Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SUSANA MESQUITA GONÇALVES | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA ACIDENTE DE VIAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | (elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil, doravante apenas CPC) I. Um veículo que entra em despiste e vai embater com a sua traseira no separador central do Eixo Norte/Sul do IP 7, após o que se imobiliza atravessado nas filas da esquerda e do meio dessa via, com a frente para o trânsito, transforma-se num obstáculo completamente imprevisto para os demais condutores que circulam nessa via, obstáculo esse cuja perigosidade é potenciada pelo facto de o mesmo não estar sinalizado, por ser de noite e por o piso estar molhado devido à chuva. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados: * I. Relatório: AA instaurou o presente procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória contra Companhia de Seguros “A” e Companhia de Seguros “B”, peticionando a condenação das Requeridas no pagamento ao Requerente da quantia de 1.240,00 €, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano. As Requeridas apresentaram oposição ao procedimento cautelar. * Realizada a audiência final foi proferida sentença, cujo segmento decisório aqui se reproduz: “(…) Decisão: Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente este procedimento cautelar e determina-se que a requerida “A” pague mensalmente ao requerente o equivalente ao salário mínimo nacional. Custas pelas partes, na proporção do respetivo decaimento. Notifique-se e Registe-se. (…).” * Não concordando com essa decisão, dela veio recorrer a Requerida “A”, pugnando pela sua revogação. Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões: “1.º Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls.___, no âmbito da providência cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória supra identificada, a qual julgou parcialmente procedente a providência cautelar proposta pelo Requerente AA, condenando, em consequência, a Requerida, ora Recorrente, a pagar mensalmente àquele uma renda equivalente ao ordenado mínimo, com a qual a Requerida, ora Recorrente, salvo o devido respeito, não se poderá conformar. (…) 3.º As presentes alegações de recurso têm por objeto quer a alteração da matéria de facto, por via dos elementos constantes nos autos, quer a alteração da matéria de direito. 4.º Salvo o devido respeito (que é muito), a ora Recorrente não poderá conformar-se com a sentença proferida, uma vez que entende que, ao arbitrar a reparação provisória em causa nos presentes autos, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 342.º; 483.º; do CC e 388.º do CPC. Ora vejamos, 5.º O cerne do presente processo prendia-se essencialmente com a análise da dinâmica do acidente, por forma a aferir da responsabilidade de cada uma das Requeridas e, bem assim, com a verificação do eventual preenchimento dos requisitos cumulativos de que depende o decretamento da presente providência cautelar. 6.º No que concerne à matéria de facto, tendo em conta toda a prova produzida nos autos, entende a ora Recorrente, salvo o devido respeito, que a matéria de facto constante dos Factos Provados n.ºs 11, 12 e 13 foi incorretamente apreciada, tendo conduzido a uma decisão injusta e incoerente com toda a factualidade discutida e apurada nos autos. 7.º As provas que impõem decisão diversa sobre esses factos e que devem ser reapreciadas são os seguintes depoimentos: 1) BB, cujo depoimento ficou gravado em ficheiro de áudio com referência 26150-23.7T8LSB_2024-03-20_10-41-35, com início ao minuto 48:40 e fim ao minuto 1:13:59. 2) CC, cujo ficou gravado em ficheiro de áudio com referência 26150-23.7T8LSB_2024-03-20_10-41-35, com início ao minuto 33:23 e fim ao minuto 40:30:01. 3) DD, cujo ficou gravado em ficheiro de áudio com referência 26150-23.7T8LSB_2024-03-20_10-41-35, com início ao minuto 10:40 e fim ao minuto 17:06. 8.º Os depoimentos supra transcritos permitem-nos extrair, desde logo, os seguintes factos: - O veículo AV despistou-se; - Na sequência do despiste do veículo AV, o motociclo FL ou o seu condutor embateram no veículo AV; - Quando o condutor do AV se preparava para sair do interior do veículo, para sinalizar o acidente, sofreu o segundo embate do veículo XU; - O condutor do veículo XU não regulou a velocidade que imprimia ao veículo XU e, por conseguinte, não logrou imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente; - O segundo embate deu-se após alguns minutos do despiste do AV e do primeiro embate entre o motociclo FL e o veículo AV. 9.