Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3697/21.4T8LRS.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: CITAÇÃO
PESSOA COLECTIVA
AVISO DE RECEPÇÃO
TERCEIRA PESSOA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: Tendo a citação da Ré sociedade ocorrido na sua sede, e sido aí recebida por alguém que se identificou e assinou o aviso, e, advertido, se comprometeu a transmitir-lhe todos os elementos, e nada tendo a mesma Ré requerido no Tribunal a quo nem sequer após receber a conta de custas, não cabe deferir a pretensão de oportunidade para provar que não foi citada, sendo certo que nem refere a mesma que tal falta, a existir, não lhe poderia ser imputada.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.
A) A. (autora): AAA
RR. (Ré e recorrente):  BBB
Nos presentes autos por despedimento ilícito o Tribunal a quo, não tendo a R. contestado, proferiu sentença em que considerou, designadamente, que
"(...) A ré foi regularmente citada, nos termos do art.º 246.º do CPC, com a advertência da cominação legal, mas não veio deduzir contestação. Consequentemente, nos termos art.º 57.º do CPT, considero provados, por confissão, todos os factos articulados pela autora na petição inicial, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos. Considerando o enquadramento jurídico constante da petição inicial, concluímos que a presente ação deverá proceder pelo que, nos termos do art.º 57, n.º 2 do CPT, o tribunal limitar-se-á a aderir aos fundamentos invocados pela autora naquele articulado, cumprindo apenas condenar a ré no pedido formulado".
E condenou a R. no pedido.
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A R. não se conformou e recorreu, concluindo:
I - Esteve mal o Tribunal a quo ao decidir, julgando a ação procedente, com o fundamento de se considerarem provados os factos alegados na petição inicial.
II - A Ré não chegou a ser citada para o presente processo de forma regular e válida.
III - O registo e aviso de receção da carta de citação da Ré foi assinado por terceira pessoa alheia à orgânica da sociedade e que não é representante legal.
IV - Porquanto a citação foi recebida por terceira pessoa, que pese embora possa se ter comprometido a tal nunca chegou a entregar à ré tal carta.
V - A referida carta, por razões que se desconhecem, nunca foi entregue nem chegou ao conhecimento da aqui apelante, prejudicando, inevitavelmente, o seu direito de defesa, porquanto não teve oportunidade de se pronunciar quanto aos factos alegados pela autora.
VI – Face ao exposto, deverá determinar-se que na 1.ª instância se dê sequência ao incidente suscitado pela recorrente, dando-lhe a possibilidade de ilidir a presunção prevista no n.º 1 do art.º 230.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, demonstrando que a carta para citação não lhe foi oportunamente entregue, após o que deverá ser apreciada a invocada nulidade processual, fundada nos art.ºs 187.º, al. a), e 188.º do C.P.C., com os eventuais efeitos anulatórios da sentença caso a mesma seja considerada procedente.
Remata pedindo que seja "revogada a sentença recorrida, considerando-se provimento ao presente recurso, determinando-se a que na 1.ª instância se dê sequência ao incidente suscitado pela recorrente, dando-lhe a possibilidade de ilidir a presunção prevista no n.º 1 do art.º 230.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho, demonstrando que a carta para citação não lhe foi oportunamente entregue, após o que deverá ser apreciada a invocada nulidade processual, fundada nos art.º 187.º, al. a), e 188.º do C.P.C., com os eventuais efeitos anulatórios da sentença caso a mesma seja considerada procedente".
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A parte contrária não contra-alegou.
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O DM do Ministério Público emitiu parecer no sentido da confirmação da decisão, defendendo que a R. deveria ter arguido a nulidade da alegada falta de citação junto do juiz de 1ª instancia, aquando da 1ª intervenção processual e no prazo respetivo a contar do momento em que dela teve conhecimento, oferecendo logo os meios de prova pertinentes, coisa que não fez.
Não houve resposta ao parecer.
Foram colhidos os competentes vistos.
II
A) É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC do CPC. Deste modo o objecto do recurso consiste em saber existe nulidade por falta de citação
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Factos assentes: os descritos na fundamentação e ainda:
- a carta de citação registada com A/R. foi expedida para a morada sede da R. (admitido por acordo e documento de fls. 10).
- foi recebida com data e assinatura de "17-09.21" e "…", com numero de identificação civil aí referido, mais constando que o aviso foi assinado "por pessoa a quem foi entregue a carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao destinatário".
- a sentença foi proferida em 16.11.21.
- do processo eletrónico resulta que foi elaborada e expedida conta da R. em 24.11.21, decorrendo o prazo de pagamento entre 24.11.21 e 14.12.21.
- o recurso proposto em 20.12.21.
