Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1136/22.2T8PDL.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: COMISSÃO DE SERVIÇO
ADENDA AO CONTRATO DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
NULIDADE
DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I.A deliberação é o modo do conselho de administração de uma sociedade, enquanto órgão colegial, formar a sua vontade e isso pressupõe a sua convocação, reunião, discussão e apuramento da maioria dos votos para sobre cada assunto, do que deve ser lavrado acta (art.os 410.º e 446.º-B, n.º 1 do CSC).

II.É nula, por abuso de representação na forma de colusão, a adenda aposta a um contrato de trabalho a conceder uma indemnização a um trabalhador (jurista) de uma sociedade anónima pela cessação antecipada de comissão de serviço, o que inicialmente não estava previsto, sem deliberação do Conselho de Administração, ainda que assinada pela maioria dos seus membros, pois daí resulta evidente e objectivo prejuízo para a sociedade (art.os 411.º do CSC e 281.º do CC).


(Elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


IRelatório.


AAA intentou a presente acção declarativa com, processo comum, contra PA, SA, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 49.342,02, por conta desta compensação por cessação contratual, assim como da quantia de € 3.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com acréscimo dos juros de mora, alegando, em síntese, que
estava admitida ao serviço da Ré, mediante um contrato de comissão de serviço, desde 6 de Janeiro de 2020, para exercer funções de adjunta do conselho de administração na área jurídica, em cumulação com as de advogada da empresa;
muito embora as partes, na negociação deste contrato, tenham ajustado a fixação de uma compensação em caso de cessação contratual por iniciativa da empresa, só mais tarde a Autora se apercebeu que, por lapso, tal compensação não havia sido consagrada no respectivo clausulado;
e só mais tarde, então, se procedeu à rectificação do contrato nos termos acima definidos, passando o mesmo a incluir tal referida compensação;
após a tomada de posse de um novo conselho de administração, a Autora recebeu, da parte do mesmo, um tratamento indigno e desrespeitoso, que lhe causou insegurança e incerteza enquanto trabalhadora, assim sucedendo até à cessação do contrato promovida pela empresa;
e, com esta cessação contratual, não lhe foi pago, pelo menos de forma integral, o valor correspondente à referida indemnização, estando a mesma em falta.

Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Para tal notificada, a ré contestou, pedindo a sua absolvição do pedido, para o que:
impugnou os factos que fundamentam este pedido de indemnização por danos não patrimoniais e
alegou que a cláusula compensatória invocada pela autora, aposta em momento posterior à celebração do contrato, não foi objecto de deliberação do seu conselho de administração, nem foi autorizada pela tutela regional (sectorial e financeira), sendo falsa, por conter elementos desconformes com a realidade, material e jurídica, para além de ilegal, por não observar as normas que regulam este contrato, nunca podendo, de resto, e em todo o caso, ser calculada no valor indicado pela autora.

De seguida foi proferido despacho a fixar o valor da acusa, dispensar a realização da audiência prévia, enunciar os temas de prova, julgar a instância válida e regular, admitir as provas arroladas pelas partes e reafirmar a data para realização da audiência de julgamento.

Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz proferiu a sentença, na qual julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 3.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com acréscimo dos juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da citação até definitivo e integral pagamento e absolveu-a do que mais foi peticionado.

Inconformada, a autora interpôs recurso, pedindo que a sentença proferida seja revogada a alínea b) da decisão da sentença recorrida e substituída por acórdão que julgue procedente o pedido de condenação da recorrida a pagar-lhe a quantia de € 49.342,02, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
(…)

Contra-alegou a ré, pedindo a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.

Admitido o recurso na 1.ª Instância e remetido a esta Relação, foram os autos com vista ao Ministério Público,[1] tendo A Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta sido de parecer que o recurso não merece provimento, devendo a sentença ser confirmada.

Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.

Colhidos os vistos,[2] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, sem prejuízo embora de se dever atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[3] Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, importa apreciar as seguintes questões:

i.–a impugnação da decisão proferida acerca dos seguintes factos:
• provados n.os 24. a 26.;
• não provados a) e b); e
• alegada nos art.os 10.º e 11.º da petição inicial, nela ignorados;
ii.–a compensação da apelante pela cessação antecipada da comissão de serviço na apelada.
***

IIFundamentos.

1.Factos julgados provados:
"1.–Portos dos Açores, SA é uma sociedade anónima de capitais públicos.
2.–AAA é advogada e jurista de profissão.
3.–Em 6 de Janeiro de 2020, a Autora e a Ré ajustaram, por escrito, um acordo denominado 'Acordo para o Exercício de Cargo em Regime de Comissão de Serviço n.º 01/2020', pelo prazo de 3 anos, com término em 5 de Janeiro de 2023.
4.–Este acordo havia sido objecto, em 13 de Dezembro de 2019, de deliberação do conselho de administração (CA) da Ré, à data em funções, composto pelo Presidente (…) e por dois Vogais, (…) e (…).
5.–E foi outorgado pela Autora e pelos representantes legais da Ré, à data, o presidente do CA, (…) , e o vogal do CA, (…).
6.–Em 22 de Agosto de 2019, a Ré, na pessoa do então presidente do CA, (...), havia dirigido ofício à Secretária Regional dos Transportes e Obras Públicas, com a tutela do sector de actividade, solicitado aprovação para a contratação de um(a) 'trabalhador(a)' para a Ré, para desempenhar as funções de assessoria na área dos Recursos Humanos.
7.–Aí se fazendo menção a contratação de um 'trabalhador' com uma remuneração de chefia de nível III, com 25% de subsídio de isenção de horário de trabalho.
8.–Mais constava que tal admissão tinha os encargos previstos no orçamento da Ré.
9.–A aprovação da contratação foi concedida pela Secretária Regional dos Transportes e Obras Públicas, que, na sequência, também ela requereu autorização para a contratação ao Vice-Presidente do Governo Regional, com a tutela das Finanças.
10.–A aprovação, pela tutela financeira, foi concedida, em 29 de Setembro de 2019.
11.–Tendo a mesma como referência uma remuneração base de € 2166,10 (equivalente a chefia nível III), acrescida de um subsídio de alimentação diário no valor de € 10,00 e regime de isenção de horário de trabalho de 25% sobre o vencimento base, por tais encargos terem suporte no orçamento da Ré para o ano 2019.
12.–Na sequência desta aprovação da tutela sectorial e da tutela financeira, o CA à data em funções, em reunião de 13 de Dezembro de 2019, deliberou: 'Ponto 29 – Informação n.º de … 2019 – Nomeação em comissão de serviço para cargo de Adjunta do Conselho de Administração.
Considerando o teor da informação n.º    de …2019, que fica a fazer parte integrante da presente deliberação, o Conselho de Administração deliberou, por unanimidade, nomear em comissão de serviço pelo período de 3 (três) anos, a Dra. AAA, Adjunta do Conselho de Administração para a área jurídica, incluindo contratação pública e matérias laborais, equiparada ao nível de chefia III, com um vencimento base às zero diuturnidades de 2.166,10€ (dois mil cento e sessenta e seis euros e dez cêntimos), acrescido de um subsídio de isenção de horário de trabalho (IHT) de 25% da remuneração do cargo às zero diuturnidades'.
13.Em cumprimento dessa deliberação, os serviços administrativos da Ré elaboraram a respectiva minuta do acordo, tendo (…), então chefe do departamento dos recursos humanos da Ré, em 18 de Dezembro de 2019, remetido à Autora, por email, esta minuta, para análise.
14.Em resposta, a Autora, por email de 20 de Dezembro, devolveu a minuta apresentada pela Ré.
15.Tal email tinha o seguinte teor:
'Boa tarde, Dr.ª (…),
Remeto a minuta do contrato que endereçou, cuja análise não mereceu qualquer alteração, aproveitando, apenas, para completar os meus dados, na qualidade de segunda outorgante, conforme conversado
(…)
cumprimentos,
AAA

