Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23757/19.0T8PRT-A.L1-8
Relator: AMÉLIA AMEIXOEIRA
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
VÍCIOS DE CONVOCAÇÃO
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL
EXEQUIBILIDADE DA DELIBERAÇÃO
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado, como decorre do art.1433º, nº1, do CC,
- no prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes» (nº2);
-no prazo de 30 dias contados nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem» (nº3);
-o direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação» (nº4).
II A inércia do administrador em convocar a assembleia extraordinária após lhe ser exigida pelo condómino impugnante ou a convicção por esse administrador de que não foram tomadas deliberações inválidas ou ineficazes, não faz coartar o direito desse condómino no sentido de ainda poder recorrer para a assembleia, sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem ou recorrer à acção de anulação.
III E pelo contrário, a inércia do condómino impugnante que não vê a assembleia extraordinária marcada após a ter exigido nos 20 dias seguintes á sua impugnação, faz caducar o direito de propor a acção de anulação se no prazo de 60 dias após a data da deliberação, não o fizer.
IV Se um condómino que esteja presente ou ausente tiver requerido a realização de uma assembleia extraordinária destinada a revogar as deliberações votadas na assembleia, e o administrador do condomínio a não convocou, como devia, no prazo de 20 dias, facto que ocorreu no caso em discussão nos presentes autos, em anos sucessivos, sem que o condómino/embargante/recorrido tenha interposto recurso desse acto negativo para a assembleia ou tenha optado pela via da arbitragem, devia então propor a acção anulatória, dentro do prazo legal de 60 dias, contados da data da deliberação primitiva, sob pena de caducidade.
V Tendo o condómino/embargante, em 20 de Dezembro de 2018, e em 26 de Julho de 2019, remetido carta registada com AR dirigida ao Condomínio, impugnando as Assembleias e Deliberações de 4 de Dezembro de 2018, relativas ás Actas 33 e 34, e de 6 de Julho de 2019, relativa à Acta nº 35, pedindo que as mesmas sejam anuladas e declaradas ineficazes/nulas e exigindo a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, sem que as Assembleias tenham sido convocadas pelo Administrador, nem sequer o embargante/s recorreram para a Assembleia, nos termos do art.1348º, do CC, marcando eles próprios a data para a realização da pretendida Assembleia Extraordinária e caso discordassem de novo da deliberação, propusessem uma eventual acção anulatória das deliberações aqui tomadas, (nesta segunda hipótese) se fosse caso disso, nada tendo feito, é manifesta a caducidade do direito de intentar acção judicial de anulação.
VI Interposta acção executiva em 23-11-2019, após o decurso dos referidos prazos, nada obstava à exequibilidade do título consubstanciado nas deliberações constantes das referidas Actas, devendo improceder a excepção dilatória de inexequibilidade de titulo executivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

X. instaurou execução para pagamento de quantia certa contra A. e mulher M, ambos com domicilio em Funchal, pedindo a condenação destes a pagar a quantia de 45.121,35 Euros, apresentando como titulo executivo Atas de Condomínio, donde constam os valores em divida pelos executados.

Alegou o seguinte:
1-O exequente é administrador do edifício do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua , nºs ... a 1..., da freguesia de L... B..., concelho de M..., tendo sido eleito em assembleia de condóminos realizada em 6 de Julho de 2019, conforme consta da respectiva acta, de que se junta certidão, sob doc. nº 1, cujo teor se considera reproduzido.
2-Por seu turno os executados são proprietários da fracção autónoma, designada pela letra "P" correspondente a uma habitação 01 no piso três e aparcamento com arrumo no piso menos um com entrada pelo nº 1... da Rua ... , freguesia de L... B..., do aludido prédio constituído em propriedade horizontal. (cfr. doc. nº 2 a 4 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos)
3- Em Assembleia de Condóminos realizada em 06.07.2019 foram aprovadas por maioria, as dívidas vencidas até final do ano de 2018, dos condóminos faltosos, sendo que, com referência à fracção dos executados apurou-se um saldo devedor de € 41.221,24, conforme decorre do teor da respectiva ata, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. doc. nº 1 – PONTO 6).
4-Acontece que nessa mesma Assembleia foi aprovado novo contrato de empreitada, substituindo o já deliberado nas assembleias datadas de 4 de Dezembro de 2018 e exarado nas actas nº 33 e 34 (cfr. doc. nº 1 - PONTO 4 e doc. nº 5 e 6 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos)
5-O novo contrato de empreitada por ser de valor inferior ao deliberado na assembleia de 4 de Dezembro de 2018, levou a que o administrador esclarecesse no PONTO 6 (Acta 35) que os valores em dívida seriam reduzidos devido à aprovação da redução do valor da quota extraordinária aprovada no PONTO 4 dessa mesma assembleia. Pelo que ficou implícito que os executados deviam €39.938,37 (trinta e nove mil novecentos e trinta e oito euros e trinta e sete cêntimos) e não os indicados €41.221,24.
6-Anteriormente na Assembleia datada de 04.12.2018 (PONTO 4 - acta nº 33 - Doc. nº 5) ficou deliberado por maioria o pagamento de uma quota extra para a contratação de uma empresa para fiscalização e coordenação da obra de reabilitação do edifício, a que correspondeu à fracção dos executados o pagamento do valor de €689,14 (seis centos e oitenta e nove euros e quatorze.
