Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3449/14.8TBCSC-H.L3-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Na expressão caso julgado cabem, em rigor, a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, muitas vezes designadas, respetivamente, como a “vertente negativa” e a “vertente positiva” do caso julgado.
II – A exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade de caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
MM, intentou incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra JV, alegando a falta de pagamento, por parte deste, da quantia de € 991,84, a título de metade da comparticipação devida em despesas de saúde e escolares do menor (de janeiro a junho de 2016, março de 2018 e janeiro de 2019).
Por decisão de 04-10-2019, o tribunal a quo julgou improcedente o pedido de condenação do requerido a pagar à requerente a quantia de € 991,84, a título de metade da comparticipação devida em despesas de saúde e escolares do menor.
Por acórdão de 19-12-2019, foi anulada a sentença proferida em 04-10-2019 pelo tribunal a quo, tendo sido determinado que devia ser substituída por outra em que especificasse os fundamentos de facto.
Por decisão de 17-03-2020, o tribunal a quo em cumprimento do decidido pelo acórdão de 2019-12-19, julgou como não provado o seguinte facto: De janeiro a junho de 2016, em março de 2018 e em janeiro de 2019, a mãe do menor suportou o valor total de € 1983,68, em despesas de saúde e escolares do menor.
Por acórdão de 19-11-2020, foi revogada a sentença proferida pelo tribunal a quo em 17-03-2020, na parte em que decidiu sobre a comparticipação do requerido nas despesas de saúde e escolares do menor, determinando o prosseguimento dos autos para sua apreciação.
Este tribunal ad quem entendeu que, face à oposição deduzida pelo requerido, por haver factos controvertidos, os autos ainda não dispunham de todos os elementos necessários para ser proferida decisão sobre o pedido.
Assim, para tal seria necessário produzir prova, nomeadamente, sobre os factos controvertidos enunciados (que foram para tal enumerados), e ainda sobre outros factos que o tribunal a quo entendesse por necessários para decisão.
Por decisão de 22-03-2022, o tribunal a quo, em cumprimento do decidido pelo acórdão de 19-11-2020, julgou como não provado o seguinte facto: De janeiro a junho de 2016, em março de 2018 e em janeiro de 2019, a mãe do menor suportou o valor total de € 1983,68, em despesas de saúde e escolares do menor.
Inconformada, veio a requerente apelar da sentença[1], tendo extraído das alegações[2],[3] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[4]:
1ª – A Sentença de que ora se recorre corresponde, quase na íntegra, relativamente à matéria de facto em questão, a uma repetição das decisões anteriormente proferidas em 04/10/2019, com a referência Citius 121354186, e em 17/03/2020, com a referência Citius 124298404;
2ª – O Tribunal recorrido julgou, de novo, improcedente o pedido da Requerente quanto à comparticipação do Requerido nas despesas de saúde e escolares do menor integralmente suportadas pela Mãe (de janeiro a junho de 2016, março de 2018 e janeiro de 2019), com a mesma fundamentação utilizada na Sentença anterior, de 17/03/2020;
3ª – Relativamente a esta matéria, o Tribunal de 1ª Instância julgou, novamente, como não provado o seguinte facto: “Pelo exposto e nesta parte, considera o Tribunal que, não tendo a mãe provado ter suportado despesas de saúde e escolares do menor, no período referido, cuja comparticipação devida pelo pai ascenda a € 991,84, tal comparticipação não é devida. Improcede, assim, o pedido.”;
4ª – Para fundamentar essa decisão, o Tribunal recorrido somente repetiu a análise de apenas 9 de 96 documentos (os documentos n. os 51 e 72; documento n.º 55; documento n.º 64; documento n.º 67; documentos n. os 74 e 75; documento n.º 82; e documento n.º 88) juntos pela Requerente;
5ª – A decidir assim, o Tribunal a quo ignorou o que foi decidido, neste particular, pelo Tribunal da Relação de Lisboa no douto Acórdão proferido em 19/11/2020 no âmbito dos presentes autos, já transitado em julgado;
6ª – A sentença de que ora se recorre viola o caso julgado material formado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 19/11/2020 nos presentes autos;
7ª – Incorrendo no mesmo erro de julgamento que já anteriormente havia incorrido “decorrente de concreta e flagrante desconformidade entre as respostas dadas e a prova produzida”;
8ª – O Tribunal a quo estava impedido de dar, novamente, por não provado, e com os mesmos fundamentos, que “- De janeiro a junho de 2016, em março de 2018 e em janeiro de 2019, a mãe do menor suportou o valor total de € 1.983,68 em despesas de saúde e escolares do menor.”;
9ª – Consequentemente, deve ser alterada a matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido, passando a dar por provado o seguinte facto: “- De janeiro a junho de 2016, em março de 2018 e em janeiro de 2019, a mãe do menor suportou o valor total de € 1.983,68 em despesas de saúde e escolares do menor.”;
10ª – Não tendo o Requerido produzido qualquer prova para intentar demonstrar a matéria por si alegada e estando definitivamente assente que a Requerente realizou as mencionadas despesas, deve aquele ser condenado a suportar metade do respetivo custo;
11ª - Consequentemente, não pode deixar de se julgar procedente o pedido da Requerente;
12ª - Decidindo como decidiu, o Tribunal recorrido violou, designadamente, o disposto nos arts. 580º nº 1, última parte e nº 2, e 619º nº 1 do CPC.