16.Mediante este acordo, mencionado nos números anteriores, a Autora passou a exercer o cargo de adjunta do CA para a área jurídica.
17.As suas funções ainda incluíam matérias laborais e de contratação pública, em cumulação com as de advogada da empresa, sendo equiparada, para efeitos de estrutura orgânica da empresa e de retribuição, ao 'nível de chefia III'.
18.Ajustando as partes, nos termos definidos no número anterior, que a Autora representava a Ré 'em processos judiciais e outras diligências forenses, e em cujo exclusivo interesse praticará actos próprios de advogado'.
19.Ainda ao abrigo deste acordo, a retribuição mensal correspondente ao cargo de chefia de nível III, valor ilíquido, era de € 2166,10, à qual acrescia o valor de € 541,53, correspondente a 25% da remuneração do cargo de Adjunta do CA, pelo exercício do respetivo cargo em regime de isenção de horário de trabalho, acrescido de subsídio de refeição no valor diário de € 11,00.
20.Durante a vigência deste acordo, pelo exercício de funções de advogada da empresa por parte da Autora, a Ré pagava-lhe, de forma mensal, a respectiva contribuição para a Caixa de Providência dos Advogados, no valor de € 251,38, e a quota anual da Ordem dos Advogados, no valor de € 345,30.
21.Em 23 de Março de 2020, a Autora, o presidente do CA da Ré, (...), e o vogal do CA da Ré, (…), apuseram a sua assinatura num escrito com o seguinte teor:
'Aditamento ao Acordo para o Exercício de Cargo em Regime de Comissão de Serviço n.º 1/2020
Entre:
Portos dos Açores, SA (…), neste acto representada por (…), (…), e por (…), na qualidade de, respectivamente, Presidente e Vogais do Conselho de Administração,
E
AAA (…)
É livremente, e de boa fé, celebrado o presente Aditamento ao acordo para o exercício de cargo em regime de comissão de serviço, celebrado em 6 de Janeiro de 2020, e que dele faz parte integrante, nos termos e com as cláusulas seguintes:

Cláusula 1.ª
Aditamento às Funções
À cláusula primeira do acordo para o exercício de cargo em regime de comissão de serviço são aditadas as seguintes funções:
(…)

Cláusula 2.ª
Retribuição
Com o aditamento de funções atribuídas à Segunda Outorgante, mencionadas na cláusula 1.ª do presente Aditamento, a Segunda Outorgante aufere a retribuição mensal correspondente ao cargo de chefia de Nível II, cujo valor base ilíquido actual, com 0 (zero) diuturnidades, é de € 2675,30 (…).

Cláusula 3.ª
Regime de IHT
Pelo exercício do seu cargo em regime de isenção de horário de trabalho, a Segunda Outorgante tem direito a uma retribuição acessória (subsídio IHT) no valor de € 936,36, correspondente a 35% da remuneração prevista na cláusula anterior (…).

Cláusula 4.ª
Entrada em vigor
O presente aditamento entra em vigor no dia 1 de Abril de 2020'.

22.Este 'Aditamento' foi celebrado:
a)-sem que o CA da Ré tenha realizado uma 'reunião' e proferido uma 'deliberação' a determinar a sua celebração;
b)-mas com o presidente do CA, em momento anterior, não concretamente determinado, a dar conhecimento do teor do mesmo, pelo menos de forma verbal, aos dois vogais do CA, (…) e (…).
23.E sem que, para além do descrito em 6), 7), 8), 9), 10) e 11), houvesse outro 'procedimento de autorização' da tutela regional, sectorial e financeira.
24.Em momento posterior, não concretamente determinado, mas pelo menos a partir de Outubro de 2020, a Autora instou o presidente do CA da Ré, (...), para a necessidade de consagração na sua 'comissão de serviço' de uma cláusula ao abrigo da qual, no caso de 'denúncia' deste acordo por 'exclusiva iniciativa' da Ré (do seu CA), seria atribuída uma compensação pecuniária à Autora.
25.Pretendia a Autora a fixação desta cláusula de forma a que, cessando a sua 'comissão de serviço' por iniciativa da Ré, teria direito a uma compensação pecuniária para fazer face aos primeiros tempos de regresso a uma profissão liberal.
26.O presidente do CA manifestou concordância com o descrito nos dois números anteriores.
27.Em 30 de Outubro de 2020, na sequência de eleições regionais realizadas durante esse mês de Outubro, o presidente do CA da Ré, (...), declarou 'renunciar ao mandato', mantendo-se ainda titular deste cargo durante o mês de Novembro seguinte.
28.Ainda 30 de Outubro de 2020, a Autora enviou ao vogal do CA, (…), um email, com o seguinte teor:
'Caro Dr. (…),
O aditamento a fazer será acrescentar um número (n.º 3) à cláusula 5.ª (PRAZO do acordo) no acordo celebrado entre mim e a PA no dia 6 de Janeiro de 2020:
5.3- No caso de cessação da presente comissão de serviços pelo Conselho de Administração, nos termos da alínea c) do número anterior, a PA, S.A. deverá pagar à Segunda Outorgante uma compensação no valor equivalente a um ano de vencimentos da chefia.
Esta é a redacção que deve ser enviado ao (…), para acertar no acordo celebrado a 6 de Janeiro deste ano'.
29.Em 3 de Novembro de 2020, o vogal do CA, (…), enviou um email ao director dos recursos humanos da Ré, (…), com o seguinte teor:
'5.3- No caso de cessação da presente comissão de serviços pelo Conselho de Administração, nos termos da alínea c) do número anterior, a PA, S.A. deverá pagar à Segunda Outorgante uma compensação no valor equivalente a um ano de vencimentos da chefia e remunerações acessórias'.
30.Em 6 de Novembro de 2020, o vogal do CA, (…), enviou ao director de recursos humanos um email, contendo, em anexo, um escrito contendo o acordo mencionado em 3), com a mesma data, 6 de Janeiro de 2020, fazendo nele constar um novo ponto (o ponto 3, na cláusula 5.ª), com o seguinte teor: '5.3 No caso de cessação da presente comissão de serviços pelo Conselho de Administração, nos termos da alínea
c)-do número anterior, a Primeira Outorgante deverá pagar à Segunda Outorgante uma compensação no valor equivalente a um ano de vencimentos da chefia'.
31.Este email tinha o seguinte teor:
'Caro (…)
Conforme combinado, junto segue o contrato depois de assinado por todas as partes, após detecção de incorrecção numa das cláusulas do mesmo.
Com os melhores cumprimentos.
(…).
32.Em data não concretamente determinada de Novembro de 2020, a Autora, o presidente do CA da Ré, (...), e o vogal do CA da Ré, (…), apuseram a sua assinatura num escrito com o seguinte teor:
'Acordo para o Exercício de Cargo em Regime de Comissão de Serviço n.º 1/2020 Entre:
Portos dos Açores, SA (…), neste acto representada por (…), e por (…), na qualidade de, respectivamente, residente e Vogal do Conselho de Administração,
E
AAA (…)
É livremente, e de boa fé, celebrado o presente acordo para o exercício de cargo em regime de comissão de serviço (…) com as cláusulas seguintes:
(…)

Cláusula 5.ª
Prazo
(…)
5.3.- No caso de cessação da presente comissão de serviço pelo Conselho de Administração, nos termos da alínea c) do número anterior, a Primeira Outorgante deverá pagar à Segunda Outorgante uma compensação no valor equivalente a um ano de vencimento da chefia.
(…)
Horta, 06 de Janeiro de 2020'.

