Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7379/20.6T8LSB.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
CONTRATO DE UTILIZAÇÃO
EMPRESA PÚBLICA
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: 1.–Invocada, pelas trabalhadoras vinculadas no âmbito de contrato de utilização de trabalho temporário, a circunstância de o mesmo servir necessidades permanentes de serviço, compete ao utilizador a prova dos factos em que assentou a justificação de contratar sob tal regime.

2.–Não resultando do acervo fático tal prova, o contrato de utilização é nulo, considerando-se o trabalho prestado pelas trabalhadoras à utilizadora em regime de contrato de trabalho sem termo.
3.Sendo a utilizadora empresa pública que esteve, durante os anos 2017 a 2019 sujeita aos constrangimentos impostos pelas leis orçamentais, os contratos consideram-se nulos.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa



AAA, BBB e CCC, AA. no processo à margem referenciados, tendo sido notificadas da sentença proferida e com a mesma não se conformando, vêm dela sentença interpor recurso.
Pedem que se revogue a sentença recorrida e se lavre Acórdão que declare a procedência da ação.

Formularam, após alegações, as conclusões seguintes:
(…)
DDD,Recorrida nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada das alegações de recurso de apelação apresentadas pelas Recorrentes, vem apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES nas quais se debate pela manutenção da sentença.

O MINISTÉRIO PÚBLICO absteve-se de se pronunciar a favor ou contra qualquer das partes da contenda.

***

Apresentamos, infra, um breve resumo dos autos:

AAA, BBB e CCC demandaram DDD
Foi admitida a intervenção principal de EEE.
As autoras alegam, em síntese, que celebraram com a [entretanto chamada a intervir nos autos como interveniente principal] EEE., contratos de trabalho a termo incerto e termo certo; que os motivos justificativos indicados nos contratos, para as funções de Bilheteira, foi “Substituição direta ou indireta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar” e “Vacatura de posto de trabalho quando decorra processo de recrutamento para seu preenchimento”; que desde a sua admissão ao serviço da interveniente apenas trabalharam para a ré, a quem foram cedidas para exercerem as suas funções em diversas estações da ré, correspondendo tal atividade a necessidades permanentes de serviço da ré, o que torna nulos os contratos de utilização de trabalho temporário, considerando-se que o trabalho prestado para a ré (utilizadora) o foi em regime de contrato de trabalho sem termo; que por essa razão a comunicação da caducidade dos contratos efetuada pela interveniente principal consubstancia um despedimento ilícito.
Concluem pedindo que a presente ação seja julgada procedente por provada e, em consequência: a)- As AA. serem consideradas trabalhadoras da R., em regime de contrato de trabalho sem termo; b)- Ser declarado ilícito o despedimento das AA.; c)- Ser a R. condenada a pagar à 1ª A. a quantia de €740,08, à 2ª A. a quantia de €740,08 e à 3ª A. a quantia de €740,08, acrescidas das retribuições que se venceram até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal e das indemnizações de antiguidade a calcular de harmonia com o disposto no artigo 391º do Código do Trabalho, se por elas as AA. optarem; d)- Ser a R. condenada a pagar às AA. os juros de mora legais até integral pagamento; e)- Ser a R. condenada no pagamento das custas e demais despesas legais.

Realizou-se audiência de partes, na qual não foi possível obter a conciliação entre as mesmas.

A ré contestou, invocando a exceção da sua ilegitimidade (e deduzindo consequentemente o incidente de intervenção provocada da EEE, e sustentando quanto ao mais que os contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre a ré e a referida EEE, tiveram o intuito de suprir as necessidades de recursos humanos que pontualmente se verificaram, sendo que a ré é alheia às eventuais irregularidades formais que porventura afetem os contratos de trabalho temporário celebrado entre a EEE e as autoras; mais alega que, tratando-se de uma sociedade anónima de capitais públicos cujo único acionista é o Estado, integra o setor público empresarial e, como tal, sujeita às limitações sucessivamente impostas pela Lei do Orçamento do Estado dos anos de 2017, 2018 e 2019, sendo nulas as contratações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto nessas normas; que caso venha a concluir-se pela existência de um despedimento das autoras, deverá deduzir-se das retribuições intercalares as importâncias que as mesmas tenham auferido com a cessação do contrato de trabalho e que não receberiam, bem como o subsídio de desemprego.

Conclui sustentando que: I. Seja a exceção de ilegitimidade da Ré julgada procedente, absolvendo-se a mesma da instância e de todos os pedidos; II. Seja deferido o incidente de intervenção principal provocada e, ao abrigo do disposto dos artigos 316.º, número 3, alínea a) e 318.º, número 1, alínea c), aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T., ser citada a Fórum Seleção; III. Seja a presente ação julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, ser a Ré absolvida dos pedidos; IV. Ser oficiada a Segurança Social para que preste informação sobre se as AA., desde Outubro de 2019: (i)- efetuaram quaisquer descontos para a Segurança Social, como trabalhadoras dependente ou independentes, em que data (s), em que montante(s) e referentes a que remunerações, ou, (ii)- receberam subsídio de desemprego e, em caso afirmativo, quais os respetivos valores mensais; V. Serem oficiados os Serviços do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (I.R.S.) para prestarem informação sobre se as AA. auferiram rendimentos relativos a trabalho dependente ou independente, após Outubro de 2019 e, em caso afirmativo, em que montantes e pagos por que entidade; VI. Serem oficiados os Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.) para prestarem informação sobre se as AA. entregaram I.V.A., desde Outubro de 2019 e, em caso afirmativo, referente a que remunerações auferidas e pagas por que entidade.

Deferida a intervenção principal da EEE., veio a interveniente contestar, por exceção (o que foi já apreciado em sede de saneador), e por impugnação, sustentando em síntese que celebrou com as autoras os contratos de trabalho temporário juntos aos autos no exercício da sua atividade comercial, da mesma forma que celebrou com a ré os respetivos contratos de utilização de trabalho temporário, ignorando os termos em que as autoras prestaram a sua atividade para a ré, uma vez que apenas mantinha relativamente às mesmas o poder disciplinar, sendo o demais poder de direção exercido efetivamente pela ré; mais alega, quanto aos motivos justificativos que constam dos contratos, que se limitou a fazer constar a motivação que a ré lhe transmitiu, ignorando a veracidade dos referidos motivos.

