Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO REGISTO | ||
Descritores: | LOGÓTIPO DENOMINAÇÃO DE ORIGEM RISCO DE CONFUSÃO EVOCAÇÃO REENVIO PREJUDICIAL | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/11/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I - O art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia deve ser interpretado no sentido que é obrigatório o reenvio prejudicial da questão de direito da União Europeia para o Tribunal de Justiça quando a decisão a proferir não admita recurso ordinário de acordo com a lei nacional. II - Como a decisão a proferir é susceptível de recurso ordinário, a questão de direito suscitada pelo recorrente pode ser enquadrada no segundo parágrafo do art. 267.º, enquanto reenvio prejudicial facultativo. III - O pedido para reenvio prejudicial deve ser indeferido se o recurso ordinário interposto possa ser apreciado sem necessidade de o Tribunal de Justiça tomar posição sobre a questão de direito da União Europeia. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO: “Comité Interprofessionel du vin de Champagne”, melhor identificado nos autos, veio interpor recurso da sentença proferida no âmbito destes autos, no dia 26-06-2023, pelo Tribunal da Propriedade Intelectual - J 2, que manteve o despacho proferido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial que concedeu o registo do logotipo com o n.º 53991, com o sinal “CHAMP´ARTE”, requerido pela sociedade “Charming Breeze, Lda.”, com sede na Alameda dos Oceanos, Loja 3.14 02G, Parques das Nações, Lisboa. * O recorrente “Comité Interprofessionel du vin de Champagne” apresentou as seguintes conclusões: “A - O logótipo “CHAMP’ARTE” evoca o nome “CHAMPAGNE” — que constitui uma denominação de origem protegida e prestigiada —, pelo que o INPI deveria ter recusado o registo, por haver não só risco de confusão, mas também de exploração e diluição da reputação de que goza essa denominação, face ao disposto nos arts. 102º e 103º do Regulamento UE n.º 1308/2013. B - Entre os sinais em confronto existe uma semelhança visual elevada, uma semelhança fonética média e uma semelhança concetual elevada, o que, por si só, gera um forte risco de confusão por parte dos consumidores. C - Atenta a elevada reputação da denominação “CHAMPAGNE”, um logótipo “CHAMP’ARTE” destinado a assinalar a atividade de venda de bebidas e alimentos e restauração será encarado, pela generalidade dos consumidores, como uma evocação daquela denominação prestigiada. D - Além disso, o risco de exploração da reputação da denominação “CHAMPAGNE” é manifesto, quando se verifica que a parte inicial e mais significativa - “CHAMPA” — é reproduzida no logótipo registando, sugerindo uma aglutinação das palavras “Champagne” e “Arte”. E - Este entendimento foi recentemente consagrado pelo Tribunal de Justiça, no acórdão de 9/9/2021 (“CHAMPANILLO”, para nome comercial de estabelecimentos destinados à restauração), em que foi declarado que o art. 103.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento (UE) nº 1308/2013, deve ser interpretado no sentido de que protege as denominações de origem protegidas relativamente a condutas associadas quer a produtos quer a serviços, F - e que tal norma deve ser interpretada no sentido de que a «evocação» referida nesta disposição, por um lado, não exige, como condição prévia, que o produto que beneficia de uma DOP e o produto ou serviço abrangido pelo sinal controvertido sejam idênticos ou semelhantes e, por outro, fica demonstrada quando o uso de uma denominação cria no espírito de um consumidor europeu médio, normalmente informado e razoavelmente atento e sensato, uma ligação suficientemente direta e unívoca entre essa denominação e a DOP. G - Como também declarou o TJUE, a existência dessa ligação pode resultar de vários elementos, em especial, a incorporação parcial da indicação protegida, a semelhança fonética e visual entre as duas denominações e a similitude daí resultante, e, mesmo na falta desses elementos, da proximidade conceptual entre a DOP e a denominação em causa, ou ainda da semelhança entre os produtos abrangidos por essa mesma DOP e os produtos ou serviços abrangidos por essa mesma denominação. G - De qualquer modo, a proteção reforçada das Denominações de Origem de prestígio - consagrada pelo Regulamento 1308/2013 — não existe apenas quando haja "afinidade" de produtos ou serviços ou risco de confusão quanto à origem dos mesmos, ou uma intenção de aproveitar indevidamente aquele prestígio, pois a tutela legal é de cariz objetivo, visando evitar