33.Fizeram-no sem que o CA da Ré tenha realizado uma 'reunião' e proferido uma 'deliberação' a determinar a assinatura deste escrito.
33.1.-Mas com o presidente do CA, em momento anterior, não concretamente determinado, a dar conhecimento do teor do mesmo, pelo menos de forma verbal, aos dois vogais do CA, (…) e (…)
34.E sem que, para além do descrito em 6), 7), 8), 9), 10) e 11), houvesse outro 'procedimento de autorização' da tutela regional, sectorial e financeira.
35.Este escrito, após ser assinado, foi entregue ao responsável do serviço de recursos humanos da Ré em Ponta Delgada.
36.Em Fevereiro de 2021, a Ré nomeou a Autora, de forma transitória, como coordenadora do departamento de comunicação e marketing.
37.Cargo que tinha ficado vago na sequência da saída do seu anterior responsável, em Novembro de 2020.
38.Esta função foi exercida pela Autora sem acréscimo remuneratório, durante cerca de seis meses.
39.No exercício de tais funções, em cumulação com as previstas na sua 'comissão de serviço', a Autora promoveu um conjunto de alterações para a melhoria da área da comunicação da empresa.
40.Nos termos definidos no número anterior, promoveu-se:
a)-criação de uma email específico para o departamento (que não existia);
b)-criação de uma nova intranet (para substituir a anterior), a partir da qual todas as comunicações, orientações, deliberações e demais informações passaram a ser ali colocadas e acedidas pelos trabalhadores;
c)-atribuição da gestão das redes sociais e do sítio de internet a outros funcionários da Ré;
d)-disponibilização de um computador, em cada secção, para os funcionários que, pela natureza das suas funções, não dispunham deste tipo de equipamento.
41.Dentro das funções que lhe estavam atribuídas, a Autora representou a Ré em negociações que envolveram os sindicatos dos trabalhadores, tendo sido alcançados os objectivos propostos e apoio à Direcção de Operações.
42.Em 16 de Junho de 2021, foram nomeados os novos órgãos sociais da Ré, passando o CA a ser composto por: Presidente – (…); Vogais – (…) e (…) este último a transitar do anterior CA).
43.Os pelouros da Ré passaram a estar distribuídos pelos seus respectivos membros, da seguinte forma: (…) (Presidente) – Direcção de Operações; Manutenção e Projectos, Obras Portuárias e Sistemas de Informação; (…) (Vogal) – Direcção Financeira; Auditoria Interna; (…) (Vogal) – Administrativo e Recursos Humanos; Jurídico e Contratação Pública; Qualidade, Ambiente e Segurança; Comunicação e Marketing.
44.Na sequência do descrito nos dois números anteriores, a Autora continuou a reportar de fora directa ao CA.
45.Participou em reuniões com os sindicatos (OFICIAISMAR), em 19 de Julho de 2021.
46.Voltando a fazê-lo em 6 de Outubro seguinte, na sequência do pré-aviso de greve dos pilotos, em que representou a Ré, conforme orientações do CA.
47.Com a tomada de posse do novo CA, a Autora manteve, também, a coordenação do departamento de comunicação e marketing.
48.Em 10 de Agosto de 2021, a Autora foi informada pelo CA de que a coordenação deste departamento de comunicação e marketing passaria para outro funcionário.
49.Nomeação esta com efeitos reportados a 6 de Agosto de 2021.
50.Ainda no dia 10 de Agosto de 2021, foi solicitado à Autora que elaborasse o comunicado de nomeação do novo coordenador do departamento de comunicação e marketing e o divulgasse na intranet, portal interno e por email.
51.Em 11 de Setembro de 2021, foi solicitado à Autora pela vogal do CA, (…), a elaboração da resposta a um ofício recepcionado pela Ré, constante do sistema de gestão de documentação na distribuição com referência EDOC/2021/10790 e com o assunto:
'Operações portuárias. Paragem nas operações de carga/descarga no período das 20h00 às 21h00'.
52.A Autora elaborou a solicitada minuta de resposta, que anexou à sua etapa como 'documento word', com designação 'resposta ao ofício do –. Docx'.
53.E remeteu-a, em 17 de Setembro, para os 3 membros do CA.
54.A vogal do CA, (…), em 20 de Setembro de 2021, remeteu à Autora, com cópia para os restantes membros do CA, o seguinte despacho: 'Tomei conhecimento, e ainda que concorde com o teor da resposta, remeto nova proposta que apenas altera o tom/forma escrita, e para qual agradeço o devido seguimento. Dou cópia aos restantes elementos do CA, que foram previamente informados sobre esta proposta de alteração'.
55.Então, não foi anexada 'nova proposta que apenas altera o tom/forma escrita'.
56.Sendo anexado e enviado à Autora uma minuta de ofício com o assunto 'Cessação de Comissão de Serviço' da Autora, com 4 páginas, documento designado por (…). Docx'.
57.Neste ofício era mencionada a decisão de cessar a 'comissão de serviço' da Autora, tomada pelo CA por deliberação em 5 de Agosto de 2021.
58.E que a mesma produzia efeitos a partir de 1 de Outubro de 2021.
59.Constava ainda deste ofício:
'tendo ocorrido a eleição de novos membros do Conselho de Administração, com novas representações e lideranças, a manutenção da comissão de serviço com V. Exa. deixa de contar com o suporte da apontada relação de confiança, uma vez que não reúne mais os mesmos pressupostos que anteriormente, o que é factor que não deixa de se repercutir reflexamente na decisão de não manutenção do acordo de comissão de serviço em referência';
'como referido e de novo se acentua, está em curso a preparação duma nova estrutura e organização da Portos dos Açores, S.A., o que implica que seja primordial a total identificação, quer de enquadramento funcional, quer de confiança pessoal, entre o Conselho de Administração e os respectivos Assessores/Adjuntos na operacionalização dos novos desafios, identificação aquela que, relativamente a V. Exa e de acordo com os contactos laborais já até aqui mantidos com a sua pessoa, também não se verifica da parte do Conselho de Administração da (…), SA., o que não deixa de ter inegável reflexo no contexto laboral, designadamente em vista da efectivação dos planos seguintes (que se pretende, em geral, reforçar e promover e como que entendemos dever contar com distintos protagonistas, de modo a assegurar-se uma concomitante relação de confiança interpessoal e interlaboral-institucional):
posturas profissionais assentes em visões não individualistas, privilegiando-se o trabalho de equipa, de acordo com o que se pretende implementar nos serviços desta Autoridade Portuária;
posturas profissionais assentes numa constante abordagem crítica positiva do trabalho desenvolvido por outros colegas, no sentido da não desvalorização do mesmo;
sentido de autocrítica, de modo a fomentar o reconhecimento dos respectivos erros e, assim, da respectiva rectificação, em vista de se contribuir para a respectiva evolução técnica (essencial para os interesses da (…), SA);
Específica noção da estrutura orgânica da empresa, contribuindo decisivamente para a observação da estrutura orgânica definida na empresa, sem prejuízo para a mesma;
Eliminação de questões susceptíveis de potenciar conflitos interpessoais ou institucionais-orgânicos-internos – seja em propostas regulamentares, seja em trabalho produzido, jurídico ou não (…)
capacidade de estabelecer salutares relações produtivas de trabalho com a generalidade dos trabalhadores da (…), SA, nomeadamente afectos aos serviços de apoio ao Conselho de Administração;
observância das obrigações dirigidas à generalidade dos trabalhadores, quando, na visão a implementar na empresa, se entende ser especialmente exigível às chefias superiores o respetivo cumprimento' (cit. doc. 8).

