Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA CARLOS DUARTE DO VALE CALHEIROS | ||
Descritores: | EXECUÇÃO EXTINÇÃO LIVRANÇA PRESCRIÇÃO INTERRUPÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/22/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Sumário: | I - Aquilo que os Recorrentes qualificam como contradição entre os fundamentos e a decisão mais não é que a discordância da subsunção que o tribunal a quo efectuou dos factos apurados ao direito, o que não configura a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 artigo 615º do C.P.C pelos mesmos invocada. II – A norma do nº 1 do artigo 327º do C. Civil não se restringe à decisão judicial , antes fala de decisão que ponha termo ao processo , e deste modo , numa interpretação actualista da norma, e perante ordenamento jurídico que comete a outros intervenientes judiciários a emissão da decisão que põe termo ao processo executivo, tem de se entender que aqui se contempla igualmente a decisão de extinção da execução proferida por funcionário judicial ou pelo solicitador de execução. III -Não obsta a este entendimento a circunstância da execução poder ser renovada já que enquanto tal não suceder a extinção operou, pondo termo à acção executiva. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO J. e M. identificados nos autos, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum contra Caixa Geral de Depósitos, S.A., identificada nos autos, peticionando que: c) seja declarada a prescrição da dívida reclamada na acção executiva instaurada contra os Autores, que correu termos na 6ª Vara Cível de Lisboa, renumerada para o nº 6865/96.1TVLSB, tendo como título executivo uma livrança no valor de €598.557,48, com data de vencimento a 29/09/1994; d) seja declarada a prescrição da relação mediata; e) seja comunicada a decisão produzida à central de responsabilidade de créditos do Banco de Portugal para ser eliminada da ficha de qualquer dos autores a responsabilidade prescrita a eles imputada. Para tanto invocam a prescrição quer da obrigação cambiária quer da obrigação mediata. A Ré contestou, pugnando pela improcedência da acção. Falecido o 1º Autor foi habilitada R. como sucessora do falecido Autor. Foi proferida sentença julgando a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos formulados nas alíneas c) a e) do petitório. Inconformados com esta decisão os Autores vieram interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem: A) Surgem as presentes alegações na sequência da prolação da douta sentença proferida em sede de audiência prévia e sobre a matéria de fundo, com a referência 432240042, datada de 23.01.2024, a qual julgou improcedente a alegada e requerida prescrição de obrigação contratual vencida em 1994 e de obrigação cartular, cuja execução, encontrando-se finda em 2013, não foi renovada nos três anos de prescrição estabelecidos no artigo 70ª da LUL e com o que as recorrentes se não podem conformar; B) Relativamente à causa de pedir fundamentou-se a presente acção em acção de simples apreciação, segundo o art.º 10º nº 3 alínea a) do CPC no sentido de ser declarada a prescrição de qualquer uma das dividas reclamadas na execução provada documentalmente, execução essa que teve a sua extinção há sete anos quanto à execução e há vinte seis anos quanto ao contrato que constitui a relação mediata, posição que as recorrentes desde início tiveram na presente acção. C) Quanto às restantes partes passivas quer a segunda Ré, quer o chamado NOVOBANCO admitiram e confessaram ter ocorrido a prescrição da divida dos autores, razão pela qual, e sendo a matéria idêntica nos seus prazos e formulação em relação a todos os credores é que as autoras não compreendem porque, sendo o fundamento fáctico e a causa de pedir idênticas foi proferida sentença absolvendo a recorrida Caixa Geral de Depósitos da situação da declaração de prescrição, em erro jurídico de confundir a natureza e os elementos do título executivo com os factos instrumentais de fundamentação do próprio título executivo. D) Em relação à actual recorrida Caixa Geral de Depósitos foi a causa de pedir fundamentada em, sendo a recorrida cessionária legal do Banco Nacional Ultramarino, ter feito unicamente distribuir a 28.06.1996 execução para pagamento de quantia certa com processo ordinário, actualmente renumerada para o número 6895/96.1TVLSB. E) É aqui, e quanto à extinção da instância executiva que surge o efectivo e primeiro lapso de julgamento da sentença recorrida, dado que encontra-se junto aos autos como prova documental que tal execução foi extinta a 22.03.2013 por não se encontrar demonstrada a existência de bens penhoráveis existindo efectiva nulidade de sentença face à interpretação restritiva que a mesma faz do art.