a “transferência de imagem” associada ao sinal reputado, prevenindo a sua diluição e banalização. H - Por estes motivos, os tribunais portugueses já se pronunciaram pela inadmissibilidade da marca “ROSA CHAMPANHE" para vestuário, calçado e chapelaria (Ac. Rel. Lisboa de 9.07.2015, Proc. 867/09.7TYLSB), e do nome de estabelecimento "CHAMPANHERIA DA BAIXA" (ac. STJ de 8.10.2015, Proc. nº 393/12.7YHLSB), tendo o INPI recusado o registo da marca “CHAMPAGNE” para serviços de telecomunicações, serviços científicos e tecnológicos, “GOLF@’S CHAMPANHE”, para serviços educativos e culturais, nº 472.249, “CHAMPANHERIA”, nomeadamente para produtos e serviços das classes 33ª (vinho) e 43ª (restaurantes refeições) e “CHAMPANHADA”, para bebidas alcoólicas com exceção das cervejas. - A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 288.º, 289.º e 306.º do CPI e nos arts. 102.º e 103.º do Regulamento (UE) n.º 1308/2013.” * A recorrida “Charming Breeze, Lda.” não respondeu ao recurso apresentado pelo “Comité Interprofessionel du vin de Champagne”. * Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO: a) Factos provados: A primeira instância considerou como provados os seguintes factos: 1. Em 25-07-2022, a Recorrida pediu o registo do logótipo 53991 com o sinal “CHAMP’ARTE”. 2. O logótipo destinava-se a ser utilizado no âmbito da actividade económica de “comércio a retalho de produtos alimentares, bebidas e tabaco em estabelecimentos não especializados, comercio a retalho de outros produtos em estabelecimentos especializados, pastelarias e casas de chá, outras actividades de serviço de refeição, organização de eventos”. 3. O Recorrente é uma pessoa colectiva de direito francês, constituída pela Lei de 12-04-1941, com a redacção resultante das Leis de 02-06-1944 e de 07-06-1977. 4. O Recorrente tem por atribuições legais, entre outros, defender a denominação de origem controlada “CHAMPAGNE”, organizar e gerir a produção dos vinhos dessa região demarcada francesa, e disciplinar as relações entre as diversas profissões interessadas na produção e comercialização desses vinhos. 5. Encontra-se registada a denominação de origem protegida “CHAMPAGNE”, para a categoria de vinhos, abrangendo as regiões de Marne, Aisne, Aube e Seine-et-Marne, desde 20.12.1967, ao abrigo do Acordo de Lisboa, de 31-10-1958, referente à Protecção das Denominações de Origem, aprovado para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 46.852, de 02-02-1966, de que Portugal é parte contratante. 6. Encontra-se ainda registada a denominação de origem protegida “CHAMPAGNE”, para a categoria de vinhos, abrangendo as regiões de Marne, Aisne, Aube e Seine-et-Marne, desde 18-09-1973, no registo europeu de denominações de origem (“eAmbrosia”), nos termos do Regulamento UE 1308/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 17-12-2013. 7. O INPI concedeu o registo do logótipo referido em 1, por despacho do Director do Instituto, de 29-12-2022, publicada no Boletim da Propriedade Industrial n.º 9/2023, em 12-01-2023”. Para além dos que acima ficaram descritos, o tribunal de primeira instância não considerou como provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa. b) Enquadramento jurídico dos factos: Como decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, as conclusões do recorrente delimitam o recurso apresentado, estando vedado ao tribunal hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão recorrida conhecer de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso. Deste modo, compete à parte que se mostra inconformada com a decisão judicial proferida indicar, nas conclusões do recurso que interpôs, que segmento ou que segmentos decisórios pretende ver reapreciado(s), delimitando o recurso quanto aos seus sujeitos e/ou quanto ao seu objecto. A delimitação (objectiva e/ou subjectiva) do recurso condiciona a intervenção do tribunal hierarquicamente superior, que se deve cingir à apreciação e à decisão das matérias indicadas pela parte recorrente, com excepção de eventuais questões que se revelem de conhecimento oficioso. Isto significa que está vedado ao tribunal de recurso proceder a uma reapreciação de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas e, por consequência, que os seus poderes de cognição se encontram delimitados pelo recurso interposto no âmbito de um processo da iniciativa das partes. A iniciativa das partes condiciona a intervenção do tribunal de recurso e delimita os seus poderes de cognição, sem prejuízo do caso julgado já formado e de eventuais questões que possam ser apreciadas a título oficioso. No caso vertente, enquanto questão prejudicial, o “Comité Interprofessionel du vin de Champagne” veio requerer que seja decretada a suspensão da presente instância e que seja endereçado ao Tribunal da Justiça da União Europeia um pedido de decisão prejudicial, nos termos do disposto no art. 267.