60.Ao verificar o referido ofício, a Autora sentiu-se surpreendida e confusa, por não esperar uma cessação da sua 'comissão'.
61.E, pelo descrito em 59), sentiu-se ainda magoada, triste e humilhada perante colegas.
62.Este ofício estava acessível a diversos utilizadores do (…): funcionário identificado na etapa 1, que iniciou o (…); chefe dos recursos humanos àquela data; os três membros do CA; o coordenador dos recursos humanos na Ilha de São Miguel e o director do serviço de recursos humanos e do serviço jurídico da Ré.
63.Na sequência do descrito em 56), 57), 58) e 59), a Autora enviou, na etapa 10, para os três membros do CA, em simultâneo, a seguinte comunicação:
'À Sra. Administradora, 1- o documento anexo à sua etapa não corresponde ao teor e conteúdo da presente distribuição nem compreende qualquer correcção à proposta de resposta que a signatária juntou na sua etapa 6. Pelo que, para os efeitos pretendidos no seu despacho, solicito que junte o documento correcto. 2- Relativamente ao ofício que a VCA anexou na etapa anterior, com o assunto' CESSAÇÃO DE COMISSÃO DE SERVIÇO de AAA, aguardarei que o mesmo me seja remetido pelos meios oficiais, como de direito'.
64.Após, no dia 21 de Setembro, a vogal do CA, (…), solicitou à Autora a sua presença no seu gabinete, dizendo-lhe que o descrito em 56), 57), 58) e 59) havia sido 'um lapso'.
65.No dia 23 de Setembro, às 07:37 horas, o presidente do CA, (…), que se encontrava fora da Região dos Açores, enviou mensagem, via whatsapp:
'Bom dia Dra. AAA. Podemos falar um pouco hoje, por aqui (estou na Rússia)'.
66.A Autora respondeu ao presidente do CA, na mesma data, às 09:03 horas:
'Bom dia, Comandante Terra. Sim, podemos'.
67.Após, no dia 27 de Setembro de 2021, às 16:30 horas, o presidente do CA comunicou à Autora que reunisse com os três membros do CA, de forma presencial, na sala de reuniões da Ré, em Ponta Delgada.
68.Esta reunião foi dirigida pelo presidente do CA.
69.Então, pelo presidente do CA foi dito ter-se tratado de um lapso da vogal do CA o envio do ofício descrito em 56), 57), 58) e 59).
70.E que a Autora 'deveria não considerar' o conteúdo deste ofício.
71.Mais acrescentou que a Ré estava a preparar uma nova estrutura orgânica.
72.E que a Ré não pretendia prescindir da Autora.
73.Na mesma data, o ofício e a resposta da Autora mencionados em 56), 57), 58), 59) e 63) foram retirados do (…).
74.Sendo estes elementos eliminados do sistema de gestão documental da Ré, como se nunca ali estivessem estado, por determinação nesse sentido da vogal do CA, (…).
75.E tendo ambos constado da distribuição (…) até ao dia 27 de Setembro, às 13:41 horas, momento em que, após a eliminação das etapas 9 e 10, foi anexado o ofício de resposta da (…) 'resposta+ao+oficio+do+STPGO+AAA (3) docx'.
76.Ainda em 27 de Setembro, às 19:30 horas, o presidente do CA enviou, via whatsapp, a seguinte mensagem à Autora:
'Obrigado pela disponibilidade de hoje. Espero ter ajudado a compreender melhor o barco onde todos estamos! Sem agenda própria, sem agendas de outros, estou na PA para a servir.
Se ficou alguma dúvida por esclarecer ou se for necessária alguma coisa, estou sempre disponível. Nunca serei rico, não sei tudo e estou a aprender todos os dias! Encaro-a como uma mais valia para a empresa, já o tinha dito e voltei a repeti-lo hoje. No final, apenas levarei a minha palavra e a consciência tranquila de nunca a ter prejudicado ou beneficiado ninguém injustamente, daí ser importante para mim a clarificação de hoje. Espero que o tempo resolva o que falta e que a motivação para ser a nossa melhor jurista persista. Grato.
Até breve'.

77.A Autora enviou a seguinte resposta:
'Agradeço a igual disponibilidade. Os esclarecimentos que se demonstraram mais relevantes, realcei, hoje, na presença dos elementos do CA. O demais será revelado pelo tempo e com o tempo. A  PA merece um bom tratamento. Eu mereço um bom tratamento pela minha qualidade e conhecimento. As opiniões pessoais, deixo-as para cada um, mas envio-lhe o que me foi enviado [ofício de cessação do contrato] e que constava do (…) que, entretanto, já foi removido por alguém do (…), que se julgava registar tudo definitivamente, para que compreenda, também, a minha posição face a todas as circunstâncias. De resto, espero que consiga levar a PA a bom porto, da forma mais isenta e empresarial que a mesma, na sua génese, precisa'.
78.Após, a Autora continuou a exercer as suas funções, nos termos definidos nos números anteriores, sem qualquer alteração.
79.Acreditou, com referência ao descrito em 56), 57), 58) e 59), que 'o assunto estava encerrado'.
80.E que havia sido um lapso.
81.Em 6 de Outubro de 2021, na sequência de um pré-aviso de greve dos pilotos, o CA determinou que fosse a Autora a representar a Ré na Direcção dos Serviços de Trabalho, para fixação de serviços mínimos, nos termos descritos em 46).
82.Em 12 de Outubro, o presidente do CA deu instruções para que fossem passadas à Autora as pastas de representação da Ré nas OPER´S (empresas de estiva em que a Ré detém participação social).
83.No dia 13 de Outubro seguinte, a Autora foi convocada para uma reunião com os três membros do CA, presencial, na qual os mesmos lhe apresentaram dois escritos:
a)-'Acordo de Cessação de Comissão de Serviço', sem pagamento de qualquer compensação, e
b)-'Contrato de Trabalho a Termo Certo', com duração de um ano, a contar de 13 de Outubro (término a 12 de Outubro de 2022), como jurista, para integrar o gabinete jurídico, com retribuição ilíquida de € 1945,00.
84.Após, a Autora solicitou ao CA que lhe fosse enviado, por email, os escritos mencionados no número anterior, o que não foi feito.
85.Em 15 de Outubro, a Autora, por escrito, respondeu a esta proposta da Ré, recusando-a.
86.Em 18 de Outubro de 2021, a Autora recebeu dois ofícios com o assunto 'Cessação de Comissão de Serviço', cujo teor é o mesmo do ofício mencionado em 56), 57) e 59).
87.A recepção destes ofícios provocou na Autora sentimentos de tristeza e desapontamento.
88.A reestruturação orgânica do CA foi divulgada em 28 de Outubro a todos os funcionários, incluindo a Autora.
89.A Autora gozou férias e, após, o acordo de 'comissão de serviço' cessou, nos termos definidos em 86), no dia 19 de Novembro de 2021.
90.Cessada a 'comissão de serviço', a Autora requereu ao coordenador do serviço de recursos humanos da Ré a apresentação dos valores calculados por conta de 'compensação'.
91.Em dia 18 de Novembro, a Autora enviou email ao referido coordenador, informando que os valores entregues não estavam correctos.
92.E não obteve resposta da parte do mesmo.
93.A Autora é reconhecida como boa profissional, com elevados conhecimentos técnicos na sua área".

2.Factos julgados não provados:

"a)-ainda em Janeiro de 2020, nas negociações para a celebração deste acordo, tenha sido ajustado entre a Autora e o presidente do CA da Ré, de forma verbal, a fixação de uma cláusula nos termos definidos em 24), 25) e 32);
b)-o descrito em 24), 25) e 26) tenha ocorrido a partir de Junho de 2020;
c)-o descrito em 73) e 74) tenha ocorrido em momento anterior à reunião descrita em 67), 68), 69), 70), 71) e 72);
d)-a vogal do CA, (…), nas circunstâncias descritas em 73) e 74), logo tenha dado conhecimento das mesmas à Autora;
e)-quaisquer outros factos com relevância na decisão da presente causa".

3.Motivação da decisão da matéria de facto:
(…)

4.A apreciação da apelação.

4.1- A impugnação da decisão da matéria de facto.
(…)
4.2- As questões jurídicas.

A apelante pretende seja declarado o seu o direito a perceber a compensação pela cessação antecipada da comissão de serviço na apelante.[4]
Em primeiro lugar, cabe dizer de uma vez por todas que o CA da apelada não deliberou aditar a dita cláusula ao contrato de trabalho que com ela manteve a apelante.
Repare-se que o art.º 410.º do Código das Sociedades Comerciais estatui no n.º 1 que "o conselho de administração reúne sempre que for convocado pelo presidente ou por outros dois administradores", o n.º 3 que "os administradores devem ser convocados por escrito, com a antecedência adequada, salvo quando o contrato de sociedade preveja a reunião em datas prefixadas ou outra forma de convocação"; o n.º 4 que "o conselho não pode deliberar sem que esteja presente ou representada a maioria dos seus membros"; o n.º 4 que "o conselho não pode deliberar sem que esteja presente ou representada a maioria dos seus membros"; o n.º 7 que "as deliberações são tomadas por maioria dos votos dos administradores presentes ou representados e dos que, caso o contrato de sociedade o permita, votem por correspondência". E o mesmo resulta dos estatutos da apelada, a saber: do art.º 12.º ("1. O conselho de administração gere as actividades da sociedade e pratica todos os actos e operações relativos ao objecto social que não caibam na competência atribuída a outros órgãos sociais, competindo -lhe, nomeadamente: (…) q) Nomear e exonerar os responsáveis pelos serviços, bem como admitir, contratar e exonerar o pessoal necessário ao desempenho das tarefas a cargo da Portos dos Açores, S. A., e exercer sobre ele o respetivo poder disciplinar, nos termos legais e regulamentares aplicáveis"), do 14.º ("1 - Compete ao presidente do conselho de administração a coordenação e orientação geral das actividades do conselho e, em especial: a) Convocar o conselho de administração, fixar a agenda de trabalhos e presidir às respectivas reuniões") e do 15.º ("1 - O conselho de administração reúne ordinariamente uma vez por mês e extraordinariamente quando for convocado pelo presidente, por sua iniciativa ou mediante solicitação dos restantes membros. 2 - O conselho de administração só pode deliberar quando estiver presente a maioria dos seus membros. 3 - As deliberações serão tomadas por maioria dos votos expressos, tendo o presidente ou quem o substituir voto de qualidade. 4 - As deliberações do conselho de administração serão registadas em acta, assinada pelos membros presentes na reunião").

