Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
368/21.5JELSB.L1-3
Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA
Descritores: RECURSO
QUESTÕES A DEBATER EM AUDIÊNCIA NA 2ª INSTÂNCIA
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
AUTORIA E CUMPLICIDADE
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
“CORREIO DE DROGA”
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Determina o art.º 411 do C.P.Penal que, “no requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.”  Assim, as questões a serem debatidas em sede de Audiência terão de ser referidas à enunciação e ao debate que o recorrente expôs em sede de motivação e não, obviamente, de conclusões, pela própria natureza destes dois segmentos de um requerimento de recurso, pois é na motivação que o recorrente enuncia especificamente os fundamentos do recurso, aí procedendo ao debate a seu propósito, sendo que as conclusões são um resumo das razões do pedido (como decorre do art.º 412 nº1 do C.P.Penal).
II. O art.º 358 do C.P. Penal apenas tem aplicação nos casos em que (…) se verifique uma alteração da qualificação jurídica e esta se mostre mais gravosa para o arguido. No caso, manifestamente tal não ocorre, uma vez que a condenação em sede de cumplicidade se mostra francamente menos gravosa – atenta a moldura penal respectiva – do que a condenação na qualidade de autora. Basta ler o que dispõe o art.º 27 nº2 do C.Penal.
III. Não ocorreu qualquer alteração da tipologia do crime pelo qual a arguida vinha acusada e por que foi condenada, já que o bem jurídico protegido mantém-se o mesmo, assim como o seu enquadramento legal – crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência à tabela I-B anexa ao mesmo diploma legal.  Ocorreu, tão somente (por virtude da apreciação dos factos provados que se concretizam em um minus face aos que constavam na acusação), que a prática desse crime foi realizada sob a modalidade de cumplicidade e não de autoria.
IV. Teve assim a arguida, ao longo do julgamento, ampla possibilidade de se defender dos concretos factos que lhe eram imputados e que integravam o crime pelo qual vinha acusada e pelo qual foi efectivamente condenada, não se vislumbrando – nem a recorrente demonstrando – que tenha havido postergação das suas garantias de defesa. Acresce que, no caso, a própria questão da factualidade menorizar a actuação da arguida, de autora para cúmplice resulta, em grande medida, de factos alegados pela própria defesa.
V. Assim, não se mostram preenchidos os requisitos que impõem o cumprimento do disposto no art.º 358 do C.P. Penal, não assistindo assim razão à recorrente, quando invoca a nulidade prevista no art.º 379 nº 1 al. b) do mesmo diploma legal, que patentemente se não verifica.
VI. A essencial diferença entre o cúmplice e o autor reside no facto de o primeiro – ao inverso do que sucede com o segundo - não ter o domínio funcional do facto ilícito típico; tem apenas o domínio positivo e negativo do seu próprio contributo, de forma que, se o omitir, nem por isso aquele facto deixa de poder ser executado.
VII. À opção pela suspensão da execução da pena de prisão, são alheias considerações relativas à culpa do agente, valendo essencialmente, no juízo a realizar, as exigências resultantes das finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização (art.º 40º n.º 1 do CP).
VIII. As exigências acima referidas mostram-se ainda mais prementes, nos casos em que estamos perante um crime de tráfico de estupefacientes, atendendo às robustas razões de saúde pública que se pretendem preservar através da criminalização de tal tipo de actuação. Neste tipo de crime as exigências de prevenção geral são fortíssimas, pois o tráfico de estupefacientes é das actividades que mais profundamente corrói e corrompe a sociedade em que vivemos.
IX. Um correio de droga – pessoa cuja actividade a arguida auxiliou - não é elemento despiciendo ou menor na máquina que permite manter em funcionamento o mercado de tais produtos, uma vez que a droga é produzida na América do Sul e a actividade que a arguida prosseguiu – ajudando este correio a cumprir a sua função - é um dos meios para a tornar disponível na Europa.
X. De tal forma se verifica essa premência de exigências, que tem vindo a ser jurisprudência senão unânime, pelo menos esmagadoramente maioritária, a nível dos tribunais superiores e, em especial, do STJ, a noção de que, quando estamos perante um crime de tráfico, simples ou agravado, só razões especialmente ponderosas, que resultem da avaliação global da actividade da arguida, poderão eventualmente sobrepor-se a tais exigências de prevenção geral, podendo vir a permitir (caso seja possível a formulação de um juízo de prognose favorável), a suspensão de penas punitivas de tais tipos de ilícitos, como aliás se mostra consignado em múltiplos acórdãos exarados pelo STJ.
XI. Uma das razões que justifica e exige o cumprimento de uma pena de prisão efectiva e com algum grau de consistência traduz-se, precisamente, na imperiosa necessidade de se desmotivar o tipo de actuação que a arguida protagonizou, evitando que Portugal, ao invés de contribuir na luta global contra este flagelo, possa ser considerado como um país de tal forma leniente no circuito da distribuição e da venda, que encoraje outros a prosseguir idêntica actividade, por a mesma não acarretar um nível de consequências sancionatórias efectivamente dissuasoras.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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I – relatório
1. Por acórdão de 7 de Fevereiro de 2023, foi proferida a seguinte decisão:
a) Condena-se o arguido RR, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência à tabela I-B anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
b) Condena-se a arguida DL, pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência à tabela I-B anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (absolvendo-a da prática de tal crime em co-autoria, como lhe vinha imputado).
O arguido conformou-se com o decidido, encontrando-se presentemente em cumprimento da pena imposta.
2. Inconformada, veio a arguida apresentar recurso, alegando em síntese:
a. Requer a realização de audiência;
b. Invoca a nulidade da decisão, por alteração não substancial não comunicada previamente à arguida;
c. Errada apreciação probatória, no que se refere ao ponto 7 dos factos provados e violação do princípio in dubio pro reo;
d. Erro no enquadramento jurídico, por não se verificar qualquer facto, acto ou nexo de causalidade que permitam a sua condenação na qualidade de cúmplice;
e. Errada tipologia da pena, por a mesma dever ser suspensa na sua execução.
3. O recurso foi admitido.
4. O Ministério Público respondeu à motivação apresentada, defendendo a improcedência do recurso.
 5. Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto subscreveu a resposta apresentada pelo seu Exº Colega de 1ª instância.
 
II – questões a decidir.
A. Realização de audiência.
B. Nulidade da decisão, por alteração não substancial não comunicada previamente à arguida.
C. Errada apreciação probatória, no que se refere ao ponto 7 dos factos provados e violação do princípio in dubio pro reo.
D. Erro no enquadramento jurídico, por inexistência de qualquer facto, acto ou nexo de causalidade que permita a condenação da arguida na qualidade de cúmplice.
E. Suspensão da pena imposta.
 
III – fundamentação.
A. Realização de audiência.
1. A recorrente formulou pedido de realização da audiência, nos seguintes termos:
Mais se requer a realização da audiência, nos termos e para os efeitos do n.º 5 do Art.º 411.º e o 423.º CPP para efeitos de apreciação dos pontos e conclusões 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª, 7. ª e 8.ª.
2. Apreciando.
Determina o art.º 411 acima mencionado que, “no requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.”  
3. Esta imposição foi introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08 (Rect. n.º 105/2007, de 09/11), que alterou o paradigma da audiência, em sede de recursos penais.
4. Efectivamente, na redacção até então vigente, a regra em sede processual penal era a da realização de Audiência, excepto nos casos que a lei expressamente salvaguardava (rejeição, existência de causa extintiva de procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo de recurso; a decisão recorrida não constitua decisão final ou não houvesse lugar a alegações orais e não fosse necessário proceder à renovação da prova nos termos do artigo 430) que haveria lugar a conferência, como decorria do disposto no art.º 419 nº4 de tal diploma legal.
5. A alteração introduzida em 2007 pretendeu agilizar o processamento dos recursos em sede penal, tornando a Audiência a excepção e não a regra, determinando que à mesma apenas se procedesse quando fosse expressamente requerida.
E, dentro da mesma vertente, impôs ao requerente que especificasse, que fizesse uma escolha e que a comunicasse ao tribunal e aos restantes intervenientes processuais, sobre qual a matéria que pretenderia debater nessa Audiência; isto é, impôs ao recorrente que entendesse dever requerer a realização desse acto, que assinalasse, adiantada e especificadamente, quais os pontos concretos da motivação que queria aí ver debatidos.
6. Daqui resulta que a intenção do legislador, a este propósito, se mostra clara, no sentido de que não só a Audiência passa a ser um acto facultativo, dependente de pedido expresso e atempado, como o mesmo se destina a discutir algumas (que não a totalidade) das questões suscitadas em sede de recurso, questões estas que, na lógica legal, se mostram desenvolvidas ao longo da motivação.
7. De facto, essas questões a serem debatidas em sede de Audiência terão de ser referidas à enunciação e ao debate que o recorrente expôs em sede de motivação e não, obviamente, de conclusões, pela própria natureza destes dois segmentos de um requerimento de recurso, pois é na motivação que o recorrente enuncia especificamente os fundamentos do recurso, aí procedendo ao debate a seu propósito, sendo que as conclusões são um resumo das razões do pedido (como decorre do art.º 412 nº 1 do C.P.Penal).
8. No requerimento que a arguida apresentou, inexiste qualquer referência à especificação que a lei impõe, no que se refere aos pontos concretos e especificados da motivação que a recorrente pretende debater.
De facto, aparentemente, a recorrente pretenderá discutir questões jurídicas genéricas, não pontos concretos e específicos. Remete, assim, para a integralidade dos temas jurídicos que propõe no seu recurso, em sede de conclusões, não fazendo qualquer escolha nem especificando, com base na motivação, os elementos que concretamente põe em debate.
9. A razão para a lei impor requisitos de cumprimento com rigor mínimo afigura-se-nos óbvia – cabe a quem requer um acto facultativo indicar qual o fim que pretende alcançar com o mesmo, no caso, quais os fundamentos do recurso que interpôs que pretende ver debatidos, de modo a que esse debate se possa, efectivamente, verificar, uma vez que os restantes intervenientes processuais, só através de tal especificação, se mostrarão habilitados a exercerem o seu direito ao rebate, sendo que tais fundamentos constam na motivação, não nas conclusões.
10. Diga-se, aliás, que tem vindo a ser este o entendimento, a propósito desta questão, sufragado pela relatora há já mais de uma dezena de anos, mostrando-se de acordo com o entendimento expresso pelo TC a este propósito (vide acórdão n° 163/2011), em que se refere:
No caso em apreço, é inquestionável que a sujeição do recorrente a um ónus processual de identificação dos pontos da motivação de recurso que pretende discutir, mediante alegações orais, constitui medida adequada e idónea a assegurar uma maior eficiência e celeridade na tramitação processual penal (neste sentido, apontando a consagração da audiência, para produção de alegações orais, como um situação excepcional, à luz do novo regime de recurso, ver Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2009, p. 1118). Com efeito, tal medida tanto permite ao julgador (e aos recorridos, em particular ao Ministério Público, que exerce a acção penal) preparar(em) as questões a discutir em audiência de julgamento – note-se, a este propósito, que cabe ao Relator junto do tribunal recorrido, elaborar uma “exposição sumária sobre o objecto do recurso, na qual enuncia as questões que o tribunal entende merecerem exame especial” (artigo 423º, n.º 1, do CPP) –, como, simultaneamente, implica um esforço adicional dos recorrentes na compressão e síntese dos pontos da motivação a discutir, oralmente, em audiência.