º De facto, resultou da factualidade considerada como provada que o condutor do veículo AV não sinalizou o veículo parado, contudo, também resultou da prova produzida que, foi precisamente no momento em que o condutor do AV se preparava para sair do interior do veículo, para sinalizar o acidente, que foi embatido pelo veículo XU. 10.º Atento o exposto, no entendimento da Recorrente o facto considerado provado sob o n.º 11, corretamente analisada a prova produzida, nunca poderia ter sido considerado como provado nos termos em que o foi, devendo o mesmo passar a ter a seguinte redação: “Quando o condutor do AV se preparava para sair do interior do veículo, para sinalizar o acidente, sofreu o segundo embate do veículo XU.”. 11.º Mais, deverá a factualidade referida no facto provado sob o n.º 12 passar a constar como n.º 11 e vice-versa, porquanto, resultou claro da prova produzida que o despiste do AV e o embate do motociclo FL foram no mesmo momento e só posteriormente, quando o condutor do AV se preparava para sair do interior do veículo, para sinalizar o acidente, é que sofreu o segundo embate por parte do veículo XU. 12.º Concluindo, deverá a factualidade considerada como provada na douta sentença recorrida passar a ter a seguinte redação, a qual desde já se sugere e requer a V. Exas.: “11. O FL (moto) ou o seu condutor embateram no veículo AV. 12. Quando o condutor do AV se preparava para sair do interior do veículo, para sinalizar o acidente, sofreu o segundo embate do veículo XU.”. 13.º Por outro lado, sempre teria de ter sido outra a redação dada ao facto considerado provado sob o n.º 13. Desde logo porque, todas as testemunhas confirmaram que os dois embates ocorreram em momentos totalmente distintos. 14.º Atento o exposto, no entendimento da Recorrente o facto considerado provado sob o n.º 13, corretamente analisada a prova produzida, nunca poderia ter sido considerado como provado nos termos em que o foi, devendo o mesmo passar a ter a seguinte redação: “13. Após alguns minutos, o veículo XU embateu no veículo AV”. 15.º Mais, tanto a testemunha BB como a testemunha DD confirmaram que o segundo embate ocorreu com violência, o que não teria sucedido se o condutor do veículo XU, no qual circulava o aqui Requerente, ora Recorrido, como ocupante, não circulasse a uma velocidade excessiva face às características e estado da via e do veículo, às condições meteorológicas e à intensidade do trânsito. 16.º Porém, para espanto da ora Recorrente, o Tribunal a quo nada refere na factualidade considerada como provada relativamente à conduta do condutor do veículo XU. Pese embora tenha resultado, de forma clara, da prova produzida nos autos, que o condutor do veículo XU não regulou a velocidade que imprimia ao veículo XU e que foi a sua conduta temerária que deu causa ao segundo embate. 17.º Atente-se que, tanto assim é que o aqui Requerente, ora Recorrido, propôs a presente providência contra a ora Recorrente e contra a Companhia de Seguros “B”, do veículo XU. Ou seja, o próprio Requerente, ora Recorrido, reconhece que alguma responsabilidade poderia recair sobre a Seguradora do veículo XU ou não teria proposto a providência também quanto a esta Seguradora! 18.º E, com o devido respeito, o Tribunal a quo só não concluiu da mesma forma porque certamente não tomou a devida consideração aos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de Audiência de Julgamento, nomeadamente, aos depoimentos supra transcritos, ou sempre teria sido outra a decisão proferida. 19.º Face a tudo o exposto, entende a Recorrente que, tendo em conta a prova produzida, deve a matéria de facto ser alterada nos termos supra expostos, o que desde já se requer a V. Exas.. 20.º Salvo melhor entendimento, a douta sentença proferida, até pelos motivos já expostos, para além de ter feito um erro notório na apreciação da prova, tendo em conta os depoimentos prestados pelas testemunhas acima identificadas em sede Audiência de Julgamento, bem como, todos os elementos constantes dos autos, fez uma incorreta interpretação dos preceitos jurídicos a aplicar ao caso em concreto. 21.º Isto porque o Tribunal a quo não tomou em consideração todos os factos juridicamente relevantes para a decisão nos presentes autos, falhando na apreciação crítica da prova produzida, denotando uma argumentação incoerente, imputando ao condutor do veículo seguro AV 100% da responsabilidade pelo ocorrido. 22.º Efetivamente, resultou da prova produzida, que o condutor do veículo XU foi o responsável pela ocorrência do segundo embate, pelo que, a responsabilidade pelos danos sofridos pelo Requerente deverá ser imputada (também ou unicamente) à “B”, Seguradora do veículo no qual seguia o Requerente como ocupante, e não à ora Recorrente. 23.º De facto, resultou da prova produzida que o veículo XU circulava a uma velocidade desadequada às características e estado da via e do veículo, às condições meteorológicas e à intensidade do trânsito. 