Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10259/22.7T8LSB.L1-8
Relator: CARLA FIGUEIREDO
Descritores: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES
PRESCRIÇÃO
PRAZO
JUROS
CLÁUSULA PENAL
CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (da responsabilidade da relatora, ao abrigo do artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)
- Com vista a proteger e a evitar o sobreendividamento dos utentes dos serviços públicos essenciais, o artigo 10º da Lei nº 23/96 de 26/7 consagra nos seus nºs 1, 2 e 4, prazos curtos de prescrição e caducidade para o exercício do direito do prestador ao recebimento do preço relativo ao serviço prestado ou à diferença do preço pago pelo utente o preço real;
- A Lei 12/2008 de 26/2, e a Lei 24/2008 de 2/6 vieram introduzir alterações ao artigo 10º, clarificando que o prazo de seis meses é um prazo de prescrição do direito e não apenas um prazo para apresentação da factura;
- Atendendo ao espírito da norma e porque esta prescrição está fora do regime especial apenas previsto para os casos arts. 312º a 317º do Código Civil das prescrições presuntivas, estamos na presença de uma prescrição extintiva e não meramente presuntiva;
- O prazo previsto no nº 4 do art.º 10º da Lei 23/96 de 26/7, é um prazo de prescrição extintiva e não de caducidade;
- Apesar de o Réu não usar formalmente a expressão “prescrição”, antes arguindo a “caducidade” como excepção peremptória, faz clara referência, para sustentar a sua tese, ao “prazo previsto no nº 4 do art.º 10º da Lei 23/96”, com toda a factualidade associada; sendo controvertida a classificação da natureza do prazo previsto no nº 4 do art.º 10º da Lei 93/96, este tribunal pode conhecer da prescrição, atento o disposto no nº 3 do art.º 5º do CPC, sem que se possa considerar ser este um conhecimento oficioso, arredado do conhecimento deste Tribunal;
- O prazo de prescrição estabelecido para a obrigação principal não pode deixar de abranger as cláusulas penais ou clausulas de fidelização, que são obrigação acessória;
- Apenas a violação da obrigação principal pode constituir o Réu em mora e na obrigação de indemnizar a Autora, indemnização essa que, nos termos do art.º 806º corresponde aos juros;
- Idênticas razões levam a considerar os juros de mora, no caso dos autos acessórios não só à factura referente à prestação de serviços, como às duas facturas referentes à obrigação nascida da violação da cláusula penal, encontram-se também abrangidos pela prescrição curta de seis meses prevista neste normativo; nem se compreenderia que, prevendo o legislador um regime especial destinado a proteger o utente de serviços públicos essenciais, tal regime de protecção não se estendesse igualmente à obrigação de juros.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 8ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I-RELATÓRIO
A…. COMUNICAÇÕES, LDA., com o NIPC … e sede na Rua …, Lisboa intentou contra ESTADO PORTUGUÊS, com o NIPC ….., em representação do Agrupamento de Escolas …, NIF…, com morada, conhecida da Autora, na Av. …, Lisboa,  acção de processo comum, em que peticiona a final, a condenação do Réu a pagar à Autora o montante de €24.903,83 (vinte e quatro mil, novecentos e três euros e oitenta e três cêntimos), sendo o valor de capital de €19.460,84, acrescido de juros de mora à taxa de juro comercial, sucessivamente, em vigor, sendo os vencidos computados em €4.842,99.
Para tanto, alega em síntese, que entre a Autora e o Agrupamento de Escolas … foram celebrados três contratos para prestação de bens e serviços de telecomunicações:
- contrato de 22/11/2012, a que foi atribuído o número de conta cliente …, com alterações operadas em 16/11/2017 e 29/11/2017;
- contrato de 13/05/2014, a que foi atribuído o número de conta cliente …, alterado em 05/12/2017;
- contrato de 23/11/2018, a que foi atribuído o número de conta cliente ….
Mais refere que no âmbito do contrato …, o Réu solicitou à Autora, em 16/11/2017, uma alteração ao contrato de prestação de serviços de telecomunicações em vigor desde 22/11/2012, alteração que passou a integrar no contrato os serviços “Módulo R total 1.400 minutos, rede acesso 200mb, 9 planos mobilidade 2, 8 internet mobilidade 3, central inteligente. 3 acessos voz GSM, modulo fixo 12 H, 6 acessos voz cobre”, aos quais correspondia uma mensalidade de €1.809,20 acrescidos de IVA.
Como contrapartida pelo preço do fornecimento dos serviços e as demais ofertas contratuais, assumiu o Réu a obrigação de proceder ao pagamento das facturas e manter o contrato pelo período de 24 meses. Mais foi convencionado pelas partes que, em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido pelo Réu um valor indemnizatório, a título de cláusula penal, de igual valor ao das mensalidades em falta. Acrescenta que, em 29/11/2017, o Réu subscreveu uma alteração ao contrato, para troca de pontos por desconto em factura, com aumento do período de permanência de 6 meses, sendo que em face de tal o prazo de permanência, contratualmente estabelecido, terminava em 16/05/2020. Com a celebração do contrato e alterações, a Autora activou e iniciou a prestação dos serviços, emitindo, mensalmente, as facturas correspondentes, todas enviadas ao Réu e sem que nenhuma tivesse sido devolvida.
No dia 8/3/2019 os serviços foram desactivados, no seguimento de pedido de rescisão do Réu. Alega que, uma vez que o Réu assumiu a manutenção do contrato até 16/5/2020 e não lhe assistia justa causa para a rescisão, a Autora emitiu e reclamou do Réu o valor da cláusula penal contratual em falta (mensalidade a multiplicar pelos meses até final do contrato), através da factura n.º FT 201902/…, no valor de €19.117,50, emitida em 5/4/2019 e vencida em 25/4/2019.
Quanto ao contrato …, alega que o Réu solicitou à Autora, em 5/12/2017, uma alteração ao contrato de prestação de serviços de telecomunicações em vigor desde 13/5/2014, alteração que veio passou a integrar no contrato os serviços no tarifário 3PRO, mediante pagamento de uma mensalidade de €55,35 já com IVA, sendo que o prazo de permanência, contratualmente estabelecido, terminava em 5/12/2029. Como contrapartida do fornecimento dos serviços e das demais ofertas contratuais, assumiu o Réu a obrigação de proceder ao pagamento das facturas e manter o contrato pelo período de 24 meses (vg. período de permanência), tendo convencionado que, em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido pelo Réu um valor indemnizatório, a título de cláusula penal, de igual valor ao das mensalidades em falta. Alega que, com a celebração do contrato, a Autora activou e iniciou a prestação dos serviços, emitindo, mensalmente, as facturas correspondentes, todas enviadas ao Réu e sem que nenhuma tivesse sido devolvida. Igualmente menciona que no dia 8/3/2019 os serviços foram desactivados, no seguimento de pedido de rescisão do Réu, mas como assumiu a manutenção do contrato até 5/12/2029 e não lhe assistia justa causa para a rescisão, a Autora emitiu e reclamou do Réu o valor da cláusula penal contratual em falta (mensalidade a multiplicar pelos meses até final do contrato), através da factura n.º FT 201985/…, no valor de € 338,85, emitida em 4/4/2019 e vencida em 1/5/2019.