Em segundo lugar, a interpretação normativa adoptada pelo tribunal “a quo” afigura-se igualmente como necessária. Nesta sede, impõe-se comparar diversas medidas alternativas igualmente idóneas e determinar se a escolha do legislador – neste caso, a interpretação normativa abraçada pela decisão recorrida – corresponde à menos lesiva daquelas.
É certo que o n.º 5 do artigo 411º do CPP fixa um ónus processual de natureza preceptiva. É igualmente certo que a omissão do cumprimento de tal ónus processual impossibilita o julgador de proceder ao agendamento e realização de audiência de julgamento de recurso, mediante produção de alegações orais pelo recorrente. Porém, nenhuma norma processual penal comina a extinção do direito fundamental ao recurso, mas tão só a não realização de uma fase da tramitação processual, a qual não implica qualquer decisão de não admissão do recurso interposto, seja mediante decisão sumária do Relator (artigo 417º, n.º 6, do CPP), seja mediante acórdão de conferência (artigo 420º, n.º 1, alínea c), do CPP). Pelo contrário, a falta de indicação dos pontos da motivação de recurso, de acordo com a interpretação normativa, apenas implica a não produção de alegações orais, mas exige sempre – desde que cumpridos os demais pressupostos processuais de conhecimento – a apreciação da motivação e respectivas conclusões de recurso, por parte do tribunal recorrido.
 Assim sendo, não se afigura que a interpretação normativa em causa seja desproporcionada, por violação do princípio da necessidade.
Julga-se pois que a interpretação normativa do n.º 5 do artigo 411º do CPP, segundo a qual “o recorrente que pretenda ver o seu recurso de decisão que conheça a final do objecto do processo, apreciado em audiência no Tribunal da Relação deve requerê-lo aquando da interposição do recurso e indicar quais os pontos da motivação de recurso que pretende ver debatidos, sob pena de indeferimento da sua pretensão” não é contrária à Constituição, seja por violação do direito de assistência por advogado (artigo 32º, n.º 3, da CRP), seja por violação do direito de recurso penal (artigo 32º, n.º 1, da CRP), seja por violação de quaisquer outros princípios ou normas constitucionais, designadamente dos princípios do Estado de Direito (artigo 2º, da CRP), da proporcionalidade (artigo 18º, n.º 2, da CRP) ou do direito ao contraditório em processo penal (artigo 32º, n.º 1, da CRP).
11. Assim, mostrando-se deficientemente cumpridos os requisitos que a lei impõe e dos quais faz depender a admissibilidade da Audiência, indefere-se o requerido.
B. Nulidade da decisão, por alteração não substancial não comunicada previamente à arguida.
1. A este respeito, apresenta a arguida as seguintes conclusões:
8.ª E não despiciendo, verificamos que a falta de comunicação, rectius notificação à Recorrente da alteração da ‘qualificação jurídica’ de “coautora” para “cúmplice” em sede de 1.ª Instância por parte do Tribunal “a quo” expoleta a nulidade da decisão, sem prejuízo e na certeza porém que se argui à cautela esta, por se entender que o supra arguido permite ao Tribuna “ad quem” poder ao abrigo do princípio celeridade e eficiência decidir nos termos e de acordo com a thesis aqui advogada, conforme se arguiu supra em sede de alegações e se repristina in totum pela presente.
2. Apreciando.
Em termos sintéticos, a arguida entende verificar-se a nulidade da sentença, por falta de comunicação prévia de alteração da qualificação jurídica, uma vez que vinha acusada como co-autora e foi condenada na qualidade de cúmplice.
Vejamos então.
3. A razão de ser do vertido no art.º 358 do C.P. Penal prende-se com a sustentação de dois elementos basilares, pressupostos de um processo penal justo, que se reconduzem à estabilidade temática e à possibilidade do exercício do contraditório. 
No caso que apreciamos não se vislumbra, de todo, em que é a referida alteração da qualificação jurídica, sem precedência de comunicação à arguida, pode pôr em questão tais princípios. Na verdade, o art.º 358 do C.P. Penal – para o que aqui nos ocupa - apenas tem aplicação nos casos em que (…) se verifique uma alteração da qualificação jurídica e esta se mostre mais gravosa para o arguido.
No caso, manifestamente tal não ocorre, uma vez que a condenação em sede de cumplicidade se mostra francamente menos gravosa – atenta a moldura penal respectiva – do que a condenação na qualidade de autora. Basta ler o que dispõe o art.º 27 nº 2 do C.Penal.
 4. Acresce que não ocorreu, no que se refere à arguida, qualquer alteração da tipologia do crime pelo qual vinha acusada e por que foi condenada, já que o bem jurídico protegido mantém-se o mesmo, assim como o seu enquadramento legal – crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência à tabela I-B anexa ao mesmo diploma legal.
Ocorreu, tão somente (por virtude da apreciação dos factos provados que se concretizam em um minus face aos que constavam na acusação), que a prática desse crime foi realizada sob a modalidade de cumplicidade e não de autoria. Teve assim a arguida, ao longo do julgamento, ampla possibilidade de se defender dos concretos factos que lhe eram imputados e que integravam o crime pelo qual vinha acusada e pelo qual foi efectivamente condenada, não se vislumbrando – nem a recorrente demonstrando – que tenha havido postergação das suas garantias de defesa.
Nestes casos, entende-se que não há lugar ao cumprimento do disposto em tal artigo, como refere (por todos) o acórdão do STJ de 12.11.2003, proc. nº 1216/03-3ª, SASTJ nº 75, 93: “Não há alteração, substancial ou não, dos factos da acusação, quando os factos provados representam um minus relativamente àqueles, não sendo sequer necessária, nestes casos, a comunicação a que alude o art.º 358 do C.P. Penal (Vide, no mesmo sentido, Ac. STJ, 10.3.2004, proc. nº 4024/03-3ª, in www.dgsi.pt; Acórdãos do STJ de 17.0702, 10.05.2006, 14.06.06, e 31.10.2007, mencionados em Código de Processo Penal Comentado, 2014, António Henriques Gaspar e outros, pág. 1128).
5. Acresce que, no caso, a própria questão da factualidade menorizar a actuação da arguida, de autora para cúmplice resulta, em grande medida, de factos alegados pela defesa, uma vez que ambos os arguidos declararam (e, nesta parte, o tribunal “a quo” entendeu as suas declarações como verdadeiras), que a arguida não teve intervenção directa no plano de aquisição de estupefaciente e de transporte do mesmo; isto é, a imputação a título de cumplicidade surge por virtude de o tribunal “a quo” ter atendido, no que respeita à questão da autoria, aos factos que, a este respeito, a defesa apresentou. Assim, mostrar-se-ia igualmente esta situação inserida no nº 2 do art.º 358 do C.P.Penal, pelo que não haveria que proceder a qualquer comunicação prévia.
6. Face ao que se deixa dito, conclui-se não se mostrarem preenchidos os requisitos que impõem o cumprimento do disposto no art.º 358 do C.P. Penal, não assistindo assim razão à recorrente, quando invoca a nulidade prevista no art.º 379 nº 1 al. b) do mesmo diploma legal, que patentemente se não verifica.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso por si interposto.
C. Errada apreciação probatória, no que se refere ao ponto 7 dos factos provados e violação do princípio in dubio pro reo.
1. O tribunal “a quo” deu a seguinte matéria de facto como provada e não provada:
Factos provados:
1. No dia 21 de Novembro de 2021, pelas 04h45, os arguidos desembarcaram no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, procedentes de São Paulo-Guarulhos (Brasil), no voo TP082 com destino a esta cidade.
2. De seguida, os arguidos dirigiram-se ao tapete 09 de recolha de bagagem, onde recolheram a respectiva bagagem de porão, composta por duas malas do tipo trolley, sendo uma de cor azul escura e a outra de cor preta.
3. Seguidamente, os arguidos encaminharam-se na direcção da saída do Aeroporto.
4. Após terem passado pelo posto de controlo da Autoridade Tributária, os arguidos foram abordados por Inspectores da P.J., tendo sido sujeitos a revista pessoal e a controlo da bagagem que transportavam.
5. Nessa altura, no interior da mala do tipo trolley, de cor azul escura, que os arguidos traziam, foi encontrada uma outra mala de cor preta com duas almofadas brancas no interior, que continham:
- 6 (seis) placas, contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 5981,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 89,8%, sendo o equivalente a 26854 doses de consumo.
6. Nas aludidas circunstâncias, foram, ainda, encontrados e apreendidos na posse dos arguidos:
- 2 (duas) almofadas de cor branca, com uma tira de cor azul a toda a volta;
- 1 (um) “boarding pass”, emitido em nome de R/R, com o canhoto de bagagem colado, referente ao número (…);
- 1 (um) telemóvel da marca Samsung, de cor preta, modelo Galaxy A01, com os IMEls (…) e (…).
7. Os arguidos conheciam perfeitamente a natureza e características estupefacientes do produto que o arguido RR transportava e que lhe foi apreendido, e que a arguida DL sabia ser transportado por aquele, ajudando-o a concretizar os seus intentos.
8. Produto esse que o arguido RR aceitou transportar por, para tanto, lhe ter sido prometida a quantia monetária de €5.000,00 (cinco mil euros).
9. O telemóvel e cartão telefónico apreendidos aos arguidos foram utilizados nos contactos que o arguido estabeleceu para concretizar o transporte da cocaína apreendida.
10. Os documentos apreendidos aos arguidos e acima indicados destinavam-se a ser utilizados na actividade de tráfico de estupefaciente e eram fruto da mesma.
11. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a detenção, o transporte e a comercialização de cocaína eram proibidos e punidos por lei.
Mais se provou, que:
12. O arguido RR não tem antecedentes criminais.
13. Originário de uma família tradicional e conservadora, RR é o único filho da relação entre os pais, e desenvolveu-se num contexto familiar estável, estruturado, mas pouco normativo e exigente com o descendente e onde este foi muito protegido.
14. Estudou até ao 6º ano de escolaridade em escolas particulares e, quando transitou para o ensino oficial, numa escola da Amadora, onde o pai adquiriu habitação própria, teve dificuldades de adaptação e reprovou nesse ano.
15. Prosseguiu os estudos até ao 10º ano, que não veio a concluir.
16. No decorrer do período escolar, iniciou consumos de haxixe junto dos colegas, o que atribuiu a necessidades de afirmação e integração no grupo, revelando-se um jovem influenciável e pouco motivado para os estudos.
17. Com cerca de 16 anos, abandonou definitivamente a escola para trabalhar, sendo o seu percurso laboral caracterizado por acentuada mobilidade de trabalho e diversidade de funções, conseguindo facilmente arranjar novos empregos, e não ter períodos de desemprego significativos.
18. Após os 19/20 anos, iniciou consumos de cocaína, também em contexto de grupo, os quais, segundo o arguido, lhe proporcionaram uma maior desinibição de atitudes e nos relacionamentos com os pares, mas que se refletiram em alterações significativas na sua conduta, especialmente no seu quotidiano de convívio noturno, embora se mantivesse laboralmente activo.
19. Manteve consumos de cocaína e álcool associados até aos 25 anos, quando optou por pedir ajuda á família no sentido de se integrar num projeto de tratamento à sua dependência aditiva.