Conclui pedindo que seja julgada procedente a exceção deduzida de ilegitimidade da ora Ré EEE — seja no que respeita ao deferimento da Intervenção Principal Provocada, do lado passivo, de que foi erroneamente objeto, seja mesmo, ignorando tal facto, por ser manifesta a falta de interesse direto em contradizer a versão das AA. — e, concomitantemente, ser absolvida da instância. Quando assim se não entenda, no que se não concede, deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente e não provada, absolvendo-se a ora Ré EEE  dos pedidos formulados; Mais deverão ainda as AA. ser condenadas a pagar a totalidade das custas, custas de parte e procuradoria condigna e mais legalmente aplicável.

No saneador foram julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade da R. e da Interveniente.
Posteriormente, veio a ter lugar o julgamento, e, seguidamente, foi proferida sentença que julga improcedente a presente ação e, consequentemente, ABSOLVE-SE a ré DDD, bem como a interveniente principal EEE, dos pedidos deduzidos pelas autoras.

Por se nos afigurar relevante, deixamos ainda nota de que a intervenção principal foi deferida tendo na sua base a alegação da R. de que a entidade empregadora das AA. era a (eventual) Interveniente que tinha interesse em contradizer por estar peticionada a declaração de ilicitude do despedimento e, bem assim, porque o Tribunal também considerou que, face ao pedido formulado sob a alínea a), que pressupunha o reconhecimento da nulidade do contrato de utilização, se justificava a intervenção.

***

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.

Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª-A atividade desenvolvida pelas Recorrentes correspondeu, desde sempre, a necessidades permanentes de serviço da Recorrida?
2ª-A cessação dos contratos de trabalho das Recorrentes configura um despedimento ilícito por parte da Recorrida?

FUNDAMENTAÇÃO:

FACTOS PROVADOS:
Discutida a causa, e com pertinência, mostram-se provados os seguintes factos:
1.As autoras celebraram com a interveniente principal EEE os acordos escritos denominados contratos de trabalho temporário a termo incerto e a termo certo cujas cópias fazem fls. 10 a 27v. e 194 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo que:
1.1.-a 1.ª autora foi admitida em 25-09-2017;
1.2.-a 2.ª autora foi admitida em 25-09-2017;
1.3.-a 3.ª autora foi admitida em 13-08-2018 [artigos 1.º da PETIÇÃO INICIAL e 39.º da CONTESTAÇÃO da interveniente principal – assente por acordo das partes].
2.Os motivos justificativos indicados nos contratos a termo incerto e a termo certo celebrados com as autoras para as funções de Bilheteira foram, respetivamente, “Substituição direta ou indireta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar”(contratos a termo incerto de 25-09-2017 [1.ª e 2.ª autoras] e de 13-08-2018 [3.ª autora]), “Vacatura de posto de trabalho quando decorra processo de recrutamento para seu preenchimento” (contratos a termo incerto de 01-11-2018 [todas a autoras]) e “Substituição direta ou indireta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar” (contratos a termo certo de 01-05-2019 [todas as autoras]) [artigo 2.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].
3.A interveniente principal EEE. tem como atividade Consultoria em RH e ETT [artigo 3.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].
4.A atividade da interveniente principal EEE., no que concerne às autoras, consistiu única e exclusivamente na cedência destas trabalhadoras à ré, que admitiu para esse único efeito [artigo 4.º da PETIÇÃO INICIAL].
5.Desde a sua admissão, as autoras exerceram as suas funções em diversas estações da ré, em regime de turnos, integrando as equipas da ré que utilizava as autoras sem quaisquer distinções ou restrições, face aos trabalhadores integrados nos seus quadros [artigos 5.º, 6.º e 7.º da PETIÇÃO INICIAL].
6.Nesses locais recebiam somente ordens das chefias da ré, que determinavam os trabalhos a executar, por cada uma delas [artigo 8.º da PETIÇÃO INICIAL].
7.Os instrumentos e todos os materiais utilizados, bem como a chefia e a coordenação técnica do trabalho foram sempre, exclusivamente, da ré e das suas estruturas orgânicas [artigo 9.º da PETIÇÃO INICIAL].
8.Desde a sua admissão na interveniente EEE., as autoras só trabalharam para a ré, exercendo as mesmas funções e ocupando, sempre, os mesmos postos de trabalho perfeitamente integrados na orgânica da ré, fazendo-o de forma ininterrupta entre as respetivas datas de admissão, supra referidas, em 1 e a cessação dos contratos, em Setembro de 2019 [artigos 10.º e 11.º da PETIÇÃO INICIAL].
9.Durante o período em que as autoras exerceram funções na ré verificou-se uma falta de pessoal nas Bilheteiras [artigo 14.º da PETIÇÃO INICIAL].
10.Por força das restrições decorrentes das sucessivas Leis do Orçamento do Estado a que a ré está sujeita quanto à contratação de novos trabalhadores, entre 2013 e 2019 a ré recorreu ao trabalho temporário nos anos de 2013, 2014, 2017, 2018 e 2019, em número que nunca excedeu 5 trabalhadores temporários num universo global de cerca de 300 [artigos 15.º da PETIÇÃO INICIAL e 59.º e 89.º da CONTESTAÇÃO da ré].
11.Em Outubro de 2018 a ré abriu um concurso para seis vagas de Bilheteiro, em regime de cedência de interesse público, destinado exclusivamente a detentores de relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado [artigos 16.º da PETIÇÃO INICIAL e 150.º e 151.º da CONTESTAÇÃO da ré].
12. Em Setembro de 2019 as autoras foram informadas pela interveniente principal EEE. da caducidade dos seus contratos de trabalho [artigos 24.º da PETIÇÃO INICIAL e 59.º da CONTESTAÇÃO da interveniente principal].
13.As autoras, ultimamente, auferiam as seguintes retribuições bases mensais [artigo 31.º da PETIÇÃO INICIAL]:
13.1.-autora AAA: € 712,08;
13.2.-autora BBB: € 712,08;
13.3.-autora CCC: € 712,08.
14.Os Contratos de Utilização de Trabalho Temporário celebrados entre a ré a interveniente principal EEE., destinavam-se a suprir as necessidades de recursos humanos que se verificavam na Área das Vendas (Bilheteiras) [artigo 86.º da CONTESTAÇÃO da ré].
15.Tais necessidades decorriam, designadamente, da ausência de trabalhadores por doença e por motivo de férias e pelo preenchimento de postos de trabalho enquanto decorreu o processo de recrutamento [artigo 87.º da CONTESTAÇÃO da ré].
16.No dia 25-09-2017 a ré celebrou com a interveniente principal EEE., o acordo escrito denominado Contrato de Utilização de Trabalho Temporário a Termo Incerto, cuja cópia faz fls. 98 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, respeitante à autora AF....., para o desempenho das funções de “Bilheteiro” [artigo 101.º da CONTESTAÇÃO da ré – assente por acordo das partes].
17.A ré recorreu ao contrato em questão para fazer face à substituição de trabalhadores que se encontravam impedidos de prestar serviço por se encontrarem ausentes por doença, sendo eles …, … e … [artigo 102.º da CONTESTAÇÃO da ré].
18.No dia 01-11-2017 a ré e a interveniente principal EEE., celebraram um aditamento ao contrato em causa, atendendo a que o “o trabalhador ausente JCS..... que estava a ser substituído passou à situação de reforma (…) mantem-se a necessidade do recurso dos mesmos trabalhadores temporários uma vez que a Bilheteira … se encontra ausente por doença” [artigo 103.º da CONTESTAÇÃO da ré].
19.No dia 02-02-2018, foi celebrado um aditamento ao mesmo contrato, atendendo a que “a trabalhadora ausente …. que estava a ser substituída regressou ao serviço (…) mantem-se a necessidade do recurso dos mesmos trabalhadores temporários uma vez que o trabalhador … se encontra ausente por doença” [artigo 105.º da CONTESTAÇÃO da ré].
20.No dia 01-05-2018 foi celebrado um aditamento ao contrato em causa para alteração do motivo justificativo do contrato de trabalho temporário, que passou a referir-se aos trabalhadores … e …, que passaram a estar impedidos de trabalhar, por motivo de doença [artigo 107.º da CONTESTAÇÃO da ré].
21.No dia 01-11-2018 a ré celebrou com a interveniente principal EEE., o acordo escrito denominado Contrato de Utilização de Trabalho Temporário a Termo Incerto, cuja cópia faz fls. 100 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, respeitante à autora AAA, para o desempenho das funções de “Bilheteiro” [artigo 109.º da CONTESTAÇÃO da ré – assente por acordo das partes].
22.A ré recorreu ao contrato em questão em virtude de se encontrar a aguardar autorização, por parte da tutela da empresa, para a contratação de trabalhadores para a categoria profissional de Bilheteiro [artigo 110.º da CONTESTAÇÃO da ré].
23.No dia 01-05-2019 a ré celebrou com a interveniente principal EEE., o acordo escrito denominado Contrato de Utilização de Trabalho Temporário a Termo Certo, cuja cópia faz fls. 100v. dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, respeitante à autora Ana Félix, para o desempenho das funções de “Bilheteiro” [artigo 109.º da CONTESTAÇÃO da ré – assente por acordo das partes].
24.A ré recorreu ao contrato em questão para fazer face à substituição de vários trabalhadores da ré ausentes por motivos de férias entre 02-05-2019 e 30-09-2019, de acordo com a calendarização apresentada em anexo ao mencionado contrato, cuja cópia faz fls. 101 dos autos [artigos 112.º e 113.º da CONTESTAÇÃO da ré].
25.No dia 25-09-2017 a ré celebrou com a interveniente principal EEE., o acordo escrito denominado Contrato de Utilização de Trabalho Temporário a Termo Incerto, cuja cópia faz fls. 101v. dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, respeitante à autora BBB, para o desempenho das funções de “Bilheteiro” [artigo 117.º da CONTESTAÇÃO da ré – assente por acordo das partes].
26.A ré recorreu ao contrato em questão para fazer face à substituição de trabalhadores que se encontravam impedidos de prestar serviço por se encontrarem ausentes por doença, sendo eles …, … e … [artigo 118.º da CONTESTAÇÃO da ré].
27.No dia 01-11-2017 a ré e a interveniente principal EEE., celebraram um aditamento ao contrato em causa, atendendo a que o “o trabalhador ausente … que estava a ser substituído passou à situação de reforma (…) mantem-se a necessidade do recurso dos mesmos trabalhadores temporários uma vez que a Bilheteira … se encontra ausente por doença” [artigo 119.º da CONTESTAÇÃO da ré].
28.No dia 02-02-2018, foi celebrado um aditamento ao mesmo contrato, atendendo a que “a trabalhadora ausente … que estava a ser substituído regressou ao serviço (…) mantem-se a necessidade do recurso dos mesmos trabalhadores temporários uma vez que o trabalhador … se encontra ausente por doença” [artigo 121.º da CONTESTAÇÃO da ré].
29.No dia 01-05-2018 foi celebrado um aditamento ao contrato em causa para alteração do motivo justificativo do contrato de trabalho temporário, que passou a referir-se à substituição direta ou indireta dos trabalhadores, temporariamente impedidos de trabalhar por motivo de férias, relativamente a um período entre 02-05-2018 a 31-10-2018, identificados no respetivo documento cuja cópia faz fls. 103 dos autos [artigo 123.º da CONTESTAÇÃO da ré].
30.No dia 01-11-2018 a ré celebrou com a interveniente principal EEE., o acordo escrito denominado Contrato de Utilização de Trabalho Temporário a Termo Incerto, cuja cópia faz fls. 103v. dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, respeitante à autora …, para o desempenho das funções de “Bilheteiro” [artigo 125.º da CONTESTAÇÃO da ré – assente por acordo das partes].
31.A ré recorreu ao contrato em questão em virtude de se encontrar a aguardar autorização, por parte da tutela da empresa, para a contratação de trabalhadores para a categoria profissional de Bilheteiro [artigo 125.º da CONTESTAÇÃO da ré].
32.No dia 01-05-2019 a ré celebrou com a interveniente principal EEE., o acordo escrito denominado Contrato de Utilização de Trabalho Temporário a Termo Certo, cuja cópia faz fls. 104 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, respeitante à autora …, para o desempenho das funções de “Bilheteiro” [artigo 125.º da CONTESTAÇÃO da ré – assente por acordo das partes].
33.A ré recorreu ao contrato em questão para fazer face à substituição de vários trabalhadores da ré ausentes por motivos de férias entre 02-05-2019 e 30-09-2019, de acordo com a calendarização apresentada em anexo ao mencionado contrato, cuja cópia faz fls. 104v. dos autos [artigo 125.º da CONTESTAÇÃO da ré].
34.No dia 13-08-2018 a ré celebrou com a interveniente principal EEE., o acordo escrito denominado Contrato de Utilização de Trabalho Temporário a Termo Incerto, cuja cópia faz fls. 218 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, respeitante à autora …, para o desempenho das funções de “Bilheteiro” [artigos 39.º, 42.º e 45.º da CONTESTAÇÃO da interveniente Fórum Seleção – assente por acordo das partes].
35.A ré recorreu ao contrato em questão para fazer face à substituição de vários trabalhadores da ré ausentes por motivos de férias entre 30-07-2018 e 31-10-2018, de acordo com a calendarização apresentada em anexo ao mencionado contrato, cuja cópia faz fls. 218v. dos autos [artigos 87.º e 134.º da CONTESTAÇÃO da ré].
36.No dia 01-11-2018 a ré celebrou com a interveniente principal EEE., o acordo escrito denominado Contrato de Utilização de Trabalho Temporário a Termo Incerto, cuja cópia faz fls. 105 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, respeitante à autora VG....., para o desempenho das funções de “Bilheteiro” [artigo 127.º da CONTESTAÇÃO da ré – assente por acordo das partes].
37.A ré recorreu ao contrato em questão em virtude de se encontrar a aguardar autorização, por parte da tutela da empresa, para a contratação de trabalhadores para a categoria profissional de Bilheteiro [artigo 128.º da CONTESTAÇÃO da ré].
38.No dia 01-05-2019 a ré celebrou com a interveniente principal EEE., o acordo escrito denominado Contrato de Utilização de Trabalho Temporário a Termo Certo, cuja cópia faz fls. 105v. dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, respeitante à autora CCC para o desempenho das funções de “Bilheteiro” [artigo 129.º da CONTESTAÇÃO da ré – assente por acordo das partes].
39.A ré recorreu ao contrato em questão para fazer face à substituição de vários trabalhadores da ré ausentes por motivos de férias entre 02-05-2019 e 30-09-2019, de acordo com a calendarização apresentada em anexo ao mencionado contrato, cuja cópia faz fls. 106 dos autos [artigos 130.º e 131.º da CONTESTAÇÃO da ré].
40.A ré DDD, que se dedica à prestação de serviço público de transporte fluvial de passageiros entre as duas margens do rio Tejo, é uma sociedade anónima, detida a 100% pelo Estado Português, o seu acionista único [artigo 159.º da CONTESTAÇÃO da ré – acordo das partes; facto notório].
41.Durante os anos de 2017, 2018 e 2019, por falta de cabimento nas respetivas Leis do Orçamento do Estado e decretos-Leis de Execução Orçamental, a ré não teve autorização da Tutela para contratar diretamente novos trabalhadores [artigos 181.º e 182.º da CONTESTAÇÃO da ré].