24.º O condutor do veículo XU violou o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 e 24.º, n.º 1 do CE. 25.º Não esqueçamos que o local do acidente configura uma reta, pelo que, o condutor do veículo XU sempre deveria ter visualizado os veículos imobilizados na faixa de rodagem (ainda que não sinalizados) e, caso circulasse a uma velocidade adequada, sempre teria conseguido imobilizar o veículo em segurança. 26.º Atente-se que, o local do acidente configura uma das artérias mais movimentadas da cidade e nenhum outro veículo, além do XU, foi embater nos veículos sinistrados. 27.º Com o devido respeito, que é muito, a ora Recorrente não consegue sequer entender, como pôde o Tribunal a quo simplesmente ignorar, perante a análise do acidente em causa nos presentes autos, a velocidade a que circulava o veículo XU. 28.º Dúvidas não restam de que o condutor do veículo XU deu causa ao acidente ou, pelo menos, contribuiu em alguma medida para a ocorrência do mesmo – ou não teria sido um embate violento (conforme relatado por todos os outros condutores intervenientes no acidente). 29.º Assim, face à prova produzida, sempre terá de concluir-se pela responsabilidade do condutor do veículo XU na eclosão do acidente e não apenas pela responsabilidade do condutor do veículo seguro AV. 30.º Em face do exposto, entende a ora Recorrente, salvo devido respeito, que a douta sentença proferida fez uma incorreta interpretação e aplicação das normas em apreço, designadamente dos artigos 342.º e 483.º do CC, em face da convicção errada quanto à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, pelo que, requer que esta decisão seja alterada, ordenando-se a revogação da douta Sentença impugnada em conformidade. Não obstante, ainda que assim não se entendesse, 31.º A verdade é que são requisitos cumulativos do instituto de arbitramento de reparação provisória conforme previsto no artigo 388.º do CPC, os seguintes: i) A existência de indícios suficientemente fortes quanto à obrigação de indemnizar por parte do requerido; ii) A verificação de uma situação de necessidade iminente e atual; iii) A existência de nexo de causalidade entre os danos sofridos pelo requerente e a situação de necessidade que fundamenta o recurso à tutela cautelar. 32.º No caso dos presentes autos, ainda que se mantivesse a factualidade considerada como provada e não provada nos exatos termos proferidos na sentença ora recorrida, a verdade é que, da mesma não resultaram factos bastantes que permitam – ainda que de forma indiciária – imputar a responsabilidade pelo acidente unicamente ao condutor do veículo AV. 33.º Motivo pelo qual, no entendimento da ora Recorrente, no caso dos presentes autos, ficou por demonstrar um dos requisitos de que dependia a procedência de providência cautelar, nomeadamente, a existência de indícios suficientemente fortes quanto à obrigação de indemnizar. 34.º Não resultou da factualidade considerada como provada nos autos qualquer facto que permita concluir, com elevado grau de probabilidade, pela responsabilidade – de forma exclusiva – do condutor do veículo seguro AV na eclosão do acidente. 35.º De facto, a existir responsabilidade do condutor do veículo seguro, a mesma apenas poderá resultar de uma concorrência de culpa entre o condutor do veículo seguro AV e no condutor do veículo XU, a qual nunca poderá deixar de ser em fixada em 50/50 para ambos os condutores – conforme dispõe o artigo 506.º do CC. 36.º Não podemos ignorar, de forma nenhuma, o seguinte: a faixa de rodagem onde se deu o acidente é uma reta, pelo que nada justifica que o condutor do veículo XU apenas se tenha apercebido do veículo AV quando estava a curta distância do mesmo (facto provado n.º 14). 37.º O facto provado sob o n.º 14, acompanhado da demais prova produzida (da qual resultou que os embates ocorreram em momentos distintos e que o embate entre o XU e o AV foi de tal forma violento que o AV ficou com a parte frontal totalmente destruída), sempre teria de ter levado o Tribunal a quo a considerar a repartição de responsabilidades entre o condutor do veículo XU e o condutor do veículo AV. 38.º Atento o exposto, no entendimento da ora Recorrente, não se verifica o requisito da aparência ou probabilidade de existência do direito (fumus boni iuris). 39.º Motivo pelo qual, entende a ora Recorrente que a decisão proferida violou, pelas razões expostas, o disposto nos artigos 342.º e 483.º do CC e 388.º do CPC, pelo que, deverá ser revogada e, por conseguinte, substituída por outra que julgue improcedente a procedência cautelar requerida ou que condene igualmente e de forma solidária a Companhia de Seguros “B”, Seguradora do veículo XU, a pagar a renda mensal arbitrada ao ora Recorrido. 40.