20. Com o apoio dos pais, ingressou na Comunidade Terapêutica “Lugar da Manhã”, onde se manteve durante cerca de 3 anos e até completar o programa com sucesso.
21. Ainda durante a sua permanência na Casa de saída da comunidade, começou a trabalhar na venda de produtos de hotelaria e alugou um apartamento, que partilhou com outra pessoa da comunidade, tendo igualmente prosseguido os estudos e completado o 12º ano através do Programa Novas Oportunidades.
22. Após deixar a comunidade, manteve-se, por cerca de 5 anos, abstinente de consumos, sustentando-se com trabalhos diversificados e colaborando com a comunidade no acompanhamento a outras pessoas com problemáticas aditivas.
23. Teve algumas relações afectivas pouco duradouras e sem vivência em comum, a par de contactos regulares com a família de origem.
24. Após uma relação mal sucedida, na sequência da qual voltou a sair à noite e a reencontrar antigas amizades, teve uma recaída nos consumos, a qual se prolongou por vários anos.
25. Durante esse período, o arguido viveu em quartos arrendados, custeando as suas despesas com dificuldades, apesar de se manter profissionalmente activo e com grande mobilidade profissional.
26. Os pais e, pontualmente, outros familiares, colaboravam no pagamento das suas despesas.
27. Em 2017, por opção pessoal, voltou a requerer apoio para se integrar noutro projecto direcionado para o tratamento das dependências, sendo admitido na comunidade “Ares do Pinhal”.
28. Permaneceu cerca de dois anos nessa Comunidade, mas não completou a fase da “Casa da Saída”, por ter iniciado um relacionamento acfectivo com uma antiga amizade, iniciando vida em comum com a mesma, e os filhos desta, em 2019.
29. No período que antecedeu a sua atual prisão, RR vivia com a referida companheira em união de facto, e com os filhos desta, e conseguiu trabalho numa empresa de Catering.
30. A relação entre o casal revelou-se instável, marcada por conflituosidade entre o casal e algumas separações, durante as quais RR, permanecia temporariamente em casa de familiares próximos, que o continuavam a apoiar, quer a nível afectivo quer económico.
31. A relação de RR com a companheira foi sempre considerada problemática e pouco construtiva para o arguido, por parte dos familiares, que lhe atribuem a responsabilidade pelos hábitos de consumo de álcool a que o mesmo voltou a ter durante o convívio com esta, assim como a recaída no consumo de cocaína, que sobreveio á perca de trabalho em 2020, na fase da pandemia.
32. Nesse período de desocupação, passou uma fase depressiva, a qual não conseguiu ultrapassar totalmente, apesar de ter conseguido, entretanto trabalho como assistente operacional no Hospital S. Francisco Xavier, onde a companheira também exercia funções.
33. O vencimento do arguido passou a ser penhorado devido a dividas antigas com as finanças e segurança social, não sendo assim os rendimentos auferidos suficientes para colmatar as despesas e os seus hábitos aditivos.
34. Terá sido neste contexto de vida que ocorreram os acontecimentos que motivaram a sua atual prisão preventiva.
35. Transferido há cerca de 4 meses para o EPPJ, tem mantido neste estabelecimento prisional uma conduta ajustada aos normativos institucionais. já se encontra a trabalhar, como faxina na cozinha.
36. Tem contado com apoio da família, e particularmente do pai, e recebe igualmente visitas da companheira.
37. Pretende, quando em liberdade, retomar a relação com esta ou, em alternativa, voltar a viver junto dos pais até se organizar e procurar trabalho.
38. Os pais estão disponíveis para lhe dar suporte, independentemente da decisão que decorrer do julgamento.
39. Para RR, esta é a sua primeira reclusão a qual está a ter algum impacto no seu círculo próximo, dada a ausência de antecedentes a este nível.
40. Não obstante, a sua inserção em meio prisional, permitiu-lhe voltar a deixar os consumos de estupefacientes, o que terá feito por opção pessoal, sem recurso a terapêutica ou acompanhamento psicológico.
41. Relativamente ao crime de que é acusado, o arguido tem uma posição assumida e critica relativamente á sua conduta, noção do dolo e das consequências sociais dos seus actos, e reconhece a necessidade de mudança a nível da sua conduta pessoal.
42. O acompanhamento terapêutico de que usufruiu durante os programas dirigidos á sua problemática aditiva, permitiram-lhe adquirir alguma capacidade de reflexão critica e de identificação das suas fragilidades pessoais, mas não parecem, contudo, ter surtido o mesmo efeito no que concerne à aquisição de competências para lidar com situações de frustração ou emocionalmente perturbadoras, verificando-se que nessas ocasiões, tende a recorrer a consumos de aditivos.
43. O arguido ainda carece de apoio e acompanhamento psicológico/terapêutico, para vir a ultrapassar essas dificuldades.
44. A arguida DL não tem antecedentes criminais.
45. DL nasceu em Lisboa e viveu, em Fontanelas (Sintra), com a mãe, em casa da avó materna e, dos 9 anos aos 15 anos, viveu apenas com a mãe, em Massamá, sendo a primeira de uma fratria de três irmãos germanos.
46. Não guarda memórias de uma vivência em família, com a presença do progenitor e dos irmãos, em virtude da separação dos pais, tendo o progenitor ficado com a guarda dos irmãos.
47. Recorda uma relação próxima com o pai até aos 9 anos de idade, altura que este foi para o Brasil.
48. Teve uma adolescência pautada por alguns conflitos, que desculpabiliza com o desequilíbrio emocional e psicológico da progenitora, que, entretanto, assiste à morte da filha mais velha, vítima de doença, vivência o comportamento toxicodependente do filho que acaba por cometer o suicídio.
49. Gozavam de uma situação económica estável, fruto do trabalho incansável da progenitora, como cabeleireira, e da avó como costureira, permitindo a subsistência do agregado, acrescido da sobrinha, após a morte da irmã.
50. Completou o 8.º ano, em ensino regular, com registo de bom comportamento e aproveitamento e, mais tarde, em regime pós-laboral, completou o 9.º ano de escolaridade.
51. Desde cedo, colaborou com a mãe no cabeleireiro e, aos quinze anos, quando sai de casa, inicia a atividade profissional numa fábrica de produtos alimentares, situada na zona do Carregado.
52. Desde 2009 até 2016, exerceu atividade como cabeleireira, tendo estado emigrada na Irlanda, o que possibilitou amealhar algum dinheiro e investir em negócio próprio, em Portugal.
53. Aos 18 anos, constitui família que dissolve após as dificuldades de relacionamento na sequência do nascimento do filho em comum.
54. Mais tarde, inicia nova relação amorosa, com JL, de quem refere ter gostado muito, de ter sido uma referência para o filho mais velho, e com quem teve um filho.
55. A relação termina com a morte do companheiro que, na sequência da situação de desemprego, desenvolveu um estado depressivo, acabando por cometer o suicídio, quando o filho de ambos tinha nove meses.
56. Em 2019, iniciou uma nova relação amorosa, com um amigo que ajudou no processo de reabilitação da situação de toxicodependência, tendo chegado a viver com este até ao momento que originou o presente processo.
57. À data dos factos que lhe são imputados, a arguida residia, na morada indicada nos autos, com os filhos, L. e T., atualmente, com 23 e 16 anos de idade, inseridos em contexto laboral e escolar, respetivamente.
58. Trabalha no Hospital de (…), com contrato efetivo de trabalho, desde abril de 2020, desempenhando funções de Auxiliar de Bloco, e encontra-se atualmente e desde 24.11.2021, de baixa médica.
59. Refere uma situação económica sem registo de dificuldades, suportada pelo apoio social resultante da baixa médica e pelos os rendimentos provenientes de uma renda predial e da pensão de alimentos atribuída ao filho menor.
60. Desde 2014 com o diagnóstico de depressão, é seguida em Psiquiatria e, desde há um ano foi diagnosticada, também, com Doença Bipolar.
61. Atualmente, está medicada e faz terapia semanal no CINTRA.
62. Não tem registo de consumo, quer de bebidas alcoólicas, quer de estupefacientes, sendo-lhe conhecida uma posição critica quanto a tais consumos.
63. DL não se revê na conduta que lhe é imputada nos autos, revelando especial preocupação e apreensão com o desfecho dos mesmos, e aparenta consciência crítica sobre o desvalor da conduta criminal em causa.
Factos não provados:
a. A arguida DL transportava o produto estupefaciente acima referido e que foi apreendido.
b. Produto esse que a arguida DL aceitou transportar por, para tanto, lhe ter sido prometida a quantia monetária de €5.000,00 (cinco mil euros).
c. A arguida DL fez uso do telemóvel e do cartão telefónico referidos no ponto 9 dos factos provados, para os fins aí referidos.
d. A arguida DL agiu em comunhão de esforços e intentos com o arguido RR.
2. O tribunal “a quo” fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
O Tribunal fundou a sua convicção, quanto à matéria de facto dada como provada, com base no conjunto da prova produzida, analisada criticamente, à luz das regras do bom senso e da experiência comum.
Desde logo, foram consideradas as declarações do arguido RR, o qual admitiu ter-se deslocado ao Brasil com a arguida DL– com quem, à data, vivia em união de facto - para desse país trazer para Portugal uma mala contendo cocaína, na sequência de proposta que lhe foi feita por um conhecido seu da Amadora.
Mais referiu o arguido tendo ficado acordado entre si e o referido individuo, de nome IM, que este último trataria da reserva e pagamento da viagem e estadia, para si e para a arguida DL (o que efectivamente sucedeu), e que no final lhe pagaria a quantia de €5.000,00 pela realização do transporte.
Segundo referiu o arguido, aceitou realizar o transporte de estupefaciente em causa, por se encontrar a passar uma situação financeira deficitária, em virtude de ter recentemente recaído nos consumos de álcool e estupefacientes e de ter o seu vencimento penhorado, para pagamento coercivo de dívidas (que ascendiam aproximadamente ao valor que iria receber) às Finanças e à Segurança Social.
Concretamente, no que respeita à quantidade de produto estupefaciente apreendido, veio o arguido pôr a mesma em causa, referindo ter-lhe sido transmitido que iria transportar (apenas) 1,5 kg de cocaína, mais observando que, nas fotografias constantes de fls. 12, a mala azul que aí aparece fechada (foto 2) não apresenta os relevos visíveis na mala que transportou (cuja fotografia se encontra a fls. 11), e que a fotografia daquela mala já aberta (fls. 12, foto 3) mostra, dentro da mesma, roupa que, na verdade, era transportada numa outra mala que trouxe e onde se encontravam os seus pertences e os da arguida DL.
Ora, quanto às características da referida mala azul, facilmente se constata, ao analisar a foto 2 de fls. 12, que a mala aí retratada têm relevo, ainda que nessa imagem pouco visível, por se encontrar na superfície maior dessa mala (aquela que é mais visível na fotografia de fls. 11) e não na zona da pega, a que nessa foto 2 se dá maior destaque.
Quanto ao facto de ser visível, na foto 3 de fls. 12 (a qual ostenta a mala aberta) roupa que o arguido referiu ser transportada numa outra mala:
A referida foto 3 mostra, dentro da mala aberta e acomodada num dos seus lados, uma outra mala de menores dimensões que, com a primeira fechada, não permitiria, pelas suas dimensões, que aí coubessem as roupas que se encontram amontoadas no outro lado, o que apenas permite concluir que, antes da realização da fotografia em causa, por algum motivo foi colocado dentro da mala azul a que nos vimos referindo, conteúdo da outra mala transportada pelos arguidos, o que de modo algum põe em causa a circunstância de ter sido encontrada dentro daquela a tal outra de menores dimensões onde foi localizado o produto estupefaciente.