O DIREITO:

A 1ª questão a que urge dar resposta prende-se com a falsidade dos motivos invocados para contratação - A atividade desenvolvida pelas Recorrentes correspondeu, desde sempre, a necessidades permanentes de serviço da Recorrida?
O regime contratual adotado pelas partes foi o do contrato de trabalho temporário que, conforme ensina Monteiro Fernandes e é lembrado na sentença recorrida «…consiste na cisão da posição contratual do empregador: a direção e organização do trabalho pertencem ao utilizador (modo, lugar, duração do trabalho e suspensão do contrato), e o trabalhador deve obediência aos dispositivos e prescrições de higiene, segurança e saúde no trabalho, assim como às condições de acesso aos equipamentos sociais da empresa utilizadora; mas as obrigações contratuais (nomeadamente as remuneratórias), os encargos sociais, e, inclusivamente, o exercício do poder disciplinar, pertencem à entidade que é parte no contrato de trabalho temporário: a empresa cedente» (Direito do Trabalho, 15.ª Edição, Almedina, 172). Uma forma atípica de estabelecimento de relações laborais com consequências nem sempre muito lineares.
O regime legal que lhe corresponde encontra-se previsto nos Artº 172º e ss. do Código do Trabalho.
No caso concreto, tendo, embora, sido inicialmente demandada apenas a empresa utilizadora da mão de obra – a DDD-, veio a ordenar-se a intervenção principal da empresa de trabalho temporário (recrutadora).
A 2ª celebrou com cada uma das AA. contratos de trabalho temporário a termo – em 25/09/2017 com as duas primeiras AA. e em 13/08/2018 com a terceira.