º, al. b), do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia. Vejamos: O art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece que “O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: (…) b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.” Do confronto dos dois parágrafos resulta que o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça é meramente facultativo quando a decisão a proferir pelo tribunal nacional admita “recurso judicial previsto no direito interno”. Isto significa que a questão de direito da União Europeia pode ser suscitada perante um tribunal de primeira ou de segunda instância, desde que se revele necessária ou pertinente para o julgamento da causa. Por seu turno, o reenvio prejudicial é obrigatório, ou seja, o tribunal pertencente a um dos Estados-Membros da União Europeia está obrigado a sobrestar a decisão e solicitar a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia quando se verifiquem, de modo cumulativo, os seguintes requisitos: o tribunal nacional esteja a julgar em última instância; a apreciação da questão de direito da União Europeia seja necessária para a decisão do litígio; Todavia, o texto deste dispositivo alude simplesmente a “recurso judicial”, sem indicar a sua espécie, o que pode levantar dúvidas sobre os casos em que é obrigatório o reenvio prejudicial, na medida em que o art. 627.º, n.ºs 1 e 2, do CC, enuncia que os recursos são ordinários e extraordinários e que estes últimos só podem ser interpostos após o trânsito em julgado da decisão. Afigura-se que o art. 267.º deve ser interpretado no sentido que é obrigatório o reenvio prejudicial da questão de direito da União Europeia para Tribunal de Justiça da União Europeia quando a decisão a proferir não admita recurso ordinário, de acordo com a lei nacional do Estado-Membro. In casu, para além do Tribunal da Relação de Lisboa não ser o órgão de cúpula do sistema judiciário português, também não se consegue afirmar que a decisão a proferir não é susceptível de recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com os dispositivos do CPC. A revista consubstancia um recurso ordinário (o art. 627.º, n.ºs 1 e 2, do CC) e a decisão deste tribunal da relação admite recurso, em termos gerais, para o Supremo Tribunal de Justiça, desde que conheça do mérito da causa ou quando ponha termo ao processo, sem prejuízo dos dispositivos restritos da admissibilidade de recurso constantes do n.º 3 do art. 671.º do CPC. Mesmo em caso de dupla conforme, restritiva da admissibilidade de recurso nos termos do mencionado dispositivo (o que pressupõe a inexistência de voto de vencido e a inexistência de fundamentos essencialmente divergentes), o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto órgão de cúpula do sistema judiciário português, colhe competência para apreciar de recurso do acórdão do tribunal da relação desde que se verifique alguma das situações contempladas pelas als. a) a c) do n.º 1 do art. 672.º do CPC. Deste modo, atendendo ao regime jurídico respeitante aos recursos e não se conseguindo afirmar, nesta sede, que a decisão a proferir não é susceptível de recurso ordinário, entende-se que a questão suscitada pelo recorrente “Comité Interprofessionel du vin de Champagne” deverá ser enquadrada, enquanto reenvio prejudicial facultativo, no segundo parágrafo do art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Como se viu, o deferimento da pretensão apresentada encontra-se dependente deste tribunal de recurso considerar que, para a apreciação do mérito da causa, se mostra necessário solicitar, previamente, ao Tribunal de Justiça da União Europeia que se pronuncie sobre a questão de direito relativa à interpretação do art. 103.º, n.º 2, al. b), do Regulamento n.º 1308/2013. O recorrente “Comité Interprofessionel du vin de Champagne” não alega que existam grandes divergências ou entendimentos doutrinais ou jurisprudenciais dissonantes a respeito da interpretação do art. 103.º, n.º 2, al. b), do Regulamento n.º 1308/2013, que justifiquem, durante meses, a suspensão desta instância, ao abrigo do disposto no art. 272.º, n.