Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO MOREIRA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA TÍTULO EXECUTIVO DOCUMENTO PARTICULAR INDEFERIMENTO REQUERIMENTO EXECUTIVO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/24/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | 1- Para que se possa afirmar a força executiva de um documento particular, carece o mesmo de estar autenticado, por notário (nos termos do art.º 150º do Código do Notariado), ou por qualquer uma das entidades a que respeita o art.º 38º do D.L. 76-A/2006, de 29/3, e neste caso segundo o disposto na Portaria 657-B/2006, de 29/6. 2- Sendo apresentado como título executivo um documento outorgado pelas partes e onde não intervém notário ou qualquer uma das entidades a que respeita o art.º 38ºdo D.L. 76-A/2006, de 29/3, verifica-se a falta de título executivo, a determinar o indeferimento do requerimento executivo e a extinção da execução. (Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: Com data de apresentação de 9/11/2023 C. intentou acção executiva contra A., visando o pagamento da quantia de € 3.584.093,75 e juros vincendos, indicando como título executivo “outro documento autêntico”, e alegando no requerimento executivo que: “1. Mediante “Contrato de Cessão de Créditos” celebrado em 10 de novembro de 2020, a sociedade “FC&C, Lda”, NIPC.: 513.758.569, cedeu a C., que adquiriu os créditos referentes ao “Contrato De Cessão Da Posição Contratual”, outorgado no dia 29 de abril de 2020 (por documento autentico com o reconhecimento das assinaturas de A., executado e C., exequente) – Cfr. Doc. n.º 1 e Doc. n.º 2. 2. Dos créditos objeto da cessão referida em 1.º consta os créditos antes detidos pela sociedade “EPIC MIDDIE EAST CONSULTING FZE”, (…) – representando por (…), os direitos referentes ao contrato de representação entre intermediário, jogador e clube, com o jogador S. e com o Clube T., à sociedade C&C Lda (atual FC&C, LDA) (…). Vide considerandos do contrato e cláusula primeira. 3. Dos créditos objeto da cessão referida em 1.º consta ainda que A. (…), constituí fiança e com renúncia ao benefício da excussão prévia. Cfr. Doc. n.º 1 Cláusula Quarta. 4. O que faz com que, presentemente, C., ora Exequente, seja o atual titular do crédito peticionado. 5. A mencionada cessão inclui a transmissão, relativamente a cada um dos créditos, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios a eles inerentes. 6. C., exequente, é parte legitima na presente ação. 7. O Exequente, notificou o Executado, A., por email, nos termos do n.º 1 da Cláusula Segunda da “Cessão de Créditos” – Vide Doc. n.º 2 e Doc. n.º 3 ora junto. 8. Tornou-se o cedente titular de todos os direitos económicos, que resultaram do “Contrato de Cessão Da Posição Contratual”, operada pela “Cessão de Créditos”, refente ao contrato de representação entre intermediário, jogador e clube, com o jogador S. e com o Clube T. Cfr. Doc. n.º 1 e Doc. n.º 2. 9. O valor cedido, referente ao contrato de representação entre intermediário, jogador e clube, resulta dos valores recebidos pela sociedade “EPIC MIDDIE EAST CONSULTING FZE” e na qual o Executado, A., se constituí fiador e principal pagador, no montante de 3.584.093,75 – correspondente a 3.125.000 Libras. 10. Esta em dívida na presente data o montante de 3.584.093,75 (três milhões quinhentos oitenta quatro mil e noventa três euros e setenta cinco cêntimos) de capital, a que acresce, até integral e efetivo pagamento, juros de mora à taxa legal de 4%, a contabilizar desde a citação até integral pagamento. 11. O crédito do exequente é certo, líquido e exigível”. No mesmo requerimento executivo o exequente pediu a dispensa de citação prévia do executado, alegando para tanto que: “O executado A., tem dupla nacionalidae irariana e inglesa, nao tem residencia fixa em Portugal, e usa a sua empresa E. com sede na madeira, para a realizacao de negocios de intermediacao e agenciamento de jogadores de Futebol. Por diversas vezes o exequente bem como o tibunal judicial da comarca do porto - juiz 15 - Juizo central criminal do porto, tentaram a notificacao do executado na sua morada conhecida, mas nao foi possivel a sua localizacao, sendo apenas diponivel a informacao de que o emsmo reside em italia, conforme documento n.