A 1ª vinculou-se com a Interveniente mediante contratos de utilização de trabalho temporário, envolvendo cada uma das AA.:
- Com a A. AAA desde 25/09/2017 até 1/05/2019. O primeiro contrato teve como fundamento a substituição de trabalhadores ausentes por doença, o mesmo tendo ocorrido com três subsequente aditamentos ao contrato. Após estes é celebrado num novo contrato com a finalidade declarada de que se aguardava autorização da tutela para a contratação de trabalhadores e um último fundado em substituição de trabalhadores por motivo de férias.
- Com a A. BBB, também desde 25/09/2017 até 1/05/2019. O primeiro contrato invocando substituição de trabalhadores ausentes por doença, o mesmo vindo a ocorrer com dois subsequentes aditamentos a que se seguiu um terceiro com fundamento em substituição por férias. Seguiram-se-lhes mais dois contratos, um com o fundamento da aguardada autorização da tutela para contratação e outro para substituição de trabalhadores em férias.
- Com a A. CCC, agora desde 13/08/2018 até 1/05/2019 e mediante três contratos – um fundado na substituição por férias, outro na esperada autorização tutelar e um último para substituição de trabalhadores em férias.
Os contratos datados de 25/09/2017 coincidiram no fundamento invocado, inclusive baseando-se nas ausências dos mesmos trabalhadores, o mesmo se passando com os dois aditamentos seguintes. Verifica-se idêntica coincidência de fundamentos nos contratos datados de 1/11/2018 e 1/05/2019.

Relativamente à questão que nos ocupa a sentença ponderou o seguinte:ainda que tenha ficado demonstrada a existência de um défice crónico de pessoal nas bilheteiras (durante o período em que as autoras exerceram funções na ré verificou-se uma falta de pessoal nas Bilheteiras), que a ré estava impedida de colmatar pela via de contratação de novos trabalhadores (durante os anos de 2017, 2018 e 2019, por falta de cabimento nas respetivas Leis do Orçamento do Estado e decretos-Leis de Execução Orçamental, a ré não teve autorização da Tutela para contratar diretamente novos trabalhadores), sem prejuízo de eventuais recrutamentos em regime de cedência de interesse público (destinados apenas a detentores de relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado), certo é que durante o referido período foram diversos os motivos justificativos que determinaram a utilização de trabalho temporário por parte da ré, tendo resultado provada a veracidade desses motivos[1].
Se a ré, por motivos distintos, necessitou de recorrer sucessivamente à utilização de trabalho temporário, não se vislumbra que a circunstância de ter optado por manter ao seu serviço, em cada uma dessas ocasiões, as aqui autoras possa consubstanciar por si só um argumento para concluir pela invalidade dos contratos em apreço nos autos”.

Com o devido respeito parece-nos que a sentença confunde a validade dos motivos invocados com a veracidade dos mesmos, sendo esta que está em dúvida na questão formulada.
Ora, percorrido o acervo fático cuja prova se obteve não descortinamos nele a evidência da veracidade dos motivos invocados, pois, em parte alguma consta como provado (ou, sequer, alegado) que os trabalhadores (…), (…)(…)(…) e (…)estiveram ausentes por doença nos períodos de referência; ou quais os trabalhadores em férias; ou, sequer, a invocada vacatura determinante de processo de recrutamento, não obstante se ter provado a abertura de concurso para seis vagas de bilheteiro em Outubro de 2018.
O contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado a termo resolutivo, certo ou incerto, nas situações previstas para a celebração do contrato de utilização (Art.º 180º/1 do CT).
Também o contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado nas situações legalmente previstas (Artº 175º/1 do CT).
Essas situações são as previstas no Artº 175º/1, entre as quais, e por referência também ao Artº 140º/2-a), a substituição direta ou indireta de trabalhador ausente ou temporariamente impedido de trabalhar e a vacatura de posto de trabalho quando decorra processo de recrutamento para o seu preenchimento.
A prova da veracidade do motivo inerente à contratação, ou seja, a prova de que se está perante necessidades temporárias de serviço baseadas nalguma daquelas razões – o mesmo é dizer, o convencimento de que não subjazem à contratação necessidades permanentes de serviço- compete ao réu, nos termos do disposto nos Artº 140º/5[2] e 176º/1 do CT.
Não emergindo da matéria de facto a evidência em causa, o contrato de utilização celebrado fora das situações legalmente previstas é nulo (Artº 176º/2 do CT). Do mesmo modo o termo estipulado no contrato de trabalho temporário é nulo.
Sendo nulo o contrato de utilização, considera-se que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo (Artº 176º/3 do CT) e, sendo nulo o termo estipulado no contrato de trabalho temporário, considera-se o trabalho efetuado em execução do contrato como prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo (Artº 180º/2 do CT).
Temos, pois, duas nulidades em concorrência, situação regulada pelo disposto no Artº 180º/3 do CT de acordo com o qual concorrendo a nulidade do termo do contrato de trabalho temporário com a do contrato de utilização de trabalho temporário, prevista no Artº 176º/2, considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo.

Com o que passamos à 2ª questão - A cessação dos contratos de trabalho das Recorrentes configura um despedimento ilícito por parte da Recorrida?
A resposta é positiva.
Em Setembro de 2019 as AA. foram informadas pela Interveniente (Empresa de Trabalho Temporário recrutadora) da caducidade dos seus contratos de trabalho.
Ora, devendo as AA. considerar-se como contratadas sem termo, os respetivos contratos não poderiam cessar validamente por invocação de caducidade, pelo que a mesma configura um despedimento ilícito, por não ter sido precedido de procedimento disciplinar (Artº 381º/c) do CT).