º 1, do CPC. Inclusive, chega a afirmar que esse dispositivo é “perfeitamente claro”, o que, por si só, seria suficiente para julgar impertinente a intervenção do Tribunal de Justiça para o esclarecimento da aludida questão de direito. Deste modo, não se vislumbra que a questão de direito suscitada pelo recorrente “Comité Interprofessionel du vin de Champagne” exija uma resposta por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia, nem tão-pouco que o presente recurso somente possa ser apreciado e decidido após uma tomada de posição sobre essa questão de direito da União Europeia. Em face do exposto, julgar-se improcedente o recurso interposto, na parte em que o recorrente “Comité Interprofessionel du vin de Champagne” requer a suspensão da presente instância, para que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronuncie sobre a questão de direito relativa à pretendida interpretação do art. 103.º, n.º 2, al. b), do Regulamento n.º 1308/2013. Prosseguindo: O “Comité Interprofessionel du vin de Champagne” sustenta que o logótipo “CHAMP´ARTE” evoca o nome “CHAMPAGNE” e que existe um forte risco de confusão por parte dos consumidores, decorrente de elevadas semelhanças visual e conceptual e de uma mediana semelhança fonética. Acrescenta ainda, com particular destaque, que existe o risco de exploração e de diluição da reputação de que goza a denominação de origem protegida “CHAMPAGNE”, que é evocada pelo logótipo “CHAMP´ARTE”. Em face das conclusões do recurso apresentado pelo “Comité Interprofessionel du vin de Champagne”, importa averiguar, de acordo com o padrão de um consumidor médio (ou seja, de uma pessoa dotada de medianas capacidades ou competências), se o logótipo “CHAMP´ARTE” cria o risco de confusão com a denominação de origem protegida “CHAMPAGNE”. Deste modo, o julgador deve procurar colocar-se na posição de um consumidor, dotado de medianas competências, seja ao nível dos conhecimentos, seja ao nível do grau de inteligência, seja ainda ao nível do cuidado e na atenção que coloca na observação das coisas da vida, com o intuito de perceber se o logótipo em causa, de alguma forma, evoca ou corre o risco de surgir associado à denominação de origem protegida “CHAMPAGNE”. Enquanto que a “marca” é constituída por um sinal ou por um conjunto de sinais que se mostram susceptíveis de representação gráfica (v.g. nominativa, gráfica, fonética ou mista), que são aptos a distinguir produtos ou serviços (art. 208.º do CPI), o “logótipo” é constituída por um sinal ou por um conjunto de sinais que são aptos a distinguir uma entidade que presta serviços ou que comercializa determinados produtos (art. 281.º do CPI). Com relevância para a apreciação das questões suscitadas pelo recurso, o Supremo Tribunal de Justiça escreveu o seguinte no seu acórdão de 29-05-2003, proferido no âmbito do Proc. n.º 03B3971 (acessível em www.dgsi.pt): “(…) o risco de confusão deve ser apreciado globalmente, devendo essa apreciação, no que respeita à semelhança visual, auditiva ou conceitual das marcas em causa, ser fundada numa impressão de conjunto, tendo em conta, nomeadamente, os elementos distintivos e dominantes dessas marcas (…)”. In casu, como o “Comité Interprofessionel du vin de Champagne” deixa assinalado no recurso interposto, existem semelhanças (visual, conceptual e ortográfica) decorrentes das composições, em confronto, apresentarem, em comum, diversas letras, colocadas pela mesma ordem (C, H, A, M, P e E). Todavia, no logótipo “CHAMP´ARTE” surge ou ressalta, com destaque, pelo menos, na língua portuguesa, a palavra “arte”, que acaba por marcar o sentido geral da denominação pretendida pela empresa recorrida. A palavra “arte” surge como o elemento distintivo e dominante do logótipo, enquanto vocábulo existente na língua portuguesa (ao contrário do que sucede com “Champ”), que é sinónimo, por um lado, de actividade criativa, por exemplo, ligada à pintura, à escultura ou à música, e, por outro lado, de qualidade, de mestria ou de saber na realização de uma determinada tarefa. O primeiro destes sentidos possíveis é, desde logo, afastado, quando se sabe que o logótipo em causa, “CHAMP´ARTE”, se destina a ser utilizado (conforme ficou provado pelo Tribunal de Propriedade Intelectual) “(…) no âmbito da actividade económica de comércio a retalho de produtos alimentares, bebidas e tabaco em estabelecimentos não especializados, comercio a retalho de outros produtos em estabelecimentos especializados, pastelarias e casas de chá, outras actividades de serviço de refeição, organização de eventos (…)”. Deste modo, afigura-se que um consumidor médio, mais distante da objecto social da empresa