º 3 que se junta. A dispensa da citacao prévia, tem como fundamento a urgencia na penhora da quota da sociedade com atividade em portugal e das contas bancarias tituladas pelo executado em território nacional e notifcacao após penhora, sendo este, o meio mais espedito para conseguir a citação do executado, o pagamento da divida exequenda e conhecimento dos presentes autos executivos. O exequente tem justo e motivado receio da perda da sua garantia patrimonial”. Sem precedência de despacho judicial o agente de execução indicado pelo exequente realizou diligências tendo em vista a penhora e efectuou a penhora da quota do executado na sociedade unipessoal identificada no requerimento executivo, tendo subsequentemente realizado diligências para a citação do executado, e tendo este deduzido oposição à execução por embargos, para além de apresentar reclamação dos actos praticados pelo agente de execução. Após ter sido fixada a competência material e territorial do tribunal recorrido, foi proferido despacho em 19/6/2024, com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, nos termos do disposto no artigo 726.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, INDEFERE-SE liminarmente o requerimento executivo e, consequentemente, absolve-se o executado da instância. Custas pelo exequente, fixando-se o valor da acção no montante indicado no requerimento executivo”. O exequente recorre desta decisão final, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: A) Analisada em concreto os documentos identificados, não colhe a tese do tribunal “a quo”, que julgou mui rapidamente diligentemente, mal, e indeferiu o requerimento executivo nos termos enunciados. B) Compulsados os autos constata-se que a presente execução foi instaurada na forma ordinária para pagamento de quantia certa. A quantia peticionada é de 3.584.093,75€ e indica-se como título executivo “Outro documento autêntico”. C) Donde, nos termos do disposto no artigo 550.º, n.º 2, a contrario, do Código de Processo Civil, a execução instaurada sob a forma ordinária encontra-se proposta na forma correcta. D) Na execução ordinária cita-se primeiro e somente se penhora qualquer bem caso não sejam deduzidos embargos à execução ou se aos mesmos não for conferido efeito suspensivo da execução — cf. artigo 726.º do Código de Processo Civil. E) A sentença indeferiu liminarmente o requerimento executivo por falta de título executivo adequado, argumentando que os documentos apresentados não constituem título executivo válido. F) No entanto, os documentos anexados, incluindo o "Contrato de Cessão de Créditos" e o "Contrato de Cessão da Posição Contratual", são documentos autênticos que comprovam a existência da dívida e a cessão dos créditos. G) Estes documentos foram devidamente reconhecidos e autenticados, cumprindo os requisitos legais para constituir título executivo, conforme o artigo 703.º, n.º 1, alínea c) do CPC. H) A alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC considera como título executivo qualquer documento particular, assinado pelo devedor, que importe a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, como é o caso dos documentos apresentados. I) O Recorrente não teve conhecimento de qualquer apenso ou oposição apresentados no processo só o tribunal a quo, e pelos vistos mais algum interessado processual que não o recorrente. J) Conforme mencionado na sentença, o solicitador de execução notificou as partes com a devida antecedência sobre a adjudicação do bem. K) No entanto, a sentença refere a existência de embargos à execução apresentados a 06.03.2024, os quais aguardavam despacho liminar. L) O Recorrente não foi notificado desses embargos, pois os mesmos não existem, o que viola o princípio do contraditório e do direito à defesa consagrados no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC). M) A sentença afirma que o solicitador de execução agiu sem despacho liminar e procedeu à penhora e adjudicação do bem de forma irregular. N) No entanto, é de notar que o solicitador notificou as partes, incluindo o exequente, e agiu conforme os procedimentos normais da execução, como demonstrado pela documentação junta aos autos. A falta de despacho liminar não pode ser imputada ao exequente, que actuou de boa‑fé com base nas notificações recebidas. O) Conforme o artigo 719.º do CPC, o agente de execução tem competência para efectuar a penhora e adjudicação dos bens, sendo que o artigo 726.º, n.º 1, alínea a) do CPC, prevê a citação prévia do executado, salvo quando expressamente dispensada por despacho judicial, conforme requerido pelo exequente. P) No caso presente, a actuação do agente de execução foi em conformidade com a lei, não podendo ser considerados nulos os actos praticados com base em notificações válidas. Q) A adjudicação do bem foi realizada conforme o artigo 799.