Finalmente, quanto ao contrato …, alega que se encontra em dívida uma factura relativa a serviços prestados ao Réu e que não foi paga até à presente data, sendo a factura n.º FT 201902/…, no valor de € 4,49, emitida em 5/4/2019 e vencida em 25/4/2019.
A Autora alega, ainda, que as facturas mencionadas foram já reclamadas pela Autora no processo n.º 88197/19.6YIPRT, do Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 13, que terminou pela absolvição do Réu da instância em virtude de ter sido demandado o AGRUPAMENTO DE ESCOLAS …, ao invés do Estado Português (como decorre da certidão junta a 21/9/22, que a referida injunção deu entrada no dia 23/9/2019 e a decisão de absolvição da instância foi proferida a 20/10/21, com trânsito em julgado a 24/11/21).
Peticiona, ainda, a condenação do Réu no pagamento de €600,00 a título de encargos com as tentativas de cobrança da dívida em fase prévia à entrada da acção e que se justificam pela impressão das cópias do histórico dos contratos (cópias dos contratos, aditamento, facturas, comunicações), pelas despesas com telefone e e-mail, a solicitar esclarecimentos e documentação para instrução do processo de cobrança de dívida.
O Réu, citado no dia 30/6/22, contestou, defendendo-se por excepção, alegando que a petição inicial deu entrada no dia 22/4/2022, pelo que a acção foi proposta depois de decorrido o prazo de seis meses previsto no artigo 10º, nº 4 Lei 23/96, de 26/7; conclui, assim, que relativamente às facturas descritas nas al.s A), B) e C) da petição inicial, o Réu nada deve à Autora, verificando-se a excepção peremptória de caducidade.
No mais, impugnou os factos por desconhecimento.
Notificada para se pronunciar quanto à excepção, a Autora pugnou pela improcedência da defesa do Réu, sustentado que a disciplina da caducidade prevista no artigo 10º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho não tem aplicação aos presentes autos, uma vez que o referido regime legal de caducidade está previsto apenas para as situações em que existe emissão, pelo prestador de serviço, de facturas por estimativa, o que não se verifica no caso vertente.
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Por despacho de 29/1/2024 foi dispensada a audiência prévia e, na mesma data, foi proferido despacho saneador sentença que decidiu:
“3. DISPOSITIVO.
Em face da argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, julgo a presente acção improcedente, e em consequência:
3.1. Declaro verificada a excepção de caducidade alegada e, em consequência, absolvo o Réu ESTADO PORTUGUÊS, em representação do Agrupamento de Escolas … do pedido.
3.2. Condeno a Autora A… COMUNICAÇÕES, LDA. no pagamento integral das custas processuais”.
*
Inconformada com a sentença, a Autora veio interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1. A sentença recorrida, que decidiu pela caducidade do capital, juros de mora e custos administrativos, improcedendo a totalidade do pedido, carece de fundamento.
2. Desde logo e no que diz respeito à parte do pedido relativa aos custos administrativos, existe contradição entre o fundamento e a decisão, uma vez que o fundamento indicado na sentença não foi a sua caducidade, mas o facto de que deveriam ser ressarcidas em sede de custas de parte.
3. Por sua vez, em relação ao capital e juros de mora, também não existe fundamento para a decisão recorrida, porquanto:
3.1. O Tribunal recorrido conheceu da prescrição, sendo uma questão de que não podia tomar conhecimento, uma vez que não foi invocada.
Sem prejuízo de tal constituir uma decisão surpresa, é causa de nulidade da sentença e constitui erro de julgamento na aplicação do direito, uma vez que a realidade normativa não permitia ao Tribunal a quo conhecer da referida exceção; e, da prescrição, partir para a caducidade;
3.2. O Tribunal errou no julgamento, ao distorcer a realidade factual: depois de ter enunciado, no Relatório, que a Recorrente reclamava nos autos três faturas, uma por cada um dos três contratos alegados nos autos, passou a considerar na fundamentação que as três faturas peticionadas respeitavam ao mesmo contrato e, com isso, veio a decidir pela caducidade de uma fatura e, por acessoriedade, das restantes - quando não existe, nem poderia, qualquer relação de acessoriedade entre faturas e obrigações de contratos distintos;
3.3. A sentença errou no enquadramento e aplicação do regime jurídico da caducidade.
A prescrição e caducidade têm regimes distintos, que o Tribunal recorrido não considerou:
- o n.º 1 do art.º 10º refere-se (i) à prescrição e ao (ii) direito ao recebimento do preço do serviço prestado;
- o n.º 2 do art.º 10º refere-se à (i) caducidade e ao (ii) direito de receber a diferença entre o valor faturado e o valor real.
- por sua vez, o n.º 4 do art.º 10º refere-se aos n.ºs 1 e 2, mantendo a distinção de regimes:
- nas situações que se enquadram no n.º 1, o prestador tem 6 meses, contados após a prestação dos serviços, para exigir o seu pagamento, sob pena de prescrição;
- nas situações que se enquadram no n.º 2, o prestador tem 6 meses, contados do pagamento inicial (faturação por estimativa), para exigir o valor real do consumo, sob pena de caducidade - cfr. no mesmo sentido o douto acórdão do TRL de 13.09.2022, Processo 6204/19.5T8FNC.L1-7, disponível em www.dgsi.pt:
Como tal e contrariamente ao que consta da sentença recorrida, não há prescrição e/ou caducidade do direito ao recebimento preço do serviço prestado, aplicando-se, antes, ao preço do serviço prestado o regime da prescrição - que não foi invocada, nem se verificou. Como tal, não poderia o Tribunal a quo declarar a caducidade de uma fatura de serviços; nem, por via disso e em suposta acessoriedade, a caducidade das duas restantes faturas.
3.4. Não se verificam os fundamentos para que a sentença recorrida decidisse pela caducidade do direito da Recorrente, uma vez que, não titulando as faturas peticionadas a exigência da diferença entre um consumo real e um consumo estimado, não se enquadram na previsão do art.º 10º n.º 2 da Lei 23/96 de 26.07.
De todo o exposto resulta que a decisão recorrida carece de fundamento, errou no julgamento e violou, nomeadamente, o disposto:
- no art.º 303º do CC;
- no art.º 10 da Lei 23/96 de 26.07;
- no art.º 608º do CPC.
Deverá, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que julgue improcedente a exceção da caducidade”.
*
O Réu apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
“1.ª - O despacho saneador-sentença recorrido não padece de qualquer dos dois vícios invocados pela Apelante não estando, por isso, ferido de qualquer nulidade;
2.ª – Na verdade, quanto ao peticionado relativamente aos “custos administrativos”, inexiste qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão, conforme pretende a Apelante, dado que o Tribunal a quo entendeu, e bem, que na falta de norma expressa que atribua o direito ao pagamento destas despesas - cujo ressarcimento não pode ser imputado em sede de responsabilidade contratual - (…) devem ser as mesmas ressarcidas apenas em sede de custas de parte, nos termos dos artigos 25º e seguintes do Regulamento das Custas Processuais, a ponderar a final do processo (…).