º 327º nº 1 do CC. F) Em primeiro lugar, a formulação legal do art.º 327º do CC é anterior quer ao Decreto-Lei nº 4/2013 de 11 de Janeiro, quer à nova versão do Código de Processo Civil entrada em vigor pela Lei nº 41/2013 de 26 de junho e em segundo lugar, é claro o art.º 327º do CC quando no seu nº 2 diz que a interrupção da prescrição ocorre quando a instância seja considerada deserta, sendo também clara em conjugação com esta disposição, o art.º 281º nº 1 do CPC quando diz que se considera deserta a instância quando, por negligencia das partes, o processo se encontra a aguardar impulso processual há mais de 6 meses. G) Foi precisamente isto que aconteceu com a certidão exarada no processo executivo movido pela Caixa Geral de Depósitos em que, por não se encontrar demonstrado a existência de bens penhoráveis, foi extinta a presente execução, sendo isto que decorre do art.º 849º do CPC, resultando também do art.º 277º do CPC que a instância se extingue com a deserção, pelo que, sendo tal deserção resultante da falta de impulso processual e sendo essa falta de impulso imputável à recorrida Caixa Geral de Depósitos constitui causa de extinção da instância e de cessação da interrupção do prazo prescricional. H) Quanto à certidão junta pelas recorrentes em que se comprova que tal execução foi extinta a 22.03.2013 por não ter havido impulso processual da recorrida nem indicação de bens penhorados é obvio que de acordo com o art.º 327º do CC começou a correr novo prazo prescricional. I) Apesar deste enquadramento jurídico, a sentença recorrida diz que a extinção da instância por deserção não fez começar a correr novo prazo de prescrição da livrança não podendo sequer ser assacada à recorrida qualquer falta no prosseguimento da execução de onde resulta que, nos termos do art.º 615º nº 1 alínea c) do CPC é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão o que aqui acontece por comprovada a extinção da execução em 2013 por falta de impulso processual da exequente não poder ser decidido que o prazo de prescrição não começou a correr. J) Quando foi interposta pela recorrida a execução em causa dispunha o art.º 45º nº 1 do CPC anterior que toda a execução tinha por base um título pelo qual se determinava o fim e os limites da acção executiva, e de acordo com o art.º 46º do mesmo diploma eram os documentos cartulares títulos executivos enquanto constitutivos ou de reconhecimento de obrigações pecuniárias, normativos esses que foram transpostos quer para o art.º 10º nº 5 quer para o art.º 703º do NCPC nos quais, antes e depois, foi sempre clara a distinção entre título cartular e documentos constitutivos de obrigações. L) Na execução proposta pela recorrida, o título executivo pelo qual se determinava o fim e os limites da acção executiva teriam então, e terão agora, de ser avaliados em função da natureza dos respectivos documentos cartulares, pelo que, é em função da natureza do título executivo que se tem de analisar as consequências jurídicas de a execução interposta pela recorrida ter sido declarada extinta desde 22.03.2013 e, a partir daí não ter sido praticado qualquer acto judicial ou extra judicial para cobrança da divida exequenda, fosse através da renovação de execução extinta – art.º 850º do CPC – quer em razão da propositura de nova acção por força da extinção da instância – art.º 279º do CPC. M) A sentença recorrida absolve a Caixa Geral de Depósitos por voluntariamente confundir a diferença entre o título executivo em sentido próprio e os factos instrumentais alegados no requerimento executivo, que não é título, mas meros factos instrumentais integradores do próprio título, pelo que, ao julgar improcedente a acção a sentença recorrida violou os arts. 279º, 281º, 849º, 850º do CPC, bem como e primordialmente os arts. 70º e 77º da LULL não atendendo ao prazo de prescrição de 3 anos do título executivo documento cartular. N) E mesmo em relação ao CC foram também claramente violadas quer o art.º 323º sobre a interrupção da prescrição, quer o art.º 326º do mesmo código sobre o início do mesmo prazo, quer ainda e principalmente o art.