O requerido contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação da requerente.
O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação da requerente.
Colhidos os vistos[5], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[6],[7]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por MM, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:
1.) Saber se estão verificados os requisitos da exceção dilatória de caso julgado.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS
1.) Por decisão de 04-10-2019, o tribunal a quo julgou improcedente o pedido de condenação do requerido a pagar à requerente a quantia de € 991,8,4 a título de metade da comparticipação devida em despesas de saúde e escolares do menor, porque “a mãe não logrou provar ter suportado despesas de saúde e escolares do menor”.
2.)  Por acórdão de 2019-12-19, o tribunal ad quem anulou a decisão proferida pelo tribunal a quo, a qual devia ser substituída por outra que especificasse os fundamentos de facto.
3.) Por decisão de 17-03-2020, o tribunal a quo julgou como não provado o seguinte facto: - De janeiro a junho de 2016, em março de 2018 e em janeiro de 2019, a mãe do menor suportou o valor total de € 1983,68 em despesas de saúde e escolares do menor.
4.) E, consequentemente, não tendo a mãe provado ter suportado despesas de saúde e escolares do menor, no período referido, cuja comparticipação devida pelo pai (50%) ascendia a € 991,84, tal comparticipação não era devida, pelo que, julgou improcedente o pedido.
5.) Por acórdão de 2020-11-19, o tribunal ad quem revogou a sentença proferida pelo tribunal a quo, na parte em que decidiu sobre a comparticipação do requerido nas despesas de saúde e escolares do menor, determinando-se o prosseguimento dos autos para sua apreciação.
6.) Pois, vislumbrou um erro de julgamento, decorrente de concreta e flagrante desconformidade entre as respostas dadas e a prova produzida, alterou a resposta do facto não provado nº 1. 
7.) E, determinou a produção de prova, nomeadamente, sobre os factos controvertidos enunciados, e ainda sobre outros que o tribunal a quo entendesse por necessários para decisão.
8.) Por decisão de 22-03-2022, em cumprimento do determinado pelo acórdão de 2020-11-19, o tribunal a quo julgou como não provado o seguinte facto: - De janeiro a junho de 2016, em março de 2018 e em janeiro de 2019, a mãe do menor suportou o valor total de € 1983,68 em despesas de saúde e escolares do menor
9.) E, consequentemente, não tendo a mãe provado ter suportado despesas de saúde e escolares do menor, no período referido, cuja comparticipação devida pelo pai (50%) ascendia a € 991,84, tal comparticipação não era devida, pelo que, julgou improcedente o pedido.
2.2. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[8] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) SABER SE ESTÃO VERIFICADOS OS REQUISITOS DA EXCEÇÃO DILATÓRIA DE CASO JULGADO.
A apelante alegou que “o Tribunal de 1ª Instância julgou, novamente, como não provado o seguinte facto: “Pelo exposto e nesta parte, considera o Tribunal que, não tendo a mãe provado ter suportado despesas de saúde e escolares do menor, no período referido, cuja comparticipação devida pelo pai ascenda a € 991,84, tal comparticipação não é devida”.