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De Direito
Recorre-se das decisões judiciais (art.º 627/1, CPC) e reclama-se, como é sabido, das nulidades (art.º 196).
Nota o DM do MºPº, a recorrente não reclamou, como devia, junto do Tribunal recorrido, o que prejudica a impugnação.
Dir-se-ia: no entanto a sentença pronunciou-se sobre a regularidade da citação, e assim existe uma decisão judicial que pode ser conhecida.
Repare-se, no entanto, que a R. apresenta argumentos que a sentença não podia conhecer, como sejam de que quem recebeu a citação não é representante legal da R. e nada lhe comunicou, factos que o recorrido não podia ter presente aquando da prolação da sentença. Como referiu o acórdão da Relação de Lisboa de 7.3.22, "V – Para a verificação do vício de falta de citação, nos termos da alínea e), do nº. 1, do art.º 188º, do Cód. de Processo Civil, determinante da verificação de nulidade principal, exige-se que se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável ; VI – Não bastando à invocante a alegação de que não teve conhecimento do acto de citação, sendo ainda mister que alegue e prove, não só que tal aconteceu, mas ainda que sucedeu por circunstâncias que não lhe são imputáveis" (No mesmo sentido, acórdão da Relação do Porto de 11.04.2018: Para se concluir pela falta de citação nos termos do art.º 195.º n.º 1 al. e) do C.P.C. não basta a alegação pelo destinatário de que não teve conhecimento do acto de citação, é ainda necessário que seja alegado e provado não só que tal aconteceu, mas ainda que aconteceu devido a facto que não lhe é imputável).
Ora, nos termos dos n.º 1 e 2 do art.º 244 do CPC, 1 - Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações. 2 - A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas. (n.º 3 a 5 ...)
Por seu lado, o art.º 228, n.º 1 a 4, estipula que
1 - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé. 2 - A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando. 3 - Antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação. 4 - Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando. (n.º 5 a 10...)
A citação, até onde se alcança, seguiu todos os procedimentos legais, tendo sido enviada para a sede da R., recebida por alguém devidamente identificado, que foi advertido do dever de entrega e se comprometeu a cumpri-lo (convergindo, decidiu o acórdão da Relação de Lisboa de 6.6.19:
"- Do regime legal de citação decorre:
§ ser equiparada à citação pessoal a efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto ;
§ que, em tal situação presume-se, salvo prova em contrário, ter tido o citando oportuno conhecimento do conteúdo da mesma ;
§ que no caso de citação de pessoa singular, através de carta registada com aviso de recepção, esta pode ser entregue a qualquer pessoa (terceiro) que se encontre na residência ou local de trabalho do citando, desde que declare encontrar-se em condições de lha entregar prontamente ;
§ nesta situação, a citação considera-se efectuada na própria pessoa do citando, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta de citação foi oportunamente entregue àquele ;
- a presunção de entrega ao destinatário, de natureza ilidível, prevista no nº. 1 do artº. 238º (presentemente, artº. 230º) e no nº. 4, do artº. 233º (presentemente 225º), ambos do Cód. de Processo Civil (na redacção à data vigente), apenas funciona caso se cumpram todos os pressupostos de tal entrega, nomeadamente, e no que ora importa, a sua feitura ou ocorrência, no lugar próprio (residência ou local de trabalho), legalmente enunciado; (...)"), sendo certo que constitui presunção natural que quem se encontra na sede da R. e recebe correspondência que é endereçada à mesma mantém com ela uma ligação (cfr. acórdão da Relação de Guimarães de 27.1.22: I – A citação pelo correio de uma sociedade comercial considera-se regularmente efectuada se a carta foi entregue no endereço respectivo, desde que este local seja, efectivamente, o da sede da sociedade comercial, e entregue a uma pessoa que se encontra no local, por presunção natural, de que se encontra ligado ao titular desse espaço, como empregado, funcionário ou a um qualquer outro título. II – O tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados, salvaguardada, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso), já que em regra ninguém gosta de receber correspondência para outros, e que implica identificar-se e assumir deveres, se nada tem a ver com estes.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.06.2012, proferido ao abrigo de legislação processual civil já revogada, e citado designadamente pelo acórdão da Relação do Porto de 14/02/2022, entendeu que sempre teria de ser dada oportunidade à R. para demonstrar que tal não chegou ao seu conhecimento.
A questão consiste em saber se deve ter lugar tal diligência.
Ora, há que notar que, como vimos, nada aparenta ou indicia que a citação não foi efetuada devidamente: dos autos tudo sugere a sua realização correta.