º 327º do CC sobre a qualificação do que constitui a decisão que põe termo ao processo em razão do que, o prazo prescricional, após a interrupção, em relação à execução e ao título cartular começou a correr a partir da decisão de extinção – 22.03.2013 que terminou a 22.03.2016. O) No caso concreto da execução da Caixa Geral de Depósitos o seu objecto, fim e limites foram unicamente definidos em função dos documentos cartulares pelo que não pode a sentença recorrida e para efeitos de prescrição considerar as relações mediatas emergentes do contrato as alegações feitas e justificativas do título que deram origem a tal título. P) Por isso, nunca tendo sido as recorrentes interpeladas especificamente sobre as matérias respeitantes às obrigações mediatas e em que nunca foi posta a acção própria e adequada que seria acção declarativa fica assim claro que, sem qualquer interpelação, tais relações mediatas se venceram em relação à recorrida a 20.09.1994, o que ultrapassa claramente o prazo máximo civilista de prescrição estabelecido no art.º 309º do CC de 20 anos largamente ultrapassado em 29.09.2014. Q) Segundo o art.º 328º do CC o prazo de caducidade não suspende nem se interrompe salvo em termos de confissão, sendo a sua apreciação oficiosa como a excepção peremptória e ao invés, e contrariamente ao instituto de caducidade cujo decurso do prazo faz extinguir o direito, consiste a prescrição e o seu decurso de prazo numa mera inexigibilidade judicial do direito de onde resulta que a prescrição é uma defesa do sistema jurídico de não perpetuar a exigibilidade de uma obrigação judicial passado o respectivo prazo, sendo a excepção peremptória, cuja eficácia depende da respectiva arguição – art.º 303º do CC. R) Deste modo, quando a sentença recorrida julga improcedente e ineficaz a prescrição, a qual não sendo judicialmente exigível pode ser cumprida como obrigação natural – art.º 402º do CC, não só está a premiar a efectiva inércia da recorrida, como está a consagrar a certeza e a perpetuidade do regime jurídico da manutenção da divida face à inercia dos credores. S) Em consequência e em resumo a sentença recorrida confunde a natureza e o conteúdo do título executivo, seja nos termos dos arts. 45º e 46º do anterior CPC, quer os arts. 10º nº 5 e 703º do NCPC com a alegação de factos que fundamentam o título executivo dado à execução, bem como confunde igualmente a causa de extinção da execução em função da legislação em que a mesma ocorreu e em função de não ter havido qualquer impulso processual executivo ou declarativo por parte da exequente com a inexistência de qualquer obrigação de impulso processual por parte desta, mantendo a exigibilidade perpétua e judicial de uma divida independentemente de quaisquer prazos sobre o exercício de tal direito pondo em causa o próprio sistema jurídico. T) Pelo que é inevitável que o presente recurso tenha necessariamente que proceder designadamente porque: a) Nos termos do art.º 615º nº 1 alínea c) do CPC é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão o que aqui acontece por comprovada a extinção da execução em 2013 por falta de impulso processual da exequente não poder ser decidido que o prazo de prescrição não começou a correr; b) Ao julgar improcedente a acção a sentença recorrida, violou os arts. 279º, 281º, 849º, 850º do CPC, bem como e primordialmente os arts. 70º e 77º da LULL não atendendo ao prazo de prescrição de 3 anos do título executivo documento cartular e ainda mesmo em relação ao CC por violação do art.º 323º sobre a interrupção da prescrição, quer o art.º 326º do mesmo código sobre o início do mesmo prazo, quer ainda e principalmente o art.º 327º do CC sobre a qualificação do que constitui a decisão que põe termo ao processo; c) Ao invés, e contrariamente ao instituto de caducidade cujo decurso do prazo faz extinguir o direito, entender a prescrição e o seu decurso de prazo numa mera inexigibilidade judicial do direito de onde resulta que a prescrição é uma defesa do sistema jurídico de não perpetuar a exigibilidade de uma obrigação judicial passado o respectivo prazo, sendo a excepção peremptória, cuja eficácia depende da respectiva arguição – art.º 303º do CC; d) Deste modo, quando a sentença recorrida julga improcedente e ineficaz a prescrição, a qual não sendo judicialmente exigível pode ser cumprida como obrigação natural – art.º 402º do CC, não só está a premiar a efectiva inércia da recorrida, como está a consagrar a certeza e a perpetuidade do regime jurídico da manutenção da divida face à inércia dos credores Nestes termos e nos demais de direito, deve, o presente recurso ser julgado procedente e provado e por via dele: a) Ser declarada a sentença recorrida nula por clara contradição entre os seus fundamentos e a decisão nos termos do art.