7-Também nessa mesma assembleia ficou deliberado por maioria (PONTO 3 - acta 33 - Doc. nº 5) que, "3. O não pagamento da quota extra no prazo previsto no número 1 (20.12.2018) ou a não entrega do documento no prazo previsto no número anterior faz, automaticamente, vencer uma cláusula penal no montante correspondente a 10% do valor da quota da respectiva fracção do condomínio nos termos previsto no nº 2 do artigo 1434 do código Civil".
8-É assim devido a título de clausula penal a quantia de €3.993,84 (três mil novecentos e noventa e três euros e noventa e quatro cêntimos)
9-Apesar de interpelados para o pagamento dos valores em dívida, o certo é que os executados não regularizaram as importâncias devidas, sendo que, até à data de 31.12.2018, deve à exequente a importância de €44.621,35 (quarenta e quatro mil seiscentos e vinte e um euros e trinta e cinco cêntimos).
10-Sobre o valor total das quotas de condomínio em dívida acresce uma penalidade de €500,00 por ter sido intentada acção executiva, conforme fixado e aprovado na ata da Assembleia de Condóminos que se juntou como doc. nº1; perfazendo assim o total em dívida pelo executado de € 45.121,35 (quarenta e cinco mil cento e vinte e um euros e trinta e cinco cêntimos)
11-Ao indicado valor em dívida acrescerão ainda os juros de mora, à taxa legal civil, e demais despesas de execução a que deu causa com o presente processo.
12-As Actas de assembleia de condomínio que se juntam sob o doc. nº 1, nº 5 e nº 6, constituem títulos executivos, nos termos do art. 46º, al. d) do CPC ex vi art. 6º do Dec. -Lei nº 268/94, de 25 de Outubro.
Face ao não pagamento por parte dos executados, tem a exequente direito a ser ressarcida nas seguintes quantias:
a)-na totalidade do capital por falta de pagamento da quota extra aprovada na acta nº 35, no valor de €39.938,37 (trinta e nove mil novecentos e trinta e oito euros e trinta e sete cêntimos);
b)-na totalidade do capital por falta de pagamento da quota extra aprovada na acta nº 33, no valor de €689,14 (seiscentos e oitenta e nove euros e quatorze cêntimos);
c)-na cláusula penal aprovada na acta nº 33, no valor de €3.993,84 (três mil novecentos e noventa e três euros e noventa e quatro cêntimos);
d)-na penalidade por ter sido intentada acção executiva, no valor de €500,00 (quinhentos euros);
Somando o total de €45.121,35 (quarenta e cinco mil cento e vinte e um euros e trinta e cinco cêntimos).
Ao indicado valor em dívida acrescerão ainda os juros de mora, à taxa legal civil, e demais despesas de execução a que deu causa com o presente processo.
*
Decidida a questão da competência territorial, com remessa dos autos para o Tribunal judicial da Madeira, Juízo de Execução do Funchal 2, vieram A. e M. executados nos autos, deduzir
EMBARGOS DE EXECUTADOS
Por excepção
-A ILEGITIMIDADE E/OU IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO DO CONDOMÍNIO.
-A INEXIGIBILIDADE DOS VALORES OBJECTO DA EXECUÇÃO e DA INEXISTÊNCIA DE TÍTULOS EXECUTIVOS.
Os embargantes invocaram, além do mais, a excepção dilatória de falta de título executivo.
Em síntese e para o que aqui importa, os embargantes alegaram terem sido impugnadas as deliberações constantes das actas n.ºs 33, 34 e 35 (respeitantes às assembleias de 04/12/2018 e 06/07/2019) e ter sido exigida, nos termos do artigo 1433.º n.º 2 do CPC, a convocação de assembleias extraordinárias.
Quanto às actas n.ºs 33 e 34, os embargantes referiram que a impugnação (datada de 20/12/2018) se estribou nos seguintes argumentos: omissão da convocatória para a assembleia; omissão da comunicação da acta; inexistência de seguro para sinistros e impossibilidade de imputar aos condóminos a responsabilidade por incêndio; realização de duas assembleias com 30 minutos de diferença; invalidade das deliberações.
Quanto à acta n.º 35, os embargantes sustentaram que a impugnação (remetida por carta registada com AR e recebida pelo condomínio no dia 30/07/2019) se fundou nos seguintes argumentos: falta de convocação para a assembleia; falta de menção na acta das procurações dos representados; ilegalidade das deliberações; inexistência de seguro para sinistros.
Por outro lado, veio salientar que é inadmissível a aplicação de uma cláusula penal, que visa penalizar o atraso no pagamento, concomitantemente com os juros de mora, que têm o mesmo objectivo, sendo que a tal se opõe claramente o art. 811.º do Código Civil.
*
Não foi deduzida contestação.
*
Em sede de saneador, apreciando a exequibilidade do titulo executivo, entendeu o Tribunal A Quo, que as actas aqui em causa não vinculam os embargantes antes de serem discutidas e confirmadas na assembleia extraordinária a que alude o artigo 1433.º n.º 2 do CC, circunstância que reconduz à excepção dilatória de inexequibilidade de título executivo, geradora de absolvição da instância.
