Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VAZ GOMES | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR APENSAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/07/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | I–As providências cautelares concedem uma composição provisória, dado que depois de decretadas têm uma vitalidade limitada pois só duram até ser proferida uma decisão final na ação principal, de que portanto são dependentes (cf. artigo 364.º n.º1 CPC). II–Para além da provisoriedade, os procedimentos cautelares são meios para preservar a eficácia e a utilidade de sentenças que venham a ser proferidas em sede de processos de diferente natureza, neste sentido, assinalando-se às providências cautelares também um carácter instrumental; se até à última reforma o procedimento cautelar era sempre dependente de uma causa principal, proposta pelo requerente sob pena de caducidade da providência decretada em seu benefício, o novo código, apesar de não abandonar por inteiro essa regra (artigo 364.º n.º1 e artigo 373.º n.º1 CPC) e com o ensejo de evitar que se tenha de repetir inteiramente no âmbito da ação principal a mesma controvérsia acabada de ser apreciada e decidida no âmbito do procedimento cautelar, prevê a possibilidade de, em determinadas circunstâncias ser decretada a inversão do contencioso, conduzindo a que a decisão cautelar se possa consolidar como definitiva na composição do litígio, dispensando-se desta forma, o requerente da providência do ónus de instauração da ação principal. III–Surgindo o procedimento para servir o fim da acção principal, de que aquele depende, tal significa que a providência cautelar é emitida no pressuposto de vir a ser favorável ao autor a decisão a produzir no processo principal. IV–Não sendo a requerente T… parte na referida acção sob o n.º 2351/21.1t8pdl.c1 à qual foi ordenada a apensação da providência não pode a providência manter-se apensa aquela acção. (Sumário da responsabilidade do relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa. 1– RELATÓRIO APELANTE/REQUERENTE DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA: TOPCÉLULA, IMÓVEIS & EQUIPAMENTO LD.ª (Litigando com apoio judiciário que lhe foi concedido em 5/11/2021 nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo representada pela ilustre advogada … como consta dos autos) APELADO/REQUERIDO: AJM… (representada pela ilustre advogada … como consta dos autos) * Todos com os sinais dos autos. Valor da providência: 15.000,00 euros indicado na petição. I.1.–A apelante interpôs a presente providência cautelar não especificada a veio a ser atribuído o n.º 2244/21.2t8pedl, contra a requerida onde pede onde pede: a)-remova os obstáculos que erguer para impedir o acesso da requerente ao armazém e aos contentores b)-se abstenha de praticar qualquer acto que impeça ou dificulte o acesso da requerida ao armazém e logradouro c) seja condenada a pagara ao requerente a título de sanação pecuniária compulsórias o valor de 200,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento do ordenado. I.2.–Juntando documentos, em suma, alegou:
I.2–Citada a requerida veio a mesma pugnar pela improcedência do procedimento alegando em síntese que a requerente não é arrendatária do armazém por alegada senhoria nunca ter sido dela proprietária ou por outro título titulara de direito que fundasse a possibilidade de arrendar estando em curso acção em que tal se encontra em discussão entre a requerida e a invocada senhoria o que tudo a requerente bem conhece conclui pela improcedência do procedimento e pela condenação da requerente como litigante de má fé em multa e indemnização. I.3–O Tribunal requisitou documentos a requerida veio dar nota de que a requerente continuava a aceder ao armazém e apresentou prova a requerente pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade do requerimento por configurar articulado superveniente impugnou, cautelarmente, os factos e pediu a condenação da requerida como litigante de má fé em multa e indemnização. I.4.–Em 11/1/2022 foi ordenada a apensação dos autos de procedimento ao processo 2351/21.1t8pdl considerando como a acção de que o procedimento é dependente de que a requerente interpôs recurso com os seguintes fundamentos: I.