Mais alegou que “A decidir assim, o Tribunal a quo ignorou o que foi decidido, neste particular, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão proferido em 19/11/2020, no âmbito dos presentes autos, já transitado em julgado”.
Assim, concluiu que “A sentença recorrida violou o caso julgado material formado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 19/11/2020, nos presentes autos”.
Vejamos a questão.
As exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgadoart. 580º/1, do CPCivil.
Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anteriorart. 580º/2 do CPCivil.
Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedirart. 581º/1 do CPCivil.
Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.ºart. 619º/1, do CPCivil.
O caso julgado tanto designa a qualidade de imutabilidade da decisão que transitou em julgado, como o conjunto dos efeitos jurídicos que têm o trânsito em julgado da decisão judicial por condição[9].
A exceção de caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior[10].
Nesta vertente, o caso julgado compreende limites (subjetivos e objetivos): pressupondo o caso julgado uma repetição de causas, a repetição pressupõe, por sua vez, identidade dos sujeitos, identidade do pedido e identidade da causa de pedir (art. 581.º do CPC).
Ao lado da exceção de caso julgado assente sobre a decisão de mérito proferida em processo anterior, existe a exceção de caso julgado baseada em decisão anterior proferida sobre a relação processual. À primeira chama-se “caso julgado material” e está regulada no art. 619.º do CPCivil e, à segunda chama-se “caso julgado formal” e, está regulada no art. 620.º do CPCivil.
Tanto o caso julgado material como o caso julgado formal pressupõem o trânsito em julgado da decisão. No entanto, enquanto o caso julgado formal tem apenas força obrigatória dentro do processo em que a decisão é proferida, o caso julgado material tem força obrigatória não só dentro do processo como, principalmente, fora dele[11].
O caso julgado material é uma proibição de contradição de uma decisão de mérito num processo posterior que, em conjugação com uma permissão de repetição, gera a autoridade de caso julgado e que em ligação com uma proibição de repetição, origina a exceção de caso julgado[12].
Na expressão caso julgado cabem, em rigor, a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, muitas vezes designadas, respetivamente, como a “vertente negativa” e a “vertente positiva” do caso julgado.
O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577º, al. i), segunda parte, 580º e 581. O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior[13].
A exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do de caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito[14].
Nos autos, por decisão de 17-03-2020, o tribunal a quo em cumprimento do decidido pelo acórdão de 2019-12-19, julgou como não provado o seguinte facto: De janeiro a junho de 2016, em março de 2018 e em janeiro de 2019, a mãe do menor suportou o valor total de € 1983,68, em despesas de saúde e escolares do menor.
Por acórdão de 2020-11-19, foi revogada a sentença proferida pelo tribunal a quo em 17-03-2020, na parte em que decidiu sobre a comparticipação do requerido nas despesas de saúde e escolares do menor, determinando o prosseguimento dos autos para sua apreciação.
Nesse acórdão de 2020-11-19, foi decidido que “por haver um erro de julgamento, decorrente de concreta e flagrante desconformidade entre as respostas dadas e a prova produzida, alterou a resposta do facto não provado nº 1”.