Abrimos um parêntesis para aclarar uma sub-questão: a declaração de caducidade é da autoria da Interveniente EEE
Poderá a mesma repercutir-se na pessoa da R. relativamente à qual vem formulado o pedido de condenação?
De notar que, quanto a esta, se alegou na PI que as AA., considerando-se trabalhadoras da R. em regime de contrato de trabalho sem termo, apresentaram-se nas instalações desta para retomar o seu trabalho, o que não foi aceite pela R.. (Artº 25º e 26º).
Esta matéria obteve resposta de não provado.
O que nos leva a afirmar que a carta enviada pela Interveniente apenas na sua esfera jurídica produz efeitos, sendo inócua no que tange à R. (utilizadora).
Sendo a relação laboral uma relação angular, sujeita a um regime tripartido, há, ainda assim, efeitos que apenas decorrem dos atos perpetrados por cada uma das partes, pelo que a declaração de caducidade enviada pela Interveniente não pode repercutir-se na esfera jurídica da R., empresa utilizadora sobre a qual recai o ónus de se considerar o contrato celebrado sem termo.
Fica, deste modo, prejudicada a subsequente análise pressuposta pela questão em apreciação – as consequências da ilicitude.
Cumpre, todavia, e em presença do pedido formulado sob a alínea a) (procedente), apreciar a questão suscitada pela Apelada, quer em sede de contestação, quer nas contra-alegações – a limitação decorrente das leis do Orçamento de Estado.
Alega a Recordª que integra, nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro (“RJSEP”), o setor empresarial do Estado e, consequentemente, o setor público empresarial, sendo uma empresa pública.
Nesses termos, e conforme determinam os artigos 14.º e 17.º do mesmo diploma, as empresas públicas – entre as quais se encontra a Recorrida – regem-se pelo direito privado, não obstante terem a sua atividade gestionária limitada por previsões normativas específicas aplicáveis às empresas do setor público empresarial. Consequentemente, encontra-se sujeita às normas legais previstas na Lei do Orçamento do Estado e no Decreto de Execução Orçamental, as quais devem ser cumpridas, nomeadamente para efeitos de contratação de trabalhadores pela Recorrida.
Assim é, de facto.
Tal como a mesma aduz, durante os anos 2017 e ss. a Recorrida não tinha qualquer possibilidade de contratar trabalhadores para vínculos de emprego público por tempo indeterminado.

No que diz respeito às previsões normativas específicas em vigor, e que condicionavam a atividade da Recorrida durante o ano de 2017, o artigo 42.º da Lei de Orçamento de Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016 de 28 de dezembro) previa, a respeito da contratação de trabalhadores por pessoas coletivas de direito público e empresas do setor público empresarial, que:
1-As pessoas coletivas de direito público dotadas de independência, designadamente aquelas a que se refere a Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, e o n.º 3 do artigo 48.º da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, aprovada pela Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, só podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado ou a termo, nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental.
2- As empresas do setor público empresarial só podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado ou a termo, nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental.
3-
4-
5- As contratações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto no presente artigo são nulas.
O artigo 43.º da mesma lei dispunha que “durante o ano de 2017, as empresas do setor empresarial do Estado prosseguem uma política de ajustamento dos seus quadros de pessoal, adequando-os às efetivas necessidades de uma organização eficiente, só podendo ocorrer aumento do número de trabalhadores nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental”.

Concretizando as disposições referidas, o Decreto-Lei de Execução Orçamental (Decreto- Lei n.º 25/2017 de 3 de março) estabeleceu, no seu artigo 123.º, a propósito da contratação de trabalhadores por pessoas coletivas de direito público e empresas do setor público empresarial, o seguinte:
1- Os membros do Governo responsáveis pelo setor de atividade podem autorizar o recrutamento de trabalhadores, por pessoas coletivas de direito público e empresas do setor empresarial do Estado, para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado, ou a termo, bem como para a conversão de contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, com fundamento na existência de relevante interesse público no recrutamento, ponderada a carência dos recursos humanos e a evolução global dos mesmos, e desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a)- Seja imprescindível o recrutamento, tendo em vista assegurar o cumprimento das obrigações de prestação de serviço público legalmente estabelecidas;
b)- Seja impossível satisfazer as necessidades de pessoal por recurso a pessoal que já se encontre colocado, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, em situação de requalificação ou ao abrigo de outros instrumentos de mobilidade;
c)- Seja demonstrado que os encargos com os recrutamentos em causa estão incluídos nos orçamentos aprovados das entidades a que respeitam;
d)- Cumprimento, pontual e integral, dos deveres de informação previstos na Lei n.º 57/2011, de 28 de novembro, alterada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
2-Para efeitos da emissão da autorização prevista no número anterior, as empresas do setor empresarial do Estado enviam aos membros do Governo responsáveis pelo setor de atividade os elementos comprovativos da verificação dos requisitos ali previstos, os quais, no prazo de 10 dias após a referida autorização, são submetidos pelas empresas no Sistema de Recolha de Informação Económica e Financeira ou, quando não disponham de acesso a este sistema, enviados à DGTF, em formato eletrónico.
3-O disposto nos números anteriores aplica-se ao setor empresarial local, com as devidas adaptações, nos termos do disposto na Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, alterada pelas Leis n.os 53/2014, de 25 de agosto, 69/2015, de 16 de julho, 7-A/2016, de 30 de março, e Lei do Orçamento do Estado.
4- Para efeitos do disposto no artigo 43.º da Lei do Orçamento do Estado, os recrutamentos dos quais resulte o aumento do número de trabalhadores, face a 31 de dezembro de 2016, carecem de autorização prévia do membro do Governo responsável pela área das finanças, após despacho favorável do membro do Governo responsável pelo setor de atividade.
5- Sempre que do aumento do número de trabalhadores resultar o aumento de gastos com pessoal, o pedido a que se refere o número anterior deve ser acompanhado do pedido de dispensa do cumprimento da alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º
6-São nulas as contratações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto nos números anteriores.
7-O disposto no presente artigo prevalece sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias.
8- Sem prejuízo do disposto no n.º 3, o disposto no presente artigo não se aplica às demais entidades referidas no artigo 2.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, alterada pelas Leis n.os 82-D/2014, de 31 de dezembro, 69/2015, de 16 de julho, 132/2015, de 4 de setembro, 7-A/2016, de 30 de março, e Lei do Orçamento do Estado.
9- O disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 4 não se aplica ao recrutamento de trabalhadores para constituição de vínculos de emprego com duração até seis meses, incluindo renovações, ao abrigo da Lei n.º 4/2008, de 7 de fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 28/2011, de 16 de junho, sendo a autorização da competência do respetivo órgão de direção ou administração após verificação dos demais requisitos ali previstos.

Emerge daqui que a Recorrida não poderia ter contratado as Recorrentes por tempo indeterminado.