Em consequência, julgou totalmente procedentes os embargos de executado e, absolveu da instância executiva os embargantes, declarando extinta a execução.
*
CONDOMÍNIO X, Exequente/Embargada veio interpor recurso, concluindo da forma seguinte:
1.-Decidiu o Tribunal a quo julgar verificada a invocada exceção dilatória de inexequibilidade de título executivo e por conseguinte absolver os embargantes da instância executiva, determinando a consequente extinção da mesma.
2.-Porquanto julgou que as actas aqui em causa não vinculam os embargantes antes de serem discutidas e confirmadas na assembleia a que alude o artigo 1433º nº 2 do C.C.”.
3.-Padece de qualquer razão de facto ou de direito o assim decidido, sendo arrepiante a decisão de que se recorre.
4.-Efetivamente, como decorre dos autos, o presente pedido constitui a execução de três actas de Assembleia de Condomínio, em consonância com artigo 6º, nº 1 o Dec.-Lei 268/94, de 25 de Outubro - “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”
5.-Contudo é evidente a inexistência da invocada exceção dilatória de inexequibilidade do título executivo julgada verificada pelo Tribunal a quo.
6.-Efetivamente, como decorre do artigo 1433º nºs 1, 2 e 4, qualquer condómino que não tenha aprovado uma deliberação da assembleia de condóminos, seja porque votou contra ou se absteve, seja porque não esteve presente ou representado na assembleia onde a deliberação foi tomada, dispõe de três meios para desencadear e eventualmente obter a respectiva anulação, sempre que entenda que ela é inválida, inexistente ou ineficaz.
7.-São esses três meios, i) exigir ao administrador a convocação de uma assembleia geral extraordinária para revogação de tal ou tais deliberações; ii) sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem; iii) propor a acção judicial de declaração de nulidade ou de anulação.
8.-Se o condómino, legitimado pela não aprovação da deliberação, escolher, exigir ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária para a revogação das deliberações inválidas e ineficazes, dispõe do prazo de 10 dias de calendário para o fazer, cujo início de contagem varia em função de ter estado presente ou não na assembleia em discussão.
9.-Se o administrador não convocar a assembleia extraordinária no prazo que a lei fixa, pode o condómino recorrer para a assembleia e convocar, ele próprio, a pretendida assembleia geral, conforme decorre do artigo 1438º do C.C. que dispõem que “dos actos do administrador cabe recurso para a assembleia, a qual pode neste caso ser convocada pelo condómino recorrente”
10.-Ou pode ainda, directamente ou após a assembleia extraordinária, recorrer à acção de anulação das referidas deliberações. (art. 1433º nº 4 do C.C.)
11.-Aliás o AC. STJ, de 23.02.2010, Proc. 416/07.1TBAMD.L1.S1 in www.dgsi.net, não deixa dúvidas quando decide: III - Apesar de o autor ter requerido a realização de uma assembleia extraordinária tendente à revogação das deliberações produzidas na assembleia primitiva, desatendida pelo administrador do condomínio, que a não convocou, o que deveria ter feito, no prazo de vinte dias, sem que o autor tenha interposto recurso desse acto do administrador para a assembleia de condóminos, confrontado com a sua não designação, a não ter optado pela via da arbitragem, deveria, então, ter proposto a acção anulatória, dentro do prazo legal dos sessenta dias, contados da data da deliberação primitiva, sob pena de caducidade.”
12.-Os embargantes solicitaram a convocatória da assembleia extraordinária para anularem as deliberações tomadas nas assembleias exaradas nas actas 33, 34 e 35, contudo não tendo sido convocada pelo administrador, os embargantes nada fizeram, ou seja não intentaram a acção de anulação.
13.-Se um condómino que esteja presente ou ausente tiver requerido a realização de uma assembleia extraordinária tendente á revogação das deliberações adoptadas na assembleia, e o administrador do condomínio a não convocou, como devia, no prazo de 20 dias, facto que ocorreu no caso em discussão nos presentes autos, sem que o condómino (leia-se embargantes) tenha interposto recurso desse acto negativo para a assembleia ou tenha optado pela via da arbitragem, devia então propor a acção anulatória, dentro do prazo legal de 60 dias, contados da data da deliberação primitiva, sob pena de caducidade.
14.-Caducidade do direito de intentar acção judicial que se invoca.
15.-Por um lado, ao julgar verificada a exceção dilatória de inexequibilidade do título executivo, está a retirar a força executiva que o legislador lhe atribuiu nos termos artigo 6º, nº 1 o Dec.-Lei 268/94, de 25 de Outubro, já que as actas que se juntaram ao requerimento executivo deliberaram o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio.
16.-Por outro lado, está a colocar nas mãos do administrador a obrigação de realizar uma assembleia extraordinária, quando o que a lei prevê é que o condómino pode exigir e não que o administrador está obrigado.
17.-Estando ainda a retirar a possibilidade de usar uma acta onde contem uma deliberação passível de ser executada, por não ter convocado a referida assembleia.