Aliás, o próprio arguido, nas declarações que prestou, afirmou ter-se deslocado, na cidade de São Paulo, a um local que lhe foi para tanto indicado, onde lhe foi entregue a mala azul que, conforme previamente combinado, teria no seu interior o produto estupefaciente que aceitou transportar.
Foi assim igualmente considerado o teor do auto de apreensão de fls. 10 e, em seu complemento – e esclarecendo quaisquer dúvidas que, ante o acima exposto, pudessem ainda resultar, face ao declarado pelo arguido:
- o depoimento, tido por seguro e credível, da testemunha PR, inspector da PJ, o qual deu conta de ter visto o conteúdo das malas apreendidas aos arguidos já nas instalações dessa polícia e de aí ter retirado do interior das almofadas que estavam na mala (a que se encontrava no interior da azul) os blocos de estupefaciente (fotografados por si cfr. fls. 14 e 15), a cuja pesagem procedeu, conforme fez constar do auto de fls. 9;
- o depoimento do Sr. Inspector chefe da PJ AS que, revelando recordar-se bem dos factos, referiu ter assistido – ainda que através de um vidro – à abertura das malas dos arguidos, efectuada, ainda no aeroporto, pelos senhores funcionários da Alfândega, mais tendo explicado que, após detecção de produto suspeito de ser estupefaciente, a PJ interveio, conforme procedimento adoptado para este tipo de situação, sendo as malas em causa com o respectivo conteúdo transportadas para as instalações dessa entidade policial, em termos aptos a assegurar que não exista qualquer possibilidade de troca com substancias eventualmente apreendidas a outras pessoas;
- os depoimentos dos Srs. Inspectores da PJ AM e AL, tendo o primeiro referido que seguiu os arguidos, juntamente com a testemunha PR, até à Alfândega, onde as malas vieram a ser revistadas, e ambos mencionado ter intervindo, com base na colaboração do arguido com informações que prestou, em diligências tendentes à localização da pessoa que iria receber o produto estupefaciente, as quais, contudo, se mostraram infrutíferas;
- os documentos apreendidos e juntos a fls. 16, concretamente, o boarding pass emitido em nome do arguido RR e os canhotos de bagagem àquele colados: não só o de n.º 0047 TP 373824 (referido no auto de apreensão e que se admite respeitar à mala trazida pela arguida DL), mas também o de n.º 0047 TP 373786, correspondente à etiqueta de bagagem que se encontrava presa à mala azul dentro da qual (e dentro de outra mais pequena que aquela continha) foram encontradas as almofadas contendo o produto estupefaciente (cfr. fls. 16 e fotografia da referida mala azul de fls. 12).
Conjugando tais elementos, conclui este Tribunal pela inexistência de qualquer elemento que permita pôr em causa que o produto estupefaciente apreendido, pesado e analisado nos autos corresponda ao transportado pelo arguido RR, sendo que a afirmação deste, no sentido de lhe ter sido dito que iria transportar quantidade inferior à apurada, nada permite demonstrar em sentido diverso do apurado.
Isto, e para além do já mencionado e resultante de outros meios de prova, porque o próprio arguido declarou ter ido – de acordo com as instruções recebidas – recolher uma mala onde estaria já acondicionado o estupefaciente que deveria transportar, ao local que para tanto lhe foi indicado e onde recebeu tal mala, totalmente fechada, que transportou, conforme acordado, sem alguma vez a ter aberto.
Ou seja, o arguido, de acordo com o que resulta das suas próprias declarações, aceitou transportar cocaína em viagem aérea para Portugal, e em termos que não lhe permitiam controlar a quantidade desse produto a transportar ou o modo de acondicionamento do mesmo, antes tendo recolhido uma mala na qual já havia sido escondida essa substancia, aceitando transportá-la independentemente da quantidade da mesma que aí tivesse sido colocada e que não verificou.
Seria, contudo, e mesmo na sua perspectiva, quantidade suficiente para compensar a quantia de €5.000,00 que lhe foi prometida, além dos custos da sua própria viagem e estadia (de 12 ou 13 dias, como referiu) e das da sua companheira, naquele país.
Quanto à intervenção da arguida DL.
Nas declarações que prestou em audiência de julgamento, a arguida referiu ter viajado para o Brasil com o arguido RR, a convite deste que pretendia “fazer as pazes”, após período de separação do casal na sequência de um episódio em que terá sido vítima de violência por parte do arguido.
Negou qualquer conhecimento do transporte de estupefaciente que o arguido iria realizar, quer antes do início da viagem, quer na pendência da mesma, e declarou que, no último dia no Brasil, foi com o arguido ao Brás (zona comercial em São Paulo), tendo aquele referido que ia buscar uma mala contendo chinelos “havaianas” para trazer para Portugal.
Ora, notando-se desde logo, e na última parte referida, uma contradição entre o declarado pela arguida DL e o que afirmou o arguido RR (segundo o qual, ele próprio só veio a saber que a mala onde estava acondicionado o estupefaciente também continha esses chinelos, quando aquela foi aberta pelas autoridades, em Lisboa), mostra-se contrario ao que resulta das regras da lógica e da experiência comum que a arguida desconhecesse – como afirmado pela própria e também pelo arguido - o transporte a realizar por RR.
Com efeito, mantendo ambos – como o afirmaram – uma relação amorosa, a situação de crise financeira em que RR, como referiu, se encontrava, de gravidade suficiente para o levar à prática dos actos que admitiu, não é de admitir que a arguida desconhecesse carecer aquele de meios económicos que permitissem custear a viagem de ambos ao Brasil e estadia nesse país por um período de 12 dias.
Do mesmo modo, não se mostra minimamente credível que o arguido, como referiu, dissesse à arguida DL que ia buscar uma mala para levar para Portugal, indo para tanto a uma loja onde aquela não entrou (antes permanecendo sozinha nas proximidades, nas ruas de uma consabidamente perigosa) sem que para tanto fornecesse à arguida qualquer justificação razoável, ou que esta lha pedisse.
Por outro lado, resulta das declarações do arguido ter sido o próprio (apenas, e não também a arguida) quem acordou, com um conhecido seu, o transporte de cocaína do Brasil para Portugal, mediante retribuição, sendo essa pessoa, de nome IM, quem diligenciou pelas reservas de viagem e alojamento, não só para o arguido, mas também para a arguida, e suportou o inerente custo.
De resulta que, quanto ao acordado transporte, tudo foi combinado pelo arguido, que aceitou realizá-lo, nada se tendo demonstrado que permitisse ter a arguida DL qualquer domínio de tais factos, ou intervenção directa na sua prática, razão pela qual se julgaram não provados os factos acima identificados como tal.
Por outro lado, a circunstância de, como acima referido, a pessoa que encarregou o arguido RR do transporte em questão, ter custeado, para o efeito, igualmente a viagem de avião e a estadia, por cerca de 12 dias, da arguida, é claramente reveladora do interesse, para a concretização bem sucedida do mesmo, na presença de DL, o que é explicável pelo facto de a viagem de um casal ser menos apta a levantar suspeitas sobre a prática de ilícitos da natureza dos que aqui se apreciam, diminuindo assim a probabilidade de o arguido ser sujeito a fiscalização.
Assim, e considerando o que se vem referindo, entendemos resultar demonstrado que a arguida DL, ainda que sem intervenção directa nos factos ou domínio dos mesmos, sabia do transporte realizado pelo arguido e auxiliou, com a sua presença (ao viajar com o mesmo como se de uma viagem de férias em casal se tratasse) na concretização do mesmo.
Para demonstração da natureza da substância apreendida, respectiva quantidade, grau de pureza e número de doses médias individuais diárias a que corresponde foi tido em conta o teor do relatório de exame pericial constante de fls. 214.
Foram ainda considerados, para além dos elementos de prova já acima mencionados, o auto de notícia (fls. 2 e ss) e as cópias dos passaportes dos arguidos (fls. 20-21 e 24-25).
A matéria de facto descrita no ponto 9 foi julgada provada com base nas declarações do arguido RR – que referiu tratar-se de um telemóvel seu, e ter feito uso do mesmo para os contactos em questão – nada se tendo apurado que permitisse ter a arguida DL realizado ou de alguma forma participado em tais contactos, assim se julgando não provado o acima descrito em c..
Os aspectos relativos aos elementos subjectivos, designadamente referentes ao conhecimento, por parte dos arguidos, do carácter proibido e punível das suas condutas, e aos propósitos por si visados, resultam logicamente demonstrados em decorrência da demais matéria provada, e por referência às regras da experiência comum, nada se tendo apurado que fizesse duvidar terem os arguidos – cada um, na medida da sua própria actuação julgada provada - agido de forma livre, deliberada e consciente, forma essa aliás patente no modo como actuaram, em face das circunstâncias apuradas.
A prova da ausência de antecedentes criminais dos arguidos resultou da análise dos respectivos CRC, juntos aos autos, enquanto a matéria relativa às condições pessoais, económicas, sociais e familiares dos arguidos resultou provada com base no teor dos relatórios sociais elaborados e também das suas próprias declarações, tendo ainda sido considerados, quanto ao arguido RR, os depoimentos das testemunhas JR e IR, seus pais, e quanto à arguida DL, os de PM, PC e TP, todos pessoas próximas da mesma.
Foram ainda considerados os documentos juntos pela arguida DL– designadamente os certificados de incapacidade temporária para o trabalho e informações clínicas – para demonstração da sua situação de baixa e do quadro de doença mental que apresenta, e o contrato de trabalho junto pelo arguido RR, para demonstração da sua situação laboral, e em reforço do já resultante, quanto a tais aspectos, dos relatórios sociais elaborados.
3. A recorrente apresenta, a este respeito, as seguintes conclusões:
1.ª A Recorrente foi condenada na pena de prisão efetiva pelo Art.º 27.º CP na qualidade de ‘cúmplice’ num crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo Art.º 21.º DL 15/93 de 22 de Janeiro, o que não se concede; Isto porque,
2.ª Prima facie, observamos por parte do Tribunal “a quo” uma associação ‘pluralista’ entre a Recorrente e o Arguido, nomeadamente, referindo-se a “estes” como, aparentemente, terem participados em conjunto no ilícito criminal, situação essa que não se pode verificar – por exclusão de partes - a partir do momento em que a Recorrente é absolvida da qualidade de coautora, conforme se arguiu em sede de alegações e se repristina in totum pela presente; Ora,
 3.ª Cotejada a prova produzida em sede de audiência de Julgamento não se verifica qualquer facto, ato, nexo de causalidade para que o elemento subjetivo do dolo se preencha, conforme se arguiu em sede de alegações e se repristina in totum pela presente; Id est,
4. ª Não existe nem no teor do Acórdão e, nem maxime nos fatos provados qualquer facto que releve ou traduza uma conduta materialmente considerada por parte da Recorrente, que, por intermédio de uma racionalidade metodonomológica ou/e hermenêuticamente assente numa dialética axiológico normativamente causal, permitisse ao Julgador sem dúvida e a salvo de erro concluir a existência de nexo de causalidade quer no apoio material, formal ou psicológico verificado em qualquer facto revelador do mesmo, conforme se arguiu supra em sede de alegações e se repristina in totum pela presente; Pelo que,
5.ª Se impugna o Facto Provado em 7 na parte que diz respeito à Recorrente, devendo com efeito constar: “O Arguido conhecia perfeitamente a natureza e caraterísticas estupefacientes do produto que este transportava e que lhe foi apreendido.”; E, bem assim,
6.ª Sempre se diria no final da linha, mutatis mutandis, também, que, no presente caso sub Judicio se verifica o in dúbio pro reu, conforme se arguiu supra em sede de alegações e se repristina in totum pela presente;
4. Apreciando.
A primeira questão que se suscita neste recurso é a da manifesta escassez argumentativa constante nas conclusões, no que se refere ao cumprimento dos requisitos consignados no art.º 412 nºs 3 e 4 do C.P.Penal. Todavia, na motivação, tais requisitos mostram-se minimamente cumpridos e, atendendo ao facto de estarmos perante um processo de natureza urgente, entendeu-se não haver necessidade de prolatar despacho de aperfeiçoamento em relação às ditas conclusões, até porque a questão é de fácil resolução e manifesta a sem razão da recorrente.