º Nesta medida, e por qualquer dos identificados fundamentos, deverá ser dado provimento ao presente recurso, sendo revogada a douta sentença recorrida, sob pena de, a manter-se a decisão proferida, manter-se uma decisão na qual se encontram incorretamente interpretadas e/ou aplicadas as normas legais previstas nos artigos 342.º, 483.º; e 506.º, n.º 2 do CC e 388.º do CPC.” * O Requerente contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: “(…) 5.ªFace aos factos provados n.ºs 1 a 16 no dia 14/09/2022 ocorreu um embate entre as viaturas AV, XU e FL e o Recorrido seguia na XU no banco da frente do lado direito no momento do sinistro. 6.ªCom o devido respeito pela opinião em contrário, sendo o Recorrido passageiro do XU e não condutor de nenhuma das viaturas intervenientes no sinistro é óbvio que não teve responsabilidade pelo mesmo, pelo que há obrigação de indemnizar, conforme previsto no art.º 388.º n.º 2 do CPC e ao contrário do alegado pela Recorrente a ação foi intentada contra ambas as Requeridas por cautela e não porque entenda que a mesma não é responsavel pelo sinistro. 7.ªCom o arbitramento apenas se pretende a reparação provisória, sendo que a decisão quanto à responsabilidade não é vinculativa na ação principal, pelo que a Recorrente sempre poderá provar nessa ação que o seu segurado não teve culpa e será restituida de todos os valores adiantados nos termos do art.º 390.º n.º 2 do CPC. 8.ªCom o devido respeito pela opinião em contrário, com a redação pretendida pela Recorrente para os factos provados n.ºs 12 e 13, o condutor do AV continua a ter culpa no sinistro porque demorou “alguns minutos” para se preparar para sair do interior do veículo para sinalizar o acidente com o FL. 9.ªO Recorrido louva-se na fundamentação da Douta Sentença e face aos factos dados como provados a responsabilidade é da viatura segura na Recorrente, contudo, mesmo que venha a ser alterada a matéria de facto como pretende a mesma, mantem-se como provada a sua obrigação de indemnizar, da “B” ou concorrência de culpas entre ambas, como várias vezes alegado pela Recorrente, pelo que estão cumpridos os requisitos do arbitramento de reparação provisória.” * Também a Requerida “B” contra-alegou, concluindo da seguinte forma: “A) Para aferir da responsabilidade pela produção do acidente de viação dos autos, deverá ser atendido aos pontos 1) a 14) dos Factos Indiciados, para além dos depoimentos da testemunha BB, AA, CC e DD, para além da Participação de Acidente, junto aos autos pela ora Recorrida como documento 2 junto com a sua contestação; B) Do depoimento prestado pela testemunha BB, condutor do veículo AV, seguro na co-Requerida/Apelante, “A”, resulta, para além das circunstâncias de tempo e lugar, características do local e da via e as condições de visibilidade e atmosféricas no dia do acidente dos autos, que ao entrar no Eixo Norte/Sul, sentido Telheiras/Laranjeiras, ao km 6,2, em Lisboa, perdeu o controlo do veículo por si conduzido, entrou em despiste, rodopiando sobre si mesmo, embateu com a parte traseira daquela viatura no separador central existente naquele Eixo Norte/Sul, e acabou por ficar imobilizado perpendicularmente na via, ocupando a meia faixa de rodagem mais à esquerda e parcialmente a meia faixa de rodagem central; C) Resulta ainda do depoimento prestado por aquele BB que, após ter ficado com o veículo por si conduzido, o AV, atravessado perpendicularmente na via, a ocupar a meia faixa de rodagem mais à esquerda e central esta última ainda que parcialmente, das três existentes, o seu condutor não sinalizou o local ou o veículo por qualquer forma, quer colocando o dispositivo de pré-sinalização de perigo na via, vulgo, triângulo, nem accionou as luzes avisadoras de perigo, vulgo, quatro piscas, do veículo AV; D) Terá que ter presente que no momento do acidente dos autos era noite; E) Importa ter presente que o veículo XU, seguro na Requerida/Recorrida, “B”, que circulava naquele Eixo Norte/Sul, no sentido Telheiras/Laranjeiras, ao aproximar-se do local onde se encontrava imobilizado o veículo AV, seguro na Recorrente/Apelante, “A”, e sem que existisse no local qualquer sinalização, deparou-se com aquela viatura (AV) atravessada na via, a ocupar a meia faixa de rodagem mais à esquerda e central, esta última ainda que parcialmente, o que ocorreu já a uma curta distancia desta viatura; F) Imputa a Recorrente/Apelante a responsabilidade pela produção do sinistro ao condutor do veículo XU, CC, por ter embatido com a parte frontal desta viatura na parte frontal e lateral direita no veículo AV, provocando as lesões sofridas pelo Requerido, AA, enquanto passageiro transportado do veículo XU; G) Importa ter presente que este embate apenas ocorre porquanto o veículo AV, seguro na Recorrente/Apelante, se