O mesmo se deve concluir no que diz respeito ao ano de 2018.

Com efeito, o artigo 51.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018 (Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro), em relação à contratação de trabalhadores por pessoas coletivas de direito público e empresas do setor público empresarial, dispunha que:
1-As pessoas coletivas públicas, ainda que dotadas de autonomia administrativa ou de independência estatutária, designadamente aquelas a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, e o n.º 3 do artigo 48.º da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, aprovada pela Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, só podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado ou a termo nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental.
2- As empresas do setor público empresarial só podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado ou a termo nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental.
3-…
4-…
5- As contratações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto no presente artigo são nulas.

O artigo 51.º do mesmo diploma, referente aos quadros de pessoal no setor empresarial do Estado, dispunha que: “Durante o ano de 2018, as empresas do setor empresarial do Estado prosseguem uma política de ajustamento dos seus quadros de pessoal, adequando-os às efetivas necessidades de uma organização eficiente, só podendo ocorrer aumento do número de trabalhadores nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental”.

Nesse mesmo ano, o Decreto-Lei de Execução Orçamental (Decreto-Lei n.º 33/2018 de 15 de maio), no seu artigo 144.º, previa o seguinte:
1- As pessoas coletivas de direito público, ainda que dotadas de autonomia administrativa ou de independência estatutária, designadamente aquelas a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, na sua redação atual, e as empresas do setor público empresarial podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado, ou a termo, bem como para a conversão de contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, no âmbito da autonomia de gestão, desde que expressamente autorizados no ato de aprovação do plano de atividades e orçamento.
2- O recrutamento a que se refere o número anterior deve ser devidamente sustentado na análise custo-benefício integrada no plano de atividades e orçamento aprovado, devendo estar reunidos os requisitos previstos nas alíneas c) e d) do número seguinte, no momento do recrutamento.
3- Nos casos não abrangidos pelo n.º 1, o membro do Governo responsável pela área das finanças, após despacho favorável do membro do Governo responsável pelo setor de atividade, pode ainda autorizar, em situações excecionais devidamente sustentadas na análise custo-benefício efetuada pelas entidades, com fundamento na existência de relevante interesse público, ponderada a carência dos recursos humanos e a evolução global dos mesmos, o recrutamento de trabalhadores, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a)-Os encargos decorrentes do recrutamento estejam incluídos na proposta de orçamento anual e plurianual, evidenciando o impacto no ano da contratação e no respetivo triénio;
b)-O recrutamento seja considerado imprescindível, tendo em vista a prossecução das atribuições e o cumprimento das obrigações de prestação de serviço público da respetiva entidade;
c)-Seja impossível satisfazer as necessidades por recurso a pessoal que já se encontre colocado, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, em situação de valorização profissional ou ao abrigo de outros instrumentos de mobilidade;
d)-Cumprimento, atempado e integral, dos deveres de informação previstos na Lei n.º 57/2011, de 28 de novembro, na sua redação atual.
4-Para efeitos da emissão da autorização prevista no número anterior, as entidades enviam aos membros do Governo responsáveis pelo setor de atividade os elementos comprovativos da verificação daqueles requisitos e da respetiva submissão, no Sistema de Recolha de Informação Económica e Financeira ou, quando não disponham de acesso a este sistema, do envio à DGTF, em formato eletrónico, no caso das empresas do setor público empresarial, ou no SIGO ou, quando não disponham de acesso a este sistema, do envio à DGAEP, em formato eletrónico, no caso das pessoas coletivas de direito público.
5-Atentas as especificidades inerentes às entidades públicas empresariais integradas no SNS, a autorização de recrutamento pode ainda ser fixada globalmente e por grupo profissional, por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde.
6-A autorização dos recrutamentos compreendidos no contingente estabelecido no número anterior é da competência do membro do Governo responsável pela área da saúde.
7-O disposto no n.º 3 não se aplica ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego com duração até seis meses, incluindo renovações, ao abrigo da Lei n.º 4/2008, de 7 de fevereiro, na sua redação atual, sendo a autorização da competência do respetivo órgão de direção ou administração, desde que verificados os requisitos previstos nas alíneas a), b) e d) do referido número.
8-O disposto nos números anteriores aplica-se ao setor empresarial local, com as devidas adaptações, nos termos do disposto na Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, na sua redação atual.
9-São nulas as contratações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto nos números anteriores.
10-O disposto no presente artigo prevalece sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias.

O mesmo sucedeu relativamente ao ano de 2019, tendo em conta que a Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro estabelecia, no seu artigo 53.º, uma norma semelhante à do ano anterior:
1-As pessoas coletivas públicas, ainda que dotadas de autonomia administrativa ou de independência estatutária, designadamente aquelas a que se referem o n.º 3 do artigo 48.º da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, aprovada pela Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, na sua redação atual, e o n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, na sua redação atual, apenas com exceção das referidas no n.º 4 do mesmo artigo, só podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado ou a termo nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental.
2- As empresas do setor público empresarial só podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado ou a termo nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental.
3- …
4- …
5- …
6- As contratações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto no presente artigo são nulas.