Assim, alterando essa resposta negativa, o tribunal ad quem considerou provado (por acordo, confissão, ou por documentos) que: 1. Em 2018-03-13, a apelante/ requerente solicitou ao apelado/requerido o pagamento da quantia de € 354,05, por despesas realizadas com o menor (documentos 2 a 8). 2. O apelado/ requerido em relação a estas despesas pagou, em 23 de março de 2018, as quantias de € 68,91 e € 11,85. 3. Em 2019-01-15, a apelante/ requerente solicitou ao apelado/requerido o pagamento da quantia de € 1627,36, por despesas realizadas com o menor (documentos 10 a 48). 4. O apelado/requerido em relação a estas despesas pagou, em 25 de janeiro de 2019, a quantia de € 569,59. 5. Em 2016-01-26, a apelante/requerente solicitou ao apelado/ requerido o pagamento da quantia de € 1023,18, por despesas realizadas com o menor (documentos 49 a 64). 6. A que acrescia o montante de pensão de alimentos que, de acordo com o regime provisório então em vigor, era de € 150,00. 7. O apelado/ requerido em relação a estas despesas e à pensão de alimentos, em 27 de janeiro de 2016, depositou a quantia de € 462,50. 8. As despesas de € 23,13 - Farmácia, € 7,50 - Farda fundação salesiana; € 27,79 - Farmácia, € 10,95 - Farmácia e € 70,00 - Consulta pedopsiquiatria Cadin, foram efetuadas em 27.11.2015, 10.12.2015, 14.12.2015 e 22.10.2015, respetivamente (documentos 51; 52; 53; 56 e 63). 9. Em 2016-02-25, a apelante/ requerente solicitou ao apelado/requerido o pagamento da quantia de € 953,32, por despesas realizadas com o menor (documentos 65 a 68). 10. A que acrescia o montante de pensão de alimentos que, de acordo com o regime provisório então em vigor, era de € 150,00. 11. O apelado/requerido em relação a estas despesas e à pensão de alimentos, em 26 de fevereiro de 2016, depositou a quantia de € 462,50. 12. O apelado/ requerido em relação a estas despesas e à pensão de alimentos, não pagou, pelo menos, a quantia de € 132,38. 13. A quantia de € 63,57, é relativa a despesas médicas e medicamentosas (referidas nos documentos 67 e 68). 14. Em março de 2016, a apelante/ requerente solicitou ao apelado/requerido o pagamento da quantia de € 842,29, por despesas realizadas com o menor (documentos 69 a 75). 15. A que acrescia o montante de pensão de alimentos que, de acordo com o regime provisório então em vigor, era de € 150,00. 16. O apelado/requerido em relação em relação a estas despesas e à pensão de alimentos, depositou a quantia de € 462,50. 17. A quantia de € 47,80, é relativa a despesas médicas e medicamentosas (referidas nos documentos 71 e 72). 18. O apelado/ requerido em relação a estas despesas, não  pagou, pelo menos, a quantia de € 85,25 (metade do preço das consultas do Cadin, no valor de € 80,00, e metade dos valores respeitantes a festas na escola, nos valores  de € 3,50 e de € 1,75). 19. Em abril de 2016, a apelante/requerente solicitou ao apelado/requerido o pagamento da quantia de € 687,07, por despesas realizadas com o menor (documentos 76 a 78). 20. A que acrescia o montante de pensão de alimentos que, de acordo com o regime provisório então em vigor, era de € 150,00. 21. O apelado/requerido em relação a estas despesas e à pensão de alimentos, depositou a quantia de € 462,50. 22. A quantia de € 659,95, é relativa a despesas médicas e medicamentosas (referidas nos documentos 76 e 77). 23. Em maio de 2016, a apelante/ requerente solicitou ao apelado/requerido o pagamento da quantia de € 755,69, por despesas realizadas com o menor (documentos 79 a 84). 24. A que acrescia o montante de pensão de alimentos que, de acordo com o regime provisório então em vigor, era de € 150,00. 25. O apelado/requerido em relação a estas despesas e à pensão de alimentos, depositou a quantia de € 462,50. 26. A quantia de € 90,06, é relativa a despesas médicas e medicamentosas (referidas nos documentos 81 a 84). 27. Em junho de 2016, a apelante/requerente solicitou ao apelado/requerido o pagamento da quantia de € 754,00, por despesas realizadas com o menor (documentos 85 a 88). 28. A que acrescia o montante de pensão de alimentos que, de acordo com o regime provisório então em vigor, era de € 150,00. 29. O apelado/requerido em relação a estas despesas e à pensão de alimentos, depositou a quantia de € 462,50. 30. A quantia de € 136,00, é relativa a despesas médicas e medicamentosas (referidas nos documentos 86 a 88)”.
Deste modo, determinou que “por os autos ainda não disporem de todos os elementos necessários para ser proferida decisão sobre o pedido, seria necessário produzir prova, nomeadamente, sobre os factos controvertidos enunciados, e ainda sobre outros que o tribunal a quo entendesse por necessários para decisão”.