18.-Fazendo letra morta ao previsto no artigo 1433º nº 4 do C.C. onde prevê que “o direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação”
19.-A doutrina até refere que “afigura-se-nos preferível que, tratando-se de condóminos ausentes, se não enverede pelo recurso à assembleia extraordinária, e se opte directamente pela ação de anulação, por ser a via mais segura, com a observância obvia daquele prazo de 60 dias, prazo esse que é aplicável tanto aos condóminos presentes como os ausentes, de acordo com o entendimento pacífico” – in Abílio Neto, Manual da propriedade horizontal, 4ª ed., 2015, pag 724.
20.-Até porque a inércia do condómino impugnante que não vê a assembleia extraordinária marcada após a ter exigido nos 20 dias seguintes á sua impugnação, faz caducar o direito de propor a acção de anulação se no prazo de 60 dias após a data da deliberação, não o fizer.
21.-Não foram, portanto, diligentes os embargantes, deixando precludir o seu direito de interpor a acção de anulação das deliberações tomadas nas actas que serviram de título executivo á presente acção.
22.-Consequentemente, tendo caducado o direito a intentar a acção de anulação, são as deliberações tomadas nas assembleias exaradas nas actas 33, 34 e 35 , válidas e eficazes, constituindo título executivo por terem deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, nos termos do artigo 6º, nº 1 o Dec.-Lei 268/94, de 25 de Outubro.
23.-Face à decisão proferida, o embargado não vê o sentido útil da sua demanda e bem assim o uso da prerrogativa legal que é atribuída às actas. Em claro desrespeito da lei: até porque como se procurou demonstrar as actas juntas com o requerimento executivo têm a força de titulo executivo, por preencherem os requisitos legais e por não terem sido anuladas em acção intentada para o efeito.
24.-Com efeito, cremos que é gritante a injustiça da decisão proferida, a qual coloca o embargado numa posição de não poder executar as actas, que lhe concederam o direito de poder cobrar os valores ali fixados e cuja força executiva lhe é atribuída op legis.
25.-Assim não decidindo a sentença recorrida ofendeu, por errada interpretação e aplicação, pelo menos os arts. 1433º nº 1, 2 e 4 do C.C. e artigo 6º do Dec.-Lei 268/94, de 25 de Outubro.
Conclui no sentido de que deve ser concedido total provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, e alterando-a na parte em que julgou verificada a exceção dilatória de inexequibilidade de título executivo por violação da lei substantiva por erro de interpretação do disposto nos art.º 1433º nº 2, 3º e 4º do CC e no art. 6º, nº 1 o Dec.-Lei 268/94, de 25 de Outubro, substituindo-se por outra que decida de harmonia com as antecedentes conclusões, julgando assim os Embargos de Executado totalmente improcedentes.
*
A. e M., executados e embargantes vieram apresentar contra-alegações, mas não sem antes alertar para o facto das alegações apresentadas se encontrarem feridas pela excepção da incompetência territorial, incompetência relativa que arguem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 83º do CPC conjugado com o Anexo I da Lei da Organização do Sistema Judiciário – ex vi artigo 32º, nº. 1, e, bem assim, com os artigos 102º, 103º e 108º, nº. 1 do CPC.
O Tribunal competente para julgamento do recurso é o Tribunal da Relação de Lisboa e não o Tribunal da Relação do Porto. concluindo da forma seguinte:
1-Com todo o respeito, que é muito, o presente recurso não poderá, de forma nenhuma, proceder.
2-A fundamentação apresentada pelo recorrente constitui uma clara inversão de todos os princípios que norteiam o direito.
3-Ora, o apelante tenta fazer impender sobre os condóminos a obrigação de agir judicialmente.
4-Tentando tirar proveito da onerosidade e complexidade que uma via judicial implicaria.
5-A lei é clara e deixa ao critério de escolha dos condóminos a impugnação das deliberações pela via extrajudicial.
6-A lei também é clara ao entender que as actas de condomínio só são título executivo se não tiverem sido tempestivamente impugnadas.
7-O Condomínio não coloca em causa, porque nem podia, a validade e tempestividade das impugnações efectuadas.
8-Pelo que a omissão da convocação e concretização das ditas assembleias extraordinárias não pode repercutir-se negativamente noutro sujeito que não seja o próprio Condomínio.
9-Outra coisa não faria sentido.
10-Os condóminos, apesar de terem a faculdade de cumular a impugnação extrajudicial com a impugnação judicial, não são obrigados a fazê-lo para que as impugnações extrajudiciais por eles efectuadas produzam efeitos.
11-Caso contrário, as impugnações extrajudiciais teriam, sempre, os seus efeitos limitados pelo comportamento do Condomínio.
12-E tal não pode ser admissível!
13-E se há alguém que deve ficar limitado é, claramente, o prevaricador e não aquele que cumpre a lei.
14-Ter a ousadia de vir defender que os condóminos recorridos não foram diligentes é, com todo o respeito, escandaloso!
15-A administração do condomínio que recebeu três impugnações de actas com solicitações de agendamento e convocatória para assembleias extraordinárias e que, perante isso, nada disse e nada fez, vem, aqui, como se nada fosse, tentar executar os condóminos com base nas actas cujas deliberações foram validamente impugnadas e agora, apesar do seu repetido comportamento omissivo, tentar fazer-se prevalecer das mesmas, acusando os condóminos de negligência?!