5. Cumpre então enunciar quais são os pressupostos de reapreciação, em sede de recurso; ou seja, quais são os poderes de reapreciação de matéria de facto, pela Relação, quais os seus limites e os seus condicionalismos.
Na verdade, este poder reapreciativo da 2ª instância não é equivalente ao poder original atribuído ao juiz do julgamento, não podendo ser arbitrariamente alterado apenas porque um dos intervenientes processuais expressa o seu desacordo face à convicção formada pelo julgador.
De facto, compete ao Tribunal (e não aos intervenientes processuais), julgar a matéria de facto, segundo os ditames previstos no artº127 do C.P.Penal, nomeadamente, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (desde que se não esteja perante prova vinculada), sendo estes os parâmetros determinantes do acto de julgar. Na realidade, embora este acto tenha sempre, forçosamente, um lado subjectivo (o julgador não é uma máquina), a verdade é que estas regras, complementadas ainda pelo disposto no art.º 374 nº 2 do C.P.Penal determinam que este acto de julgar não se possa fundar em arbitrariedade ou discricionariedade, pois balizam os fundamentos da decisão.
Assim sendo, a lei não considera relevante a pessoal convicção de cada um dos intervenientes processuais, no sentido de a mesma se sobrepor à convicção do Tribunal – até porque se assim não fosse, não haveria, como é óbvio, qualquer decisão final.
O que a lei permite é que, quem entenda que ocorreu um erro de apreciação da prova, o invoque, fundamentadamente, em sede de recurso, para que tal questão possa ser reapreciada por uma nova instância jurisdicional.
6. Para além de a lei determinar a forma como tal reapreciação deve ser pedida (e que, como já vimos, se mostra correctamente seguida no presente recurso), há ainda que estabelecer quais são os limites de tal reapreciação – ou seja, que poderes de cognição tem o tribunal de apelo.
Mesmo nos casos em que exista documentação dos actos da audiência, o recurso para a Relação não constitui um novo julgamento, no sentido que haja lugar a reapreciação integral da prova. O que esta instância pode e deve fazer em tal matéria, em sede de recurso (pois este serve, essencialmente, como remédio jurídico), é verificar, ponto por ponto, se os erros concretos de julgamento, indicados pelo recorrente, de facto existem e, na afirmativa, proceder à sua correcção.
A razão de ser desta forma de funcionamento do instituto do recurso, nomeadamente em sede de reapreciação de matéria de facto, prende-se com o princípio da oralidade, no sentido de o mesmo implicar uma imediação, um contacto directo entre o julgador e os elementos de prova (sejam eles pessoas, coisas, lugares, sons, cheiros), pois só através deste interagir pessoal, presencial, directo e imediato, é possível ao julgador formar a sua livre convicção.
 Este tipo de contacto só existe, de facto, na primeira instância, pois a imediação permite ao julgador ter uma percepção dos elementos de prova que é muito mais próxima da realidade do que qualquer posterior análise, a realizar pelo tribunal de recurso, mesmo que se socorra da documentação dos actos da audiência. E em matéria de credibilidade de depoimento, esta imediação revela-se, muitas vezes, de importância fulcral, já que o desenrolar do depoimento, a posição corporal, os gestos, as hesitações, o tom de voz, o olhar, o embaraço ou desembaraço, enfim, todas as componentes pessoais ligadas ao acto de depor, que são muitas vezes insusceptíveis de serem registadas, mas que ficam na memória de quem realizou o julgamento, servem como elemento inestimável de formação da convicção do julgador, mas são praticamente insusceptíveis de serem reapreciadas em sede de recurso.  
7. Face ao que se deixa exposto, haverá que concluir que, em tal matéria, cabe apenas ao tribunal de recurso verificar, controlar, se o tribunal “a quo”, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, sendo certo que tal apreciação deverá ser feita com base na motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação da sua escolha – ou seja, no cumprimento do disposto no art.º 374 nº 2 do C.P.Penal.
8. Mas dentro destes parâmetros de reexame, haverá ainda que atender a um outro limite – a lei refere que, ainda assim, tal reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas acima mencionadas, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.
Neste último caso, havendo duas (ou mais) possíveis soluções de facto, face à prova produzida (o que sucede, com algum grau de frequência, nomeadamente nos casos em que os elementos de prova recolhidos são totalmente opostos ou muito contraditórios entre si), se a decisão de primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções face às regras de experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, pois tal decisão foi proferida de acordo com as imposições previstas na lei (art.ºs 127 e 374 nº2 do C.P.Penal), inexistindo assim violação destes preceitos legais.
9. Prosseguindo.
Os fundamentos de discórdia aduzidos pela recorrente resumem-se, essencialmente, a dois pontos:
a. Por um lado, considera que existe uma contradição entre o uso do verbo no plural (os arguidos traziam) e a circunstância de não ter sido dado como assente que a arguida procedia a um transporte de estupefacientes;
b. E, por outro, considera que a prova produzida apenas permite dar como assente que o arguido sabia o que transportava (natureza e características estupefacientes do produto) e o quis fazer, mas já não que a arguida sabia ser tal produto transportado por aquele e o tivesse ajudado a concretizar os seus intentos. Para tanto, procede à transcrição dos depoimentos prestados em audiência por ambos os arguidos, assim como pelas restantes testemunhas ouvidas e conclui pela inexistência de qualquer elemento probatório que permita dar-se como assente a actuação imputada à arguida em tal ponto 7.
10. Que dizer de tudo isto?
Reforce-se que, para que se possa entender que ocorreu um erro de apreciação, se mostra necessário que se demonstre que o julgador, ao proceder à análise da prova produzida, julgou de forma arbitrária, discricionária e/ou decidiu, numa situação de dúvida insuperável quanto à verificação de um facto desfavorável ao arguido, em seu desabono.
Ora, no caso concreto, a recorrente, em bom rigor, nada discute ou contra-argumenta, em relação à motivação que o tribunal “a quo” verteu a seu concreto respeito. E, na verdade, a transcrição que faz de declarações e depoimentos (chama-se a atenção da recorrente que a lei, impõe, presentemente, a indicação apenas dos segmentos gravados que comprovam o erro a que alude – vide art.º 412 do C.P.Penal) serve apenas para demonstrar que o resumo dos mesmos, constante na motivação realizada pelo tribunal “a quo”, se mostra correcta e corresponde à prova que foi produzida.
Daí que, tal integral transcrição, não tenha qualquer efeito útil, em si mesma, pela singela razão de que o que daí resulta é a própria admissão da recorrente de que o tribunal “a quo” fez a apreciação da globalidade da prova produzida e resumiu-a adequadamente. O que sucede é que a recorrente não concorda com a convicção que o julgador alcançou, porque a mesma não é coincidente com a sua.
11. Sucede, todavia, que a apreciação probatória compete ao julgador e não aos intervenientes processuais e a mera circunstância de a recorrente entender que a convicção do tribunal não está de acordo com a sua, é absolutamente irrelevante para que se possa considerar a existência das violações dos princípios e das normas que avança.
Dizer que não se está de acordo com a convicção alcançada é um direito que lhe assiste, mas se pretende impugná-la juridicamente, tem de demonstrar que ocorreu efectiva violação do disposto no art.º 127 do C.P.Penal, não bastando afirmar, tão-somente, que o declarado pelos arguidos, no sentido do total afastamento da actuação da arguida no incidente, e não apenas da questão relativa à decisão de transporte e de recebimento de um montante em troca de serviços de “correio”, se mostra errada, porque sem qualquer suporte.
12. Como se verifica pela fundamentação realizada pelo tribunal “a quo” o julgador entendeu que a versão dos factos apresentada pelos arguidos, nesse segmento, lhe não merecia crédito e explicou porquê. Efectivamente, o que se retira da mesma é que a convicção do julgador, no que se refere à actividade prosseguida pela recorrente, resultou da conjugação de uma série de factos que se mostram consolidadamente dados como assentes, de ilações que dos mesmos se retiram e de regras de experiência comum, que os confirmam.
E, ao inverso do que a recorrente parece entender, a circunstância de o tribunal “a quo”, para chegar à certeza jurídica quanto à ocorrência de um determinado facto, se servir de prova indirecta, não é algo de proibido por lei (basta ler-se o disposto no art.º 126 do C.P. Penal). Efectivamente, este tipo de prova resume-se ao raciocínio lógico imposto ao julgador, na conjugação dos diversos elementos probatórios de, a partir de determinados factos assentes, retirar a ilação da verificação de outros, com base nas regras da experiência e nas presunções judiciais. É, aliás, uma mera decorrência do princípio da livre apreciação da prova (consignado no art.º 127 do C.P. Penal) e uma ferramenta fundamental na busca da verdade material.
Na verdade, em muitas situações a prova dos factos tem de resultar de outros factos que não se comprovam em si próprios, mas de ilações, retiradas face ao facto e às circunstâncias concretas do seu cometimento – cfr., a este respeito, M. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Vol. I, Lisboa/S. Paulo, Ed. Verbo, 1992, págs. 297 e 298. Tais normas da experiência são, por conseguinte, definições ou juízos hipotéticos, de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum e, por isso, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade (Cavaleiro Ferreira, Curso Proc. Penal, II, 30).

13. No caso e na dita motivação realizada pelo tribunal “a quo”, aí se expõe o seguinte:
Em primeiro lugar, é um facto indisputável que a arguida viajou, em conjunto com o arguido, para o Brasil, aí tendo estado durante cerca de 12 dias e, posteriormente, regressou com o mesmo a Lisboa (decorre da sua passagem pelo aeroporto, de ter aí sido detida, do registo de viagens, dos bilhetes e a própria arguida não disputa que assim sucedeu).
É igualmente um facto indisputável que a arguida não pagou do seu bolso tal viagem, nem tal estadia (vide supra).
A arguida vivia, à data, em coabitação com o arguido, pelo que bem conhecia as circunstâncias da sua vida financeira, quanto auferia e as dívidas que tinha.
Não obstante, não questionou – segundo a própria – de onde surgiram os fundos para uma estadia de lazer num país tropical, durante um período assinalável de tempo.
