médicos aposentados com recurso a mecanismos legais de antecipação, a quem tenha sido suspensa a pensão de aposentação, constitui-se automaticamente o contrato de trabalho em funções públicas a que se refere a alínea a) do artigo 5.º.
Continua a sua motivação alegando que a contratação do Autor foi autorizada pelo então Secretário de Estado da Saúde, a 29 de fevereiro de 2012, com efeitos a 1 de dezembro do ano anterior, precisamente a data em que se aposentou, nos termos dos n.º 4 e seguintes do artigo 6.º do DL n.º 89/2010. Logo, o Autor foi autorizado a exercer funções públicas, com remuneração de acordo com a categoria e escalão detidos à data da aposentação, sendo suspensa a pensão de reforma no período de duração do contrato. Assim sendo, não é aplicável ao caso vertente o regime do Código do Trabalho, mas sim o regime jurídico do emprego público.
Como decidir?
A sentença não abordou diretamente esta questão, seja porque partiu do pressuposto da celebração de um contrato de trabalho, seja porque a mesma vem suscitada na contestação em sede de exceção de incompetência material.
Consta do referido Artº 6º do DL 82/2010:
Artigo 6.º
Remuneração
1 - Aos médicos aposentados sem recurso a mecanismos legais de antecipação, contratados nos termos do presente decreto-lei, aplica-se o artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 179/2005, de 2 de Novembro.
2 - Quando a contrapartida pelo exercício de funções seja total ou parcialmente paga em espécie, para efeito do número anterior, atende-se ao valor pecuniário da mesma.
3 - Para efeito do disposto no n.º 1, nos casos em que não seja previamente estipulado um valor certo mensal de remuneração, nomeadamente por a tal obstar a duração do contrato ou o número imprevisível de atos a executar, considera-se o valor total percebido no ano civil, apurando-se o valor a restituir pelo aposentado, por comparação com o abonado a título de pensão no mesmo período, no mês de Janeiro do ano seguinte.
4 - Os médicos aposentados com recurso a mecanismos legais de antecipação, autorizados a exercer funções públicas ou a prestar trabalho nos termos do presente decreto-lei, são remunerados de acordo com a categoria e escalão detidos à data da aposentação e o período normal de trabalho aplicável, com a limitação decorrente do artigo 3.º da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto, e ficam abrangidos pelo regime geral da segurança social.
5 - A pensão de aposentação dos médicos que tenham recorrido a mecanismos legais de antecipação é suspensa no período de duração do contrato.
6 - Com a autorização para o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado pelos médicos aposentados com recurso a mecanismos legais de antecipação, a quem tenha sido suspensa a pensão de aposentação, constitui-se automaticamente o contrato de trabalho em funções públicas a que se refere a alínea a) do artigo 5.º
7 - Os médicos contratados nos termos do número anterior mantêm os direitos e deveres correspondentes à relação jurídica de emprego público prévia à aposentação, com exceção da inscrição na Caixa Geral de Aposentações e do regime de contribuições, que passa a ser, nos termos da lei, o regime geral da segurança social.
8 - Findo o período de suspensão, o processamento da pensão é retomado, devendo a mesma ser atualizada nos termos da lei.
9 - À pensão referida no número anterior acrescem os direitos inerentes aos descontos legais entretanto efetuados para o regime da segurança social.
Como se vê no normativo em referência prevêem-se os regimes remuneratórios aplicáveis a médicos aposentados sem recurso a mecanismos de antecipação e os aplicáveis a médicos aposentados com recurso a mecanismos legais de antecipação. Ali regem os números 1 a 3 e aqui os números 4 a 9.
Conforme denota o acervo fático (ponto 5) consignou-se no contrato de trabalho que ao SEGUNDO OUTORGANTE – ou seja, o A.- aposentado com recurso a mecanismos legais de antecipação, é devida a remuneração base mensal ilíquida no valor de 2703,68€, correspondente à categoria de Assistente Graduado de Gastrenterologia da Carreira Especial Médica, acrescida de incentivos ao transplante em função do número de transplantes».
Conclui-se daqui que o A. é médico aposentado com recurso a mecanismos legais de antecipação.
Tendo sido autorizado a prestar trabalho nos termos em que o DL 89/2010 de 21/07 o permitia, deveria aplicar-se-lhe o regime prescrito no Artº 6º/4 e ss. e, assim, concluir-se que com o despacho autorizativo se constituíra automaticamente um contrato de trabalho em funções públicas.
Porém, as partes, em derrogação do ali estipulado, vieram a subscrever um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, não havendo dúvidas de que quiseram ficar submetidas ao regime do Código do Trabalho. O contrato é subsequente ao despacho, tudo indicando que a automaticidade foi substituída por distinto instrumento jurídico.
Ora, não foi invocada a nulidade deste contrato, sendo de destacar quanto se dispõe no Artº 122º/1 do CT.
E, assim, deve-se-lhe obediência, considerando-se que o mesmo produz efeitos enquanto tal.
E, nesta medida, não temos como sufragar a conclusão do Apelante de acordo com a qual o Autor, porque aposentado com recurso a mecanismos legais de antecipação, aos 56 anos de idade, viu constituir-se automaticamente um contrato de trabalho em funções públicas com o Réu, ficando o pagamento da sua pensão suspenso.
Que dizer acerca da sub-questão supra enunciada, colocada pelo Apelante - Erro de julgamento na inaplicação ao caso dos autos do regime da proibição de pagar mais aos contratados do que se prevê para a relação jurídica de emprego público?
A questão depende da procedência da que acima analisámos, ou seja, da conclusão acerca da constituição automática de um contrato de trabalho em funções públicas. Está, pois, prejudicada pela solução dada anteriormente.
Idêntica solução se nos prefigura para as demais sub-questões suscitadas, a saber:
- Erro de julgamento na tarefa de subsumir o caso dos autos ao disposto no artigo 258.º do Código do Trabalho;
- Erro de julgamento cometido na aplicação do artigo 134º do Código do Trabalho ao caso dos autos.
Tanto uma, como a outra, dependem da vinculação mediante contrato de trabalho em funções públicas conforme emana de forma cristalina das conclusões E. a J..
Nas conclusões seguintes suscitam-se duas outras questões:
- Se o Despacho 7215/2015 é aplicável?
- Se vigoraram restrições orçamentais?
Entramos, assim, na 3ª questão supra elencada.
Consignou--se na sentença que “peticiona o autor, em primeiro lugar que a ré seja condenada a pagar as correções dos subsídios de férias desde 2011 até 2020, que deveriam ter sido calculados com o valor médio dos incentivos contratualizados, no total em dívida de € 15.160,00.
A questão essencial a resolver a este respeito é assim a de saber se a média das quantias auferidas pelo autor nos anos de 2011 a 2020 a título de incentivos ao transplante devem ou não ser consideradas como integrando o conceito de retribuição para efeitos de pagamento de subsídio de férias.”
E, a partir daqui a sentença deteve-se sobre o conceito de retribuição vigente ao longo dos anos abrangidos pelo período temporal em referência, sustentando-se em jurisprudência dos tribunais superiores acerca da matéria, vindo a concluir que “o pagamento de incentivos ao transplante está previsto no próprio contrato de trabalho, que na sua cláusula quarta estipula que ao autor é devida a remuneração base mensal ilíquida no valor de € 2703,68, correspondente à categoria de Assistente Graduado de Gastrenterologia da Carreira Especial Médica, acrescida de incentivos ao transplante em função do número de transplantes.” Pelo que “no caso vertente importa analisar, relativamente aos mencionados incentivos ao transplante, i) se os mesmos assumem natureza retributiva (ou seja, se foram pagos ao autor como contrapartida específica da atividade prestada) e ii) se o seu pagamento ocorreu de forma regular e periódica (11 vezes por ano, originando no trabalhador a expectativa de ganho). Na medida em que os mesmos preencham ambas as condições, deverão as respetivas médias ser atendidas para efeitos de subsídio de férias.
É neste contexto que aparece referenciado o Despacho 7215/2015, não como sustentando a decisão, mas como uma mera referência de complemento à fundamentação. Assim:
A “aplicação do esquema de incentivos à transplantação e colheita de órgãos” como forma de promover o desenvolvimento da atividade de transplantação e potenciação da atividade de colheita de órgãos disponíveis tem já largas raízes no nosso país (cfr. Despacho n.º 3/95, de 17/08, do Secretário de Estado da Saúde, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 02/10/1995 e os despachos subsequentes), estando em linha com as recomendações da Resolução do Parlamento Europeu, de 22 de Abril de 2008, sobre a transplantação e a dádiva de órgãos (publicada no JOCE de 29/10/2009).
Se o aludido Despacho n.º 3/95, de 17/08, bem como o subsequente Despacho n.º 14.530/98 (publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 19/08/1998), definiam essencialmente os incentivos a atribuir às instituições e serviços do SNS onde se pratiquem atos de colheita e transplante, os despachos mais recentes (cfr. Despacho n.º 7215/2015, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 01/07/2015) já curam igualmente da atribuição dos respetivos complementos remuneratórios pelos profissionais que integram as equipas de colheita, com vista a «…assegurar a necessária disponibilidade para esta atividade, a qual, pela sua natureza não programável, exige que seja permanente».
Estão assim em causa tarefas destes profissionais de saúde, no âmbito da sua atividade, ainda que nem sempre constituam a sua atividade principal, que os presentes incentivos visam retribuir, sendo por isso uma contrapartida específica da sua realização no âmbito da atividade laboral a que tais profissionais estão adstritos.
Não se trata, pois, da compensação de tais profissionais por qualquer custo relacionado com a sua atividade laboral, tão só a remunerar uma atividade complementar e/ou a disponibilidade permanente para a mesma, a par da atividade principal.
Consequentemente, configurando estes incentivos uma contrapartida da atividade prestada pelo autor, os mesmos revestem natureza retributiva e, nessa medida, deverão integrar o subsídio de férias desde que percebida com a regularidade e periodicidade acima expostas
Como se vê não se trata de aplicação direta do mencionado Despacho, pelo que a argumentação segundo a qual o A. não integrava equipas de colheita é inócua na solução a dar ao caso.
Ainda relacionada com a matéria, a conclusão P. - Os incentivos à transplantação são suplementos remuneratórios, a pagar por cada transplante, de natureza episódica, não constituindo parte da remuneração base dos trabalhadores em regime de emprego público.
Não se tratando de trabalhador em regime de emprego público, ficam prejudicados quaisquer considerandos.
Deter-nos-emos seguidamente sobre a 4ª questão: aquilatar se o Tribunal a quo errou ao considerar que não vigoravam durante o período de tempo em que reclamava a correção do subsídio de férias quaisquer proibições orçamentais de pagar a contratados de forma mais vantajosa do que a prevista na lei para funcionários públicos.
Alega o Recrte. que em todos os anos vigoraram normas orçamentais do género invocado, pelo que o Tribunal a quo deveria ter aplicado o seu regime ao caso dos autos, julgando o pedido improcedente por não poder o Autor receber a título de subsídio de férias mais do que a remuneração base, tal como sucedia com os funcionários públicos.
Consignou-se na sentença que quanto à “invocada questão da aplicação das restrições decorrentes das sucessivas Leis do Orçamento entre 2012 e 2015, durante a vigência do PAEF, restrições essas que eram expressamente aplicáveis aos contratos individuais de trabalho” nos “anos concretos a que respeita o pedido do autor estão excluídos da vigência dessas medidas extraordinárias, pelo que também por essa via nada obsta à procedência do pedido do autor.
A sentença veio a condenar nas “médias das prestações auferidas pelo autor em cada um (dos) anos a título de incentivos ao transplante e colheita de órgãos”:
-em 2016: € 3.490,92;
- em 2017: 2.975,00;
- em 2018: € 3.279,17;
- em 2019: € 3.300,00 e
- em 2020: € 1.665,79 e
- o que se venceria em 1 de Janeiro de 2021…[5]
Defende o Apelante que a norma em questão sempre vigorou, nos seguintes termos:
a. Ano 2015 – Artigo 71.º da Lei 82-B/2014;
b. Ano 2016 – Artigo 34.º da Lei 7-A/2016;
c. Ano 2017 – Artigo 33.º da Lei 42/2016;
d. Ano 2018 – Artigo 42.º da Lei 114/2017;
e. Ano 2019 – Artigo 44.º da Lei 71/2018, e
f. Ano 2020 – Artigo 41.º da Lei 2/2020.
Portanto, ainda que se admitisse que o caso dos autos deva estar sujeito ao Código do Trabalho, não pode daí resultar que o subsídio de férias tenha uma forma de cálculo diferente da que está prevista para a relação jurídica de emprego público.
Vejamos!
Lei 82-B/2014 de 31/12:

Artigo 71.º
Aplicação de regimes laborais especiais na saúde

1 - Durante o ano de 2015, os níveis retributivos, incluindo suplementos remuneratórios, dos trabalhadores com contrato de trabalho no âmbito dos estabelecimentos ou serviços do SNS com a natureza de entidade pública empresarial, celebrados após 1 de janeiro de 2015, não podem ser superiores aos dos correspondentes trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas inseridos em carreiras gerais ou especiais, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável aos acréscimos remuneratórios devidos pela realização de trabalho noturno, trabalho em descanso semanal obrigatório e complementar e feriados.
3 - A celebração de contratos de trabalho que não respeitem os níveis retributivos referidos no n.º 1 carece de autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde.
4 - O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos, e abrange todos os suplementos remuneratórios.
Como se vê a lei reporta-se a contratos de trabalho celebrados após 1/01/2015. Tendo o do A. sido celebrado em 9/03/2012, com efeitos a 1/12/2011, a norma em referência não lhe é aplicável.
Lei 7-A/2016 de 30/03:
Artigo 34.º
Aplicação de regimes laborais especiais na saúde
1 - Os níveis retributivos, incluindo suplementos remuneratórios, dos trabalhadores com contrato de trabalho no âmbito dos estabelecimentos ou serviços do SNS com a natureza de entidade pública empresarial, celebrados após a entrada em vigor da presente lei, não podem ser superiores aos dos correspondentes trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas inseridos em carreiras gerais ou especiais, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável aos acréscimos remuneratórios devidos pela realização de trabalho noturno, trabalho em dias de descanso semanal obrigatório e complementar e feriados.
3 - A celebração de contratos de trabalho que não respeitem os níveis retributivos referidos no n.º 1 carece de autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde.
A situação é igual à anterior, agora com referência ao ano subsequente.
Lei 42/2016 de 28/12:
Artigo 33.º
Aplicação de regimes laborais especiais na saúde
1 - Os níveis retributivos, incluindo suplementos remuneratórios, dos trabalhadores com contrato de trabalho no âmbito dos estabelecimentos ou serviços do SNS com a natureza de entidade pública empresarial, celebrados após a entrada em vigor da presente lei, não podem ser superiores aos dos correspondentes trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas inseridos em carreiras gerais ou especiais.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável aos acréscimos remuneratórios devidos pela realização de trabalho noturno, trabalho em dias de descanso semanal obrigatório e complementar e trabalho em dias feriados.
3 - A celebração de contratos de trabalho que não respeitem os níveis retributivos referidos no n.º 1 carece de autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde.
4 - O disposto no artigo 38.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, mantido em vigor pelo n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e pela presente lei, não prejudica a aplicação do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de agosto, com efeitos à data de entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.
5 - Em situações excecionais e delimitadas no tempo, designadamente de calamidade pública, reconhecidas por resolução do Conselho de Ministros, pode o limite estabelecido no n.º 3 do artigo 120.º da LTFP ser aumentado em 20 % para os trabalhadores do Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P. (INEM, I. P.).
6 - O regime previsto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, é aplicável, com as necessárias adaptações, aos profissionais diretamente envolvidos no estudo laboratorial de dadores e dos doentes candidatos a transplantação de órgãos e na seleção do par dador-recetor em homotransplantação cadáver, tendo em vista assegurar a sua disponibilidade permanente para esta atividade.
Também aqui a lei se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, o que não é o caso.
Lei 114/2017 de 29/12:
Artigo 42.º
Aplicação de regimes laborais especiais na saúde
1 - Os níveis retributivos, incluindo suplementos remuneratórios, dos trabalhadores com contrato de trabalho no âmbito dos estabelecimentos ou serviços do SNS com a natureza de entidade pública empresarial, celebrados após a entrada em vigor da presente lei, não podem ser superiores aos dos correspondentes trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas inseridos em carreiras gerais ou especiais.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável aos acréscimos remuneratórios devidos pela realização de trabalho noturno, trabalho em dias de descanso semanal obrigatório e complementar e trabalho em dias feriados.
3 - A celebração de contratos de trabalho que não respeitem os níveis retributivos referidos no n.º 1 carece de autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde.
4 - O disposto no artigo 20.º da presente lei não prejudica a aplicação do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de agosto.
5 - Em situações excecionais e delimitadas no tempo, designadamente de calamidade pública, reconhecidas por resolução do Conselho de Ministros, pode o limite estabelecido no n.º 3 do artigo 120.º da LTFP ser aumentado em 20 % para os trabalhadores do Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P. (INEM, I. P.)
6 - O regime previsto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, na sua redação atual, é aplicável, com as necessárias adaptações, aos profissionais diretamente envolvidos no estudo laboratorial de dadores e dos doentes candidatos a transplantação de órgãos, e na seleção do par dador-recetor em homotransplantação cadáver, tendo em vista assegurar a sua disponibilidade permanente para esta atividade.
Idem.
Lei 71/2018 de 31/12:
Artigo 44.º
Aplicação de regimes laborais especiais na saúde
1 - Os níveis retributivos, incluindo suplementos remuneratórios, dos trabalhadores com contrato de trabalho no âmbito dos estabelecimentos ou serviços do SNS com natureza de entidade pública empresarial, celebrado após a entrada em vigor da presente lei, não podem ser superiores aos dos correspondentes trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas inseridos em carreiras gerais ou especiais.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável aos acréscimos remuneratórios devidos pela realização de trabalho noturno, trabalho em dias de descanso semanal obrigatório e complementar, e trabalho em dias feriados.
3 - O disposto nos números anteriores é aplicável a todos os profissionais de saúde, independentemente da natureza jurídica da relação de emprego, bem como do serviço ou estabelecimento de saúde, desde que integrado no SNS, em que exerçam funções.
4 - A celebração de contratos de trabalho que não respeitem os níveis retributivos referidos no n.º 1 carece de autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde.
5 - O disposto no artigo 23.º da presente lei não prejudica a aplicação do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de agosto, na sua redação atual.
6 - Em situações excecionais e delimitadas no tempo, designadamente de calamidade pública, reconhecidas por resolução do Conselho de Ministros, o limite estabelecido no n.º 3 do artigo 120.º da LTFP pode ser aumentado em 20 % para os trabalhadores do Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P. (INEM, I. P.).
7 - O regime previsto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, na sua redação atual, é aplicável, com as necessárias adaptações, aos profissionais diretamente envolvidos no estudo laboratorial de dadores e dos doentes candidatos a transplantação de órgãos, e na seleção do par dador-recetor em homotransplantação cadáver, tendo em vista assegurar a sua disponibilidade permanente para esta atividade.
O mesmo há a dizer desta estatuição.
E, por último, a Lei 2/2020 de 31/03:
Artigo 41.º
Aplicação de regimes laborais especiais na saúde
1 - Os níveis retributivos, incluindo suplementos remuneratórios, dos trabalhadores com contrato de trabalho no âmbito dos estabelecimentos ou serviços do SNS com natureza de entidade pública empresarial, celebrado após a entrada em vigor da presente lei, não podem ser superiores e são estabelecidos nos mesmos termos dos correspondentes aos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas inseridos em carreiras gerais ou especiais.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável aos acréscimos remuneratórios devidos pela realização de trabalho noturno, trabalho em dias de descanso semanal obrigatório e complementar, e trabalho em dias feriados.
3 - O disposto nos números anteriores é aplicável a todos os profissionais de saúde, independentemente da natureza jurídica da relação de emprego, bem como do serviço ou estabelecimento de saúde, desde que integrado no SNS, em que exerçam funções.
4 - A celebração de contratos de trabalho que não respeitem os níveis retributivos referidos no n.º 1 carece de autorização do membro do Governo responsável pela área da saúde.
5 - O disposto no artigo 24.º da presente lei não prejudica a aplicação do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de agosto, na sua redação atual.
6 - Em situações excecionais e delimitadas no tempo, designadamente de calamidade pública, reconhecidas por resolução do Conselho de Ministros, o limite estabelecido no n.º 3 do artigo 120.º da LTFP pode ser aumentado em 20 % para os trabalhadores do Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P. (INEM, I. P.)
7 - O regime previsto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, na sua redação atual, é aplicável, com as necessárias adaptações, aos profissionais diretamente envolvidos no estudo laboratorial de dadores e dos doentes candidatos a transplantação de órgãos, e na seleção do par dador-recetor em homotransplantação cadáver, tendo em vista assegurar a sua disponibilidade permanente para esta atividade.
Exatamente a mesma situação.
Por outro lado, e conforme decorre do ponto 6 da matéria de facto, o contrato em causa foi objeto de diversas renovações. Porém, nunca as leis orçamentais reportaram às renovações de contratos anteriormente celebrados.
Falece, pois, a questão em apreciação.
Por último, a matéria trazida à colação na conclusão Q., que enforma a 5ª questão- O Tribunal a quo também errou ao desconsiderar a qualidade de aposentado do Autor para efeitos de lhe negar o direito a qualquer crédito de formação, porque não existe na disciplina do emprego público qualquer norma análoga ao artigo 134.º do Código do Trabalho, não lhe assistindo qualquer direito à retribuição correspondente ao crédito mínimo de formação não ministrada.
A questão mostra-se prejudicada pela solução dada à primeira.
Improcede, deste modo, a apelação.
Dado que ficou vencido na apelação, o Apelante suportará as respetivas custas (Artº 527º do CPC).
Em conformidade com o exposto, acorda-se em modificar o acervo fático conforme sobredito e julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pelo Apelante.
Notifique.
*
Lisboa, 29-06-2022
MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES
_______________________________________________________
[1] Sublinhado nosso
[2] Idem
[3] Ibidem
[4] Diploma que se aplica aos médicos em regime de contrato individual de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde (Artº 2º)
[5] Isto porque ali se constatou que apenas nesses anos foram auferidos incentivos ao transplante e/ou colheita de órgãos pelo menos 11 vezes em cada um destes anos