º, n.º 1, do CPC, após a penhora efectuada. R) A ausência de publicidade da adjudicação não prejudica a validade do acto, pois as partes foram notificadas e não houve reclamações no prazo estipulado. S) O solicitador de execução procedeu correctamente ao requerer a adjudicação ao exequente, uma vez que não havia oposição válida no momento. T) O artigo 811.º do CPC determina que a venda ou adjudicação do bem deve ser publicitada, salvo se for requerida a adjudicação pelo exequente. Neste caso, o agente de execução notificou as partes e não houve oposição ou embargos deduzidos em tempo útil, conforme previsto no artigo 813.º do CPC. U) E, em consequência, declarando-se procedente a acção. Pelo executado foi apresentada alegação de resposta, aí concluindo pela manutenção da decisão recorrida e bem ainda pela condenação do exequente em multa, como litigante de má fé. Não houve resposta do exequente ao incidente de litigância de má fé suscitado pelo executado na alegação de resposta. *** Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem-se com a verificação da existência de título executivo e, subsidiariamente, com a validade dos actos processuais praticados pelo agente de execução, havendo ainda que apreciar se a conduta processual do exequente preenche os pressupostos da litigância de má fé. *** A materialidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede. *** Na decisão recorrida deixou-se expresso, a respeito da falta de título executivo: “(…) o exequente indica no requerimento executivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido, como título executivo “Outro documento autêntico”. (…) Junta em anexo, como título executivo, 2 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Um denominado de “contrato de cessão da posição contratual”, datado de Abril de 2020 — não tem dia indicado. Nesse contrato, o executado assume a posição de fiador «pelo cumprimento de todas as obrigações decorrentes desses mesmos contratos, designadamente pelo pagamento da quantia ainda em falta até ao dia 30 de Setembro de 2020» — cláusula quarta. Nesse contrato não se indica qual o montante a que se reporta a referida cláusula quarta. O 2.º documento surge denominado de “Cessão de créditos”, datado de 10 de novembro de 2020. Em que “FC&C, L.da”, anterior “C&C, L.da” cede ao exequente a sua posição contratual. Nessa cessão não consta a existência de qualquer dívida. O exequente ainda juntou um documento n.º 3, que aqui se dá por integralmente reproduzido, que constitui uma notificação por correio electrónico ao executado do referido contrato de cessão de créditos. Daqui resulta que nenhum dos contratos juntos reflecte o reconhecimento de dívida ou a constituição de dívida concreta afiançada pelo executado. Mais, tratando-se de documentos particulares, tinha o título executivo de estar exarado ou autenticado por notário ou outra entidade ou profissional com competência para tal, o que não se verifica in casu. Falta, pois, título executivo — artigo 703.º do Código de Processo Civil”. Contrapõe o exequente que os documentos apresentados “foram devidamente reconhecidos e autenticados, cumprindo os requisitos legais para constituir título executivo, conforme o artigo 703.º, n.º 1, alínea c) do CPC”, já que tal preceito legal “considera como título executivo qualquer documento particular, assinado pelo devedor, que importe a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, como é o caso dos documentos apresentados”. Aquilo que resulta do nº 1 do art.º 703º do Código de Processo Civil é que à execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva. Como resulta do acórdão de 22/3/2018 do Supremo Tribunal de Justiça (relatado por Álvaro Rodrigues e disponível em www.dgsi.pt), “com o CPC de 2013 (…) os documentos particulares, com excepção dos títulos de crédito, deixaram de servir de títulos executivos, ainda que como meros quirógrafos, pelo que, após a entrada em vigor do referido Código (01-09-2013), apenas passaram a constituir títulos executivos os documentos constantes do art. 703.º, n.º 1, al. b), i.e., os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”. Resulta do art.º 38º do D.L. 76-A/2006, de 29/3, que as câmaras de comércio e indústria, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem autenticar documentos particulares, passando estes a ter a mesma força probatória que teriam se a autenticação tivesse sido realizada com intervenção notarial (ou seja, nos termos e para os efeitos do art.