16-O direito não pode compactuar com este procedimento!
17-Procedimento, esse, que, muitas vezes, nas mais diversas áreas, desmoraliza o comum dos cidadãos que se vê atacado e prejudicado pelo uso inadequado e imoral da lei.
18-Vir afirmar, como faz o recorrente, no ponto 16 das suas conclusões, que a lei apenas prevê que os condóminos podem exigir a convocação da assembleia extraordinária mas que, por seu turno, o administrador do condomínio não está legalmente obrigado a tal é, de sobremaneira, por si só, uma péssima leitura da lei, por distorcida e desprovida de seriedade.
19-E que deve e tem de ser travada!
20-Como muito bem referiu o Tribunal a quo, depois da administração não ter convocado as devidas assembleias extraordinárias, o ora comportamento consubstanciado na entrada da execução em causa, corresponde, claramente, a um “venire contra factum proprium” – artigo 334º do Código Civil (abuso de direito).
21-Face ao exposto, para os recorridos, quem faz uma errada interpretação e aplicação da lei é o recorrente dado que as actas em causa só poderiam ser título executivo caso não tivessem sido válida e tempestivamente impugnadas nos termos do artigo 1433º do Código Civil.
22-Acontece que o foram!
23-E, por isso, não podem as actas constituir título executivo.
24-Daí que o Tribunal a quo muito bem andou ao considerar procedentes os embargos deduzidos por inexequibilidade dos títulos executivos e, em consequência, ao absolver os embargantes da instância executiva e declarar a execução extinta.
25-Ainda que assim não fosse, o que não se admite, sempre os embargos se encontram ainda estruturados com base noutras excepções que, também elas, caso fossem objecto de análise, seriam consideradas procedentes, ditando, por isso, a improcedência da execução.
Nestes termos e nos demais de direito, e com o douto suprimento de V. Exªs., deve o presente recurso ser considerado improcedente e, em consequência, mantida a decisão do Tribunal da primeira instância, tudo com as demais consequências legais.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
*
QUESTÃO A DECIDIR:
- Dos meios de reação contra a Assembleia de Condóminos.
- Da consequência da falta de convocatória de Assembleia Extraordinária, por parte da Administração do Condomínio, requerida pelo condómino ausente, em dois anos subsequentes.
- Se procede a excepção dilatória de falta de título executivo, com base nas Actas 33, 34 e 35.
*
FUNDAMENTAÇÃO:
Os factos a atender são os que constam do Relatório supra e ainda os seguintes, provados por documento:
- No requerimento executivo, em execução para Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil, no valor de 45 121,35 € (Quarenta e Cinco Mil Cento e Vinte e Um Euros e Trinta e Cinco Cêntimos) foi alegado o seguinte:
1-O exequente é administrador do edifício do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... ... & Rua ..., nºs ... a 1..., da freguesia de L... B..., concelho de M..., tendo sido eleito em assembleia de condóminos realizada em 6 de Julho de 2019, conforme consta da respectiva acta, de que se junta certidão, sob doc. nº 1, cujo teor se considera reproduzido.
2-Por seu turno os executados são proprietários da fracção autónoma, designada pela letra "P" correspondente a uma habitação 01 no piso três e aparcamento com arrumo no piso menos um com entrada pelo nº 1... Rua ... ..., freguesia de L... B..., do aludido prédio constituído em propriedade horizontal. (cfr. doc. nº 2 a 4 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos)
3-Em Assembleia de Condóminos realizada em 06.07.2019 foram aprovadas por maioria, as dívidas vencidas até final do ano de 2018, dos condóminos faltosos, sendo que, com referência à fracção dos executados apurou-se um saldo devedor de € 41.221,24, conforme decorre do teor da respectiva ata, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. doc. nº 1 – PONTO 6).
4-Acontece que nessa mesma Assembleia foi aprovado novo contrato de empreitada, substituindo o já deliberado nas assembleias datadas de 4 de Dezembro de 2018 e exarado nas actas nº 33 e 34 (cfr. doc. nº 1 - PONTO 4 e doc. nº 5 e 6 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos)
5-O novo contrato de empreitada por ser de valor inferior ao deliberado na assembleia de 4 de Dezembro de 2018, levou a que o administrador esclarecesse no PONTO 6 (Acta 35) que os valores em dívida seriam reduzidos devido à aprovação da redução do valor da quota extraordinária aprovada no PONTO 4 dessa mesma assembleia. Pelo que ficou implícito que os executados deviam €39.938,37 (trinta e nove mil novecentos e trinta e oito euros e trinta e sete cêntimos) e não os indicados €41.221,24.
6-Anteriormente na Assembleia datada de 04.12.2018 (PONTO 4 - acta nº 33 - Doc. nº 5) ficou deliberado por maioria o pagamento de uma quota extra para a contratação de uma empresa para fiscalização e coordenação da obra de reabilitação do edifício, a que correspondeu à fracção dos executados o pagamento do valor de €689,14 (seis centos e oitenta e nove euros e quatorze cêntimos).
7-Também nessa mesma assembleia ficou deliberado por maioria (PONTO 3 - acta 33 - Doc. nº 5) que, "3. O não pagamento da quota extra no prazo previsto no número 1 (20.12.2018) ou a não entrega do documento no prazo previsto no número anterior faz, automaticamente, vencer uma cláusula penal no montante correspondente a 10% do valor da quota da respectiva fracção do condomínio nos termos previsto no nº 2 do artigo 1434 do código Civil".
8-É assim devido a título de clausula penal a quantia de €3.993,84 (três mil novecentos e noventa e três euros e noventa e quatro cêntimos)
9-Apesar de interpelados para o pagamento dos valores em dívida, o certo é que os executados não regularizaram as importâncias devidas, sendo que, até à data de 31.12.2018, deve à exequente a importância de €44.621,35 (quarenta e quatro mil seiscentos e vinte e um euros e trinta e cinco cêntimos).
10-Em 20 de Dezembro de 2018, o embargante Armando ... remeteu, por carta registada com AR, dirigida ao Condomínio do Edifício P... de P..., impugnação das Assembleias e das deliberações de 4 de Dezembro de 2018, relativas às Actas nºs 33 e 34, nos termos do art.1433º do CC, devendo as mesmas ser anuladas e declaradas ineficazes/nulas, nos termos do nº1, daquele preceito legal.
11-Nessa carta, exigiu a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias para revogação expressa das deliberações inválidas/ineficazes-art.1433º, nº2, do Código Civil.
12-Mais acrescentou, caso coloquem a hipótese de não cumprimento da lei, ficam já informados e advertidos de que, sendo as deliberações inválidas e ineficazes, as mesmas não produzirão quaisquer efeitos, ficando ainda advertidos de que serão responsabilizados por todos os prejuízos que me venham a causar.
13-O embargante nada fez ou requereu após o envio dessa carta.
14-Em 26 de Julho de 2019 o embargante Armando ... remeteu, por carta registada com aviso de recepção, dirigida ao Condomínio do Edifício P... de P..., a impugnação da Assembleias e das deliberações de 6 de Julho de 2019, relativas à Acta nº 35.
15-Nessa carta, exigiu a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias para revogação expressa das deliberações inválidas/ineficazes-art.1433º, nº2, do Código Civil.
16-Mais acrescentou, caso coloquem a hipótese de não cumprimento da lei, ficam já informados e advertidos de que, sendo as deliberações inválidas e ineficazes, as mesmas não produzirão quaisquer efeitos, ficando ainda advertidos de que serão responsabilizados por todos os prejuízos que me venham a causar.
17-O embargante nada fez ou requereu após o envio dessa carta.
18-A acção executiva foi interposta em 20-11-2019.
*
DE DIREITO:
Está em causa a execução de três actas de Assembleia de Condomínio, as quais, são susceptíveis de constituir titulo executivo, em conformidade com artigo 6º, nº 1 o Dec.-Lei 268/94, de 25 de Outubro, ao dispor - “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”
O Tribunal de 1ª Instância considerou, porém, que as actas aqui em causa não vinculam os embargantes antes de serem discutidas e confirmadas na assembleia extraordinária a que alude o artigo 1433.º n.º 2 do CC.
Mais entendeu que esta circunstância reconduz-se à excepção dilatória de inexequibilidade de título executivo, geradora de absolvição da instância.
Em consequência, julgou totalmente procedentes os embargos de executado e, consequentemente, absolveu da instância executiva os embargantes e declarou extinta a execução.
No recurso que apreciamos, em conformidade com as questões suscitadas nas respectivas conclusões, entende o recorrente ser evidente a inexistência da invocada exceção dilatória de inexequibilidade do título executivo julgada verificada pelo Tribunal a quo.

Para uma melhor apreciação da questão suscitada, qual seja a de saber se as actas constituem, ou não, título executivo, relembremos o teor dos 4 primeiros dos seis números do artigo 1433.º:
-«as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado» (nº1);
-«no prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes» (nº2);
-«no prazo de 30 dias contados nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem» (nº3);
-«o direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação» (nº4).
Como se vê pelas passagens a negrito e a itálico, a lei faz iniciar a contagem do prazo para o condómino ausente requerer, quer a assembleia extraordinária, quer a intervenção do centro de arbitragem, da comunicação - que lhe deve ser feita, nos termos do nº6 do artigo 1432 do Código Civil -- da deliberação impugnanda.
Mas - claramente - já não usa o mesmo critério relativamente ao prazo de caducidade das acções anulatórias. Qual a ratio?
Se é certo que a interpretação da lei não deve ser meramente literal (n.º 1 do artigo 9 do Código Civil), não é menos verdade que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sendo sempre de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nºs 2 e 3 do mesmo artigo).
Ora, tendo o legislador de 1994 sido tão minucioso nas alterações que introduziu ao regime da propriedade horizontal, através do referido DL 267/94, só se pode entender como sendo de caso pensado esta diferença de regime.
Qual terá então sido o espirito do legislador?
Cremos que, fundamentalmente, o desiderato de se privilegiarem os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou para judiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o n.º 1 do artigo 1433.º.