3.ª – Aliás sublinha-se que mesmo que a acção viesse a ser considerada procedente por provada não se vê como poderia o Réu Estado ser condenado no pagamento dos “custos administrativos” peticionados exactamente porque, conforme referido, o respectivo ressarcimento não pode ser imputado em sede de responsabilidade contratual.
4.ª - É manifesto que o despacho recorrido não padece de qualquer “excesso de pronúncia” – no caso concretizado no alegado conhecimento oficioso da prescrição, não invocada em sede de defesa por excepção pelo Réu Estado.
5.ª - As alusões à prescrição em sede de fundamentação no despacho recorrido prendem-se tão só com a “identidade de razão” entre os institutos da caducidade e da prescrição para melhor justificar a aplicação, no caso, da Lei n.º 23/96 de 26/06 e consequente interpretação do art.º 10.º do mencionado diploma legal no sentido de concluir pela caducidade do direito e acção da Autora (prestadora de serviços no âmbito das comunicações electrónicas).
6.ª - No despacho recorrido inexiste qualquer “distorção da realidade factual” conforme pretende a Apelante.
7 .ª - Da respectiva leitura resulta cristalino que o Tribunal a quo distingue perfeitamente as três facturas em causa nos autos correspondentes aos três contratos de prestação de serviços de comunicações electrónicas celebrados entre a Autora e o Réu Estado, que justificaram a respectiva emissão, e aplica o regime de caducidade consoante a natureza/fundamento dos serviços prestados a que correspondem tais facturas: obrigação principal (pagamento do preço) e obrigação acessória aquela (indemnização pela violação do “período de permanência/fidelização”; cláusula penal);
8.ª - Contrariamente ao pretendido pela Apelante – que, no essencial, defende que o regime legal da caducidade resultante do diploma já mencionado relativo aos serviços públicos essenciais (e assim de telecomunicações) não tem aplicação “in casu”, aplicando-se, antes, o regime da prescrição de que o Tribunal não podia conhecer oficiosamente, como em sua opinião, fez – o Tribunal a quo aplicou e interpretou correctamente o artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho atendendo ao espírito e letra da lei, na esteira, aliás, da jurisprudência e doutrina que cita.
9.ª - Na verdade, nos termos n.º 4 do art.º artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho é de 6 meses o direito de exigir o recebimento do preço contado a partir da data da prestação do serviço, o mesmo será dizer que, decorrido tal prazo, se verifica a caducidade do direito e acção para o efeito do recebimento do preço.
10.ª - E se tal é líquido quanto ao pagamento do preço pelo serviço prestados em sentido estrito – que constitui a obrigação nuclear ou principal do contrato de prestação de serviço – a caducidade incide sobre a totalidade do crédito do serviço de telecomunicões prestado (que abrange, por exemplo e também, a dívida por incumprimento do período de fidelização: “claúsula penal”).
11.ª - Na verdade uma interpretação restritiva do n.º 4 do art.º 10.º não é compatível com a protecção do utente que se pretendeu tutelar na mencionada norma legal nem conforme a correcta interpretação literal da mesma norma legal, que não distingue no que respeita ao prazo de caducidade “a natureza” da prestação do serviço.
12.ª - E a ratio legis abrange estende-se também aos juros relativamente a que é aplicável o prazo de caducidade de 6 meses.
13.ª – Pelo que - afastada a aplicação no caso do disposto no art.º 279 do C.P.C. e atentas as datas de prestação dos serviços e a data da propositura da acção identificadas no despacho saneador sentença e que, ora, se dão por integralmente reproduzidas – bem andou o Tribunal a quo em julgar verificada a excepção de caducidade relativamente ao serviço(s) prestado(s) – que “estendeu” aos juros - absolvendo, por isso, o Réu Estado do pedido.
14.ª - Pelo que, o Tribunal a quo não incorreu em erro de direito nem no despacho recorrido foram violadas as normas legais indicadas pela Apelante nem quaisquer outras”.
*
No despacho que admitiu o recurso, a Sr.ª Juiz a quo pronunciou-se quanto às arguidas nulidades, defendendo que no caso concreto as mesmas não se verificam.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
São estas as questões a apreciar:
- Se a sentença padece da nulidade de contradição entre a fundamentação e decisão;
- Se o tribunal a quo “distorceu a realidade factual”;
- Se existe excesso de pronúncia na sentença, que ao mesmo tempo pressupõe a discussão do âmbito de aplicação da Lei nº 23/96 de 26 de Junho e a natureza do prazo previsto no nº 4 do art.º 10º da mesma Lei;
- Ocorrendo a caducidade ou prescrição das obrigações principais, se são devidos os montantes peticionados a título de cláusula penal e juros de mora;
- Se é devida a quantia de € 600,00 peticionada a título de encargos com as tentativas de cobrança da dívida em fase prévia à entrada da acção.
 *
III- FUNDAMENTAÇÃO
1. Os factos
Os factos a considerar são os que constam do relatório.
*
2. O direito
Das nulidades da decisão invocadas pela Autora
A Autora defende que a decisão recorrida é nula por existir contradição entre o fundamento e a decisão, na parte do pedido relativa aos custos administrativos.
Efectivamente, a Autora formulou um pedido relativo ao pagamento de facturas emitidas e não pagas pelo réu, que dizem respeito a três contrato distintos para prestação de bens e serviços de telecomunicações e, ainda, um pedido de condenação do réu no pagamento de € 600,00 “a título de encargos com as tentativas de cobrança da dívida em fase prévia à entrada da acção e que se justificam pela impressão das cópias do histórico dos contratos (cópias dos contratos, aditamento, facturas, comunicações), pelas despesas com telefone e e-mail, a solicitar esclarecimentos e documentação para instrução do processo de cobrança de dívida”.
Defende a Apelante que o tribunal a quo absolveu o Réu da totalidade do pedido, por caducidade mas, no entanto, quanto aos custos administrativos, o fundamento indicado na sentença não foi a caducidade, pelo que a decisão deve ser rectificada na parte respeitante à improcedência dos custos administrativos.
Apreciemos.
O art.º 615º, nº 1, al. c) do CPC dispõe que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A fundamentação da decisão deve ser clara e lógica para que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que estiveram na sua origem, em função de critérios lógicos, objectivos e racionais.
Assim, os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão deverão ser expostos de forma estruturada e obedecer ao silogismo judiciário, de tal modo que a decisão decorra, logicamente, das premissas argumentativas.
Se, analisada a decisão, ressalta que os fundamentos conduzem, logicamente, a uma conclusão oposta ou diferente da adoptada, verifica-se a nulidade da sentença supra referida. Nesse caso, estaremos na presença de um vício lógico, de uma contradição entre a fundamentação deduzida e o sentido decisório: a fundamentação aponta, de forma inequívoca, num sentido e a decisão acaba por ser a ele contrária, ou, por outra via, os fundamentos invocados pelo juiz conduzem a resultado oposto ao expresso na decisão.
O que está em causa é a “contradição real entre os fundamentos e a decisão e não as hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão”, tratando-se, pois, de “um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” - Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, p. 689 e 690.