Por sua vez o Decreto-Lei de Execução Orçamental que concretiza a LOE 2019 previa que:
1- As pessoas coletivas de direito público, ainda que dotadas de autonomia administrativa ou de independência estatutária, designadamente aquelas a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, na sua redação atual, e as empresas do setor público empresarial podem proceder à celebração de acordos de cedência de interesse público com trabalhadores de entidades abrangidas pelo âmbito de aplicação da LTFP e ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado, ou a termo, bem como para a conversão de contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, no âmbito da autonomia de gestão, desde que expressamente autorizados no ato de aprovação do plano de atividades e orçamento.
2- O recrutamento a que se refere o número anterior deve ser devidamente sustentado na análise custo-benefício integrada no plano de atividades e orçamento aprovado, devendo estar reunidos os requisitos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 5, no momento do recrutamento.
3- Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, fica autorizado o recrutamento destinado à substituição, para a mesma função, de trabalhadores que cessem o vínculo de emprego por causa não imputável à entidade empregadora e desempenhem tarefas correspondentes a necessidades permanentes, se a remuneração dos trabalhadores a contratar corresponder à base da carreira profissional prevista em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou em regulamento interno, desde que:
a)- O plano de atividades e orçamento esteja aprovado; ou
b)- O plano de atividades e orçamento tenha sido submetido até 31 de março e não tenha sido objeto de pronúncia pelo membro do Governo responsável pela área das finanças até 30 de junho ou, sendo submetido após 31 de março, não seja objeto de pronúncia pelo membro do Governo responsável pela área das finanças no prazo de 120 dias.
4- Do recrutamento a que se refere o número anterior não pode resultar um aumento dos gastos com pessoal face ao ano anterior, devendo estar preenchidos, no momento do recrutamento, os requisitos previstos nas alíneas b) a d) do número seguinte.
5-Nos casos não abrangidos pelos números anteriores, o membro do Governo responsável pela área das finanças, após despacho favorável do membro do Governo responsável pela respetiva área setorial, pode ainda autorizar, em situações excecionais devidamente sustentadas na análise custo-benefício efetuada pelas entidades, com fundamento na existência de relevante interesse público, ponderada a carência dos recursos humanos e a evolução global dos mesmos, o recrutamento de trabalhadores, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a)-Os encargos decorrentes do recrutamento estejam incluídos na proposta de orçamento anual e plurianual, evidenciando o impacto no ano da contratação e no respetivo triénio, com identificação do montante remuneratório dos trabalhadores a contratar, tendo por referência a base da carreira profissional prevista em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou em regulamento interno, quando existam;
b)-O recrutamento seja considerado imprescindível, tendo em vista a prossecução das atribuições e o cumprimento das obrigações de prestação de serviço público da respetiva entidade;
c)-Seja impossível satisfazer as necessidades por recurso a pessoal que já se encontre colocado, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, em situação de valorização profissional ou ao abrigo de outros instrumentos de mobilidade;
d)-Cumprimento, atempado e integral, dos deveres de informação previstos na Lei n.º 57/2011, de 28 de novembro, na sua redação atual.
6- O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, à celebração de acordos de cedência de interesse público com trabalhadores de entidades abrangidas pelo âmbito de aplicação da LTFP.
7-Para efeitos da emissão da autorização prevista no n.º 5, as entidades enviam aos membros do Governo responsáveis pela respetiva área setorial os elementos comprovativos da verificação daqueles requisitos e da respetiva submissão, no Sistema de Recolha de Informação Económica e Financeira, ou, quando não disponham de acesso a este sistema, do envio à DGTF, em formato eletrónico, no caso das empresas do setor público empresarial, ou no SIGO, ou, quando não disponham de acesso a este sistema, do envio à DGAEP, em formato eletrónico, no caso das pessoas coletivas de direito público.
8-Atentas as especificidades inerentes às entidades públicas empresariais integradas no SNS, a autorização de recrutamento pode ainda ser fixada globalmente e por grupo profissional, por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde.
9-A autorização dos recrutamentos compreendidos no contingente estabelecido no número anterior é da competência do membro do Governo responsável pela área da saúde.
10-O disposto no n.º 5 não se aplica ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego com duração até seis meses, incluindo renovações, ao abrigo da Lei n.º 4/2008, de 7 de fevereiro, na sua redação atual, sendo a autorização da competência do respetivo órgão de direção ou administração, desde que verificados os requisitos previstos nas alíneas a), b) e d) do referido número.
11-O disposto nos números anteriores aplica-se ao setor empresarial local, com as devidas adaptações, nos termos do disposto na Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, na sua redação atual.
12-São nulas as contratações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto nos números anteriores.
13-O disposto no presente artigo prevalece sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias.

Donde, e conforme contraposto pela Apelada, também relativamente ao ano de 2019, a Recorrida se encontrava limitada na contratação.

Reforça esta conclusão o facto, aliás provado, de, durante os anos 2017, 2018 e 2019, por falta de cabimento nas respetivas leis orçamentais e de execução, a R. não ter tido autorização da tutela para contratar diretamente novos trabalhadores.

E, assim, a contratação operada nos anos 2017 a 2019, bem como os aditamentos aos contratos neste período temporal, são nulos, prevalecendo o regime introduzido pelos mencionados regimes legais sobre as normas do Código do Trabalho supra citadas.

Contudo, conforme dispõe o Artº 122º/1 do CT, o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que foi executado.

***

As custas constituem encargo de ambas as partes, visto se registar decaimento das mesmas nas respetivas teses. Serão, por isso, suportadas por AA. e R. e Interveniente na proporção de ½ para cada uma (partes ativas/partes passivas) (Artº 527º do CPC).
Contudo, a 1ª A. está isenta ao abrigo do disposto no Artº 4º/1-h) do RCP[3] e a Interveniente não contra-alegou, o que a dispensa de taxa de justiça (Artº 7º/2 do RCP). Suportará, pois, apenas, as de parte.

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***
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência e na revogação parcial da sentença:
- Declarar que as AA. se consideram trabalhadoras da R., em regime de contrato de trabalho sem termo nulo;
- Manter, quanto ao mais, a sentença.
Custas por ambas as partes (AA. e R./Interveniente) na proporção de ½ para cada uma delas, com isenção da 1ª A. e restritas às de parte no que respeita á Interveniente.  
Notifique.

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Lisboa, 22/06/2022



MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES



[1]Sublinhado nosso
[2]Note-se que o contrato de trabalho temporário é um contrato de trabalho a termo “que se caracteriza pelo facto de o trabalhador ser contratado pela empresa de trabalho temporário com vista à cedência imediata ao utilizador e pelo tempo que durar essa cedência — ou seja, trata-se de uma contratação a termo, que pode revestir a modalidade de termo certo ou de termo incerto (art.º 180.º n.º 1” (Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte IV)
[3]A isenção é total, dado o disposto no Artº 4º/6 do RCP