º 615º nº 1 alínea c) do CPC; b) Ser em qualquer caso revogada a sentença recorrida ao julgar improcedente a acção violando os arts. 279º, 281º, 849º, 850º do CPC, bem como e primordialmente os arts. 70º e 77º da LULL não atendendo ao prazo de prescrição de 3 anos do título executivo documento cartular e ainda mesmo em relação ao CC por violação do art.º 323º sobre a interrupção da prescrição, quer o art.º 326º do mesmo código sobre o início do mesmo prazo, quer ainda e principalmente o art.º 327º do CC sobre a qualificação do que constitui a decisão que põe termo ao processo; c) Ser também revogada por e contrariamente ao instituto de caducidade cujo decurso do prazo faz extinguir o direito, entender a prescrição e o seu decurso de prazo numa mera inexigibilidade judicial do direito de onde resulta que a prescrição é uma defesa do sistema jurídico de não perpetuar a exigibilidade de uma obrigação judicial passado o respectivo prazo, sendo a excepção peremptória, cuja eficácia depende da respectiva arguição – art.º 303º do CC e que foi olvidado pela sentença recorrida; d) Ser também revogada a sentença recorrida por julgar improcedente e ineficaz a prescrição, a qual não sendo judicialmente exigível pode ser cumprida como obrigação natural – art.º 402º do CC, não só está a premiar a efectiva inércia da recorrida, como está a consagrar a certeza e a perpetuidade do regime jurídico da manutenção da divida face à inércia dos credores. Com o que se fará a costumada Justiça. A Recorrida apresentou contra-alegações. pronunciando-se pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência cumpre decidir. II – OBJECTO DO RECURSO O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões formuladas pelo Recorrente na motivação do recurso em apreciação, estando vedado a este Tribunal conhecer de questões aí não contempladas, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se impõe (artigos 635º, nº 2, 639º, nº1 e nº 2, 663º, nº 2 e 608º, nº 2, do C.P.C.) Deste modo, e considerando as conclusões dos recursos interpostos, as questões que cumpre apreciar são as seguintes: - a nulidade da decisão recorrida por contradição entre os seus fundamentos e a decisão nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea c), do C.P.C.; - se o tribunal a quo errou ao não considerar prescritas a obrigação cambiária e a relação material a ela subjacente. III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: 1. Em 28.06.1996, o Banco Nacional Ultramarino S.A., a quem a 1ª Ré sucedeu, intentou acção executiva para pagamento de quantia certa com processo ordinário, contra os Autores e outros, a qual correu os seus termos pela 1ª Secção da 6ª Vara Cível de Lisboa sob o nº 529/1996, tendo sido renumerada para designação actual de 6865/96.1TVLSB, conforme requerimento executivo acompanhado de uma livrança no valor de 120.000.000$00, a que correspondem €598.557,48, e de uma carta, juntos em certidão como doc. 1, cuja versão completa foi junta em audiência prévia e se dá por reproduzida (art.º 1º da p.i.). 2. No requerimento executivo inicial pode ler-se: “1. Os primeiro e terceiro executados subscreveram a favor do banco exequente uma livrança no valor de 120.000.000$00 que se junta e se dá por reproduzida. (doc. 1) 2. Nos termos da carta contrato que acompanhava aquela livrança, datada de 01.01.1993, subscrita por todos os executados, que também se junta, a mesma destinava-se a garantir o pagamento de um crédito em conta corrente até ao limite, em capital, de 100.000.000$00, válido por um prazo de 180 dias, sucessivamente renovável, por iguais períodos, se e enquanto não fosse denunciado. (doc. 2) 3. (…) 4. O acordo estabelecido para este financiamento não foi cumprido desde a primeira prestação, pelo que está em dívida a totalidade do capital. 5. E juros até 20/09/1994, data fixada para o vencimento da livrança, no valor de 4.982.734$00, valor pelo qual foi a mesma descontada. 6. São ainda devidos juros desde a data de vencimento (…) que (…) até 26/03/1996, somam 23.441.3350$00” (art.º 53º da contestação). 3. A livrança mostrava-se preenchida pelo Banco Exequente, com os seguintes dizeres: Local e data de emissão: Lisboa, 01.01.1993; Importância: 120.000.000$00; Valor: Caução de C/Corrente; Data de vencimento:29.09.1994 (arts. 1º da p.i. e 52º da contestação). 4. A livrança estava assinada pelos AA na qualidade ele de subscritor (sendo igualmente subscritor J.) e ela de avalista (sendo igualmente avalista M. J.) (art.