Desse desiderato legal - embora perfilhando o outro entendimento sobre a contagem do prazo em análise - nos dá conta Aragão Seia, Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios, Almedina, Coimbra 2001, páginas 185/186:
Para obstar o recurso a tribunal, evitando o inconveniente de criar antagonismos entre os condóminos e de protelar no tempo a eficácia definitiva da decisão, permite-se no prazo de 10 dias “exigir ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária”»;
Continuando a procurar evitar o recurso a tribunal permite-se que "possa sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.».
Este desiderato tem a sua plena expressão no caso de condómino ausente que só tenha tido conhecimento da deliberação através da comunicação a que alude o nº6 do artigo 1432 e já depois de decorridos os 60 dias referidos no nº4 do artigo 1433, ou seja, sobre a data daquela, como diz a lei.
Neste caso e no nosso entender, porque já não pode intentar a acção anulatória dessa deliberação, para a revogar tem necessariamente de, nos respectivos prazos legais, recorrer:
-ou à assembleia extraordinária;
-ou ao centro de arbitragem.
E se, lançando mão da assembleia extraordinária, a respectiva deliberação lhe vier a ser desfavorável, ainda poderá recorrer aos meios judiciais, instaurando a respectiva acção de anulação desta deliberação extraordinária, no prazo de 20 dias, contados sobre ela, como permite o nº 4 do artigo 1433.
Nem se diga que esta interpretação que perfilhamos equivalerá ao renascimento de um direito caducado (Sandra Passinhas, ob. cit.).
É que, embora a deliberação extraordinária seja confirmatória da primitiva deliberação - sendo revogatória não há fundamento para a intervenção judicial, como é óbvio --, o objecto da acção de anulação é aquela e não esta.
O direito de anulação da primitiva deliberação morreu com o decurso do prazo de 60 dias, prazo este que, evidentemente, jamais poderá renascer.
O que nasce com a deliberação extraordinária é o prazo de 20 dias para o condómino ausente pedir a anulação judicial desta mesma deliberação e não da primitiva (não obstante esta ter sido objecto daquela).
Se o condómino ausente optar pelo recurso ao centro de arbitragem, precludirá o seu direito à acção anulatória, pois que a decisão arbitral tem, nos termos do artigo 26 da Lei nº31/86, de 29 de Agosto, a mesma força e os mesmos efeitos jurídicos que uma sentença judicial.
Em suma, o condómino ausente nunca ficará cerceado no seu direito de recorrer aos tribunais para anular as deliberações das assembleias de condóminos que considere anuláveis à luz do nº1 do artigo 1433 do Código Civil.
Basta estar atento - como atento terá que estar no caso de haver lugar à 2ª reunião da assembleia, a qual se considera convocada para uma semana depois, na mesma hora e local (nº4 do artigo 1432 do CC) --, para não deixar esgotar o prazo de 60 dias a contar da data da deliberação que pretende impugnar e, por sua iniciativa (independentemente da comunicação que lhe deve ser feita nos termos do nº6 do artigo 1432 do mesmo Código), tomar conhecimento do respectivo teor.
De qualquer forma, se não tiver esse cuidado e só vier a ter conhecimento da deliberação através da referida comunicação e depois de decorrido o prazo de 60 dias sobre ela, ainda assim lhe restará a possibilidade da sua (indirecta) apreciação judicial, caso a assembleia extraordinária -- a que necessária e previamente terá que recorrer, nos termos legais atrás explanados - não a revogue.
Entendimento diverso - no sentido de a contagem do prazo de caducidade da acção anulatória se iniciar só com a comunicação nos termos do n.º 6 do artigo 1432 do CC - propiciará o laxismo/absentismo e a indefinição das questões condominiais, ao contrário do que, naturalmente, é pretendido pela lei.
*
Esta interpretação adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça veio mesmo a ser analisada pelo Tribunal Constitucional, que veio a decidir, no Processo n.º 441/2010, de 9 de Dezembro de 2010, em que foi Relator o Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, o seguinte: “ (…) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1433.º, n.º 4, do Código Civil, quando interpretada no sentido de que o prazo para intentar acção de anulação de deliberação do condomínio é de sessenta dias, indistintamente quer para condóminos presentes, quer para os ausentes, a partir da data da deliberação, e não da data da comunicação ao condómino ausente.”.
É esta última orientação que perfilhamos, por pensarmos que se coaduna melhor com o elemento actualista, teleológico e racional da interpretação, nos termos do art.º 9.º do Cód. Civil.
*                                                *
Ora bem, é  justamente a indefinição nas questões do condomínio que a sentença recorrida vem permitir.

Tendo o recorrido impugnado as Actas nºs 33 e 34º, em 20-12-2018, relativas às Assembleias ocorridas de 4-12-2018, remetendo carta registada com AR, dirigida ao Condomínio X, nos termos do art.1433º do CC, devendo as mesmas ser anuladas e declaradas ineficazes/nulas, nos termos do nº1, daquele preceito legal.
E, exigindo a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias para revogação expressa das deliberações inválidas/ineficazes, -art.1433º, nº2, do Código Civil, agiu de acordo com a primeira modalidade que lhe era facultada pelo art.1433º, nº2.