Por outro lado, o art.º 446.º-B, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais estabelece que "1. Para além de outras funções estabelecidas pelo contrato social, compete ao secretário da sociedade: a)-Secretariar as reuniões da assembleia-geral, da administração, da direcção e do conselho geral; b)-Lavrar as actas e assiná-las conjuntamente com os membros dos órgãos sociais respectivos e o presidente da mesa da assembleia-geral, quando desta se trate; c)-Conservar, guardar e manter em ordem os livros e folhas de actas, as listas de presenças, o livro de registo de acções, bem como o expediente a eles relativo; (…)".

Ora, a verdade é que isso não aconteceu. Ou melhor dizendo, não se provou que assim tivesse sido,[5] na certeza de que era à apelante que convinha demonstrar a sua realidade, nos termos do art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil ‒ pelo que o efeito afinal é o mesmo. E se é certo que o art.º 411.º do Código das Sociedades Comerciais estabelece no n.º 1 que "São nulas as deliberações do conselho de administração: a) Tomadas em conselho não convocado, salvo se todos os administradores tiverem estado presentes ou representados, ou, caso o contrato o permita, tiverem votado por correspondência", é também evidente que não tem aplicação ao caso em apreço uma vez que a deliberação nem chegou a formar-se: não existiu pura e simplesmente nenhuma reunião do CA enquanto tal considerada, pelo que não faz sentido sequer falar na sua nulidade. É que sobre a temática das deliberações de pessoas colectivas (sendo certo que as sociedades comerciais são para todos os efeitos pessoas colectivas), é sempre útil não perder de vista a ensinamento de Marcello Caetano, no Manual de Direito Administrativo, 10.ª edição, Lisboa, 1973, volume I, página 205: "No órgão colegial só se produz vontade imputável à pessoa colectiva quando todos os indivíduos componentes do colégio se reúnam e deliberem, nos termos da lei ou dos estatutos, apurando a maioria dos votos para sobre cada assunto tomar posição. Cada um dos componentes do colégio é suporte do órgão apenas quando e enquanto este funcione nos termos legais"; na página 430: "Sem reunião não há órgão colegial, nem conduta que lhe possa ser atribuída"; e por fim, na página 471: "Um procedimento ritual como o da pronúncia pelo presidente de um órgão colegial das palavras sacramentais 'está aberta a sessão' tem valor fundamental, pois marca o limite que distingue o que se disse ou tratou sem relevância jurídica, daquilo que passa a valer como actuação do órgão".

E que era ao CA da apelada que competia deliberar sobre a matéria não restam dúvidas atendendo ao disposto no citado art.º 12.º, n.º 1, alínea q) dos seus estatutos ("Nomear e exonerar os responsáveis pelos serviços, bem como admitir, contratar e exonerar o pessoal necessário ao desempenho das tarefas a cargo da Portos dos Açores, S. A., e exercer sobre ele o respectivo poder disciplinar, nos termos legais e regulamentares aplicáveis").[6] Pelo que de permeio se dirá que carece de sentido a conclusão da apelante de que o art.º 14.º, n.º 3 do Estatuto do Pessoal das Administrações Portuárias refere que "o conselho de administração poderá estabelecer a atribuição de uma compensação de valor correspondente às remunerações vincendas até final da comissão", mas não menciona a necessidade de uma deliberação. Ora, como está bem de ver, o que se passa é que sendo a administração um órgão colegial, como é no caso da apelante,[7] não existe outro modo para o mesmo formar a sua vontade que não seja por essa via: deliberar.[8]

No entanto a apelante pretende que a adenda mais não é que uma rectificação ao contrato inicialmente acordado com a apelada, mas é evidente que tal não pode ser. É certo que o art.º 249.º do Código Civil estatui que "o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá o direito à rectificação desta", mas não é disso que aqui se trata, seja de um erro de cálculo (manifestamente) ou de escrita. Repare-se que erro é uma deficiente representação da realidade que, quando de escrita, se traduz em escrever uma coisa em lugar de outra (uma letra, por exemplo) que mude o sentido de uma palavra num certo contexto (sim ao invés de fim, v. g.), ou omitir uma palavra que mude o sentido de um texto (um não, que transforme em positiva uma pretendida negativa: pagar tornas, em lugar de não as pagar), mas o que temos aqui é algo de substancialmente diferente, toda uma cláusula contratual que vale por si mesma sem qualquer relevância ou implicação necessária no contexto prévio do contrato. Aliás, vale até lembrar que a apelada facultou à apelante uma minuta do contrato e que esta o teve em seu poder durante dois dias para só depois disso lhe dar conta de que concordava o seu teor (ressalvando a necessidade de completar os seus dados em conformidade com o que antes já tinham conversado, conforme resulta do facto n.º 15. dos julgados provados). Daí que se algum o contexto demonstra é exactamente o contrário do sugerido pela apelante (e pelas testemunhas que sobre isso depuseram na audiência de julgamento), ou seja, que nada disso foi querido pelas partes tanto no período das negociações como no da formalização do contrato. O que ocorreu não foi seguramente uma rectificação de um erro mas uma relevante alteração do acordado, como de resto bem julgou a sentença recorrida. Aliás, em boa verdade tudo isso é sabido pela apelante e pelo presidente e vogal do CA como resulta do e-mail que dirigiu ao vogal do CA da apelada, (…) onde apenas refere que "o aditamento a fazer será acrescentar um número (n.º 3) à cláusula 5.ª (PRAZO do acordo) no acordo celebrado entre mim e a PA no dia 6 de Janeiro de 2020: 5.3. No caso de cessação da presente comissão de serviços pelo Conselho de Administração, nos termos da alínea c) do número anterior, a PA, S.A. deverá pagar à Segunda Outorgante uma compensação no valor equivalente a um ano de vencimento da chefia. Esta é a redacção que deve ser enviado ao Francisco Faria, para acertar no acordo celebrado a 6 de Janeiro deste ano".[9] É que se fosse um erro de escrita o normal seria uma referência, mínima que fosse, a isso ter sido previamente acordado mas omitido ‒ embora se perceba que depois de com o tempo de reflexão adequado ter aprovado a minuta, tal não seria defensável.

Não se pode ignorar, é certo, como lembrou a apelante, que o art.º 408.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais estabelece que "os poderes de representação do conselho de administração são exercidos conjuntamente pelos administradores, ficando a sociedade vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos administradores ou por eles ratificados, ou por número menor destes fixado no contrato de sociedade" e que afinal dois dos administradores com ela subscreveram a referida adenda ao contrato, apesar de tal não ter sido objecto de deliberação do seu CA[10] nem de autorização das tutelas regionais sectoriais.[11]

Dessa norma resulta efectivamente que nas relações externas os poderes de representação (orgânica) do conselho de administração, quando exercidos pela maioria dos administradores vincula a sociedade pelos negócios jurídicos por eles concluídos fora do quadro estatutário, mas desde que no perímetro dos poderes cometidos ao órgão.