–As providências cautelares correm por apenso à acção principal que o requerente da providência- e não terceiros- tenha já proposto ou venha a propor dentro e 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado que a tenha ordenado. II.–o determinar a remessa dos presentes autos para apensação ao processo n.º 2351/21.1t8pdl da Instância Central Cível e Criminal de Ponta Delgada _ Juiz 3 o despacho recorrido violou o n.º 1 do art.º 371, 373 e ainda o art.º 4 todos do Código de Processo Civil devendo ser revogado e substituído por douto acórdão que ordena o prosseguimento do procedimento na instância onde se encontra. I.5.–Em 24/1/2022 foi proferido despacho de não admissão de recurso tendo sido apresentada reclamação que foi admitida por despacho do presente relator de 7/3/2022 admitindo o recurso com subida em separado; aos 25/1/2022 os autos de procedimento forma apensados à acção referida como apenso B acção movida pela indicada senhoria Pimentel II contra a requerida destes autos pedindo seja reconhecida que adquiriu a propriedade do armazém e logradouro com fundamento em alegada acessão industria e usucapião; aos 26/1/2022 foi proferida decisão que julgou o procedimento improcedente de que houve apelação na sequência do qual foi proferido acórdão na 6.ª secção que julgou improcedente o recurso e manteve a decisão recorrida. I.6.–Nada obsta ao conhecimento do recurso. I.7.–É a seguinte a questão a decidir: Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação do disposto nos art.ºs n.º 1 do art.º 371, 373 e ainda o art.º 4 todos do Código de Processo Civil devendo ser revogado e substituído por douto acórdão que ordena o prosseguimento do procedimento na instância onde se encontra. II–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Para além do que de I consta interessam as seguintes peças processuais
III–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.1.–Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539. III.2.–Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I. III.3.–Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação do disposto nos art.ºs n.º 1 do art.º 371, 373 e ainda o art.º 4 todos do Código de Processo Civil devendo ser revogado e substituído por douto acórdão que ordena o prosseguimento do procedimento na instância onde se encontra. III.3.1.-Considerou o Meritíssimo Juiz no seu despacho de remessa para apensação dos autos sob o n.º 2244/21. 2t8pdl à acção sob o n.º 2351/21.1t8pdl que basta atentas nos pedidos formulados e nomeadamente o litígio sobre a propriedade/posse do locado para se concluir que neste processo 2351/21 se discute o direito que Topcélula pretende fazer valer na providência. III.3.2.-Discordando do indeferimento liminar diz, em suma, a requerente:
III.3.4.-Com os procedimentos cautelares pretende-se a emanação duma providência que até à última reforma do CPC, era sempre provisória ou interina, porque destinada a durar somente enquanto não fosse proferido um julgamento definitivo na ação principal já pendente ou a propor posteriormente.[2] As providências cautelares concedem uma composição provisória, dado que depois de decretadas têm uma vitalidade limitada pois só duram até ser proferida uma decisão final na ação principal, de que portanto são dependentes (cf. artigo 364.º n.º1 CPC). Para além da provisoriedade, os procedimentos cautelares são meios para preservar a eficácia e a utilidade de sentenças que venham a ser proferidas em sede de processos de diferente natureza, neste sentido, assinalando-se às providências cautelares também um carácter instrumental se até à última reforma aqui o procedimento cautelar era sempre dependente de uma causa principal, proposta pelo requerente sob pena de caducidade da providência decretada em seu benefício, o novo código, apesar de não abandonar por inteiro essa regra (artigo 364.º n.º1 e artigo 373.º n.