Em segundo lugar, a R. nada sustenta no que toca a nada lhe poder ser imputado nesta sede, quer dizer, a ser totalmente alheia ao alegado desconhecimento da pendência do processo. Seguindo ainda o referido acórdão da Relação de Guimarães de 27.1.22, ora, com a devida vénia, na fundamentação,
"O acto de citação é a pedra basilar do princípio do contraditório, constituindo seu corolário lógico, que enforma todo o nosso processo civil, ao permitir que a pessoa contra quem foi proposta a acção dela tenha conhecimento e possa vir a juízo pronunciar-se sobre a mesma, apresentando, para o efeito, a sua defesa.
Assim, pela relevância que assume a citação, a sua falta e a omissão das formalidades essenciais que, por conseguinte, determinam a sua falta, consubstanciam uma nulidade principal, geradora da inutilização de todo o processado posterior à petição inicial.
In casu, a sociedade ré invoca que o A/R para a sua citação foi assinado por terceiro, pessoa que nem era seu legal representante nem seu empregado, do que resulta inobservado o disposto no art.º 223.º, n.ºs 1 e 3, do NCPCiv., cujo vício configura nulidade da citação, que, por via deste recurso vem arguir.
Ora, sobre a citação de pessoas colectivas, resulta do disposto no artigo 246.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que a carta registada com aviso de recepção referida no disposto no artigo 228.º, n.º 1, do mesmo Código, é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, tal como ocorreu no caso dos autos. Aliás, foi nessa mesma morada que a 2.ª Ré foi notificada da sentença proferida. Acresce que, como decorre do AR, a pessoa que o assinou, recebendo a carta de citação, comprometeu-se a entregá-la prontamente à citanda sociedade, sem que se venha alegar que não lhe tenha sido entregue, dado que o que refere é que não se mostra observado o disposto no citado art. 223.º, n.º 3, por a citação não ser sido efectuada numa das pessoas aí elencadas. Contudo, não é o facto de alegadamente a pessoa que recebeu a carta não constar da certidão permanente junta, nem do mapa de trabalhadores e membros estatutários, nem do mapa de vencimentos que, por si só, permite concluir com segurança que de um mero estranho se tratava, sendo que não se esperará que seja na 2.ª instância que se irá fazer essa prova. De qualquer das formas, do que do AR resulta é que a pessoa que o assinou se encontrava no local da citação e ali recebeu a citação, o que leva até, naturalmente, a pensar que se trata de pessoa ligada por qualquer razão à sociedade, dado que aí se encontrava e foi ele, e não outrem, a receber a carta e a assinar o A/R. Neste particular, como referiu o Ac. TRC, de 08/05/2007, Proc. 1486/04.0TBAVR.C1 (Rel. Garcia Calejo), em www.dgsi.pt, “uma pessoa que se encontra em funções num estabelecimento (…), por presunção natural, deve ser considerado empregado ou funcionário do titular desse espaço”.
Também neste sentido defendeu-se no Ac. TRP, de 21/04/1997, BMJ, 466.º-585, que a “citação pelo correio de uma sociedade comercial considera-se regularmente efectuada se a carta foi entregue no endereço respectivo, desde que este local seja, efectivamente, o da sede da sociedade comercial, não importando saber quem recebeu a carta.”.
Também como decorre do disposto no art. 188.º, n.º 1, al. e), do Cód. Proc. Civil, ocorre falta de citação ‘quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável’, pelo que não se tendo procedido a essa alegação, não é possível concluir-se nesse sentido.
Acresce que, estabelecendo-se no art. 246.º do CPC que o regime de citação de pessoas colectivas é semelhante ao da citação das pessoas singulares, com as devidas adaptações e as especialidades constantes desta disposição legal, que corresponde precisamente ao facto da citação realizada por via postal através de carta registada com aviso de recepção ser feita por carta «endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas» (art.º 246.º, n.º 2) e não para qualquer outro lugar, permite concluir ter-se observado as formalidades legais previstas na lei para citação da 2.ª Ré".
A R. pretende que lhe seja dada oportunidade para demonstrar que não foi citada, sendo certo que nenhuma decisão lhe negou tal possibilidade. E a R. teve conhecimento de que existia uma decisão contra ela - e não só o processo - no mínimo quando recebeu a conta de custas, e nada manifestou ou requereu.
E podia tê-lo feito (nem que, por prudência, entendesse recorrer da sentença e suscitar tal questão como forma de prevenir a questão da preclusão de qualquer  prazo).
Destarte, não se vislumbrando nos autos indicio ou motivo de duvida séria para questionar a citação e nada tendo sido requerido junto do requerido, o recurso improcede.

III. Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente o recurso.
Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 29 de junho de 2022
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega