Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10737/20.2T8LRS.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
ADVOGADO
CITIUS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: O requerimento para realização de Junta Médica que dá origem à fase contenciosa dos autos emergentes de acidente de trabalho deve ser subscrito por advogado e com recurso ao sistema “Citius”.


(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


IRelatório


Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrada AAA, foi proferida a seguinte decisão pelo Exmº Juiz a quo:

«A Conciliação frustrou-se pela única razão de a “BBB (à data ainda com a denominação “… não ter aceitado a avaliação da incapacidade feita pelo perito médico.
Nos termos dos art.os 117.º, n.º 1, al. b) e 138.º, n.º 1, primeira parte, do CPT, a seguradora deveria apresentar requerimento para junta médica.
Tal apresentação deve ocorrer no prazo de 20 dias a contar da tentativa de conciliação – cf. n.º 1 do art.º 119.º do CPT, aplicável por força da remissão do n.º 1 do art.º 138.º do mesmo código.
A tentativa de conciliação ocorreu no dia 26-04-2021, pelo que o prazo para apresentação do requerimento para Junta Médica terminou no dia 17-05-2021.
Dentro do prazo, não foi apresentado qualquer requerimento por parte da Seguradora.
No dia seguinte, 18-05-2021, deu entrada nos Serviços do Ministério Público um email dirigido ao Juiz do Trabalho de Loures, alegadamente remetido pela “BBB.”, que trazia em anexo um requerimento com uma assinatura ilegível, em nome da mesma seguradora, em que se requeria que “o sinistrado” fosse submetido a exame por Junta Médica.
O requerimento indicava o valor da ação, vinha acompanhado de quesitos e do comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa pela apresentação fora de prazo (1.º dia útil).
Vejamos.
O requerimento a que aludem os art.os 117.º, n.º 1, al. b) e 138.º, n.º 1, primeira parte, do CPT, foi apresentado por email.
A lei processual, quer civil, quer laboral[1], não prevê a possibilidade de as peças processuais serem remetidas aos autos por correio eletrónico, quer a parte esteja ou não representada por advogado[2] – cf. art.º 144.º do CPC.
Assim, considera-se inadmissível o email alegadamente remetido pela Seguradora e, consequentemente, será proferida a sentença a que aludem os art.ºs 138.º, n.º 2, parte final, e 73.º, n.º 3 do CPT.
SENTENÇA
(art.ºs73.º, n.º 3 e 138.º, n.º 2 CPT)
Sinistrada AAA, nascida a 17-12-1968, com …;
Entidade Responsável -- “…”, NIPC …, com sede na … em Lisboa.
Ao abrigo do disposto no art.º 138.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código de Processo do Trabalho, não tendo a seguradora requerido a realização de exame por Junta Médica, consideramos a sinistrada afetada com uma IPP de 7,3806% a partir de 22-11-2020, gozando do direito a receber o capital de remição correspondente à pensão anual e obrigatoriamente remível no valor de € 595,61 (quinhentos e noventa e cinco euros e sessenta e um cêntimos), devida desde o dia posterior ao da alta, ou seja, desde 23-11-2020, acrescida de juros de mora à taxa legal e da quantia de € 25,00 (vinte e cinco euros) por despesas de deslocação.
Custas pela Seguradora.
Fixo o valor da ação em € 7.882,29.»

A entidade seguradora recorreu e formulou as seguintes conclusões:

A.No requerimento apresentado pela Recorrente em 17-05-2021 não se levantava qualquer questão de direito, mas sim uma questão exclusivamente técnica e médica.

B.Deste modo, é evidente que a situação se subsume à previsão da norma contida no artigo 40.º, n.º 2, do CPC, podendo a Recorrente dirigir diretamente aos autos este requerimento a que aludem os artigos 117.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, e 138.º, do CPT, sem estar representada por advogado.

C.Por outro lado, precisamente por não estar (nem ter de estar) representada por advogado, parece evidente que a Recorrente podia apresentar o requerimento via correio eletrónico, nos termos do artigo 144.º, n.º 7, do CPC.

D.Face ao exposto, uma vez que na tentativa de conciliação apenas existiu discordância quanto à questão da incapacidade e o requerimento de realização de junta médica apresentado pela Recorrente foi tempestivamente apresentado e se mostra acompanhado de quesitos, deveria o douto Tribunal ter admitido e determinado a realização de perícia por junta médica, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, 119.º, n.º 1, 138.º, n.º 2, e 139.º, todos do CPT.

E.Ainda que assim não se entendesse, a verdade é que a entrega do requerimento via correio eletrónico não tem como consequência a rejeição deste ato processual, pois não estamos perante uma nulidade processual, mas sim de uma mera irregularidade.

F.Esta irregularidade não influi, por sua vez, no exame e discussão da causa, e para além disso podia e devia ter sido sanada através de convite do Tribunal para a Recorrente vir regularizar a sua intervenção mediante a apresentação do ato através de uma das formas legalmente previstas no CPC, como decorre dos artigos 195.º, n.º 1, 411.º e 590.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a), do CPT.