encontrava a ocupar as duas meias faixas de rodagem mais à esquerda, completamente perpendicular na via, sem qualquer sinalização avisadora de perigo ou a alertar para a sua presença, sendo que os factos descritos ocorrem quando ainda era noite; H) Posto isto, resulta, pois, evidente que o sinistro não ocorreu por qualquer facto que possa ser imputável ao condutor do veículo XU, CC, seguro na ora Recorrida/Apelada ocorrendo, isso sim, por facto exclusivo e totalmente imputável ao condutor do veículo AV, seguro na Recorrente/Apelante; I) Da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo resulta que “Da factualidade apurada, importa concluir que o sinistro resultou do facto do condutor do AV, seguro na requerida “A”, ter perdido o controlo do veículo, não tendo assinalado posteriormente a situação de perigo quando está entre as duas faixas, com a parte da frente em sentido contrário ao trânsito (artigo 88º., nº. 2, do Código da Estrada). Por outro lado, não se afigura existir responsabilidade do veículo XU seguro na Fidelidade, porquanto o mesmo foi surpreendido com a presença do veículo AV, com a frente voltada para o trânsito; de que apenas se apercebeu quando estava a curta distância. Pelo exposto, dúvidas não pode haver da existência de um facto voluntário, ilícito e culposo por parte do condutor do veículo seguro na requerida “A”, que foi a causa adequada dos danos sofridos pelo requerente.”; J) Terá que se concluir que a causa adequada, decisiva e determinante, para a produção do acidente de viação dos autos foi uma manobra realizada pelo condutor do veículo AV que, ao aceder ao Eixo Norte/Sul, ao km 6,2, não adequou a marcha daquela viatura às circunstâncias da via e condições climatéricas que se faziam sentir, perdendo o controlo da mesma e entrando em despiste, acabando por se imobilizar apenas após o embate da parte traseira daquela viatura no separador central existente, manobra essa realizada de forma altamente imprevidente, temerária e irresponsável; K) O veículo AV, ao ficar imobilizado na via, de forma perpendicular ao trânsito de veículos que se fazia no local, de noite, sem qualquer sinalização, contribuiu de forma exclusiva para o embate do veículo XU naquela viatura; L) Assim, bem andou a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que considerou que a responsabilidade pela produção do acidente de viação dos autos pertence de forma integral e exclusiva ao condutor do veículo AV, BB, seguro na co-Requerida “A”, Recorrente/Apelante, improcedendo o recurso interposto por esta; M) Daí que a douta sentença recorrida não mereça qualquer censura, devendo manter-se na íntegra.” * Foi proferido despacho de admissão do recurso. * Colhidos os vistos legais cumpre decidir. * II. Questões a Decidir: Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do CPC –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber: - Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto quanto aos factos indiciariamente considerados como provados sob os pontos 11, 12 e 13; - Se a responsabilidade pela ocorrência dos danos sofridos pelos Requerente em consequência do embate deve ser imputada, no todo ou em parte, à Requerida “B”. * III. Fundamentação: Na sentença recorrida foram considerados como indiciariamente provados os seguintes factos, destacando-se a negrito os que foram objeto de impugnação: “1. No acidente de viação em causa nestes autos, intervieram: o veículo XU, carrinha, seguro na Requerida “B”, conduzido por CC, que transportava o Requerente, AA; o veículo de matrícula AV, marca Renault Clio, seguro na requerida “A”, conduzido pelo seu proprietário, BB, e o motociclo de matrícula FL, conduzido pelo seu proprietário, DD. 2. No dia 14 de Setembro de 2022, cerca das 07h, no km6,20 do Eixo Norte/Sul sentido para Sul, freguesia de São Domingos de Benfica, concelho de Lisboa, ocorreu um embate entre os referidos veículos, com as matrículas AV, XU e FL (moto), os quais se passam a designar por AV, XU e FL. 3. O local do acidente configura uma reta, conforme participação de acidente. 4. O XU era conduzido por CC no momento do sinistro e o AV por BB. 5. O Requerente seguia no XU no banco da frente do lado do direito no momento do sinistro. 6. No dia, hora e local do acidente o pavimento estava molhado e o tempo era de chuva, conforme participação de acidente. Era de noite. 7. O FL seguia no Eixo Norte/Sul no sentido para Sul. 8. O AV entrou no Eixo Norte/Sul vindo da Avenida General Norton de Matos. 9. O AV ao entrar o Eixo Norte/Sul entrou em despiste. 10.O AV despistou-se e não conseguiu controlar o veículo e atravessou as três filas de trânsito e foi bater com a traseira no separador central do Eixo Norte/Sul, tendo ficado atravessado nas filas da esquerda e do meio, com a frente para o trânsito. 