º 3º da contestação). 5. A referida livrança foi emitida e preenchida como título cartular anexo a uma carta contrato de abertura de crédito, datada de 01.01.1993, assinada pelos executados, a qual consta da certidão junta na audiência prévia e que se dá por reproduzida (art.º 4º da p.i. e art.º 54º da contestação em parte). 6. À data da propositura da execução os AA eram casados entre si (art.º 13º da p.i.). 7. O casamento dos Autores foi dissolvido por sentença transitada em julgado em 06/10/2004 (art.º 14º da p.i.). 8. Tal execução foi extinta a 22/03/2013 por não se encontrar demonstrada a existência de bens penhoráveis, “nos termos do disposto no nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 4/2013, de 11 de Janeiro”, conforme menção feita por funcionário judicial, junta em certidão como doc. 2 da p.i. a fls. 13 dos autos e que se dá por reproduzida (art.º 5º da p.i.). IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A nulidade da decisão recorrida por contradição entre os seus fundamentos e a decisão nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea c), do C.P.C.; Começam os Recorrentes por arguir a nulidade da sentença recorrida por os fundamentos da mesma estarem em oposição com a decisão, vício que reconduzem à circunstância de comprovada a extinção da execução em 2013 por falta de impulso processual da exequente não poder ser decidido que o prazo de prescrição não começou a correr. Dispõe ainda a alínea b) do nº 1 artigo 615º do C.P.C., que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. A nulidade “ ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final “, tratando-se de “ situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente “.( Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 738 ) Conforme decidido pelo Acórdão da Relação de Guimarães de 2.11.2017, “trata-se, pois, de a conclusão decisória decorrer logicamente das respectivas premissas argumentativas. Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença quando os seus fundamentos conduzam logicamente a conclusão oposta ou diferente da que no mesmo resulta enunciada”. (rel. Barroca Penha, disponível em www.dgsi.pt ) Não se confunde assim a nulidade prevista na alínea c), do artigo 615º do C.P.C. “ com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional “, ( Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol, II, 3ª ed, pág. 453) Ora a sentença recorrida não enferma da invocada nulidade, dela não emergindo qualquer contradição entre os respectivos fundamentos e a decisão aí exarada. Pelo contrário, o que sobressai das conclusões do recurso é que os Recorrentes discordam da decisão impugnada, estribando-se para o efeito no respectivo erro de direito. Desde logo, e ao contrário do defendido pelos Recorrentes, não está “comprovada a extinção da execução em 2013 por falta de impulso processual da exequente “, mas apenas que essa execução foi extinta por acto do funcionário judicial a 22/03/2013 com base no disposto no nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 4/2013, de 11 de Janeiro, por não se encontrar demonstrada a existência de bens penhoráveis. Ora aquilo que os Recorrentes qualificam como contradição entre os fundamentos e a decisão mais não é que a discordância da subsunção que o tribunal a quo efectuou dos factos apurados ao direito, o que não configura a nulidade pelos mesmos invocada. Improcede assim nesta parte o recurso. O tribunal a quo errou ao não considerar prescritas a obrigação cambiária e a relação material a ela subjacente Insurgem-se os Recorrentes contra a decisão do tribunal a quo de não considerar prescrita a obrigação cartular titulada pela livrança dada à execução. Para fundar a sua pretensão recursória alegam que o prazo prescricional referente à obrigação cartular começou a correr a partir da decisão de extinção da execução, ou seja, a partir de 22.3.2013, e que por conseguinte essa obrigação prescreveu em 23.3.2016. Sustentam assim os Recorrentes que tendo a referida execução sido extinta em 22.3.2013 por não se encontrar demonstrada a existência de bens penhoráveis ocorreu a deserção da instância executiva por falta de impulso processual imputável à exequente, o que determinou a cessação da interrupção do prazo prescricional de três anos previsto pelas disposições conjugadas dos artigos 70º e 77º da L.U.L.L.. Decorre do disposto nos artigos 70º e 77º da L.U.L.L. que as acções contra o subscritor de uma livrança prescrevem em três anos a contar do seu vencimento, instituto igualmente aplicável ao avalista por força do disposto no artigo 32º da L.U.L.L.. Prevê ainda artigo 71º da L.U.L.L. a interrupção dessa prescrição, mostrando-se aplicáveis no âmbito das letras e livranças as normas dos artigos 323º, 326º e 327º do C. Civil no que respeita ao regime e efeitos da interrupção da prescrição.( neste sentido ver por todos Acórdão da Relação de Lisboa de 26.3.2029, rel. José Capacete, disponível em www.dgsi.pt ) Não contestando Recorrentes e Recorrida que o decurso do prazo de prescrição previsto pelo artigo 70º e 77º da L.U.L.L. se interrompeu com a citação para os termos da referida acção executiva, divergem no entanto no que respeita à questão de saber se se verificou ou não a cessação dessa interrupção. Dispõe o artigo 327º do C. Civil: 1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo. 2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo. A este propósito consignou o tribunal a quo que: - “E, diga-se desde, já que nenhuma inércia pode ser apontada ao exequente que moveu a acção executiva bem antes do decurso do prazo de 3 anos e durante anos indagou acerca da existência de bens que não foram localizados, razão pela qual a execução foi extinta. Nem os AA alegam agora a existência de bens penhoráveis. Não se tratou, nomeadamente, de interrupção da instância convolada em deserção por falta de impulso processual. (…) a menção da secretaria de que a execução se mostra extinta por falta de bens não corresponde a uma decisão judicial, muito menos transitada em julgado, que tenha colocado termo ao processo. A dita acção executiva foi extinta administrativamente e de forma condicional pois podia ser renovada conquanto se encontrassem bens, impulso que também podia ser dado pelos executados. Portanto, não começou a correr novo prazo de prescrição da livrança.” Não pode este tribunal de recurso subscrever tal entendimento. O instituto da prescrição “é o meio pelo qual, em determinadas condições e decorrido certo tempo, alguém é exonerado de uma obrigação “, e como tal, “dada a inércia do titular de um direito durante um certo tempo, esse direito se extingue “. (Luis Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 4ª ed., pág. 729) Deste modo “ decorrido o tempo fixado pela lei sobre o não uso dum direito e preenchidos os outros requisitos que esta também exige, a respectiva relação jurídica extingue-se, e portanto, extinguem-se os direitos e as obrigações compreendidas dentro dela”, sendo certo que “ o juiz verifica o efeito da prescrição alegada pela parte sem poder declará-la ex officio, mas esse efeito extintivo não depende em si mesmo de tal verificação ou constatação, preexiste a esta “. (Luis Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 4ª ed., pág. 734). Prevê o artigo 323º, nº 1, do C. Civil, a interrupção da prescrição pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. A interrupção da prescrição tem como consequência a destruição dos efeitos do tempo decorrido até essa altura, inutilizando-o. A razão de ser da interrupção da prescrição decorre “da quebra de inércia do titular, que exerce uma manifesta intenção do exercício do direito. Todavia, uma vez que o prazo de prescrição estava em curso, criando expectativas quanto à sua efectivação, importa que ao destinatário seja dado real conhecimento daquele exercício ou intenção; por isso se exige que a iniciativa revista carácter judicial “. (Código Civil Anotado, volume I, 2017, coordenação Ana Prata, anotação de Rita Canas da Silva, pág. 395 ). Com efeito, “um dos fundamentos principais da prescrição é a inactividade do titular do direito. Se o titular do direito de crédito intentou uma acção ou requereu uma execução para o cobrar, não se pode dizer que está inactivo, bem pelo contrário, e isto durante todo o tempo em que durar a acção ou a execução “. (Acórdão da Relação de Lisboa de 14.3.2012, rel. Pedro Martins, disponível em www.dgsi.pt ). No caso sub iudice a instância executiva foi extinta ao abrigo do disposto no artigo 2º DL nº 4/2013, de 1.1, que dispunha que nos processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa instaurados antes de 15 de Setembro de 2003, não se encontrando demonstrada a existência de bens penhoráveis, a instância extingue-se. Trata-se de legislação excepcional, que teve como escopo aprovar um conjunto de medidas urgentes de combate às pendências em atraso no domínio da acção executiva. Exarou assim o legislador no preâmbulo