G. Motivo pelo qual deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que notifique a Recorrente para vir praticar o ato por alguma das formas então legalmente admissíveis, seguindo o processo os seus termos até final.

H.Mas ainda que assim não se entendesse, e se considerasse que a Recorrente carecia, efetivamente, de estar representada por advogado por levantar “questões de direito” (o que apenas se refere por mera cautela e dever de patrocínio), sempre deveria o Mmo. Juiz, oficiosamente, ter dado cumprimento ao disposto no artigo 40.º, n.º 3, do CPC, mandando notificar a Recorrente para constituir advogado e apresentar o seu requerimento.

I.Não o tendo feito, não resta senão concluir que a sentença é nula, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, uma vez que esta omissão influi necessariamente no exame ou na decisão da causa, nulidade que aqui se argui para os devidos efeitos legais.

Termos em que se requer a V. Exas. se dignem dar provimento ao presente recurso, sendo a sentença recorrida substituída por outra que admitia e determine a realização de perícia por junta médica OU notifique a Recorrente para vir apresentar a peça processual através de uma das formas legalmente previstas na lei OU para se fazer representar por advogado, apresentando o seu requerimento, e seguindo o processo os termos normais até final.

O Ministério Público contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:

1-O Ministério Público concorda com a decisão recorrida, não merecendo a mesma qualquer reparo, não assistindo assim qualquer razão à Recorrente pois, o Tribunal a quo procedeu a uma adequada valoração jurídica e, em consequência, procedeu a uma correcta decisão.

2-Alega a Recorrente que no requerimento por si apresentado em 17-05-2021 “não se levantava qualquer questão de direito, mas sim uma questão exclusivamente técnica e médica”. Esta afirmação não corresponde à verdade!

3-O requerimento apresentado pela Recorrente reporta-se ao requerimento a que aludem os artigos 117.º, n. 1, al. b) e 138º, n. 2º, ambos do CPT, com o qual se dá inicio à fase contenciosa, e, embora a Recorrente pretendesse dar início à fase contenciosa do processo apenas para fixação da incapacidade da sinistrada para o trabalho, esta questão não é exclusivamente técnica e médica, basta atentar nos 3 (três) quesitos constantes do teor do seu requerimento.

4-Se é certo que os quesitos 1 e 2, formulados pela Recorrente no seu requerimento, não levantam questões de direito, o mesmo já não se pode dizer quanto ao quesito 3 pois que a resposta sobre “qual a desvalorização que afecta o sinistrado”, reconduz necessariamente a ulteriores questões de direito a apreciar pelo Tribunal a quo, pois que o objectivo é “a reapreciação da natureza e grau da incapacidade (o que envolve a aplicação de Direito, na medida da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades às sequelas da sinistrada) e das consequentes prestações decorrentes do acidente, designadamente, se for o caso, a fixação de uma pensão”,como salientou o Tribunal a quo,na decisão agora colocada em crise.

5-Acresce que, no requerimento apresentado pela Recorrente levantam-se outras questões de direito que o Tribunal a quo teve/tem de apreciar, desde logo se a DUC que a Recorrente liquidou estava concordante com a não tempestividade da apresentação do seu requerimento, no prazo legal fixado e ainda o valor da acção.

6-Ademais, neste tipo de processos é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, para o Tribunal da Relação como preceitua o artigo 79.º, al. b) do CPT., o que, necessariamente, implica a intervenção de advogado, como disposto no artigo 40.º, n.1º, al. b) do CPC.

7-Deste modo, é evidente que a situação, em apreço, não se subsume à previsão da norma contida no artigo 40.º, n.º 2, do CPC, como pretende fazer crer a Recorrente.

8-E, assim sendo, não podia, a Recorrente, ter dirigido, como dirigiu, directamente aos autos o requerimento a que aludem os artigos 117.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, e 138.º, do CPT, pois tem de estar representada por advogado. E, é obrigatória a apresentação a juízo dos actos processuais através do sistema Citius, para os profissionais forenses.

9-Acresce que, o Código de Processo Civil e do qual se auxilia o Direito do Trabalho não prevê o recurso ao “correio electrónico”.

10-E, o requerimento apresentado pela Recorrente entrou em juízo através de correio electrónico, cujo email não está certificado.

11-Logo, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que, in casu, não impendia sobre o Tribunal a quo, o convite a aperfeiçoar um requerimento que foi remetido e assinado por pessoa que o Tribunal a quo desconhece e que deu entrada em Juízo através de forma que não é legalmente admissível e cuja origem do email não está certificada.

12-O poder do Tribunal a quo de convidar as partes a aperfeiçoar os seus articulados pressupõe na sua génese que as peças processuais (os articulados) deram entrada em Juízo pelas vias legalmente previstas. Não é o caso do requerimento apresentado pela Recorrente!

13-Consequentemente, em nosso entender, bem andou o Tribunal a quo ao considerar “inadmissível o email alegadamente remetido pela Seguradora”, e sendo este inadmissível, não se lhe impunha o convite ao aperfeiçoamento, razão pela qual inexiste, in casu, qualquer nulidade.