Ora, o dinheiro não surge do nada, assim como a escolha do destino também não foi meramente circunstancial. Tudo isto decorre de planeamento prévio. Desta mera conjugação de factores surge a inferência de que a arguida, não sofrendo de nenhum problema do foro do raciocínio lógico, teria seguramente de ter averiguado as razões de tal viagem, de tal destino e de tal “mecenato” financiador da mesma.
Mais – decorre das próprias declarações da arguida que esta, na véspera do regresso a Portugal, acompanhou o arguido a um local, onde este foi buscar uma mala, fechada, bem como que tal mala iria e efectivamente foi despachada, no voo de regresso a Portugal, juntamente com a bagagem que ambos levaram à ida.
Diz a arguida que o arguido lhe referiu que a mala traria havaianas, o que se mostra contraditado pelas declarações do próprio arguido. Mas, independentemente de tal contradição (que já em si demonstra a falta de corroboração do pela arguida declarado), a verdade é que não oferece a arguida qualquer explicação para poder acreditar minimamente que tal era o conteúdo da dita bagagem. De facto, porque razão quereria o arguido trazer uma mala de havaianas para Portugal, se não se dedicava ao negócio de venda? E porque razão a arguida não resolveu abrir a mala e verificar o seu conteúdo, já que esta esteve quase 24 horas no domínio de ambos os arguidos e seguiria com a bagagem que iam despachar?
Desta conjugação de básicos raciocínios lógicos, resultaram as inferências (firmemente consolidadas nos factos dados como assentes), que permitiram ao tribunal “a quo” concluir acertadamente que a circunstância de, como acima referido, a pessoa que encarregou o arguido RR do transporte em questão, ter custeado, para o efeito, igualmente a viagem de avião e a estadia, por cerca de 12 dias, da arguida, é claramente reveladora do interesse, para a concretização bem sucedida do mesmo, na presença de DL, o que é explicável pelo facto de a viagem de um casal ser menos apta a levantar suspeitas sobre a prática de ilícitos da natureza dos que aqui se apreciam, diminuindo assim a probabilidade de o arguido ser sujeito a fiscalização.
Assim, e considerando o que se vem referindo, entendemos resultar demonstrado que a arguida DL, ainda que sem intervenção directa nos factos ou domínio dos mesmos, sabia do transporte realizado pelo arguido e auxiliou, com a sua presença (ao viajar com o mesmo como se de uma viagem de férias em casal se tratasse) na concretização do mesmo.
14. Ora, no que concerne a estes raciocínios e inferências, a recorrente nada contra-argumenta ou aduz. E é precisamente neste ponto – na invocação das regras do normal correr das coisas, que o tribunal explicitou e em relação às quais a recorrente não apresenta o mais leve argumento de rebate – que se funda a convicção alcançada e a descredibilização do relato apresentado pela defesa, no que se refere à colaboração prestada pela arguida, na tentativa de maximizar o sucesso do transporte.
Ora, o raciocínio e as razões invocadas mostram-se de acordo com os parâmetros legais, não se suscitando incongruências ou dúvidas que determinem a sua invalidade, sendo certo que a própria recorrente foi incapaz de as refutar. Não há aqui arbitrariedade ou discricionariedade que cumpra suprir.
15. No que concerne à questão do uso do verbo trazer no plural – os arguidos traziam – o mesmo mostra-se correcto pois, de facto, a mala onde vinha o produto estupefaciente foi despachada em conjunto com a bagagem dos arguidos. Afirmar essa mera factualidade não entra em qualquer contradição com a afirmação de que foi o arguido quem decidiu realizar esse transporte, afigura-se-nos mais ou menos óbvio.
16. Finalmente, alega ainda a arguida a violação do princípio in dubio pro reo.
Este princípio actua em situações em que, face à prova produzida, o julgador chega a uma situação de dúvida insuperável quanto à ocorrência de um determinado facto. E, para tal, não basta que a prova seja divergente. É necessário que a mesma, apreciada no seu conjunto e à luz das regras de experiência comum, não permita dar credibilidade a um relato sobre outro.
 Assim, haverá lugar à aplicação de tal princípio quando o julgador se encontrar perante uma dúvida insanável, razoável e objectivável.
Insanável, porque pese embora se tenham esgotado todas as diligências possíveis para apurar a verdade material, não foi possível ultrapassar o estado de incerteza.
Razoável, porque séria e racional, uma verdadeira dúvida e não uma qualquer dúvida.
E objectivável, por se mostrar demonstrável perante os demais intervenientes processuais.
A dúvida relevante para efeitos de aplicação de tal princípio, terá, pois, de se reconduzir a uma dúvida que qualquer homem médio, na situação do julgador, também teria, quanto à prática daqueles factos, pelo arguido, factos estes cuja prova se lhe mostra desfavorável.
17. No caso, o tribunal “a quo” entendeu não ter chegado a tal dúvida inultrapassável, no que se refere a uma série de factos cuja prática era imputada à arguida e que, como tal, deu como assentes (outros houve, em relação à mesma, em que fez funcionar tal princípio e inseriu tal factualidade no rol dos factos não provados). Atenta a reapreciação acabada de realizar, constata-se que tal opção se mostra isenta de críticas, por se mostrar devidamente fundamentada.
18. Face ao que se deixa dito, tem de se concluir que a reapreciação probatória realizada não é de molde a permitir a alteração da matéria factual dada como provada. Na verdade, os elementos probatórios recolhidos e acima reapreciados não impõem que outro juízo tivesse forçosamente de ser alcançado e assim, a decisão tomada em 1ª instância, mostra-se inatacável e intocável, não merecendo censura a determinação dos factos assentes e não assentes por si realizada, que se deve manter.
Mantém-se, pois, inalterada, a matéria de facto dada como assente, na sua integralidade.
 D. Erro no enquadramento jurídico, por inexistência de qualquer facto, acto ou nexo de causalidade que permita a condenação da arguida na qualidade de cúmplice.
1. O tribunal “a quo” fundamentou o enquadramento jurídico que realizou, nos seguintes termos:
Vêm os arguidos acusados da prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro.
Nos termos do preceito acima referido, comete o crime em apreço quem, sem para tal estar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer outro título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III.
A Lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que as mesmas revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (como a vida, a integridade física ou a saúde pública), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer um dos actos alternativos se revele, independentemente das consequências que possa determinar (lesão efectiva de um dos concretos bens jurídicos tutelados pela norma), fazendo recuar, pois, a protecção para um momento anterior, isto é, o momento em que o perigo se manifesta – cfr. Ac. STJ de 19 de Novembro de 2008, CJ, T. III, 2008, p. 229 e ss..
O bem jurídico tutelado pelo referido crime é a incolumidade pública, considerada no particular aspecto concernente à saúde pública, que se deve garantir contra os factos fraudulentos.[1]

Trata-se de um crime que põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física, e a liberdade de potenciais consumidores, afectando a vida em sociedade na medida em que dificulta a reintegração social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos.
No entanto, todos eles podem ser englobados num bem mais abrangente: a saúde pública em geral.
O art.º 21º, acima citado, tipifica, como se viu, uma grande variedade de acções e não apenas o tráfico em sentido estrito, e desenha um crime de perigo abstracto, em que se procurou tipificar todas as formas de contacto com produtos estupefacientes, desde o produtor até ao consumidor final, potencialmente lesivas do bem jurídico tutelado – a saúde pública. É assim punido todo o comportamento capaz de contribuir para o consumo, por mais leve que seja, pois a saúde pública, e a própria segurança pública, sofrem de forma idêntica com a transmissão onerosa ou gratuita de estupefacientes.
O crime de tráfico de substâncias estupefacientes é de trato sucessivo, em que a mera detenção de droga é já punida como crime consumado, dada a sua vocação para ser transaccionada.
Não requerendo que se verifique, em concreto, o dano na saúde de alguém, o crime, em razão do seu objecto formal ou jurídico, constitui um crime de perigo, sendo de perigo comum porquanto a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos, e de perigo abstracto, por não se exigir, para sua consumação, o dano e nem mesmo o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos com a incriminação, considerando a potencial perigosidade da acção para os bens jurídicos protegidos – cfr., no mesmo sentido, v.g. Acs. TC, de 06/11/91 e de 07/06/94, respectivamente, in BMJ, n.º 411, pp. 56 e DR, II, n.º 249 (27/10/94), pp. 10892 e Ac. STJ de 02/05/90, in BMJ, n.º 327, pp. 128).
Com efeito, são neste domínio prementes as exigências de prevenção geral, por os crimes de tráfico de estupefacientes constituírem um dos mais graves flagelos sociais do mundo actual, pelos efeitos contagiantes e alastramento devastador de vidas e mentes humanas, para além da onda de criminalidade que arrasta atrás de si (nesse sentido cfr. Ac. STJ de 03/07/96, in CJSTJ, II, t. 2, pp. 211).
Dispõe então o artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que comete o crime de tráfico de estupefacientes “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparados compreendidos na tabela I a III, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos de prisão” e, caso se verifique alguma das agravantes previstas no artigo 24º do mesmo diploma, a pena aplicável será de 5 a 15 anos de prisão.
A cocaína consta da Tabela I-B, anexa ao citado Decreto-Lei.
Importa por outro lado considerar o disposto no artigo 25º, alínea a), do mesmo diploma, onde se refere que “ se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: (...) Prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI”.
Pretende tal preceito prever situações em que se revele um menor desvalor da acção, atenta a gravidade, menos acentuada, da mesma, sendo assim subsumível a este preceito legal a situação que se apresente de molde a indiciar claramente aquela diminuição considerável da ilicitude.
Daí que o actual art.º 25º seja tido como uma “válvula de segurança do sistema”, já que evita que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas, ou que se utilize indevidamente uma atenuante especial.
Para que se possa avaliar de tal eventual menor gravidade, refere então a lei, exemplificativamente, alguns índices de tal ilicitude “consideravelmente diminuída “a ilicitude do facto ou factos, sendo eles:
- os “meios utilizados “: referem-se à organização e logística de que o agente lançou mão, para determinar se se trata de um pequeno ou grande traficante;
- a “modalidade ou circunstância da acção “: importando neste caso avaliar o grau de perigosidade revelado em termos de difusão das substâncias;
- a “qualidade “das plantas, substâncias ou preparações: a organização e colocação nas tabelas segue o critério da sua perigosidade intrínseca e social;
- a “quantidade “: devendo aqui ser considerados, como critério, elementos de natureza sistemática - o nº 3 do art.º 26º e o nº 2 do art.º 40º, sendo que a questão de saber qual o número de doses médias diárias, ou qual a quantidade de droga para além da qual o tráfico não pode ser considerado de menor gravidade, é tarefa a medir em face de cada caso concreto (Lourenço Martins, in “ Droga e Direito “, pág. 153).
Assim, atento o disposto no artigo 25º da Lei 15/93, de 22 de Janeiro, comete o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade se nos casos dos art.ºs 21º e 22º desse mesmo diploma legal, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
“A tipificação do art.º 25º parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua pratica e frequência desta), encontra a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art.º 21º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no art.º 25º”- Ac. do STJ de 20.03.02, CJASTJ, T. I, p. 239 e ss..
Posteriormente, o Ac. do STJ de 13.02.03, CJASTJ, T.I, p. 191 e ss. veio inverter um pouco a linha que se vinha entendendo quanto à classificação dos crimes de tráfico, defendendo que “o tráfico de menor gravidade compreende as actividades de pequeno tráfico, designadamente o denominado “tráfico de rua”, de ilicitude consideravelmente menos grave do que aquela que é pressuposto do crime de tráfico simples do art.º 21º do DL 15/93”.