º 377º do Código Civil). Mas tal autenticação feita por essas entidades apenas se tem por validamente praticada mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados estão definidos pela Portaria 657-B/2006, de 29/6. Ou seja, e tal como igualmente se refere no referido acórdão de 22/3/2018, para que se possa afirmar a força executiva de um documento particular (ou seja de documento que não foi exarado por notário, mas pelas próprias partes outorgantes do mesmo), desde logo carece o mesmo de estar autenticado, por notário (nos termos do art.º 150º do Código do Notariado), ou por qualquer uma das entidades a que respeita o art.º 38º do D.L. 76-A/2006, de 29/3, desde que o acto esteja registado em sistema informático, nos termos previstos na Portaria 657‑B/2006, de 29/6, e sendo aposto no documento o respectivo termo dessa autenticação. Isso mesmo resulta do acórdão de 20/2/2024 deste Tribunal da Relação de Lisboa (relatado por Luís Filipe Pires de Sousa e disponível em www.dgsi.pt), quando aí se afirma conclusivamente que “para que o documento particular possa ser considerado autenticado, é essencial a observância nomeadamente dos seguintes requisitos: (i) confirmação do seu teor pelas partes perante o certificante; (ii) aposição no termo das assinaturas dos outorgantes que possam e saibam assinar e (iii) a assinatura do funcionário/certificante, que será a última do instrumento”. E, para além disso, necessário se torna que o conteúdo do documento em questão importe a constituição ou reconhecimento da obrigação exequenda, mesmo que daí não resulte a certeza, exigibilidade ou liquidez da obrigação, caso em que se revela necessário efectuar as diligências adequadas para tornar a obrigação exequenda certa, exigível e líquida (art.º 713º do Código de Processo Civil), sem o que a execução não poderá prosseguir. Reconduzindo tais considerações ao caso concreto dos autos, o documento que o exequente entende que serve como título executivo corresponde ao documento intitulado “Contrato de cessão da posição contratual”, onde o exequente figura como terceiro outorgante e o executado figura como quarto outorgante. Tal documento não se mostra exarado por notário mas pelos próprios outorgantes, pelo que se está perante um documento particular. Do mesmo modo, as assinaturas constantes de tal documento não estão reconhecidas, por notário ou por qualquer outra entidade com competência para tal. E, do mesmo modo, também não consta de tal documento qualquer termo que demonstre que as partes outorgantes confirmaram o seu conteúdo, perante notário ou perante qualquer uma das entidades a que respeita o art.º 38º do D.L. 76-A/2006, de 29/3. O que equivale a dizer que não se está perante documento particular autenticado. Deste modo, e independentemente de se poder (ou não) retirar do documento em questão a constituição ou reconhecimento de uma obrigação do executado, o mesmo não se insere na categoria de documentos a que respeita a al. b) do nº 1 do art.º 703º do Código de Processo Civil, do mesmo modo, não se inserindo na previsão das al. c) e d). Pelo que o mesmo não pode servir de título executivo, nos termos invocados pelo exequente. Do mesmo modo, e relativamente ao documento intitulado “Cessão de créditos”, também esse documento não reúne os requisitos para que se possa afirmar que se insere na categoria de documentos a que respeitam as al. b) a d) do nº 1 do art.º 703º do Código de Processo Civil, pois que é assinado apenas pelos seus outorgantes (o exequente e M., este na intitulada qualidade de representante da sociedade “FC&C, LDA”), não constando do mesmo qualquer certificação da confirmação do seu conteúdo perante notário ou alguma das entidades a que respeita o art.º 38º do D.L. 76-A/2006, de 29/3, para além de não se mostrar assinado pelo executado. Em suma, porque do art.