DL nº 4/2013, de 1.1, que “ por força das concretas regras de aplicação da lei no tempo aprovadas pelos sucessivos diplomas que vieram alterar o regime da acção executiva cível, em que não se seguiu o princípio geral da aplicação imediata das leis processuais, parte das execuções pendentes continua a reger-se por regimes anteriores à reforma da acção executiva de 2003, operada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, não lhes sendo aplicáveis as regras actualmente em vigor, designadamente, as que determinam a sua extinção em caso de inexistência de bens penhoráveis. Ora, no actual quadro, não parece existir motivo atendível para não aplicar o mesmo regime a todas as execuções no que a este aspecto em particular concerne. Por essa razão, estabelece-se que as execuções nesta situação se extingam. Pretende-se, à semelhança do que já hoje acontece, impedir que as execuções sem viabilidade se arrastem ao longo dos anos nos tribunais, sem prejuízo, todavia, da possibilidade de se renovar a instância se, e quando, vierem a ser identificados bens penhoráveis.” Estatuiu deste modo o legislador que nos processos extintos ao abrigo do artigo 2º do DL nº 4/2013, de 1.1, não há lugar a sentença de extinção, cabendo à secretaria notificar da extinção o exequente, o executado, apenas nos casos em que este já tenha sido citado pessoalmente nos autos, e os credores citados que tenham deduzido reclamação, prevendo ainda a possibilidade de renovação da instância executiva desde que o requerente indique os concretos bens penhoráveis (artigos 2º, nº 4 e 7º do DL nº 4/2013, de 1.1.). Antecipou assim o legislador o regime que em certa medida veio a ser consagrado pela revisão do C.P.C. operada pela Lei nº 41/2013, de 26.6, mas reportado ao solicitador de execução, alterando o paradigma da extinção da acção executiva em caso de inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis do executado. É tendo em conta este quadro que tem de se interpretar a referência que o nº 1 do artigo 327º do C. Civil à “decisão que puser termo ao processo”. Efectivamente não se restringe a letra do preceito à decisão judicial, antes fala de decisão que ponha termo ao processo, e deste modo, numa interpretação actualista da norma, e perante ordenamento jurídico que comete a outros intervenientes judiciários a emissão da decisão que põe termo ao processo executivo, tem de se entender que aqui se contempla igualmente a decisão de extinção da execução proferida por funcionário judicial ou pelo solicitador de execução. Na verdade não obsta a este entendimento a circunstância da execução poder ser renovada já que enquanto tal não suceder a extinção operou, pondo termo à acção executiva. O mesmo se dirá quanto à referência ao trânsito em julgado, que no caso dos autos se reporta à possibilidade de reclamação para o juiz da decisão do funcionário nos termos previstos pelo artigo 161º, nº 5, do C.P.C. na redacção em vigor nessa data – ultrapassado o prazo para essa reclamação a extinção da execução efectivou-se. Aliás entendimento diverso teria como consequência perversa uma possibilidade de renovação ad eternum de execução extinta, ao arrepio de considerações de segurança, estabilidade e oportunidade que estão subjacentes ao instituto de prescrição, que não foi claramente a intenção do legislador ao estabelecer o regime de extinção da acção executiva com o claro propósito de evitar a pendência de execuções inviáveis pela inexistência de bens susceptíveis de assegurar a satisfação da dívida exequenda e das despesas da execução. Deste modo a interrupção da prescrição efectuada com a citação para a acção executiva cessou em 15.4.2013 (considerando as férias judiciais da Páscoa desse ano), começando a correr o prazo de prescrição previsto no artigo 70º da L.U.L.L. relativamente à livrança desde essa data, e como tal a obrigação cambiária titulada pela livrança dada à execução já prescreveu. Procede assim nesta parte o recurso. Insurgem-se ainda os Recorrentes contra a decisão do tribunal a quo de não julgar prescrita a relação material subjacente à livrança. Sustentam para o efeito que a sentença recorrida confunde o título executivo em sentido próprio e os factos instrumentais alegados no requerimento executivo, e que, por conseguinte, nunca foram os Recorrentes interpelados para a relação mediata emergente do contrato que está na base da emissão do título cambiário, a qual prescreveu já pelo decurso do prazo previsto no artigo 309º do C. Civil. Vejamos se lhes assiste