Porém, por decisão de 22-03-2022, o tribunal a quo, em cumprimento do decidido pelo acórdão de 2020-11-19, julgou como não provado, o seguinte facto: De janeiro a junho de 2016, em março de 2018 e em janeiro de 2019, a mãe do menor suportou o valor total de € 1983,68, em despesas de saúde e escolares do menor.
Assim, tendo o acórdão de 2020-11-19, transitado em julgado, por força do caso julgado, a questão de saber se a mãe do menor não tinha suportado em despesas de saúde e escolares do menor, o montante de € 1983,68, não mais poderia ser discutida por este tribunal.
Temos, pois, se quanto às despesas suportadas pela mãe do menor foram dados como provados determinados factos em relação às mesmas, como poderia vir agora o tribunal a quo dizer que não se provaram tais despesas, em violação do caso julgado.
Ao fazê-lo, decidindo novamente que não se provaram as despesas suportadas pela mãe do menor, o tribunal a quo, com a sua decisão de 22-03-2022, desrespeitou o decidido pelo acórdão de 2020-11-19, violando, como se disse, o caso julgado, imposto pela decisão proferida pelo acórdão de 2020-11-19.
Deste modo, tendo o acórdão de 2020-11-19, já transitado em julgado, apreciado a questão, isto é, ter alterado a resposta do facto não provado nº 1, por força do caso julgado, estava o tribunal a quo impedido de voltar a apreciar a mesma questão.
 Não podia pois, o tribunal a quo por força do caso julgado, dar novamente como não provado que: De janeiro a junho de 2016, em março de 2018 e em janeiro de 2019, a mãe do menor tenha suportado o valor total de € 1716,52 em despesas de saúde e escolares do menor.
Concluindo, havendo uma decisão judicial, transitada em julgado, que decidiu alterar a resposta do facto não provado nº 1, pelo caso julgado, essa questão teria de se impor e ser acatada pelo tribunal a quo.
Ora, o tribunal a quo ao invés de dar cumprimento ao ordenado, isto é, prosseguir com os autos para produção de prova sobre os factos controvertidos, decidiu, novamente, dar como não provado que: De janeiro a junho de 2016, em março de 2018 e em janeiro de 2019, a mãe do menor tenha suportado o valor total de € 1716,52 em despesas de saúde e escolares do menor.
Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo desrespeitou a decisão proferida por este tribunal ad quem, que determinou a produção de prova, nomeadamente, sobre os factos controvertidos enunciados, e ainda sobre outros que entendesse por necessários para decisão.
Face a tal decisão, por violação do caso julgado, há que revogar a sentença proferida pelo tribunal a quo, determinando, mais uma vez, o prosseguimento dos autos para produção de prova, nomeadamente, sobre os factos controvertidos já enunciados e, ainda sobre outros que o tribunal a quo entenda por necessários para decisão.
Destarte, nesta parte, procedem as conclusões 1ª) a 12ª), do recurso de apelação
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em revogar a sentença proferida pelo tribunal a quo, por violação do caso julgado, determinando, mais uma vez, o prosseguimento dos autos para produção de prova, nomeadamente, sobre os factos controvertidos já enunciados, e ainda sobre outros que se entenda por necessários para decisão da causa.
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pelo apelado (na vertente de custas de parte, por outras não haver[15]), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencido[16].
*
Os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões – art. 4º/1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30.07 (sub. nosso).
Como se referiu, o tribunal a quo ao invés de dar cumprimento ao ordenado, isto é, prosseguir com os autos para produção de prova sobre os factos controvertidos, decidiu, quando já não o podia fazer, por força do caso julgado, dar, uma vez mais, como não provado que: De janeiro a junho de 2016, em março de 2018 e em janeiro de 2019, a mãe do menor tenha suportado o valor total de € 1716,52 em despesas de saúde e escolares do menor.
Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo desrespeitou a decisão proferida em 19-11-2020 por este tribunal ad quem, que determinou a produção de prova, nomeadamente, sobre os factos controvertidos enunciados, e ainda sobre outros que entendesse por necessários para decisão.