º 703º do Código de Processo Civil não resulta que possam ser considerados títulos executivos os meros documentos particulares assinados pelo devedor e que importem a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, e na medida em que os documentos apresentados pelo exequente com o requerimento executivo se reconduzem a documentos particulares, sendo que inclusive o segundo deles nem se mostra assinado pelo executado, não se pode concluir, como pretende o exequente, que os mesmos documentos constituem títulos executivos, para efeitos de servir de base à execução intentada pelo mesmo. Nesta medida não merece qualquer censura a decisão recorrida quando conheceu dessa falta de título executivo, a ditar o indeferimento do requerimento executivo e a consequente extinção da execução, assim improcedendo as conclusões do recurso do exequente, nesta parte, e mais ficando prejudicado o conhecimento da questão subsidiária da validade dos actos processuais praticados pelo agente de execução. *** No que respeita à litigância de má fé do exequente, sustenta o executado que aquele intentou uma acção executiva “que conhecia ser manifestamente infundada”, e insistindo na procedência da mesma “com vista a tentar obstar à devida restituição da sociedade do recorrido, de que ilegalmente se apropriou, causando-lhe considerável prejuízo”. Como ficou afirmado pelo tribunal recorrido, em despacho subsequente à decisão recorrida, perante o requerimento do exequente no sentido da adjudicação da quota penhorada o agente de execução deu provimento a tal pretensão, mas previamente “não publicitou a adjudicação, não comunicou o requerimento do exequente ao executado, nem tinha qualquer informação prestada pelo Tribunal de que o executado não tinha deduzido embargos à execução”, pelo que “não se percebe esta actuação do agente de execução, violadora por tantas vezes de basilares regras processuais”. Ou seja, é manifesto que não é a conduta do exequente, propondo a execução e requerendo a adjudicação do bem penhorado, que atenta contra as “basilares regras processuais”, mas antes a identificada conduta do agente de execução. Do mesmo modo, a circunstância de o exequente impugnar o decidido pelo tribunal recorrido, no sentido da extinção da execução por falta de título executivo, por si só não conduz à qualificação do exequente como litigante de má fé. Com efeito, importa recordar que, como decorre do nº 2 do art.º 542º do Código de Processo Civil, diz‑se litigante de má fé aquele que, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Como já referiu o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 7/10/2004 (relatado por Maria Laura Leonardo e disponível em www.dgsi.pt), “a acção é um instrumento posto à disposição dos interessados para fazerem valer em juízo as suas pretensões. No artº 266º-A do CPC [que corresponde ao art.º 8º do Código de Processo Civil de 2013] consagra-se um dever geral de probidade. “As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior.” É a violação deste dever (conduta ilícita), de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má fé”. E como já referiu este Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão de 5/5/2011 (relatado por Octávia Viegas e disponível em www.dgsi.pt), “a parte está obrigada a uma pesquisa séria e intensa da verdade dos factos que traz a juízo, tendo uma actuação diligente, usando das precauções exigidas pela mais elementar prudência, a própria de um bom pai de família, naquelas circunstâncias concretas”, sob pena de ser condenada como litigante de má fé. Mas aí igualmente se refere que “o conceito de litigância de má fé previsto no art. 456 do C.P.Civil [que corresponde ao art.º 542º do actual Código de Processo Civil] não abrange os casos de manifesto lapso, lide meramente ousada, pretensão ou oposição cujo decaimento resultou de fragilidade de prova, de dificuldade em apurar os factos e da sua interpretação e de defesa convicta e séria de uma posição que não obteve merecimento. A condenação como litigante de má fé só deve ser proferida quando se estiver perante uma situação em que se manifeste inequivocamente uma conduta dolosa ou gravemente negligente da parte, quando dos autos resultam apurados factos que demonstram o exercício abusivo do direito de acção ou de defesa, o qual deve proporcionar às partes a possibilidade de dirimir as questões de facto e de direito de forma equilibrada e razoável, sem receios de sanções decorrentes do entendimento do tribunal sobre as questões que lhe são submetidas”. Ora, face ao acima exposto é manifesto que aquilo que resulta da actuação processual do exequente é a defesa convicta da sua tese, no sentido de os documentos que apresentou constituírem títulos executivos, ainda que sem fundamento legal para tanto, mas sem que se possa afirmar que se está perante conduta dolosa ou gravemente negligente. E é quanto basta para concluir, nesta parte, que não há lugar à condenação do exequente como litigante de má fé. *** DECISÃO Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a decisão recorrida. Custas do recurso pelo exequente. 24 de Outubro de 2024 António Moreira Rute Sobral João Paulo Raposo |