A este respeito, foi esta a fundamentação da sentença: “Por fim, e no que concerne à quantia de € 600, decorrente de alegados custos administrativos e internos associados à cobrança da dívida, na falta de norma expressa que atribua o direito ao pagamento destas despesas, entende-se que devem ser as mesmas ressarcidas apenas em sede de custas de parte, nos termos dos artigos 25º e seguintes do Regulamento das Custas Processuais, a ponderar a final do processo.
Com efeito, a estratégia processual tendente ao ressarcimento do crédito não pode ser imputada em termos de responsabilidade contratual – já que não é alegado sequer qualquer causa de pedir nesse sentido – à Ré, assim se absolvendo igualmente esta do pedido nesta parte”.
No dispositivo da sentença em crise pode ler-se:
“3. Em face da argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, julgo a presente acção improcedente, e em consequência:
3.1. Declaro verificada a excepção de caducidade alegado e, em consequência, absolvo o Réu ESTADO PORTUGUÊS, em representação do Agrupamento de Escolas … do pedido”.
Ora, se bem que possamos considerar não muito correcta a forma como foi esquematizado o dispositivo (uma vez que há um desdobramento de dois pontos, sendo um relacionado com a excepção invocada pelo Réu e outro relativo ao pagamento das custas), há uma parte genérica em que é decidido que, em face da argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, a acção é improcedente, abrangendo, naturalmente, o pedido em causa, pelos apontados fundamentos, que não a excepção de caducidade.
Assim, entendemos que a sentença não padece da apontada nulidade.
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A Autora alega, ainda que o Tribunal a quo errou no julgamento, ao distorcer a realidade factual pois após “ter enunciado, no Relatório, que a Recorrente reclamava nos autos três faturas, uma por cada um dos três contratos alegados nos autos, passou a considerar na fundamentação que as três faturas peticionadas respeitavam ao mesmo contrato e, com isso, veio a decidir pela caducidade de uma fatura e, por acessoriedade, das restantes - quando não existe, nem poderia, qualquer relação de acessoriedade entre faturas e obrigações de contratos distintos”.
Lida a decisão recorrida, não se vislumbra o “erro” apontado. O Tribunal a quo, na sua análise, distingue claramente as três facturas em causa nos autos, sendo uma referente a serviços prestados e as restantes duas referentes à violação das cláusulas penais de diferentes contratos, pelo que improcede o apontado erro, que a Autora classifica como “distorção factual”.
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A Autora alega, ainda, que ocorre a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, por esta ter conhecido da prescrição do capital e dos juros de mora, não alegada na contestação, tendo a sentença em crise fundamentado a sua decisão com base na prescrição, que não é de conhecimento oficioso.
Nos termos do art.º 615º nº 1 al. d) do CPC, “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Esta causa de nulidade da sentença está directamente relacionada com o art.º 608º nº 2 do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Efectivamente, tal como defendido pela Autora, a lei não permite o conhecimento oficioso da prescrição, atento o disposto no art.º 303º do CC, segundo o qual “o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita (…)”.
Vejamos como foi abordada a questão na decisão sob recurso.
A sentença começa por discorrer, com acerto, sobre a aplicação aos contratos em causa nos autos, de fornecimento de serviços de telecomunicações, da Lei nº 23/96, de 26/7. Aí se pode ler: “…desde a alteração introduzida pela Lei n.º 12/2008 tem sido consensual tal inclusão, entendida como confessada natureza interpretativa, nos termos do artigo 13º, n.º 1, do Código Civil, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência, proferido no processo n.º 216/09.4YFLSB, Juíza Conselheira relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, de 03.12.2009, publicado no Diário da República, I SÉRIE,14, de 21.01.2010, que decidiu que aos créditos resultantes da prestação do serviço de telefone móvel prestados anteriormente à entrada em vigor da revogação do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, pela Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, é aplicável o regime definido por aquele Decreto-Lei nº 381-A/87, também não os atingindo a exclusão do serviço de telefone do âmbito de aplicação da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, determinada pelo nº 2 do artigo 127º da Lei nº 5/2004. Aliás, e como aí se refere, (…) note-se que nenhuma dúvida se coloca hoje quanto à aplicação da Lei nº 23/96 aos serviços de telefone móvel. Com efeito, se pelo nº 2 do artigo 127º da Lei nº 5/2004 o serviço de telefone (fixo ou móvel) foi expressamente excluído da sua aplicação, com a entrada em vigor da alteração introduzida pela Lei nº 12/2008, de 26 de Fevereiro no nº 2 do artigo 1º da Lei nº 23/96 tornou-se claro que a mesma se aplicava novamente a esses serviços, abrangidos na sua al. d) – “serviços de comunicações electrónicas” (sublinhado nosso)”.
Assim, a Lei nº 23/96 tem plena aplicação às facturas/contratos em causa nos autos, conforme se conclui na sentença em crise.
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Importa, agora, proceder à análise do artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26/07, que levanta questões e dificuldades de interpretação no que respeita ao prazo de seis meses ali previsto, nomeadamente quanto à natureza do prazo previsto no nº 4, com base no qual foi decidida a acção.
O art.º 10º da citada Lei, sob a epígrafe, “Prescrição e caducidade”, dispõe:
“1 - O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
2 - Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.
3 - A exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data-limite fixada para efectuar o pagamento.
4 - O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.
5 - O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão” (redacção resultante das alterações introduzidas pela Leis nº 12/2008 de 26/2 e Lei nº 24/2008 de 2/6).
Com vista a proteger e a evitar o sobreendividamento dos utentes dos serviços públicos essenciais, o artigo 10º da Lei nº 23/96 consagra nos seus nºs 1, 2 e 3, prazos curtos de prescrição e caducidade para o exercício do direito do prestador ao recebimento do preço relativo ao serviço prestado ou à diferença do preço pago pelo utente o preço real.
O nº 1 do 10º estabelece que o direito de crédito do prestador de serviços públicos essenciais, deve ser exercido no prazo de seis meses, sob pena de prescrição. Como se diz na sentença em crise, a controvérsia que a este respeito existia sobre a natureza da prescrição prevista nesta norma veio a ser definitivamente resolvida com as redacções sucessivamente introduzidas pela Lei nº 12/2008 de 26/2 e pela Lei 24/2008, de 2/6. A redacção original do nº 1 do art.º 10º dispunha que “o direito de exigir o pagamento do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.
A Lei 12/2008 veio alterar aquele art.º 10º da Lei nº 23/96, o qual passou a estabelecer: “1 - O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.
A mesma Lei 12/2008 veio introduzir um novo nº 4 com a seguinte redacção: “o prazo para a propositura da acção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos”. A Lei 24/2008 introduziu a actual redacção do nº 4, que agora dispõe: “O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos”.