Assim, a destrinça entre os tipos base (artigo 21º, nº 1) e de menor intensidade (artigo 25º) há-de partir, como se salientou, da consideração e avaliação global da complexidade específica de cada caso.
Revertendo ao caso concreto, verificamos ter resultado provado que, nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, e de acordo com plano previamente acordado, o arguido RR Ramos transportou consigo, vindo do Brasil, o produto estupefaciente indicado (cocaína), o que fez com o intuito de receber a quantia pecuniária acima referida.
Provou-se ainda, ao nível subjectivo, que o arguido conhecia as características e o carácter proibido do produto estupefaciente que detinha/transportou, que estava proibido, além do mais, de, preparar, oferecer, por à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer outro título receber, proporcionar a outrem, transportar, fazer transitar ou ilicitamente deter tais produtos e que, com a descrita actuação, o arguido previu, quis e conseguiu deter e transportar o mesmo, nos termos descritos, bem sabendo que não estava a tanto autorizado, actuando deste modo com dolo directo.
Encontram-se assim preenchidos, quanto ao arguido, os elementos típicos do crime em apreço (previsto no art.º 21º), conforme acima descrito.
Importa, então, apurar, se no caso vertente nos encontramos face a uma situação em que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída, por forma a determinar se a conduta do arguido é susceptível de ser reconduzida à previsão do referido art.º 25º, beneficiando, consequentemente, da sua moldura penal abstracta, que é mais favorável.
Para atingir tal desiderato, e conforme decorre expressamente da letra do normativo ora em apreço, há que considerar globalmente os diversos factores nele tipificados.
Ora, da factualidade acima apurada resulta ter o arguido transportado e recebido, para entrega a terceiros, uma quantidade de cocaína (5.981,000 gramas, suficiente para elaborar 26.854 doses diárias individuais) por si só difícil de compatibilizar com a consideração de uma ilicitude diminuída da conduta daquele, o mesmo se podendo afirmar, considerando os critérios dos meios utilizados e da modalidade ou circunstâncias da acção, do facto de se tratar de um transporte internacional de produto estupefaciente, face à disseminação que o mesmo permite desse produto num novo país e continente, e à relevância da organização que implica.
Por fim, não pode deixar de referir-se a qualidade da substância transportada (cocaína), a qual é, por um lado, susceptível de graves efeitos nos consumidores, tendo designadamente em conta o seu grande potencial aditivo, e por outro, particularmente cara, aumentando o benefício ilícito – e altamente reprovável – de quem a vende, e aumentando o risco de gerar outro tipo de criminalidade, levando os consumidores à frequente prática de crimes contra o património, por forma a conseguir adquiri-la.
Do exposto resulta que, no caso dos autos, a ilicitude da conduta do arguido de modo algum se mostra, em concreto, consideravelmente diminuída, em razão, nomeadamente, dos meios utilizados, da modalidade e das circunstâncias da acção, ou da qualidade ou quantidade da substância transportada e detida, razão pela qual se conclui não dever ser a conduta do arguido enquadrada no tipo de ilícito objectivo resultante da conjugação dos artigos 21.º nº 1 e 25.º al. a), ambos do mencionado Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Não se apuraram causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Encontrando-se assim preenchidos os respectivos elementos típicos, objectivos e subjectivos, deve, pois, ser o arguido condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art.º 21.º nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-B do mesmo diploma.
Quanto à arguida DL, não se demonstrou nos autos que tivesse praticado, conjuntamente com o arguido RR, os factos integradores do ilícito criminal em apreço, não se tendo provado, designadamente, qualquer intervenção sua na negociação com terceiros tendente à realização do transporte ou na execução da correspondente factualidade, relativamente à qual não se demonstrou ter qualquer domínio..
Resulta, por outro lado, da factualidade apurada, que a arguida tinha conhecimento de tal actividade executada pelo arguido e que, acompanhando-o na viagem realizada por este para concretização do transporte de estupefaciente, auxiliou-a atingir os propósitos visados, nos termos acima expostos.
Dispõe o art.º 27º/1 do Código Penal, que “É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”.
A propósito da distinção entre co-autoria e cumplicidade, pode ler-se em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.11.2007 (proc. N.º 07P3242, disponível em www.dgsi.pt), que:
IX - A co-autoria fundamenta-se, assim, também no domínio do facto; o domínio do facto deve ser, então, conjunto, devendo cada co-autor dominar o facto global em colaboração com outro ou outros. A co-autoria supõe sempre uma “divisão de trabalho” que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da acção. Exige uma vinculação recíproca por meio de uma resolução conjunta, devendo cada co-autor assumir uma função parcial de carácter essencial que o faça aparecer como co-portador da responsabilidade para a execução em conjunto do facto. Por outro lado, a contribuição de cada co-autor deve revelar uma determinada medida e significado funcional, de modo que a realização por cada um do papel que lhe corresponde se apresente como uma peça essencial da realização do facto (cf. Hans-Heinrich Jescheck, ob. cit., pág. 726).
X - De todo o modo, a colaboração e a importância que reveste deve poder determinar suficientemente o se e o como da execução do facto.
XI - A outra forma de comparticipação – a cumplicidade –, definida no art.º 27.º do CP («é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso»), pressupõe um  apoio doloso a outra pessoa no facto antijurídico doloso cometido por esta, não  havendo na cumplicidade domínio material do facto, pois o cúmplice limita-se a  favorecer a prática do facto.
XII - A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
XIII - A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que, não realizando a acção típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la – cf. Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, vol. II, ed. Verbo, pág. 179.
XIV- A cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, destinada a favorecer um facto alheio, portanto, de menor gravidade objectiva, mas, embora sem ser determinante na vontade do autor e sem participação na execução do crime, traduz-se em auxílio à prática do crime e, nessa medida, contribui para a sua prática, configurando-se como uma concausa do crime – cf. Germano Marques da Silva, ob. cit. págs. 283-291.
XV - «O cúmplice pode participar no acordo e na fase da execução (embora não tenha necessariamente de assim suceder, ao contrário do que acontece com o co-autor) mas, contrariamente ao que se verifica com este – e nisso consiste a característica fundamental de diferenciação entre as duas formas de comparticipação –, o cúmplice não tem o domínio funcional do facto ilícito típico; tem apenas o domínio positivo e negativo do seu próprio contributo, de forma que, se o omitir, nem por isso aquele facto deixa de poder ser executado. A sua intervenção, sendo, embora, concausa do concreto crime praticado, não é causal da existência da acção» (cf. Acs. deste STJ de 21-11-2001, Proc. n.º 2758/01, e de 31-03-2004, Proc. n.º 136/04, e jurisprudência aí citada). (sublinhado nosso)
Ora, na situação em apreço, e face ao acima exposto, tendo resultado demonstrada a conduta do arguido RR, integradora dos elementos típicos do crime que lhe é imputado, resultou igualmente provada, quanto à arguida DL, uma conduta, traduzida no auxílio moral e material a tal prática, concretizado de forma livre, voluntária e consciente, bem como o conhecimento da respectiva ilicitude, tudo em termos aptos a constitui-la em responsabilidade, como cúmplice, da prática de tal crime.
Deve, pois, ser a referida arguida condenada pela prática, em cumplicidade, do mesmo crime pelo qual o arguido RR vai condenado como autor.
2. A recorrente apresenta as seguintes razões de discórdia a este respeito:
9. ª Em face do supra exposto e fundamentos ora exarados, somos de crer e com o devido respeito pelo Tribunal “a quo”, que, in casu, cotejada a prova e os factos provados, bem como o espírito ínsito pelo Legislador, a decisão apresenta-se-nos fundada em vicissitudes e, como tal, não adequada e assertiva;
E, nessa conformidade,
10.ª Podia e, maxime, devia (“dever-ser”) o Tribunal “a quo” ou ter concluído pela absolvição da Recorrente (…);

3. Apreciando.
Mais uma vez e ao nível das conclusões, constata-se que as mesmas são muito reduzidas, no que concerne às razões que levam a recorrente a pedir a sua absolvição. Sucede que, também neste ponto, se optou por não proferir despacho de aperfeiçoamento, por um lado, pelas razões já acima expostas, a propósito do tema anterior e, por outro lado, porque em bom rigor os fundamentos para a arguição de erro se fundam na putativa errada apreciação probatória, que o tribunal “a quo” teria realizado. De facto, atentando ao que consta na motivação, não surge qualquer argumentação no sentido do errado enquadramento jurídico, se se atender à matéria de facto que o tribunal “a quo” deu efectivamente como assente.
Assim, uma vez que o pedido absolutório formulado pela recorrente se fundava, desde logo, na expectativa de uma eventual alteração da matéria factual (no sentido de passar a não provado o facto acima mencionado), há que concluir que a sua absolvição se mostra arredada.
4. Aditar-se-á ainda que, mesmo que tal não fosse o caso, o enquadramento na figura de cúmplice se mostra assertivamente defendida no trecho supratranscrito, ao qual damos o nosso acordo.
Efectivamente, mostra-se assente que a arguida, dolosamente e com plena consciência da ilicitude da sua actuação, bem conhecendo a natureza e características estupefacientes do produto que o arguido RR transportava, sabendo que este realizava tal transporte, quis ajudá-lo a concretizar os seus intentos (acompanhando-o na viagem, de modo a simular uma inocente viagem de lazer realizada por um comum casal), o que implica o preenchimento quer dos elementos do tipo, previstos no art.º 21 do Dec. Lei nº15/93, quer as exigências vertidas no art.º 27 nº 1 do C.Penal.
Como afirma Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, págs. 283-291, a cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, destinada a favorecer um facto alheio, portanto, de menor gravidade objectiva, mas, embora sem ser determinante na vontade do autor e sem participação na execução do crime, traduz-se em auxílio à prática do crime e, nessa medida, contribui para a sua prática, configurando-se como uma concausa do crime.
A essencial diferença entre o cúmplice e o autor reside no facto de o primeiro – ao inverso do que sucede com o segundo - não ter o domínio funcional do facto ilícito típico; tem apenas o domínio positivo e negativo do seu próprio contributo, de forma que, se o omitir, nem por isso aquele facto deixa de poder ser executado (vide ac. STJ citado no acórdão recorrido).
Em síntese:
III - Tal como o autor deve ter o domínio funcional do facto, também o co-autor tem que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo, e que, na execução desse acordo, se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à realização desse objectivo. IV - A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor. (vide, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 04P1875, Nº Convencional: JSTJ000, Relator HENRIQUES GASPAR, de 06-10-2004, consultável em www.gde.mj.pt).
5. Assim, conclui-se que o erro que a recorrente imputa ao decidido se não verifica, pelo que, também nesta parte, deve o recurso improceder.
E. Suspensão da pena imposta
1. O tribunal “a quo” fundamentou a sua decisão, a este respeito, nos seguintes termos:
Tendo sido aplicadas aos arguidos penas de prisão não superiores a 5 anos, importa ponderar a hipótese de suspensão da execução da mesma, de acordo com o disposto no art.º 50º n.º 1 do Código Penal (na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 04.09, em vigor já à data dos factos), no qual se refere que “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Cabe, pois, apurar se, mediante as concretas circunstâncias do caso em apreço, é de prever que a simples ameaça de prisão cumpre já as finalidades punitivas. Com efeito, “o tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa” (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao art.º 50.º, Editora Reis dos Livros).