14-Por todo o exposto, se concluiu que o Tribunal a quo bem andou na interpretação dos preceitos jurídicos a aplicar, nomeadamente, ao disposto nos artigos 40.º, 144.º, n.º 7, 195.º, n.º 1 411.º, 590.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), 117.º, n.º 1, al. b), 119.º, n.º 1, 138.º e 139.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), 374.º do Código Civil (CC) e 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Nesta conformidade, deve o recurso interposto pela recorrente ser julgado improcedente e mantida a decisão recorrida.
*

IIImporta solucionar no âmbito do presente recurso se a sentença recorrida deve ser anulada por não ter sido realizada Junta médica.
*

IIIApreciação

O Tribunal recorrido não realizou a Junta médica, por considerar, nos termos acima expostos, inadmissível o e-mail  remetido pela Seguradora.

Vejamos.

Do preceituado no art. 144º do CPC resulta que não está prevista a possibilidade de as peças processuais serem remetidas a juízo por e-mail.

De acordo com o disposto no nº1 deste preceito legal : «Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º[3], valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição».

Estatui o nº 7 do art. 144º do CPC: «Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, a apresentação a juízo dos atos processuais referidos no n.º 1 é efetuada por uma das seguintes formas:
a)-Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega;
b)-Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal;
c)-Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição.
d)-Entrega por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato a da respetiva expedição.»

Nos presentes autos é obrigatória a constituição de advogado ( art. 79º, b) do CPT e art. 40º, nº1, b) do CPC).

O requerimento para realização de Junta Médica dá início à fase contenciosa dos autos e envolve questões de direito, designadamente para efeitos de enquadramento na Tabela Nacional de Incapacidades, pelo que a situação em apreço não cabe na previsão do nº2 do art. 40º do CPC.

Sendo obrigatória a constituição de mandatário, não cumpre aplicar o disposto no nº7 do art. 144º, mas sim o nº1 do indicado preceito legal.

Ora, conforme refere o Acórdão da Relação do Porto de 02.05.2016 (relatado pela Desembargadora Paula Roberto) – www.dgsi.pt : «(…) tendo em conta o disposto no n.º 1, do artigo 144.º, do C.P.C. a apresentação a juízo dos atos processuais por parte dos mandatários é feita, obrigatoriamente, através do sistema Citius, por transmissão eletrónica de dados nos termos definidos na Portaria nº 280/2013 de 26/08, com exceção da situação de justo impedimento prevista no n.º 8 ou da prevista no n.º 7, ambas do mesmo normativo, não consentindo a lei qualquer correção do ato desconforme. Na verdade, esta não se encontra prevista no artigo 144.º ao contrário do que ocorre nos artigos 145.º, n.º 3 e 148.º, n.º 3, ambos do C.P.C..
Ora, dúvidas não existem de que a lei estabeleceu a obrigatoriedade da prática dos atos processuais através de transmissão eletrónica de dados.
Assim, temos para nós que a apresentação a juízo através de um meio não permitido, salvo no caso das exceções previstas no citado normativo, consubstancia a prática de um ato processual contrário à lei que define a forma da prática do mesmo e, por isso, nulo, pese embora a lei não o declare expressamente. Trata-se de uma nulidade intrínseca ou “substancial”(…)»

Importa ainda salientar que o pretérito CPC previa no art. 150º a apresentação preferencial das peças processuais pelo sistema citius.

Tal apresentação é, no quadro legal presente, obrigatória.

A apresentação de requerimento por e-mail configura, por isso, um acto nulo[4], pelo que não cumpre convidar a parte a aperfeiçoar tal acto.

Improcede, desta forma, o recurso de apelação.

IVDecisão

Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.



Lisboa, 08 de Junho de 2022



Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos



[1]A não ser nos processos contraordenacionais, em Matéria Laboral. Diferentemente se passa noutras áreas de Direito Processual, como é o caso do Direito Processual Penal (onde ainda se aplica o DL n.º 28/92, de 27-02, o qual disciplina o regime do uso de telecópia) ou na Administração Pública, em que as Medidas de Modernização Administrativa permitem essa forma de comunicação – cf. Art.º 26.º, n.º 2 do DL n.º 135/99, de 22 de abril.
[2]Neste caso, a constituição de advogado até é obrigatória – cf. art.os 79.º, al. b) do CPT e 40.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil – e este não é um requerimento que, nos termos do n.º 2 do art.º 40.º do CPC, a própria parte possa apresentar, uma vez que se levantam questão de direito, visto que o objetivo é a reapreciação da natureza e grau da incapacidade (o que envolve a aplicação de Direito, na medida da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades às sequelas da sinistrada) e das consequentes prestações decorrentes do acidente, designadamente, se for o caso, a fixação de uma pensão.
[3]Portaria nº 280/2013, de 26/08, com as alterações previstas na portaria nº 170/2017, de 25/05 e na portaria nº 267/2018, de 20.09.
[4]O acto nulo não pode ser renovado se já expirou o praz dentro do qual devia ser praticado (art. 202º do CPC).