As referidas alterações à Lei vieram clarificar que o prazo de seis meses é um prazo de prescrição do direito e não apenas um prazo para apresentação da factura, como defendido, a dado momento, por parte da jurisprudência (entre outros, cfr. Ac. RL de 12/5/2005, p. 3821/2005, disponível em www.dgsi.pt). Este entendimento, como defende Marcelino António Pereira de Abreu, Lei dos Serviços Públicos Essenciais (Anotada e comentada), 2018, pág. 128, disponível em https://recipp.ipp.pt/handle/10400.22/15152, “não era (e nunca foi) o espírito do legislador. O legislador nunca pretendeu que a apresentação da factura por parte do prestador do serviço ao utente tivesse o efeito de interromper a prescrição. Dai que andou bem o legislador ao “clarificar” o seu pensamento, alterando o preceito legal no sentido de passar a constar a expressão “direito ao recebimento do preço”, em vez de “direito de exigir o pagamento do preço”.
O legislador veio, então, a consagrar uma das orientações que já era defendida anteriormente por parte da jurisprudência (cfr. Acs. do STJ de 4/10/2007, p. 07B1996, de 6/7/2006, p. 06B1755, de 5/6/2013, p.03B1032, Ac. da RC 23/1/2007, p.2359/04, Ac. da RP de 26/1/2006 p. 0537124, entre outros, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
A nova lei assumiu-se “como claramente interpretativa, integrando-se, por isso, na lei interpretada, sendo que a própria intenção que presidiu à criação da lei de proteger o consumidor final, contra a acumulação de dívidas de fácil contracção, evitando que se vissem confrontados com a exigência de débitos acumulados que dificilmente poderiam satisfazer, confirma aquela orientação legislativa, determinando, assim, que os prestadores de serviços mantenham uma organização que permita a cobrança em momento próximo do correspondente consumo”, como bem refere o Ac. da RP de 12/1/2015, p. 98356/13, relator Oliveira Abreu, disponível em www.dgsi.pt. (no mesmo sentido Calvão da Silva, Serviços Públicos Essenciais: alterações à Lei nº 23/96 pelas Leis nºs 12/2008 e 24/2008, RLJ, ano 137º, nº 3948, página 168 e Jorge Morais Carvalho, in Manual do Direito do Consumo, 6ª ed., pág. 375).
Atendendo, ainda, ao espírito da norma e porque esta prescrição está fora do regime especial apenas previsto para os casos arts. 312º a 317º do Código Civil das prescrições presuntivas (fundadas na presunção do cumprimento da obrigação), estamos na presença de uma prescrição extintiva e não meramente presuntiva (neste sentido, cfr. o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 3/12/2009, publicado no DR, I Série, de 21/1/2010, Ac. do STJ de 05/06/2003, proc. n.º 03B1032, acessível em www.dgsi.pt, Marcelino António Pereira de Abreu, ob. cit, pág. 125 e Jorge Morais Carvalho, ob. cit., pág. 375 e 376).
O instituto da prescrição extintiva respeita, na sua essência, à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade, sem prejuízo de o sustentar também uma ponderação de justiça. Embora visando satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos e, desse modo, proteger o interesse do sujeito passivo, o instituto da prescrição extintiva considera o desinteresse ou inércia negligente do titular do direito. Atento o fundamento da prescrição extintiva, compreende-se, com facilidade, a previsão do direito substantivo civil ao estabelecer que o termo inicial do respectivo prazo coincide com o momento a partir do qual o seu titular o pode efectivamente exercer - art.º 306º, nº 1 do CC.
O art.º 10º, nº 1 da Lei nº 23/96, em conjugação com a já consignada lei interpretativa, Lei nº 12/2008, não só operou uma redução substancial do prazo de prescrição dos créditos periódicos provenientes da prestação de serviços públicos essenciais, cujo decurso, em razão da natureza extintiva ou liberatória da prescrição, confere ao utente a possibilidade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito, como teve o objectivo de sancionar a indiferença e a inércia do credor em fazer prevalecer ou exigir o seu direito, de tal sorte que a prescrição extintiva semestral converte a obrigação civil em obrigação natural.
Atentemos, agora, no que dispõe o nº 2 do art.º 10º:
“2 - Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento”.
Nestes casos, ao fim de seis meses, o direito do prestador do serviço à diferença entre o preço real e o preço cobrado caducou.
“A caducidade ou preclusão é um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não exercício prolongado por certo tempo” – Manuel de Andrade, in Teoria Geral do Direito Civil, pág. 391.
O decurso do prazo extingue o próprio direito e não apenas a faculdade de o exercer. Nesta situação prevista no nº 2 do art.º 10º, após os seis meses, o direito do prestador do serviço deixou de existir e mesmo que o utente não invoque tal caducidade, o juiz não lhe pode reconhecer o direito alegado.
Já no que toca à prescrição, apesar de a dívida não ser exigível judicialmente, se o prestador do serviço a exigir e o utente não invocar a prescrição (não invocar a perda do direito do credor exigir em tribunal o pagamento da divida) o juiz terá de reconhecer ao prestador do serviço o seu direito, condenando o utente a pagar.
É a interpretação do nº 4 do art.º 10º que suscita as maiores dúvidas, atendendo aos anteriores nºs 1 e 2 do preceito.
Como refere Marcelino António Pereira de Abreu, ob. cit, pág. 128 a 133, “face às previsões legais constantes dos nºs 1 e 2, parece-nos ser um preceito legal inútil. De facto, se “o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação” (n.º1) e “se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento” (n.º2), qual a utilidade de uma previsão legal na qual se refere que “o prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos”? Quanto a nós, nenhuma (…) É evidente que se uma obrigação não é cumprida voluntariamente, só há uma forma de exigir o seu cumprimento – a via coerciva. E tal comprimento tem que ser exigido dentro dos prazos (de caducidade ou prescrição) previstos para tal. De qualquer modo, a previsão legal existe e dela resulta expressamente que o prestador do serviço tem um prazo de seis meses, contados desde a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos, para exigir judicialmente ao utente o pagamento do preço ou da parte deste ainda em divida. Contudo, se atentarmos neste normativo legal, dele não consta se o prazo aí previsto é de prescrição ou caducidade. Apenas resulta que o prestador do serviço tem seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, para exercer coercivamente (instaurar a acção ou injunção) o seu direito. Ora, se o prestador do serviço instaurar a acção ou injunção depois de decorridos seis meses sobre o momento da sua prestação, como deve ser encarado este facto? Deve o juiz considerar aquele prazo como de caducidade e, com base nisso, oficiosamente declarar a acção improcedente, ou, ao contrário disso, deve considerar aquele prazo como de prescrição e, em consequência, esperar que a parte a quem o decurso de tal prazo aproveita (o devedor) a invoque, em sede de contestação, para só depois, se pronunciar? No normativo legal aqui em questão (n.º 4) o legislador (para alem do que já havia previsto nos n.ºs 1 e 2) fixou expressamente ao credor um prazo para que este exerça judicialmente os seus direitos. O que acontece então se o credor não os exercer dentro de tal prazo? (…) No caso em análise, se perfilharmos a tese de que se está perante um prazo de caducidade, então teremos (parece-nos!), um problema de harmonização do disposto neste normativo com o disposto no normativo do n.º 1. E o mesmo se diga, relativamente à harmonização com o disposto no n.º 2, se perfilharmos a tese de que neste normativo o prazo aqui previsto é de prescrição. De facto, a não ser que, com a criação da previsão normativa do n.º 4, o legislador tenha querido transformar o prazo (de prescrição) previsto no nº1 em prazo de caducidade, não parece ter qualquer lógica que o legislador tenha previsto no n.º 1 que “O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação” (ou seja: decorrido este prazo sem que o credor tenha exercido o seu direito, este deixa de ser judicialmente exigível) e, depois, quando em face de uma acção proposta para exercer tal direito (prescrito) julgue, agora, caduco o direito, inviabilizando qualquer procedência da acção. Da nossa parte, sem prejuízo do que acima já referimos quanto à (in) utilidade da norma legal do n.º 4, entendemos que o prazo aí previsto será se prescrição ou caducidade conforme se esteja perante uma acção ou injunção destinada a exigir o preço do serviço prestado (n.º 1), ou a exigir a diferença do preço já recebido (n.º 2)”. E, em nota de rodapé a pág. 129 e 130, “Estamos em crer que a razão que esteve por detrás da criação deste preceito legal foi a vontade de o legislador clarificar sem qualquer margem para dúvida o seu pensamento legislativo, em virtude de, como atrás dissemos, a partir de certo momento, os Tribunais começarem a entender que, apesar de a prescrição introduzida pela Lei nº 23/96, ser de seis meses e começar a correr a partir da prestação do serviço, tal prescrição era, contudo, interrompida pela apresentação da factura, nos termos do art.º 9º nºs 4 e 5 do DL nº 381-A/87, de 30 de Dezembro. Assim, com a consagração deste preceito legal o legislador acabou com qualquer dúvida que pudesse existir quanto a qual era (desde sempre) a sua vontade”.