Como a este propósito refere Coutinho de Abreu, "nas sociedades por quotas e por acções, as limitações que resultem dos estatutos ou de deliberações dos sócios e de outros órgãos não obstam em geral à vinculação (1.ª Directiva. art.º 9.º, 1 e 2, CSC, art.os 260.º, 1, 2 e 3, 409.º, 1, 2 e 3). A protecção dos terceiros e a segurança no comércio jurídico justificam este regime".[12] E mais adiante acrescenta que existem limitações aos poderes de vinculação dos administradores, que podem ser legais ou estatutárias, sendo que em regra as extra-legais, em regra, apenas têm eficácia interna.[13] Todavia, continua, "tais limitações internas podem em alguns casos ter eficácia externa, impedindo a vinculação, Nos casos, designadamente, de abuso de poder de vinculação. (…) Depois, a simples violação das limitações internas ‒ mesmo que conhecidas dos terceiros ‒ não é suficiente para afirmar o abuso dos poderes de representação. É frequente dizer-se que há abuso do poder de representação quando este é utilizado conscientemente num sentido contrário ao seu fim ou às instruções do representado, e a outra parte conhecia ou tinha de conhecer o abuso. (…) A doutrina alemã costuma analisar o abuso de poder de representação em dois grupos de casos: colusão e abuso evidente. O primeiro grupo compreende os casos em que administrador(es) e terceiro colaboram consciente e intencionalmente em prejuízo da sociedade. Entram no segundo grupo os casos em que o(s) administrador(es) age(m) conscientemente em detrimento da sociedade celebrando negócios prejudiciais para esta e o terceiro conhece ou devia conhecer (dado que eram objectivamente evidentes) aqueles intento e prejuízo. É de acolher entre nós esta doutrina".[14]

Baixando ao caso sub iudice dir-se-á que se traduz na situação atrás descrita por Coutinho de Abreu como de colusão, pois que os administradores da apelada e a apelante actuaram em conjunto de modo a intencionalmente a prejudicarem. Veja-se: (i)- a contratação da apelante foi deliberada pelo CA de administração, precedida de autorização das tutelas administrativas regionais;[15] (ii)- a apelante é advogada e foi contratada para exercer funções próprias dessa profissão, incluindo contratação pública e matérias laborais, sendo reconhecida como boa profissional e com elevados conhecimentos dessa área;[16] (iii)- previamente à celebração do contrato a apelada facultou-lhe uma minuta do mesmo, com a qual, descontando dados da sua identificação pessoal, que estavam incompletos, concordou integralmente dois dias após o seu recebimento;[17] (iv)- já a adenda ao contrato foi acordada apenas com dois elementos do CA da sociedade, sem deliberação deste nem tampouco prévia autorização tutelar administrativa;[18] (v)- a adenda foi acordada e acrescentada dez meses após o contrato ter sido celebrado e entrado em execução;[19] (vi)- por altura das eleições regionais, que levaram a que o presidente do CA da apelada tivesse renunciado ao seu mandato;[20] (vii)- tendo dessas eleições resultado a alteração política dos órgãos de governo da Região Autónoma dos Açores, facto notório que por isso não carece de ser alegado nem provado,[21] o que habilita a presunção judicial de que com elevada probabilidade tal se poderia vir a reflectir na relação laboral,[22] por ser próprio da comissão de serviço a existência de um clima confiança pessoal entre as partes.[23]
Mas ainda que assim se não considerasse, o que se admite por necessidade de raciocínio, é a todas as luzes evidente que a representação dos administradores da apelada se deve qualificar, para dizer o menos, como de abuso evidente, pois que agiram conscientemente em detrimento da sociedade celebrando negócio prejudicial para esta, o que a apelante conhecia ou, no mínimo, devia conhecer, dado que eram objectivamente evidentes o intento e o prejuízo, para o que não é indiferente a sua qualidade de jurista. A evidência do abuso resulta: por um lado e considerado apenas o conteúdo do contrato inicialmente acordado, a cessação da comissão de serviço por conveniência da apelada não se traduzira em qualquer pagamento à apelante enquanto que com a adenda já a apelada teria que pagar à apelante o equivalente a um ano de vencimentos da chefia; por outro, não só todos os intervenientes disso sabiam como quiseram que viesse a verificar-se.[24]

E não se diga que a valoração na sentença desta sua valência profissional de jurista importa a violação do princípio da igualdade previsto no art.º 13.º, n.os 1 e 2 da Constituição da República face a trabalhadores que a não têm uma vez que só ocorre quando se trata igualmente situações diferentes ou desigualmente situações iguais, mas os factos provados não mostram que tal tivesse ocorrido (perguntar-se-ia, desde logo, com quem. É que a apelante sequer isso alegou na petição inicial).

É verdade que nos diplomas legislativos regionais relevantes[25] se refere "contratos de trabalho por tempo indeterminado ou a termo" e não "comissão de serviço" propriamente dita, mas já não é verdadeira a conclusão que daí a apelante retira de que as tutelas regionais não tinham que autorizar a sua contratação. É que, como refere Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho, Comentado, 2020, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, página 425, "configurada como uma modalidade do contrato de trabalho (inserida sistematicamente na Subsecção IV da Secção IV, Modalidades do contrato de trabalho, do Capítulo I, Disposições gerais, do título II, Contrato de trabalho), a comissão de serviço pressupões sempre a existência de um contrato de trabalho, o qual pode ser anterior à comissão de serviço ou, em alternativa, pode ser especialmente celebrado para que possa verificar-se uma situação de comissão de serviço"; na mesma linha segue a jurisprudência, como no caso do já citado acórdão da Relação de Lisboa, de 07-03-2012, no processo n.º 171/11.0TTPDL.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt, de acordo com o qual "a comissão de serviço é um contrato de trabalho especial que se rege pelas normas do seu regime específico e pelo regime geral do contrato de trabalho, tem de ser reduzido a escrito, pode ser denunciado pelas partes em qualquer altura e sem apresentação de justificação e tem na sua base uma relação de particular confiança, atentas as funções que são exercidas ao seu abrigo".[26] E foi precisamente o que se verificou no caso em apreço com a declaração no contrato inicialmente celebrado entre as partes[27] de que o mesmo foi celebrado de harmonia, inter alia, com o disposto no art.º 161.º do Código do Trabalho. O que não é indiferente para a qualificação que vimos dando à conduta das partes e ao conhecimento que não poderiam deixar de ter da necessidade da intervenção das tutelas na alteração do contrato antes celebrado.

Aqui chegados, perguntar-se-á agora quais as consequências daí resultantes. Dê-se de novo a palavra a Coutinho de Abreu: "Quais as sanções para os abusos? A maioria dos autores portugueses aplica (por analogia, parece) o art.º 269.º do CCiv. a todos os casos de abuso: ineficácia dos negócios, mas com possibilidade de serem ratificados pela sociedade. Mas na colusão não há simples abuso de representação, não há somente utilização consciente dos poderes de vinculação em sentido contrário ao interesse social. O abuso é qualificado, há concertação ou conluio entre administradores e terceiro em prejuízo da sociedade. A sanção deve ser, pois, a nulidade dos negócios: o fim dos mesmos é ofensivo dos bons costumes e é comum a administradores e terceiros (art.º 281.º do CCiv.). Já para os demais casos de abuso de poder de vinculação parece apropriado aplicar analogicamente o art.º 269.º do CCiv."[28]

Na mesma linha segue Tiago dos Santos Esteves: "A maioria dos autores portugueses, para sancionar os abusos de representação, aplica o artigo 269.º CC a todos os casos: ineficácia dos negócios, com possibilidade de serem ratificados pela sociedade. Mas, na colusão, não há simples abuso de representação, não há somente utilização consciente dos poderes de vinculação em sentido contrário ao interesse social. O abuso é qualificado, há concertação ou conluio entre administradores e terceiros em prejuízo da sociedade. A sanção deve ser, pois, a nulidade dos respectivos negócios: o fim dos mesmos é ofensivo dos bons costumes e é comum a administradores e terceiros (artigo 281.º CC). Já para os demais casos de abuso do poder de vinculação, aí sim, parece apropriado aplicar analogicamente o artigo 269.ºCC".[29]

E o mesmo se pode dizer da jurisprudência. Assim, vista em Coutinho de Abreu, ob. cit., página 574:[30]
II-Nada obsta a que o tribunal subsuma à figura do abuso de representação os factos em que a ré se baseou para excepcionar o excesso do âmbito da sua capacidade e dos poderes de gerência (art.os 6.º e 259.º do CSC), posto que o julgador não está limitado pelas qualificações jurídicas atribuídas pelas partes (art.º 664.º do CPC).
III-A relação que se estabelece entre uma sociedade por quotas e os seus gerentes, e que lhes permite praticar actos que a vinculam, é uma relação de mandato, em que os gerentes actuam como representantes da sociedade.
IV-Tendo resultado provado que D utilizou, neste contrato, os poderes de representação da sociedade, que a qualidade de gerente lhe conferia, mas que o concreto fim desse exercício foi avesso à prossecução dos interesses da sociedade, e desfavoráveis à mesma, é de aplicar – na ausência de previsão expressa do CSC – o art.º 269.º do CC, que determina a ineficácia relativamente à sociedade.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-02-2014, no processo n.º 1835/07.9TBOA7.P1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt

VI)-É admissível a aplicação do instituto do abuso de representação à representação orgânica das sociedades comerciais, decorrendo o abuso de pressupostos objectivos - falta de poderes ou actuação contra os interesses da representada – e subjectivos - consciência do representante e conhecimento ou dever de conhecimento da parte contrária.