Ora, na situação em apreço, a intensa gravidade dos factos praticados pelos arguidos – nos termos acima expostos e em virtude, designadamente, da natureza e quantidade do estupefaciente transportado e detido, e de se tratar de tráfico internacional, com a consequente possibilidade de disseminação, em país e continente diverso, do produto em questão – não pode deixar de demandar reacção penal intensa, incompatível com a suspensão da execução das penas aplicadas, tanto mais que a integração familiar e social dos arguidos (grandemente considerada para a fixação da medida das penas) se revelou insuficiente para obstar à prática dos factos em questão, não obstante o conhecimento da respectiva gravidade por parte dos arguidos e os expectáveis receios da consequência penal de tal prática.
Entendemos, pois, não se mostrarem reunidas as condições para ser decretada a suspensão das penas de prisão aplicadas aos arguidos, por não ser de prever, face ao que se vem expondo, que a censura do facto e a ameaça de prisão sejam suficientes para que se alcancem as finalidades punitivas.
Razão pela qual não se suspende a execução das penas aplicadas aos arguidos.
2.  Alega a recorrente, em sede de conclusões, o seguinte:
7.ª Sempre se diria, por mera hipótese e dever de patrocínio, não obstante o respeito pelo Tribunal “a quo”, que, mesmo admitindo como válida a qualificação Jurídica da Recorrente na qualidade de “cúmplice”, diríamos, salvo por melhor douta opinião contrária, a pena deveria (“dever-ser”) suspensa na sua execução, por cumprir quer os requisitos formais e quer os pressupostos materiais previstos pela Lei para ser decretada, conforme se arguiu supra em sede de alegações e se repristina in totum pela presente;
3. Apreciando.
Alega a recorrente, sinteticamente, que lhe deve ser dada a possibilidade de cumprir a pena imposta em liberdade, atendendo às seguintes circunstâncias (socorremo-nos, mais uma vez, da motivação):
É mãe de um filho e tem a seu cargo um outro filho órfão de pai, ainda menor e que não tem mais ninguém que cuide dele;
É uma funcionária pública, que tem um trabalho estável, mantendo o seu posto de trabalho há vários anos.
Não tem antecedentes criminais.
Tem consciência, em abstracto, da gravidade do crime, no qual não se revê.
A recorrente está integrada quer profissional, quer social e quer familiarmente.
4. Vejamos então.
Desde logo convém frisar que à opção pela suspensão da execução da pena de prisão, enquanto medida de reacção criminal autónoma, são alheias considerações relativas à culpa do agente, valendo essencialmente, no juízo a realizar, as exigências resultantes das finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização (art.º 40º n.º1 do CP). Assim, a opção por esta pena terá de assentar, em primeira sede, na formulação de um juízo positivo ou favorável à recuperação comunitária do agente através da censura do facto e da ameaça da prisão, sem a efectiva execução da mesma, já que ficaria suspensa. Todavia, chegado a este ponto, tal opção apenas se mostrará aplicável caso não prejudique ou contrarie a necessidade de reafirmar a validade das normas comunitárias, ou seja, desde que o sentimento comunitário de crença na validade das normas infringidas não seja contrariado ou posto em causa com tal suspensão.
5. Para além de ser este o enquadramento geral que rege a operação de apreciação da possibilidade de opção por este tipo de pena, a verdade é que as exigências acima referidas se mostram ainda mais prementes, nos casos em que estamos perante um crime de tráfico de estupefacientes, atendendo às robustas razões de saúde pública que se pretendem preservar através da criminalização de tal tipo de actuação. 
Na verdade, neste tipo de crime as exigências de prevenção geral são fortíssimas, pois o tráfico de estupefacientes é das actividades que mais profundamente corrói e corrompe a sociedade em que vivemos, potenciando o cometimento de numerosos outros tipos de actuações – roubos, furtos, receptações, prostituição – tornando um verdadeiro flagelo a vida dos consumidores, das suas famílias, gerando instabilidade social, problemas de saúde pública e de desenquadramento laboral e familiar, que acabam por ser suportados por todos os restantes cidadãos. E um correio de droga – pessoa cuja actividade a arguida auxiliou - não é elemento despiciendo ou menor na máquina que permite manter em funcionamento o mercado de tais produtos, uma vez que a droga é produzida na América do Sul e a actividade que a arguida prosseguiu – ajudando este correio a cumprir a sua função - é um dos meios para a tornar disponível na Europa.

6. E de tal forma se verifica essa premência de exigências, que tem vindo a ser jurisprudência senão unânime, pelo menos esmagadoramente maioritária, a nível dos tribunais superiores e, em especial, do STJ, a noção de que, quando estamos perante um crime de tráfico, simples ou agravado, só razões especialmente ponderosas, que resultem da avaliação global da actividade da arguida, poderão eventualmente sobrepor-se a tais exigências de prevenção geral, podendo vir a permitir (caso seja possível a formulação de um juízo de prognose favorável), a suspensão de penas punitivas de tais tipos de ilícitos, como aliás se mostra consignado em múltiplos acórdãos exarados pelo STJ (cfr., de entre outros e, apenas a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17.01.2013; de 09.05.2012; de 13.01.2011; de 09.12.2010; de 10.02.2010; de 15.07.2009; de 13.11.2008; de 09.04.2008; de 20.02.2008; de 23.01.2008; de 19.12.2007; de 15.11.2007; de 14.11.2007; de 03.10.2007; de 27.09.2007 todos disponíveis in www.dgsi.pt.)
7. Assim, na fixação da tipologia da pena a impor, em casos como o presente, haverá que sopesar as necessidades de estratégica nacional e internacional de combate a este tipo de crime, que reforçam ainda mais os imperativos de prevenção geral e especial, no sentido de a dosimetria penal não frustrar, não desacreditar, as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada. Lembremo-nos que Portugal, através das suas fronteiras é, infelizmente, um local de entrada de estupefacientes, vindos dos países produtores, quer para o mercado nacional, quer para a Europa.
8. Esclarecedores do raciocínio que subjaz a este entendimento, são os seguintes excertos de decisões proferidas pelo STJ (in site www.pgdl.pt):
Mas não é de suspender a execução dessa pena de prisão, não só por ser a matéria apurada insuficiente para formular um juízo de prognose social favorável, como o combate ao tráfico de droga em que Portugal internacionalmente se comprometeu, impõe que não seja suspensa a execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não postulam; seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime; faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral. Proc. n.º 825/08 -5.ª Secção
- Para aplicação da pena de suspensão de execução da pena de prisão é necessário, em primeiro lugar, que a mesma não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade da arguida, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos. Proc. n.º 3206/07 -3.ª Secção
I - A suspensão da execução da pena “deverá ter na sua base uma prognose favorável ao réu, a esperança que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime” – Proc. n.º 1092/01 -5.ª.
II - Contudo, antes de se partir para uma avaliação desse juízo de prognose – que se prende essencialmente com a personalidade e o modo de vida evidenciados pela arguida –, há que verificar se a suspensão da execução da pena salvaguarda as demais e não menos importantes finalidades das penas, quais sejam as de reafirmar a necessidade da existência da norma punitiva e as de prevenção geral. Proc. n.º 3219/07 -5.ª Secção.
Bem como o acórdão do STJ, de 15.01.2014 (www.dgsi.pt), que o tribunal “a quo” menciona e que se debruça, precisamente, sobre a questão da suspensão de pena, relativamente aos chamados “correios de droga”:
O transporte intercontinental de droga por via aérea, a cargo de pessoas contratadas para o efeito, que viajam como vulgares passageiros de avião e que levam a droga disfarçada na bagagem, na roupa ou mesmo no interior do próprio corpo, não permite a passagem de grandes quantidades de estupefacientes, mas, em compensação, possibilita a rápida introdução dos estupefacientes nos mercados de consumo. Os correios de droga, muito embora não sejam os donos do produto que transportam e estejam normalmente desligados do circuito comercial dos estupefacientes, constituem uma peça importante, porventura cada vez mais importante, para fazer a conexão entre a produção e o consumo, sem a qual não existe negócio. [...] As extremas exigências de prevenção geral levam a rejeitar, face ao disposto no n.º 1 do art.º 50.º do CP, a possibilidade de suspensão da execução desta pena de prisão. A suspensão da pena envolveria necessariamente um enfraquecimento inadmissível da protecção do bem jurídico tutelado, sabido que é que este fenómeno constitui um meio intensivamente utilizado pelas organizações que controlam a produção de estupefacientes para a sua colocação expedita nos países de maior consumo e que Portugal surge como um país normalmente utilizado como plataforma de entrada na Europa de droga provinda normalmente da América do Sul, quando se trata de cocaína. [...] ”.
9. Ora, tendo em atenção as considerações acabadas de enunciar, será que, no caso desta arguida se poderá concluir ocorrerem razões de tal forma ponderosas, que afastem as prementes necessidades de prevenção geral, que apontam para a imposição de pena de prisão efectiva?
A resposta é claramente negativa, como resulta do que atrás se deixa exposto. A verdade é que da matéria fáctica apurada não advém qualquer circunstância de assinalável relevo que determine, que imponha, a suspensão da sua pena (ainda que sujeita a qualquer tipo de dever ou obrigação).
Efectivamente, todas as circunstâncias que a arguida invoca eram pré-existentes à data em que ocorreram os factos e, como se viu, não se mostraram minimamente dissuasoras da actividade que prosseguiu. Para além do mais, e salvo o devido respeito, cremos que a arguida está ainda longe de integrar, de facto, o desvalor do acto por si cometido, o que faz recear que, em situação similar, possa novamente recair. Adite-se que, para além de existirem fortes exigências de prevenção geral, verificam-se igualmente ponderosas necessidades de prevenção especial, pois a motivação para a actividade prosseguida pela arguida aqui em apreciação encontra-se na procura de obtenção de benefícios (no caso, uma viagem de lazer prolongada, sem ter de suportar qualquer esforço económico com a mesma), alcançados sem esforço físico e/ou intelectual e suficientemente significativos.
10. Uma das razões que justifica e exige o cumprimento de uma pena de prisão efectiva e com algum grau de consistência traduz-se, precisamente, na imperiosa necessidade de se desmotivar o tipo de actuação que a arguida protagonizou, evitando que Portugal, ao invés de contribuir na luta global contra este flagelo, possa ser considerado como um país de tal forma leniente no circuito da distribuição e da venda, que encoraje outros a prosseguir idêntica actividade, por a mesma não acarretar um nível de consequências sancionatórias efectivamente dissuasoras.
11. Face a tudo o que se deixa dito, conclui-se que se não mostra violado o disposto no art.º 50 do C.Penal, pelo que não nos merece censura a decisão de não suspensão da pena imposta, razão pela qual deve ser mantida.
                                     
iv – decisão.
Acorda-se em considerar improcedente o recurso interposto pela arguida DL e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Condena-se a recorrente no pagamento da taxa de justiça de 4 UC..
Dê imediato conhecimento ao tribunal “a quo” do teor deste acórdão.                  

Lisboa, 24 de Maio de 2023
Maria Margarida Almeida
Alfredo Costa
Rosa Vasconcelos
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[1] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1985, in Boletim do Ministério da Justiça, 347, pág. 220.