Concluindo, porque o tribunal a quo desrespeitou a decisão proferida por este tribunal ad quem, determinando com isso, um acréscimo de custos para as partes e atrasos processuais, extraia e envie ao Conselho Superior da Magistratura, para os fins tidos por convenientes, certidão com as decisões singulares/ acórdãos/requerimentos das partes de 04-10-2019, 19-12-2019, 17-03-2020, 19-11-2020, 20-10-2021, 06-12-2021 (notificação para as partes apresentarem prova), 03-01-2022, 04-01-2022, 10-01-2022, 25-02-2022, 22-03-2022 (despacho proferido em violação de caso julgado), 26-04-202224-05-2022 (despacho a não admitir o recurso), 01-09-2022 (o tribunal ad quem entendeu que houve violação de caso julgado),18-10-2022, 01-09-2022 e, 2022-11-10.

Lisboa, 2022-11-10[17],[18]
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva
Pedro Martins (com voto de vencido)

Voto de vencido[19],[20]:

Voto vencido quanto à fundamentação da revogação e quanto à decisão de comunicação que consta do acórdão:
Considero que o que se verifica é uma falta de cumprimento do decidido no anterior acórdão deste TRL transitado em julgado - o que já permite a aplicação do art. 629/2-a do CPC -, sendo esta a razão pela qual a nova sentença deve ser revogada. Por isso, considero que não deviam ser feitas quaisquer considerações sobre a excepção ou a autoridade do caso julgado, pois que não é isso que está em causa no caso.
Falta de cumprimento que, no máximo, se pode pensar que resultou de um descuido, derivado de não se ter lido todo o acórdão ou de não o ter presente na íntegra aquando da nova decisão (sendo que mediou entre os dois momentos um longo período de tempo, por vicissitudes que não têm origem apenas no tribunal recorrido – e o processo já vai no apenso I, sendo que o apenso H, só por si, já tem 30 actos das partes e 42 actos de magistrado, o que é indício suficiente da dimensão que o processo assume e da impraticabilidade de, a cada novo acto do tribunal, se estar a ler todo o processo, ou partes substanciais do mesmo, de novo), o que não indicia qualquer ilícito disciplinar e, por isso, não vejo razão para participação do caso ao CSM, votando contra tal participação.
Note-se que o acórdão, na sua decisão, na parte que importa, se limitou a determinar o prosseguimento dos autos para apreciação da questão sobre a comparticipação do requerido nas despesas de saúde e escolares do menor, sem remeter para o local preciso das suas 29 páginas donde decorria a necessidade de decisão sobre 24 quesitos formulados pelo acórdão, pelo que se compreende que, numa leitura menos cuidada, se tenha partido do princípio de que se tratava de dar seguimento a um incidente (com notificação para produção de prova, como foi feito), e não da necessidade de resposta a quesitos. Repare-se também que nem a mãe/recorrente/advogada em causa própria dá conta da falta de resposta a esses quesitos, não dedicando ao assunto uma linha que seja das suas alegações.
Pedro Martins

[1] Diz-se «sentença» o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa – art. 152º, nº 1, do CPCivil.
[2] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[3] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.
[4] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[5] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[6] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.
[7] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[8] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art. 3º, nº 3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.
[9] RUI PINTO, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar Online, novembro de 2018, p. 2.
[10] O caso julgado constitui uma exceção dilatória, que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-07-12, Relator: MOREIRA CAMILO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[11] ANTUNES VARELA - MIGUEL BEZERRA - SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pp. 308/309.
[12] TEIXEIRA DE SOUSA, O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325º, p. 179 e ss. apud Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2015-07-02.
[13] RUI PINTO, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar Online, novembro de 2018, p. 6.
[14] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 4ª ed., p. 599.
[15] Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do nº 1 do artigo 529º, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[16] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil.
[17] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º, nº 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.
[18] Acórdão assinado digitalmente.
[19] O acórdão definitivo é lavrado de harmonia com a orientação que tenha prevalecido, devendo o vencido, quanto à decisão ou quanto aos simples fundamentos, assinar em último lugar, com a sucinta menção das razões de discordância – art. 663º, nº 1, do CPCivil.
[20] Funcionando em regime de colegialidade, se algum dos juízes discordar da decisão ou de algum dos seus fundamentos, expressá-lo-á mediante a apresentação de voto de vencido ou de declaração de voto – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.