Acórdão da Relação de Lisboa, de 03-04-2014, no processo n.º 672/11.0YRLSB-6, publicado em http://www.dgsi.pt

A que se acrescenta esta:
II-A situação de abuso de representação verifica-se quando o representante, embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado.
III-O que está em causa, no abuso de representação, é um afastamento objectivo às directrizes impostas pelo representado e uma actuação que não serve notoriamente os seus interesses: em suma, um mau negócio, desde que isso resulte de um desvio claro do procurador, ainda que não intencional ou para servir interesses ocultos, às instruções que lhe foram fornecidas ou aos fins genéricos queridos pelo representado com o negócio representativo.
IV-Incumbe ao representado a prova do abuso e ainda que o representante sabia e tinha plena consciência de que o negócio não interessava ao representado.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-05-2010, no processo n.º 251/2002.P1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt

O abuso de representação consiste no exercício da actividade representativa dentro dos limites formais dos poderes conferidos, embora de modo substancial ou materialmente contrário aos fins da representação ou às indicações do representado.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-09-2022, no processo n.º 1835/07.9TBOA7.P1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt

I-As limitações estatutárias aos poderes da administração das sociedades anónimas, incluindo as resultantes do seu objecto social, não são oponíveis a terceiros, salvo quando por estes efectivamente conhecida ou quando não devessem ignorar a existência de abuso de poder de representação.

Acórdão da Relação de Lisboa, de 04-07-1991, no processo n.º 0027466, publicado em http://www.dgsi.pt

I-Nos casos em que o representante actuou no âmbito do autorizado no texto da procuração, embora contrariando ou excedendo as limitações, legais ou contratuais, dele decorrentes há mero abuso dos poderes de representação.
II-Nos casos em que o representante excedeu, notoriamente, os poderes tal como vêm descritos na procuração, caso em que os actos são ineficazes em relação ao representado, perfila-se uma representação sem poderes.

Acórdão da Relação de Lisboa, de 10-09-2009, no processo n.º 1783/08-6, publicado em http://www.dgsi.pt

I-O abuso de representação, figura regulada no art.º 269.º do CC, pressupõe a existência de poderes que, em concreto, sejam usados em desconformidade com a vontade do representado.
II-A representação sem poderes implica que o representante actue em representação de outrem sem dele possuir quaisquer poderes – art.º 268.º, n.º 1 do CC.
III-Para ambas as figuras a lei estatui a ineficácia do negócio em relação à pessoa em nome da qual se age, vício que será superado na hipótese de haver ratificação do negócio pelo dono.

Acórdão da Relação de Lisboa, de 17-05-2016, no processo n.º 8472/03.5TVLSB.L1-7, publicado em http://www.dgsi.pt

V-Se o administrador actua em colusão, i.e., se o administrador e o terceiro actuarem consciente e dolosamente em detrimento da sociedade, concluindo negócios prejudiciais aos interesses sociais, e o terceiro conhecia ou devia conhecer aquele desígnio e este dano, o caso já não é de simples abuso de representação mas de concertação ou conluio entre  o administrador com prejuízo societário, pelo que a sanção mais adequada para reprimir esta conduta, não deverá ser o desvalor da mera ineficácia, relativamente, à sociedade, do negócio prejudicial – mas a sua nulidade, dado que o seu fim, comum ao administrador e ao terceiro, ofende  claramente os bons costumes.

Acórdão da Relação de Coimbra, de 28-09-2022, no processo n.º 2415/18.9T8LRA.C2, publicado em http://www.dgsi.pt

1.-Um presidente do conselho de administração de empresa, que tem competência para representar a mesma e providenciar pela correcta execução das deliberações do conselho de administração, que em nome da empresa, celebra um contrato de trabalho sem a necessária deliberação do conselho de administração, prevista nos estatutos, pratica um acto de abuso de representação.
2.-Conjugando o disposto nos art.º 268.º e 269.º do C.C., temos de concluir que esse contrato é eficaz e oponível à R. uma vez que não se provou que a outra parte conhecia, ou dada a sua qualidade, devia conhecer o abuso.

Acórdão da Relação de Évora, de 09-11-2004, no processo n.º 1679/04-2, publicado em http://www.dgsi.pt

V-O abuso de representação só tem relevância, em princípio, no relacionamento interno, entre representante e representado, e é irrelevante no relacionamento externo, entre o representado e terceiros, salvo quando consiga demonstrar que estes conheciam ou deviam conhece-lo.

Acórdão da Relação de Évora, de 13-02-2014, no processo n.º 632/04.8TBOLH.E1, publicado em http://www.dgsi.pt

Acompanha-se, pois, a sentença recorrida na consideração de que a adenda ao contrato (mas não que se trate de um novo contrato) é nula e de nenhum efeito; e na hipótese mais benigna, que se admite por necessidade de raciocínio, sempre seria ineficaz. E assim sendo, de nenhum préstimo se mostram para a pretensão recursiva da apelante as normas constantes dos art.os 164.º, n.º 2 do Código do Trabalho ("…o valor da indemnização a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 podem ser aumentados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato de trabalho") e do art.º 14.º, n.º 3 do Estatuto do Pessoal das Administrações Portuárias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 421/99, de 21 de Outubro ("Na situação prevista na alínea c) do n.º 1, o conselho de administração poderá estabelecer a atribuição de uma compensação de valor correspondente às remunerações vincendas até final da comissão, com o limite do vencimento anual da chefia") convocadas pela apelante, isto porque o CA da apelada não deliberou o que quer que fosse sobre a matéria em crise; aliás, nem convocado foi para o fazer, como se viu atrás e por isso nesta parte não pode ser provida a apelação.

Finalmente, também não se concede que estejamos perante uma situação de abuso de direito por parte da apelada por ofensa das suas fundadas expectativas. Pelo contrário, a conduta da apelante e dos dois membros do CA da apelada caracteriza-se por um lado por ofender os limites impostos pela boa fé; por outro, por ofender o fim social e económico da representação e por isso não se vê em que medida a pretensão da apelada em procurar obviar a que tal ocorresse possa ser considerada abusiva para efeitos do art.º 334.º do Código Civil.

É que, como decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-01-2021, no processo n.º 2689/19.8T8GMR-B.G1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt: "I- O abuso de direito não significa uma desaplicação de normas com base numa remissão genérica para sentimentos de justiça. Os tribunais exigem a prova rigorosa dos seus elementos constitutivos e a ponderação dos valores sistemáticos em jogo, de acordo com modelos experimentados ao longo da história pelo labor da jurisprudência. (…) III- A supressio traduz-se no não exercício do direito durante um lapso de tempo, susceptível de criar na contraparte a confiança de que esse direito não mais será exercido. Mas não basta o exercício tardio do direito. É necessário que se atenda ao poder dos factos e sejam ponderadas todas as circunstâncias do caso, à luz do princípio da boa fé, e ainda que se verifique a obtenção de uma vantagem excessiva para o titular do direito, acompanhada da imposição de sacrifícios relevantes e injustificados para a contraparte".