Seguimos este mesmo entendimento, de resto já perfilhado no Ac. da RP de 12/5/2015, p. 98356/13, relator Oliveira Abreu, e Ac. da RL de 14/12/2023, p. 1074/22, relatora Isabel Fonseca ambos acessíveis in www.dgsi.pt, na doutrina, Calvão da Silva, ob. cit., pág. 176 e 177 e Jorge Morais Carvalho, ob.  e loc. cit.
Pode ler-se no citado Ac. da RL “Prestado o serviço convencionado, deve o prestador proceder à sua faturação, especificando devidamente os valores que apresenta, com discriminação dos serviços prestados e correspondentes tarifas, sendo que a fatura tem uma periodicidade mensal: é isso que resulta do disposto no art. 9.º (“facturação”), n.ºs 1 e 2 dessa Lei, salientando-se que os números 3 e 4 estabelecem ainda outras exigências quando o serviço prestado é de comunicações eletrónicas e de energia elétrica, respetivamente. A referência à “periodicidade mensal” significa que o prestador deve proceder à faturação tendo em conta os consumos apurados em cada mês. Elaborada a fatura, deve o prestador entregar a mesma ao utente, ato que funciona como interpelação ao pagamento (art.º 805.º); configurando o direito do prestador um direito subjetivo, um direito de crédito, temos, então, que a exigência de pagamento – que deve ser formalizada por escrito e com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data-limite fixada para o pagamento (n.º 3 do referido art. 10.º) –, para ser tempestivamente exercida, implica que o prestador entregue a fatura ao utente no prazo de seis meses, contados da data de realização da sua prestação, com o apuro mensal a que se aludiu. Sendo que incumbe ao prestador o ónus de prova da entrega da fatura e momento em que esse facto ocorreu, como decorre do art. 11.º, n.º 2 da referida Lei. Donde, se o prestador não enviar a fatura ao utente em tempo devido, isto é, “seis meses após a sua prestação”, prescreve o direito ao recebimento do preço do serviço prestado, podendo o utente, legitimamente, recusar o pagamento (art.º 304.º, n.º 1). É isso que resulta do número 1 do art.º 10.º da referida Lei.
Mas exige-se mais ao prestador: entregue a fatura, deve ainda o credor assegurar-se que o utente procedeu ao pagamento do preço devido pelos bens/serviços que lhe foram prestados, porquanto o prazo que a lei lhe faculta para exigir judicialmente o cumprimento, “o prazo para a propositura da acção ou da injunção”, na terminologia do número 4.º do referido art.º 10.º, é de seis meses contados, igualmente, da data em que realizou a prestação. Deste regime (art.º 10.º, n.ºs 1 e 4 da Lei n.º 23/96, de 26 de julho) decorre que o legislador fixou para os créditos (de natureza pecuniária) emergentes da prestação de serviços públicos essenciais, um prazo de prescrição de seis meses, cujo termo inicial coincide com o momento da prestação dos serviços, considerando para o efeito o registo (periodicidade mensal) a que as faturas se reportam. (…) Acrescente-se que atualmente é consensual que o prazo a que aludem os números 1 e 4 da referida Lei é um prazo de prescrição extintiva, em face da alteração ao diploma introduzida pela Lei 12/2008, que veio resolver divergências interpretativas a esse propósito, mormente considerando uma das teses defendidas no sentido de que estávamos perante uma prescrição de cariz presuntivo…”.
Ora, a sentença recorrida, após concluir pela natureza prescritiva ou presuntiva do prazo previsto no art.º 10º da referida Lei, acaba por classificar o prazo do nº 4 do mesmo artigo como prazo de caducidade, para depois concluir que à data da instauração da acção já tinha decorrido o prazo de caducidade não só quanto à factura relativa a serviços prestados (nº 201902/147761), como para as facturas relativas às cláusulas penais (nºs 201902/147760 e 201985/822601) e também quanto aos juros de mora peticionados, absolvendo o Réu da acção. No fundo, a argumentação desenvolvida faz uma equiparação dos dois institutos (prescrição e caducidade), por “identidade de razão” (como sugerido pelo Réu em contra alegações) e, a final, declara a procedência da excepção de caducidade invocada na contestação.
Tendo nós concluído que o prazo previsto no nº 4 do art.º 10º da Lei 23/96 de 26/7 é um prazo de prescrição extintiva e não de caducidade, resta agora saber se a decisão que absolveu o Réu do pedido se pode manter.
Entendemos que sim, se bem que por fundamentos diferentes.
A Autora, como se viu, sustenta que tendo o Réu invocado apenas a excepção de caducidade, não poderia o tribunal a quo conhecer da excepção de prescrição, não invocada nos autos.
É sabido que o tribunal não pode conhecer oficiosamente da prescrição (nos termos do art.º 303º, nº 1 do CC, “o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”).
Conforme se pode conferir no relatório, o Réu não usou formalmente a expressão “prescrição”, antes arguindo a “caducidade” como excepção peremptória. No entanto, faz clara referência, para sustentar a sua tese, ao “prazo previsto no nº 4 do art.º 10º da Lei 23/96” (cfr. ponto 2 da contestação).
Como se pode ver do exposto supra, a interpretação da natureza do prazo de seis meses previsto do artigo 10º, nomeadamente a natureza do prazo previsto no nº 4 do é controvertida, tanto mais que a referida disposição não o especifica.
Sendo um prazo de prescrição extintiva, conforme por nós defendido, não podemos deixar de considerar que apesar de não ter sido formalmente invocada a excepção de prescrição, o Réu “chamou à colação” a norma do art.º 10º, nº 4 da Lei 23/96.