11.O condutor do AV não sinalizou o carro parado. 12.O FL (moto) ou o seu condutor embateram no veículo Renault Clio, AV. 13.Após, o XU embateu no AV. 14.O XU apenas se apercebeu do AV quando estava a curta distância do mesmo. 15.Em consequência do embate, o AV ficou com a parte da frente destruída e a lateral direita danificada; a XU ficou com a frente danificada. 16.O embate do XU no AV foi muito violento e para se retirar o Requerente do XU teve que se cortar a viatura. 17.Do acidente resultaram lesões no requerente, que teve de ser operado à coluna no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Ficou com 6 parafusos e 2 placas. 18.O requerente não se consegue dobrar, nem rodar o tronco. Nem levantar pesos. Está impossibilitado de exercer o trabalho habitual de servente de construção civil e de pintor de construção civil. 19.Antes do acidente, o requerente era saudável e dinâmico, auferindo cerca de 1.000 euros por mês. 20.O requerente, a companheira, o filho de 17 anos, vivem em casa arrendada por 320 euros mensais, gastam cerca de 500 euros mensais de alimentação, medicamentos, 100 euros de água/luz. O requerente não recebe RSI ou subsídio de doença. Não têm outros rendimentos. Têm tido ajuda de familiares e amigos. A companheira trabalha há 3 semanas em Junta de freguesia.” * IV. Mérito do Recurso: - Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto quanto aos factos indiciariamente considerados como provados sob os pontos 11., 12. e 13. Para a impugnação da matéria de facto deve a parte observar os requisitos legais previstos no artigo 640º do CPC, incluindo a formulação de conclusões, pois são estas que delimitam o objeto do recurso. Preceitua o artigo 640º, n.ºs 1 e 2, do CPC: “1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt: “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão” (cfr., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém atual). Diz-se também no Acórdão do STJ de 19.02.2015, processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, acessível em www.dgsi.pt, que: “(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC. É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC. Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”. A interpretação da alínea c), do n.º 1, do artigo 640º do CPC, é-nos dada de forma exemplar por Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 156), podendo ler-se a este propósito que: “O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”. Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto. Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exatos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado. A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 153). Também por esses motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicar expressamente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre esses pontos, tem igualmente que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág.155). Assim, quanto a cada um dos factos que pretende obter diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada. A este ónus de impugnação, soma-se um outro não menos importante, que é o ónus de conclusão, previsto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Este ónus de conclusão para além de visar a síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso, visa também a definição do seu objeto. Como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 16.05.2018, processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt: “I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. III - Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.” Assim, pretende-se que o recorrente indique de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objeto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, veja-se ainda o Acórdão do STJ de 18.06.2013, processo n.º 483/08.0TBLNH.L1.S1, disponível no mesmo sítio). Revertendo agora para o caso dos autos, entendemos que a Recorrente cumpriu os ónus previstos no acima citado artigo 640º, nº 1, a) e c), do CPC. Com efeito, resultam das conclusões apresentadas os concretos pontos de facto que a Recorrente considera incorretamente julgados, bem como a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre esses mesmos pontos de facto impugnados. Cumpriu igualmente o ónus previsto no artigo 640º, n.º 1, b), do CPC. De facto, nas conclusões a Recorrente identifica os meios de prova com base nos quais, na sua ótica, os factos impugnados deveriam ter diferente redação, transcrevendo, nas alegações, as passagens dos depoimentos nos quais alicerça a sua posição. Nesse sentido, iremos proceder à apreciação do recurso no que à impugnação da matéria de facto se refere. Analisemos então os pontos de facto impugnados. Considera a Recorrente que os pontos 11., 12. e 13. do elenco de factos indiciariamente considerados como provados estão incorretamente julgados, defendendo que lhes deverá ser dada uma diferente redação. Esses pontos foram considerados como indiciariamente provados com a seguinte redação: “11.O condutor do AV não sinalizou o carro parado. 