Ora, a apelante nada mais invocou em suporte da sua visão das coisas que o decurso do tempo como cimento das suas expectativas de que o direito se consolidasse, mas a verdade é que os factos que se provaram até apontam noutro sentido. Veja-se: o contrato de trabalho era em comissão de serviço por três anos;[31] poderia cessar antecipadamente por vontade da apelada,[32] tanto mais que por definição aquele instituto supõe uma relação de confiança pessoal;[33] o contrato  foi celebrado a 06-01-2020;[34] a adenda foi acordada em dia incerto de Novembro de 2020;[35] no mês anterior tiveram lugar eleições regionais nos Açores e nessa sequência o presidente do CA da apelada demitiu-se;[36] é facto notório, que por isso não carece de ser alegado nem provado,[37] que por força dessas eleições resultou a alteração política dos órgãos de governo da Região Autónoma dos Açores. Deste modo, não se vê que expectativas da apelante foram frustradas com a cessação da comissão de serviço.

Finalmente, não se percebe o interesse da apelante convocar para a discussão o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-02-2015 (acrescente-se que foi prolatado no processo n.º 580/11.5TBMMN.E1.S1 e está publicado em http://www.dgsi.pt), pois que apesar de no seu sumário se dizer que "a invocação da falta de poderes do gerente para, por si só, vincular a sociedade ré constitui mero pretexto formal para esta se eximir ao cumprimento de obrigações que foram assumidas em seu nome e representação", a verdade é que o quadro fáctico em que se moveu andou bem longe daquele que ora nos ocupa (naquele caso sequer houve prejuízo para a sociedade administrada, ao contrário destoutro em que houve colusão entre o CA da apelada e a apelante para o causar à sociedade), como se vê do trecho colhido da sua fundamentação: "Nesse âmbito, aliás, pode afirmar-se que o contrato, tal como foi renegociado, seria até menos oneroso para a ré, uma vez que esta passou a poder pôr-lhe termo, mediante o pagamento da importância investida pela autora, acrescida de 25%. Faculdade por que a ré optou, em detrimento das condições inicialmente contratadas, bem menos favoráveis (na medida em que se previa o reembolso da importância investida, mais duas vezes esse montante)"; e o mesmo se dirá do acórdão da Relação de Évora, de 02-10-2018 e por ela também citado (diga-se que foi tirado no processo n.º 12287/17.5YIPRT.E1 e publicado em http://www.dgsi.pt), pois que se é verdade que o mesmo decidiu que "a invocação da falta de poderes do gerente, como expediente para a Ré se eximir ao cumprimento de obrigações assumidas em seu nome e representação e que beneficiaram a sua actividade económica, traduz venire contra factum proprium, proibido pelo art. 334.º do Código Civil", também é certo que nele se considerou que "a limitação dos poderes representativos dos administradores de sociedades comerciais, estabelecida em cláusula do contrato de sociedade, não é oponível a terceiros de boa-fé"; ora, se se pode concordar que no caso a apelante é terceiro, já não se pode dizer que o seja de boa fé.

Assim sendo, deve negar provimento à apelação e manter a sentença recorrida.
***

III–Decisão.

Termos em que se acorda negar provimento à apelação e manter a sentença recorrida.
Custas pela apelante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
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Lisboa, 03-05-2023.



(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)



[1]Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[2]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[3]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[4]Note-se que e ao contrário do sugerido pela apelada tal pretensão é independente do julgamento do recurso em matéria de facto, como se vê da alegação (vd. "a) Da rectificação material de erro do contrato") e conclusão 25.
[5]E como refere Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, volume II, 2020, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, página 471, a acta é precisamente meio de prova da deliberação.
[6]Pelo que carece de sentido a afirmação da apelante de que o art.º 14.º, n.º 3 do Estatuto do Pessoal das Administrações Portuárias refere que "o conselho de administração poderá estabelecer a atribuição de uma compensação de valor correspondente às remunerações vincendas até final da comissão" e não menciona a necessidade de uma deliberação. Ora, como está bem de ver, que se passa é que, sendo um órgão colegial, o CA da apelante não tem outro modo de formar a sua vontade que não seja por essa via (deliberar)!
[7]O art.º 390.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais permite que certas sociedades anónimas tenham apenas um administrador, mas no caso o art.º 11.º, n.º 1 dos estatutos da apelante determina que o CA seja composto por três membros, um presidente e dois vogais.
[8]Verbo que significando decidir, supõe colegialidade ou pluralidade (vd. os sinónimos referidos no Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 1984, 6.ª edição, página 476: "resolver ou decidir mediante discussão"; "opinar"; "votar").
[9]Facto provado n.º 28.
[10]Facto provado n.º 22.a.
[11]Facto provado n.º 23.
[12]Ob. cit., página 567.
[13]Páginas 566 a 572.
[14]A. cit., páginas 572 e seguinte.
[15]Factos provados n.os 3. a 5.
[16]Factos provados n.os 2., 12 e 93.
[17]Factos provados n.os 13 a 15. 
[18]Factos provados n.os 33. 2 34.
[19]Factos provados n.os 3., 16. e 28. a 32. 
[20]Factos provados 24. e 27.
[21]Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[22]Art.º 351.º do Código Civil.
[23]Como de resto é pacificamente reconhecido, tanto na doutrina (Luís Monteiro Fernandes, no Código do Trabalho Anotado, de Pedro Romano Martinez e outros, 13.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, página 410: "Em comissão de serviço, o exercício de determinadas funções só se mantém enquanto perdurar a relação de confiança que as caracteriza") como na jurisprudência (acórdão da Relação de Lisboa, de 07-03-2012, no processo n.º 171/11.0TTPDL.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt: "A comissão de serviço (…) tem na sua base uma relação de particular confiança, atentas as funções que são exercidas ao seu abrigo").
[24]Factos provados referidos nas notas de rodapé de 19. a 24.
[25]Art.os 10.º do Decreto Legislativo Regional n.º 1/2019/A, de 7 de Janeiro e o 19.º do Decreto Regulamentar Regional n.º 1/2019/A, de 24 de Janeiro, vigentes ao tempo da celebrado o contrato e 14.º do Decreto Legislativo Regional n.º 1/2020/A, de 8 de Janeiro e 21.º do Decreto Regulamentar Regional n.º 5/2020/A, de 14 de Fevereiro, à sombra do qual foi feita a adenda.
[26]Trata-se de entendimento também há muito corrente na jurisprudência, de são exemplo, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa, de 13-12-2006, no processo n.º 1947/2006-4 ("A comissão de serviço, tal como se encontra prevista e regulada no DL 404/91, de 16/10, consubstancia um verdadeiro contrato de trabalho"); de 25-03-2015, no processo n.º 4117/06.0TTLSB.L1-4 ("III – A comissão de serviço, tal como prevista, delineada e regulada no Decreto-Lei n.º 404/91 de 16 de Outubro, traduz-se num verdadeiro contrato de trabalho, nomeadamente por vigorar entre as partes outorgantes o vínculo da subordinação jurídica"); e de 15-12-2016, no processo n.º 12312/14.1T8TLSB.L1-4, como os demais atrás citados publicado em http://www.dgsi.pt ("I - O regime vigente de trabalho em Comissão de Serviço, visa também garantir a segurança no emprego e é sempre suspensiva do vínculo anterior)".
[27]Junto com a petição inicial para prova do mesmo e por isso relevável nos termos do art.º 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[28]Ob. cit., página 574.
[29]In Vinculação das sociedades anónimas e por quotas, páginas 379 e seguinte, disponível em http://www.revistadedireitodassociedades.pt/files/RDS%202010-1e2%20(379-403)%20-%20Doutrina%20-%20TIago%20Miguel%20Esteves%20-%20Vincula%C3%A7%C3%A3o%20das%20sociedades%20an%C3%B3nimas%20e%20por%20quotas.%20notas%20sobre%20o%20seu%20regime%20jur%C3%ADdico.pdf.
[30]O primeiro dos quais também vem citado na contra-alegação da apelada.
[31]Facto provado n.º 3.
[32]Art.º 14.º, n.º 1 do Estatuto do Pessoal das Administrações Portuárias.
[33]Art.º 161.º do Código do Trabalho; neste sentido, Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 13.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, página 410.
[34]Facto n.º 3.
[35]Facto provado n.º 32.
[36]Facto provado n.º 27.
[37]Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.



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