Não referindo aquela norma qual a natureza do prazo e uma vez que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º, nº 3 do CPC), entendemos que a alusão ao nº 4 do art.º 10º da Lei 23/96 e a respectiva factualidade associada é suficiente para que se possa conhecer da prescrição extintiva que essa norma encerra, sem que se possa considerar ser este um conhecimento oficioso, arredado do conhecimento deste Tribunal (neste sentido, se bem que para uma situação inversa, em que estava em causa o conhecimento da excepção de caducidade - respeitante a direitos disponíveis-, quando tinha sido invocada formalmente a excepção de prescrição, cfr. Ac. da RE de 31/10/2013, proc. 1060/11, relator Acácio Neves, disponível em www.dgsi.pt e Ac. da RC de 2/2/99, ali referido, in CJ 99, I, 22, segundo o qual, sendo a caducidade um conceito de direito, basta que o interessado alegue a respectiva factualidade para que o tribunal dela possa conhecer, não se tratando nesse caso de conhecimento oficioso).
Deste modo, aplicando-se ao caso o prazo de prescrição extintiva de seis meses previsto no nº 4 do art.º 10º, a factura n.º FT 201902/…, no valor de €4,49, emitida em 5/4/2019, referente a serviços prestados ao Réu antes dessa data, já há muito tinha prescrito, tendo em conta que a prescrição só se interrompe com a citação do réu (art.º 323º, nº 1 do CPC) e esta apenas ocorreu no dia 30/6/2022. Mesmo considerando o disposto no nº 2 do art.º 323º, ainda assim, o direito da Autora teria de ser considerado como prescrito tendo em conta a data da entrada da acção (22/4/22).
A Autora peticiona, ainda, duas outras facturas a título de cláusula penal. São elas a FT 201902/147760, no valor de €19.117,50, emitida em 05/4/2019 e vencida em 25/4/2019 e a FT 201985/… no valor de €338,85, emitida em 4/4/2019, vencida em 1/5/2019.
Segundo o peticionado, para cada um dos contratos nº … e nº … celebrados com o Réu, como contrapartida do fornecimento dos serviços e das demais ofertas contratuais, este assumiu a obrigação de proceder ao pagamento das facturas e manter o contrato pelo período de 24 meses (vg. período de permanência), tendo convencionado que, em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido um valor indemnizatório, a título de cláusula penal, de igual valor ao das mensalidades em falta. Igualmente menciona que no dia 8/3/2019 os serviços foram desactivados, no seguimento de pedido de rescisão do Réu para cada um destes dois contratos.
Como em relação ao primeiro contrato o Réu tinha assumido a manutenção do mesmo até ao dia 16/5/2020, a Autora emitiu a factura 201902/147760, com valor equivalente à mensalidade a multiplicar pelos meses em falta até ao final do contrato.
Em relação ao segundo contrato, assumida a obrigação de manutenção até ao dia 5/12/2029, a Autora emitiu falta (mensalidade a multiplicar pelos meses até final do contrato), através da factura 201985/…, também com valor equivalente à mensalidade a multiplicar pelos meses em falta até ao final do contrato.
Cumpre, então, apreciar se o direito à indemnização por incumprimento contratual relativo à “cláusula de “fidelização” tem autonomia relativamente ao direito ao recebimento do preço do serviço, em sentido estrito, caso em que não lhe seria aplicável o prazo curto de prescrição previsto no art.º 10º da Lei nº 23/96.
A jurisprudência divide-se quanto a esta questão.
Uma corrente entende que a prescrição do direito ao pagamento de serviços essenciais não tem aplicação ao direito ao valor da cláusula penal uma vez que não é acessória da obrigação de pagamento do preço, “mas antes da obrigação de manutenção do vínculo contratual em função do qual foram disponibilizados, em condições especiais e vantajosas para o cliente, diversos equipamentos de telefone móveis, não lhe sendo por isso aplicável o prazo de prescrição previsto no nº 1, do art.º 10º, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, mas o prazo geral de prescrição de vinte anos previsto no art.º 309º, do Código Civil, em virtude de estar em causa a indemnização por responsabilidade contratual” (Ac. da RP de 11/10/2018 (relator Freitas Vieira); cfr., ainda, Ac. da RL de 21/6/11 (Luís Espírito Santo), Ac. da RC de 26/9/23 (Vitor Amaral), todos disponíveis em www.dgsi.pt, além dos acórdãos referidos na sentença recorrida).
A outra corrente entende que a indemnização por incumprimento contratual relativa à cláusula penal não tem autonomia face ao direito ao recebimento do preço do serviço, não permitindo afastá-la do regime estabelecido pelo art.º 10º, nº 1 e 4 da Lei nº 23/96 (posição esta que pensamos ser a actualmente dominante na jurisprudência; além dos acórdãos referidos na sentença recorrida, mencionamos, ainda os Acs. da RL de 29/4/21 (relator Orlando Nascimento), 16/6/11 (Aguiar Pereira), 20/12/16 (Eurico Reis), 7/4/22 (Vera Antunes), 4/6/15 (Ilídio Sacarrão Martins) e Ac. da RG de 18/5/23 (Alexandra Rolim Mendes). Na doutrina, também neste sentido, Jorge Morais Carvalho, in Manual do Direito do Consumo, 6ª ed., pág. 378 e ss.
Também nós seguimos este entendimento. Na verdade, como referido no Acórdão da RL de 29/4/21, “o n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96 não permite distinguir entre quantias em dívida relativas ao serviço prestado, tout court, e quantias devidas a título de indemnização por qualquer outro incumprimento contratual. O prazo de prescrição estabelecido em tal preceito, ao reportar-se a serviço prestado, abrange todas as dívidas no âmbito do contrato de prestação de serviço telefónico em causa, quer sejam o preço direto do serviço, quer sejam o preço indireto que, em substância, constitui a cláusula de fidelização.
Não há contraprestação de pagamento, a qualquer título, que o não seja do serviço recebido, tendo este a constituição complexa que lhe é própria.
Não se trata apenas de aplicar aqui o brocardo latino “ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemos”, mas também de considerar e valorar interpretativamente a ratio legis do preceito e os valores da certeza e da segurança do direito, os quais tanto valem para o preço dos serviços como para a cláusula de fidelização, sendo os mesmos”.