12.O FL (moto) ou o seu condutor embateram no veículo Renault Clio, AV. 13.Após, o XU embateu no AV.” Defende o Recorrente que essa redação, atentos os depoimentos das testemunhas BB, CC e P, deveria ser a seguinte e com a seguinte ordem: “11. O FL (moto) ou o seu condutor embateram no veículo Renault Clio, AV. 12. Quando o condutor do AV se preparava para sair do interior do veículo, para sinalizar o acidente, sofreu o segundo embate do veículo XU. 13. Após alguns minutos, o veículo XU embateu no veículo AV.” Vejamos se assim deverá ser. Foram ouvidas as gravações dos depoimentos das três testemunhas identificadas pela Recorrente. A testemunha BB era o condutor do veículo AV. Declarou que entrou no eixo norte-sul e que ao fazer a curva se despistou, indo bater com a traseira do AV no separador central. Bateu e parou, o veículo não se mexeu mais. Ficou atravessado a ocupar a faixa da esquerda e parte da faixa central. Vê algo a vir de “arrasto” do seu lado direito, pela faixa da esquerda, que lhe bate na roda traseira direita, não sabe se a moto se o condutor da moto. Depois desse embate sentiu um outro “gigantesco”. Bate-lhe na parte da frente direita. Afirmou claramente que não consegue precisar o tempo que mediou entre os dois embates. Estava em “choque”. Não sabe se foram 30 segundos, 1, 2 ou 3 minutos. Estava quase para sair do veículo. Apenas tem certeza de que ocorreram dois embates em tempos diferentes. Afirmou que não sinalizou o acidente (não colocou o triângulo nem acionou os 4 piscas), que era noite e que chovia. Decorre do seu depoimento que o veículo que conduzia, o AV, após o despiste que culminou com o embate da sua traseira no separador central, se imobilizou, ficando atravessado a ocupar a faixa da esquerda e parte da faixa central do eixo norte/sul. Já imobilizado, foi embatido pela moto FL ou pelo corpo do seu condutor e, depois, decorrido um lapso de tempo que não conseguiu precisar mas que tanto pode ser de segundos como de minutos, foi embatido pelo veículo XU. É também seguro que, aquando da ocorrência dos dois embates, ainda não havia procedido à sinalização do AV imobilizado na via nos termos expostos (designadamente, não havia acionado os 4 piscas, para o que não necessitava de sair do veículo). Face ao seu depoimento não é assim possível afirmar, como pretende a Recorrente, que o segundo embate ocorreu minutos depois do primeiro, pois poderão ter sido apenas segundos. Por outro lado, dúvidas não se suscitam de que aquando da ocorrência do segundo embate a imobilização do AV em plena via não se encontrava sinalizada fosse de que forma fosse, sendo irrelevante que o seu condutor tivesse intenção de o fazer quando ocorre o segundo embate. A testemunha CC era o condutor do veículo XU, no qual o Requerente seguia como passageiro. Declarou que circulava pela faixa da esquerda e que não viu o despiste. Na faixa da esquerda não circulava mais ninguém. Mas nas duas faixas à sua direita circulavam veículos. De repente viu o veículo AV à sua frente. Travou mas não conseguiu fazer mais nada. O AV estava atravessado de lado, querendo com isso dizer que a lateral do AV estava virada para si. Não havia sinalização nenhuma e não viu luzes no AV, referindo-se às luzes dos faróis e ao facto de estas não estarem viradas diretamente para si. Era noite e estava a chover. Ao bater-lhe o seu veículo passa para a faixa central. Decorre do seu depoimento que foi surpreendido pela presença do veículo AV imobilizado na via e a ocupar a faixa de rodagem da esquerda pela qual circulava (sendo certo que resultou provado que o AV ficou atravessado nas faixas da esquerda e do meio). Tal como referiu o condutor do AV, também a testemunha referiu que não havia sinalização a alertar para a existência desse obstáculo na via. A testemunha DD era o condutor da moto FL. Declarou que circulava pela faixa da esquerda. O veículo AV despistou-se - viu-o a fazer peões - e fica contra a mão, na faixa da esquerda, junto ao separador central, enviesado, com a frente virada para si. Não pode precisar se quando lhe bate o AV já está imobilizado. Bateu com o seu corpo na roda da frente direita do AV. Declarou que foi tudo muito rápido e que não tem certeza do que aconteceu. Depois disso ouviu um “estrondo” mas não viu o segundo embate. Decorre do seu depoimento que o embate no qual interveio ocorre depois do despiste do AV, não podendo precisar se no momento do embate o AV já está