razão. À data em que a livrança subscrita pelos Autores foi dada à execução encontrava-se em vigor o artigo 46º do C.P.C. com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº 329-A/95, de 12.12, que estatuía que à execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados por notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805º, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva. Controversa em sede de jurisprudência era a questão de saber se extinta a obrigação cambiária por prescrição o título cambiário mantinha a sua exequibilidade agora enquanto documento particular. Era no entanto prevalecente na jurisprudência o entendimento no sentido de que “ ainda que a livrança dada à execução haja perdido a sua natureza cambiária poderá a mesma consubstanciar um documento particular assinado pelo devedor, previsto na alínea c) do artigo 46º do Código do Processo Civil, conquanto nele se mencione a causa da relação jurídica subjacente ou que tal causa de pedir seja invocada no requerimento executivo “, posição que encontrava ainda respaldo em parte da doutrina, e veio a ser consagrada no artigo 703º, nº, c), do novo C.P.C.. ( Acórdão da Relação de Lisboa de 21.1.2010, rel. Ondina Alves, e jurisprudência e doutrina aí citada, disponível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido ver Acórdãos do S.T.J. de 29.10.2009, rel. Santos Bernardino e de 27.5.2014, rel. Pinto de Almeida , disponíveis em www.dgsi.pt ) Conforme decidido pelo Acórdão do S.T.J. de 27.5.2014, “perdida a natureza cambiária, a letra passa a constituir mero documento particular, quirógrafo daquela dívida causal ou subjacente. A letra deixa, por conseguinte, de ser título constitutivo da relação cambiária, para passar a valer como título certificativo da relação obrigacional subjacente, constituindo meio próprio para o reconhecimento dessa dívida pré-existente “. (rel. Pinto de Almeida, disponível em www.dgsi.pt) Considerando que na acção executiva a causa de pedir " não é, assim, o documento que corporiza o título executivo, mas antes a relação substantiva que está na base da sua emissão (…) o documento particular que contenha o reconhecimento de uma dívida, assumida pelo devedor, pode ser dado à execução, mesmo que dele não conste a causa da obrigação, devendo, porém, neste caso, o exequente alegar no requerimento executivo essa causa da obrigação, ou seja, a causa de pedir “. (Acórdão do S.T.J. de 27.5.2014, rel. Pinto de Almeida, disponível em www.dgsi.pt ) Deste modo o exequente que quisesse acautelar a subsistência como título executivo de letra ou livrança que pudesse deixar de valer como tal por virtude da prescrição do direito cambiário do beneficiário arguida em sede de oposição à execução teria de invocar no requerimento executivo os factos constitutivos da relação subjacente. Ora a exequente não se limitou em sede de acção executiva a dar à execução a livrança subscrita pelos Autores, invocando igualmente no respectivo requerimento executivo a relação jurídica subjacente à emissão desse título cambiário e alegando os factos essenciais constitutivos dessa relação, e como tal a citação para a execução consubstanciou também interpelação para os termos dessa relação. Assim a prescrição relativa à relação jurídica subjacente à emissão da livrança interrompeu-se com a citação para a acção executiva, e tendo cessado essa interrupção nos termos acima expendidos voltou a correr desde a data supra referida o prazo de prescrição de vinte anos preconizado pelo artigo 309º do C. Civil, o qual ainda não se completara quando a presente acção deu entrada em juízo. Não se mostrando, por conseguinte, prescrita a obrigação emergente da relação causal ou subjacente à livrança improcede nesta parte o recurso. V – DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência: 5.1. Revogam parcialmente a sentença recorrida, julgando prescrita a obrigação cambiária titulada pela livrança no valor de 120.000.000$00 (actualmente de €598.557,48) com data de vencimento a 29/09/1994 dada à execução na acção executiva instaurada contra os Autores, que correu termos na 6ª Vara Cível de Lisboa, renumerada para o nº 6865/96.1TVLSB; 5.2. Confirmam a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré dos pedidos formulados nas alíneas d) e e) do petitório. Custas por Recorrentes e Recorrida, na proporção do decaimento. (artigo 527º, do C.P.C.) L., 22/10/2024 Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros Ana Paula Nunes Duarte Olivença Carla Figueiredo |