O vínculo relativo à fidelização não existiria sem que existisse a celebração do contrato de telecomunicações. Pode, ainda, ler-se no Ac. da RL de 20/12/16 a seguinte argumentação: “O núcleo do contrato de prestação do serviço de telecomunicações entre a Autora e a Ré, o seu objecto, é constituído pela prestação do serviço. Esta é a prestação principal, prestação e contraprestação, incidindo sobre cada uma das partes no contrato. A denominada “cláusula de fidelização”, a cujo incumprimento as partes associaram uma indemnização tabelar, por cláusula penal, em caso de incumprimento, é uma cláusula acessória daquele núcleo do contrato, que se pode classificar como um preço indirecto do serviço, ou, pelo menos, como um auxiliar do bom cumprimento da obrigação de pagamento do preço do serviço mas, em qualquer caso, como obrigação acessória da obrigação principal, porque fora do núcleo do contrato. Na economia do contrato, a “cláusula de fidelização” em caso de incumprimento só existe em função da prestação do serviço e da entrega do respectivo preço, fazendo parte deste sinalagma. Não tem autonomia por si própria, não lhe correspondendo uma contraprestação directa a ela dirigida. O prazo de prescrição estabelecido para a obrigação principal não pode, pois, deixar de abranger também esta, que é obrigação acessória. De outro modo, aportaríamos à situação bizarra de termos um prazo prescricional de seis meses para a obrigação principal e um prazo prescricional geral, de vinte anos (artigo 309.º do Código Civil) para a obrigação cuja existência só se justificava em face daquela. Uma tal interpretação é, de todo, afastada pelo disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, nos termos do qual o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas. Solução de todo desacertada seria aquela em que prescrito, decorridos seis meses, o direito ao recebimento do preço de um serviço de telecomunicações, o consumidor desses serviços continuasse adstrito ao cumprimento dos seus deveres acessórios daquela prestação e às consequências do seu incumprimento, durante vinte anos. (…) Tal resulta aliás, relativamente à cláusula penal, do disposto no artigo 810.º, n.º 2 do Código Civil, pelo que também as quantias devidas por via do funcionamento de cláusulas penais prescrevem pelo decurso do prazo de seis meses, prazo estabelecido pelo artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96 (na redacção dada pela Lei n.º 12/2008)”.
A Autora deveria, pois, ter peticionado no já referido prazo de seis meses todos os créditos relativos aos contratos em causa, em que se incluem as indemnizações pela violação da designada “cláusula penal”, o que no caso, não aconteceu (apesar de estas facturas terem datas diversas da factura referente à prestação de serviços, impõem-se aqui os mesmos argumentos, tendo em conta a data da citação do Réu ou mesmo o disposto no nº 2 do art.º 323º do CC). Impõe-se, assim, a absolvição do Réu também nesta parte, por tais créditos estarem prescritos.
E quanto aos juros de mora reclamados pela Autora, no montante de €4.842,99?
Aderimos à argumentação defendida na sentença em crise, que citamos: “Nos termos dos artigos 804º nos 1 e 2 e 805º nº 2 alínea a), ambos do Código Civil, o réu constituir-se-ia em mora na data de vencimento da respectiva obrigação (in casu, a data de vencimento de cada factura), sendo devidos juros de mora desde tal data até efectivo e integral pagamento. Nos termos do artigo 310º, alínea d) do Código Civil, os juros convencionais ou legais prescrevem no prazo de 5 anos.
Todavia, no caso vertente e considerando todos os fundamentos alegados supra quanto à ratio legis do curto prazo prescritivo / caducidade de 6 meses, que aqui se dão por reproduzidos, levam-nos a considerar que sentido faria que o consumidor visse prescrita a obrigação principal (desde logo face à dificuldade de provar o pagamento) mas se visse onerado com tal prova (igualmente difícil), quanto à obrigação de juros. Em suma, também em relação a estes montantes é aplicável o prazo de caducidade de 6 meses, já decorrido.
No que concerne aos juros de mora que incidissem sobre as facturas relativas à cláusula penal alegadamente devida pelo incumprimento, verifica-se que caducando a obrigação principal, caduca, por natureza a obrigação acessória de juros, assim se absolvendo o Réu do pedido também nesta parte”.
Apesar de, na coerência de raciocínio seguido, a sentença se referir à caducidade e não prescrição, os argumentos mantêm a sua validade quando estamos a falar de prescrição.
De acordo com o artigo 806º do CC, “nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”.
O art.º 10º da Lei 23/96 não faz referência expressa aos juros, mencionando apenas “o direito ao recebimento do preço do serviço prestado…”.
No entanto, e pelos motivos já expostos relativamente à violação da cláusula de fidelização, idênticas razões levam a considerar os juros de mora, no caso dos autos acessórios não só à factura referente à prestação de serviços, como às duas facturas referentes à obrigação nascida da violação da cláusula penal, encontram-se também abrangidos pela prescrição curta de seis meses prevista neste normativo.
Apenas a violação das obrigações principais mencionadas poderia constituir o Réu em mora e na obrigação de indemnizar a Autora, indemnização essa que, nos termos do art.º 806º do CC corresponde aos juros.
Decorrendo assim a obrigação de indemnização da obrigação principal e sua violação, o regime da obrigação principal é-lhe extensível, incluindo o prazo de prescrição.
Nem se compreenderia, como referido na sentença, que, prevendo o legislador um regime especial destinado a proteger o utente de serviços públicos essenciais, tal regime de protecção não se estendesse igualmente à obrigação de juros (neste sentido, os Acórdãos já mencionados da RL de 20/12/16, 7/4/22, e os Acs. da RL de 26/1/23 (Carla Mendes) e de 30/3/23 (relator Paulo Fernandes da Silva); em sentido contrário, o já mencionado Ac. RL de 4/6/15 e Ac. da RP de 24/2/15 (relator M. Pinto dos Santos), todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Ainda no que respeita à prescrição, resta referir tal como o fez o tribunal a quo, que não obstante resultar do relatório que a Autora instaurou requerimento de injunção relativo a estes créditos, a decisão que absolveu o então Réu da instância transitou em julgado no dia 24/11/21. Então, ainda que fosse equacionável a aplicação do disposto no nº 2 do art. 279º do CPC, mesmo assim estariam prescritos os créditos de que a Autora se arroga titular.
Por fim, quanto à quantia de €600,00, peticionada pela Autora decorrente dos alegados custos administrativos e internos associados à cobrança da dívida, e perante a decisão supra quanto à não verificação da nulidade apontada à sentença, deve manter-se na íntegra a decisão proferida, pois como ali se escreve “na falta de norma expressa que atribua o direito ao pagamento destas despesas, entende-se que devem ser as mesmas ressarcidas apenas em sede de custas de parte, nos termos dos artigos 25º e seguintes do Regulamento das Custas Processuais, a ponderar a final do processo. (…) … a estratégia processual tendente ao ressarcimento do crédito não pode ser imputada em termos de responsabilidade contratual – já que não é alegado sequer qualquer causa de pedir nesse sentido…”.
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IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, ainda que com outros fundamentos, julgar improcedente a apelação, mantendo a absolvição do Réu do pedido.

Lisboa, 10/10/2024
Carla Figueiredo
Maria Carlos Calheiros
Maria do Céu Silva (voto vencido, conforme declaração que segue)

Voto de vencido
Discordo do acórdão apenas quanto à indemnização pelo incumprimento do período de permanência, por entender não ser aplicável à mesma o prazo de prescrição de 6 meses previsto no art.º 10º nºs 1 e 4 da L 23/96, de 26 de julho, uma vez que não se trata de “preço de serviço prestado”, mas sim de indemnização calculada em função do número de meses em que não haverá prestação de serviços até ao fim do período de permanência (no mesmo sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido a 26 de setembro de 2023, no processo 6922/21.8T8BRG-A.C1).
Assim, julgaria improcedente a exceção da prescrição quanto à referida indemnização.
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Maria do Céu Silva