º1 CPC) e com o ensejo de evitar que se tenha de repetir inteiramente no âmbito da ação principal a mesma controvérsia acabada de ser apreciada e decidida no âmbito do procedimento cautelar, prevê a possibilidade de, em determinadas circunstâncias ser decretada a inversão do contencioso, conduzindo a que a decisão cautelar se possa consolidar como definitiva na composição do litígio, dispensando-se desta forma, o requerente da providência do ónus de instauração da ação principal. Efetivamente, a estipulação de tal possibilidade tem a vantagem de fazer face aos custos e demoras decorrentes de uma duplicação de procedimentos, sobretudo nos casos em que apesar das menores garantias formais, a decisão cautelar se mostra suficientemente capaz de na prática solucionar adequada e efetivamente o litígio que opunha as partes. Com RUI PINTO diremos juntamente que este modelo permite que através de um procedimento judicial cautelar, se produza, no plano formal, uma sentença judicial declarativa ou seja, estamos perante uma solução de tutela sumária, por antecipação da sentença final, com valor de caso julgado material e que portanto, dispensa e inviabiliza a possibilidade de as partes intentarem nova ação com o mesmo objeto.[3] Podemos apontar como vantagens o facto de permitir uma articulação simultânea ou uma convivência mútua dos princípios da economia e celeridade processuais, dado à aniquilação da exigência de duplicação de ações (cautelar e principal) e da segurança jurídica uma vez que, para a antecipação do juízo sobre a causa principal é conditio sine qua non que tenha sido produzida prova suficiente (stricto sensu) que permita decidir em definitivo sobre o direito. III.3.5.–O facto de poder conduzir a uma subversão da filosofia urgente da tutela cautelar pois cria nas partes a tentação de trazer ao processo todos os elementos de facto e de prova que estejam ao seu alcance, com vista a obter sempre pela via cautelar uma decisão definitiva que as favoreça e por outro lado, a circunstância de caber ao juiz a iniciativa de antecipar o juízo sobre a causa principal articula-se mal com o princípio do dispositivo e também com o do contraditório, dado que, não obstante as partes terem de ser ouvidas para que o juiz se possa decidir pela convolação, a sua anuência não se afigura imprescindível para tal, podendo assim formar-se uma decisão judicial que surpreenda as partes que não estavam devidamente preparadas para a contingência de uma decisão com força de caso julgado material. III.3.6.–Estes considerandos sobre a figura da inversão do contencioso consagrada no Código de Processo Civil servem apenas para lembrar que se mantêm como características das providências cautelares a sua instrumentalidade e dependência em relação à acção principal. Surgindo o procedimento para servir o fim da acção principal, de que aquele depende, tal significa que a providência cautelar é emitida no pressuposto de vir a ser favorável ao autor a decisão a produzir no processo principal[4], e por conseguinte é apodítico que na acção principal o autor seja o requerente da providência cautelar. III.3.7.–Não sendo a requerente Topcélula parte na referida acção sob o n.º 2351/21.1t8pdl.c1 não pode esta providência ser apensa aquela acção. IV–DECISÃO Tudo visto acordam os juízes em julgar procedente a apelação, em conformidade revogam a decisão recorrida que se substitui por estoutra que ordena a desapensação da providência sob o n.º 2244/21.2t8pdl da acção sob o n.º 2351/21.1t8pdl-c.l1-a volvendo ao tribunal de origem, seja o Juiz 3 Local Cível de Ponta Delgada onde foi instaurado. Regime de Responsabilidade por Custas: custas pelo requerido que decai (art.º 527/1 e 2) Lxa.,07-07-2022 João Miguel Mourão Vaz Gomes Jorge Manuel Leitão Leal Nelson Borges Carneiro [1]Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento o disposto nos art.º 6/4 e 8 da Lei que estatuem que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente aos procedimentos cautelares que sejam deduzidos a partir da entrada em vigor da nova Lei, tendo a providência entrado em juízo e sido autuada em 22/10/2021 sob o n.º 2244/21. 2t8pdl; ao Código referido, na redacção dada pelo DL 303/07, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem. [2]MANUEL DE ANDRADE definia as providências cautelares como “providências judiciárias tendentes a regular a situação de facto que haverá de existir entre as partes até que chegue a final uma ação” declarativa ou executiva – “podendo ela ainda não estar proposta- em ordem a premunir o requerente contra os danos que lhe poderiam resultar da demora ocasionada pela duração do processo da ação principal (periculum in mora) [3]Cf. Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, 1ªEdição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pág.22 [4]Cfr entre outros o AcRC de 19/3/2019 no processo 2560/10.9tpbl-b.c1 relatado por Moreira do Carmo e disponível no sitio www.dgsi.pt |