recorrida “Charming Breeze, Lda.”, tenderá a associar o logótipo a uma qualquer actividade criativa. Por seu turno, o consumidor médio, mais próximo desse objecto, tenderá a afastar esse sentido e a considerar que é sinónimo de qualidade do serviço prestado. A empresa recorrida “Charming Breeze, Lda.” considerou que “(…) CHAMP'ARTE é ser campeã na arte de servir refeições em ambiente que se pretende requintado, com a qualidade que se procura na escolha de produtos alimentares, na pastelaria, bebidas e chás e se encontra nas refeições (…)”. Aceita-se, como possível, a explicação apresentada para o logótipo. Nesta perspectiva, o vocábulo “arte”, que faz parte integrante do logótipo em causa, surge associado ao saber, à qualidade ou à mestria dos serviços prestados pela empresa recorrida que pretende o seu registo. Como é esse o elemento distintivo e dominante do logótipo em causa, independentemente do sentido que lhe venha a ser atribuído, não se vislumbra que o mesmo evoque a denominação de origem protegida “CHAMPAGNE”, nem tão-pouco que se crie o risco de confusão na mente de um consumidor dotado de medianas capacidades e competências. Não obstante a existência desse elemento distintivo e dominante, poderia argumentar-se que o logótipo “CHAMP'ARTE” não é constituído unicamente pelo vocábulo “arte”, que também é composto por “champ” e que esta combinação serviria para evocar a região francesa produtora de vinhos espumantes e que criaria um elevado risco de confusão entre ambos. Todavia, a utilização ordenada das letras “champ” não é exclusiva da palavra “champagne”, existindo muitos outros vocábulos, em diferentes línguas, com essa composição (v.g. “champ”, “champions” ou “champô”), que remetem para outras realidades, sem nada ter a ver com vinhos espumantes. Esta composição, que também faz parte integrante de outros vocábulos, não se mostra suficiente, por si só, para que um consumidor, dotado de medianas competências, venha a associar o logótipo em causa à denominação de origem protegida e para que se crie o risco de confusão entre ambos. Não se consegue afirmar que um consumidor médio (cuja visão, repete-se, é sempre de difícil apreensão), ao observar ou ao ler o logótipo “CHAMP´ARTE”, pense na denominação de origem protegida, em virtude das letras “champ” evocaram, de modo directo, a palavra “champagne”. Deste modo, aceita-se a decisão recorrida quando afirma que a “(…) palavra CHAMP não remete de forma imediata para a palavra CHAMPAGNE mas sim para um diminutivo de CHAMPION (em português, campeão). Ademais, ao contrário do referido pela Recorrente, o logótipo em causa foi solicitado para o uso em bebidas no geral, entre outros, e não especificamente para vinhos, o que afasta ainda mais a remissão da palavra CHAMP para CHAMPAGNE (…)”. De facto, a actividade económica relativa à comercialização, em geral, de bebidas (incluindo bebidas alcoólicas, que não se mostram excluídas), encontra-se diluída no quadro de todos os outros serviços que o logótipo pretende anunciar, v.g., comercialização de produtos alimentares e de tabaco, confecção de refeições, organização de eventos, pastelaria ou casas de chá. Acresce que o alegado risco de confusão ou de associação, a existir (o que não se afigura ser o caso), ainda ficaria mais esbatido ou mais mitigado caso se tenha em consideração que a denominação de origem protegida “CHAMPAGNE” apresenta elevado prestígio e que denota elevada notoriedade (seja em termos gerais, seja perante consumidores de bebidas alcoólicas e, em particular, perante apreciadores de espumantes), pelo que, de modo nenhum, um consumidor médio, ficaria equivocado, com a percepção de que o logótipo “CHAMP´ARTE” estava a evocar esta região francesa produtora de vinhos. Se, por um lado, o elemento dominante e determinante do logótipo em referência afasta a região francesa produtora de vinhos espumantes da actividade económica que se pretende vir a implementar, por outro lado, afigura-se que a utilização ordenada das letras “Champ” não evoca, por si só, de modo directo, a denominação de origem protegida “CHAMPAGNE”. Por consequência, não existe o risco de confusão, ou seja, não existe uma probabilidade séria de um consumidor médio associar, erradamente, o logótipo “CHAMP'ARTE” à denominação de origem protegida “CHAMPAGNE”. Ainda que a evocação de uma denominação de origem protegida não esteja dependente da reprodução integral, letra a letra, da palavra que a constitui, nem todas as reproduções parciais determinam inapelavelmente, em todas as situações, uma violação de direitos de propriedade intelectual. Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal de Justiça de 14-09-2017, aliás citado pelo recorrente “Comité Interprofessionel du vin de Champagne” “(…) é igualmente verdade que, de maneira mais geral, a apreciação do Tribunal Geral segundo a qual o público relevante, concretamente, o consumidor médio da União que tenha conhecimentos, pelo menos básicos, de inglês ou de uma língua românica, compreenderá o sinal «PORT CHARLOTTE» como designando um porto com o nome de uma pessoa chamada Charlotte, sem que seja estabelecida uma ligação direta com a denominação de origem «Porto» ou «Port» ou o vinho do Porto(…)”. “Não basta uma qualquer associação, mais ou menos vaga (entre o sinal controvertido e a denominação ou indicação protegida) – o Tribunal parece exigir uma certa «rapidez» na associação (o que limita a aplicação do conceito de evocação - um equilíbrio entre a tutela das denominações de origem e indicações geográficas e a liberdade de concorrência)” – Alberto Ribeiro de Almeida, in “Revista de Direito Intelectual”, n.º 2, 2019. Acresce que, de acordo com a matéria de facto provada pelo tribunal a quo, nada aponta no sentido que a empresa recorrida “Charming Breeze, Lda.” tenha em mente tirar partido, indevido, da denominação de origem protegida “CHAMPAGNE”, nem tão-pouco que procure prejudicar o seu prestígio. Deste modo, não se vislumbra que a decisão recorrida tenha violado o disposto nos arts. 288.º, 289.º e 306.º do CPI (sobretudo quando referem que deve ser recusado o registo de logótipo quando seja constituído por sinais ou indicações que contenham, em todos ou em alguns dos seus elementos, denominações de origem), nem tão-pouco o disposto nos arts. 102.º e 103.º do Regulamento da União Europeia n.º 1308/2013, de 17-12-2013 (sobretudo quando dispõe que as denominações de origem são protegidas contra qualquer utilização abusiva, imitação ou evocação). Em face do exposto, este Tribunal da Relação de Lisboa considera que deverá ser mantido o registo do logótipo “CHAMP'ARTE”, que deverá ser confirmada, integralmente, a sentença proferida pelo Tribunal de Propriedade Intelectual – J 2 e que deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pelo “Comité Interprofessionel du vin de Champagne”. III – DECISÃO: Em face do exposto, acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa em confirmar a sentença proferida pelo Tribunal de Propriedade Intelectual – J 2 e, em consequência, manter o despacho que concedeu o registo do logotipo com o n.º 53991, com o sinal “CHAMP´ARTE”, requerido pela sociedade recorrida “Charming Breeze, Lda.”. Custas a cargo do “Comité Interprofessionel du vin de Champagne”. Lisboa, 11 de Julho de 2024 Paulo Registo Bernardino Tavares Eleonora Viegas (“voto de vencido”) “Considerando que o logótipo CHAMP’ARTE se destina a distinguir no mercado uma entidade cuja actividade económica abrange o comércio a retalho de bebidas (alcoólicas ou não) em estabelecimentos não especializados, serviços de refeições e organização de eventos (cfr. facto provado 2), podendo ser utilizado, nomeadamente, em estabelecimentos, anúncios, impressos ou correspondência (cfr. art. 281.º do CPI), para além do risco de confundibilidade/associação num grau acima da média, decorrente das semelhanças visuais, fonéticas e conceptuais existentes, entendo que se verifica uma evocação da D.O. CHAMPAGNE, de notório prestígio. CHAMP’ARTE (que tenderá a ser escrito “champarte” por ex. em endereços de correio electrónico e de redes sociais, ou em hashtags) reproduz parcialmente CHAMPAGNE nas seis letras iniciais, das nove por que ambos os sinais são compostos, sendo que partilha ainda a mesma letra final o que, para além do mesmo relevante som da primeira parte, lhe confere um som final com semelhanças. Conceptualmente existem também semelhanças, remetendo CHAMP’ARTE para a ideia de “arte do CHAMPAGNE” (as restantes semelhanças apontadas e o elevado prestígio da D.O. induzem-na intuitivamente e de forma coerente, considerando a actividade da Recorrente) e, afinal, uma certa ideia de luxo e prestígio. Por último, entendo que o uso do logótipo CHAMP’ARTE cria no espírito do consumidor normalmente informado e razoavelmente atento e sensato, uma ligação suficientemente directa e unívoca com a D.O. CHAMPAGNE (cfr. TJUE, acórdão de 9.09.2021, processo C-783/19), afectando-a negativamente ao contribuir para a sua banalização e enfraquecimento ou diluição do seu prestígio. Pelo que revogaria a sentença recorrida e recusaria o logótipo.” |