completamente imobilizado. Quanto ao tempo que decorre entre o embate em que interveio e o segundo embate, o seu depoimento não nos permite qualquer conclusão, concretamente, não nos permite afirmar que foram minutos e não segundos. Atento tudo quanto ficou exposto, entendemos que inexiste fundamento para alterar a redação ou a ordem dos factos indiciariamente dados como provados e impugnados pela Recorrente. Improcede assim, quanto a tal matéria, o presente recurso. * - Se a responsabilidade pela ocorrência dos danos sofridos pelos Requerente em consequência do embate deve ser imputada, no todo ou em parte, à Requerida “B”. Considera a Recorrente que o condutor do veículo XU circulava a uma velocidade desadequada às características e estado da via e do veículo, às condições meteorológicas e à intensidade do trânsito, concluindo que lhe deverá ser imputada a totalidade da responsabilidade pela ocorrência do acidente ou, caso assim não se entenda, que essa responsabilidade deverá ser repartida, na proporção de 50% para cada um dos condutores dos veículos AV e XU. Vejamos. No que à dinâmica do embate se refere, a factualidade indiciariamente considerada como provada é a seguinte: - No dia 14 de Setembro de 2022, cerca das 07:00 horas, no km 6,20 do Eixo Norte/Sul, sentido para Sul, freguesia de São Domingos de Benfica, concelho de Lisboa, ocorreu um embate entre os veículos com as matrículas AV, XU e FL (moto); - O local do acidente configura uma reta; - O pavimento estava molhado, o tempo era de chuva e era de noite. - A moto FL seguia no Eixo Norte/Sul no sentido para Sul. - O AV entrou no Eixo Norte/Sul vindo da Avenida General Norton de Matos. - O AV ao entrar o Eixo Norte/Sul entrou em despiste, atravessou as três filas de trânsito e foi bater com a traseira no separador central do Eixo Norte/Sul, tendo ficado atravessado nas filas da esquerda e do meio, com a frente para o trânsito. - O condutor do AV não sinalizou o veículo parado. - O FL (moto) ou o seu condutor embateram no veículo AV, um Renault Clio. - Após, o XU embateu no AV. - O condutor do XU apenas se apercebeu do AV quando estava a curta distância do mesmo. - Em consequência do embate, o AV ficou com a parte da frente destruída e a lateral direita danificada; - O XU ficou com a frente danificada. - O embate do XU no AV foi muito violento e para se retirar o Requerente do XU teve que se cortar a viatura. Perante tal factualidade temos por seguro que na génese do acidente esteve o facto de o condutor do AV ter perdido o controlo do veículo que conduzia, despistando-se e acabando por embater com a sua traseira no separador central do Eixo Norte/Sul do IP 7, após o que ficou atravessado nas filas da esquerda e do meio, com a frente para o trânsito. O veículo AV, imobilizado nessa posição, transformou-se num obstáculo completamente imprevisto para os demais condutores que então circulavam no referido Eixo Norte/Sul, obstáculo esse cuja perigosidade era potenciada pelo facto de o mesmo não estar sinalizado, por ser de noite e por o piso estar molhado, pois o tempo era de chuva. Quanto ao condutor do veículo XU, resultou indiciariamente provado que o mesmo apenas se apercebeu da presença do AV imobilizado na via quando dele se encontrava a “curta” distância e nada mais. Não sabemos a que velocidade circulava, não sabemos a que concreta distância se encontrava do AV quando o avistou, não sabemos a intensidade do trânsito que então se fazia sentir e se o mesmo era suscetível de afetar a visibilidade do AV, não sabemos, sequer, em que fila de trânsito circulava o XU. É certo que o embate do XU no AV foi muito violento, mas esse facto por si só não nos permite concluir que o XU circulava, tal como refere a Recorrente, a uma velocidade desadequada às concretas condições de circulação. Perante este circunstancialismo, e sem esquecer o caráter indiciário da prova produzida em sede de providência cautelar, entendemos ser de imputar, nos termos dos artigos 3º, n.º 2 e 88º, n.º 2, do Código da Estrada, a responsabilidade pela ocorrência do acidente, na sua totalidade, ao condutor do veículo AV, responsabilidade essa que, mediante contrato de seguro, se encontrava transferida para a Recorrente. Quanto ao condutor do veículo XU, não se vislumbra, face à factualidade indiciariamente provada, que lhe possa ser assacada qualquer responsabilidade. Atento o exposto, confirma-se a sentença recorrida, improcedendo o recurso. * V. Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo desta 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo identificados em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida. Custas pela Apelante. Registe. Notifique. * Lisboa, 11.07.2024 Susana Mesquita Gonçalves Paulo Fernandes da Silva Orlando Nascimento |