Só que, como vimos, o Administrador não marcou qualquer Assembleia Extraordinária.
Igual procedimento ocorreu em relação à Assembleia de 6 de julho, impugnada pela carta de 26/7, onde também vem requerida a convocação de Assembleia Geral.
No caso de o administrador não convocar a assembleia extraordinária no prazo que a lei fixa, pode o condómino recorrer para a assembleia e convocar, ele próprio, a pretendida assembleia geral, conforme decorre do artigo 1438º do C.C. que dispõe que “dos actos do administrador cabe recurso para a assembleia, a qual pode neste caso ser convocada pelo condómino recorrente”
Tem ainda a opção de directamente, ou após a assembleia extraordinária, interpor acção de anulação das referidas deliberações. (art. 1433º nº 4 do C.C.)
Na senda deste entendimento, já o AC. STJ, de 23.02.2010, Proc. 416/07.1TBAMD.L1.S1 in www.dgsi.net,  preconizava que: III - Apesar de o autor ter requerido a realização de uma assembleia extraordinária tendente à revogação das deliberações produzidas na assembleia primitiva, desatendida pelo administrador do condomínio, que a não convocou, o que deveria ter feito, no prazo de vinte dias, sem que o autor tenha interposto recurso desse acto do administrador para a assembleia de condóminos, confrontado com a sua não designação, a não ter optado pela via da arbitragem, deveria, então, ter proposto a acção anulatória, dentro do prazo legal dos sessenta dias, contados da data da deliberação primitiva, sob pena de caducidade.”
Este acórdão é referido em outras tantas decisões, v. g Ac. TRL de 14 MAIO 2020, P N.º: 693/18.2T8OER.L1-6, Ac. STJ de 19.06.2019, Proc. 3125/17.0T8VIS.C1.S1, in www.dgsi.net
A doutrina até refere que “afigura-se-nos preferível que, tratando-se de condóminos ausentes, se não enverede pelo recurso à assembleia extraordinária, e se opte directamente pela ação de anulação, por ser a via mais segura, com a observância obvia daquele prazo de 60 dias, prazo esse que é aplicável tanto aos condóminos presentes como os ausentes, de acordo com o entendimento pacífico” – in Abílio Neto, Manual da propriedade horizontal, 4ª ed., 2015, pag 724.
Em suma, o condómino ausente nunca ficará cerceado no seu direito de recorrer aos tribunais para anular as deliberações das assembleias de condóminos que considere anuláveis à luz do nº1 do artigo 1433º do Código Civil.
Até porque o condómino que impugnar uma deliberação e exigir a convocação da assembleia extraordinária e a mesma tendo sido convocada, na hipótese de vir a confirmar a deliberação tomada na assembleia primitiva, pode, ainda, dentro do prazo de 20 dias a contar dessa assembleia extraordinária, recorrer à acção de anulação.
A inércia do administrador em convocar a assembleia extraordinária após lhe ser exigida pelo condómino impugnante ou a convicção por esse administrador de que não foram tomadas deliberações inválidas ou ineficazes, não faz coartar o direito desse condómino no sentido de ainda poder recorrer para a assembleia, sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem ou recorrer à acção de anulação.
E pelo contrário, a inércia do condómino impugnante que não vê a assembleia extraordinária marcada após a ter exigido nos 20 dias seguintes á sua impugnação, faz caducar o direito de propor a acção de anulação se no prazo de 60 dias após a data da deliberação, não o fizer.
Sendo também unanime na Jurisprudência e na doutrina que “os condóminos faltosos à assembleia terão de cuidar diligentemente de se informar sobre se teve ou não lugar a mesma e se novo dia foi efectivamente designado e terão, de igual modo, de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações, para, se o desejarem, poderem impugná-lo no prazo dilatado de 60 dias (repare-se o primitivo prazo de 20 dias foi alargado) sobre a data da deliberação e, não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava” in Ac. TRP 12.09.2009, Proc. 5944/06.0TBVFR.P1; Ac. STJ de 19.06.2019, Proc. 3125/17.0T8VIS.C1.S1, in www.dgsi.net).
No caso em apreço, os embargantes enviaram carta a convocar a assembleia extraordinária após as assembleias datadas de 04.12.2018 (acta 33 e 34) por carta datada de 20.12.2018 e na assembleia datada de 06.07.2019 (acta 35) em 26.07.2019.
Tendo enviado a carta dentro do prazo para intentar a acção de anulação, não a intentaram.
Ou seja, não intentaram a acção de anulação até ao dia 2 de Fevereiro de 2019 no caso das duas primeiras assembleias e até dia 5 de Setembro de 2019 no caso da terceira assembleia.
Não foram, portanto, diligentes os embargantes, deixando precludir o seu direito de interpor a acção de anulação das deliberações tomadas nas actas que serviram de título executivo á presente acção.
Deve assim entender-se que, se um condómino que esteja presente ou ausente tiver requerido a realização de uma assembleia extraordinária destinada a revogar as deliberações votadas na assembleia, e o administrador do condomínio a não convocou, como devia, no prazo de 20 dias, facto que ocorreu no caso em discussão nos presentes autos, em anos sucessivos, sem que o condómino/embargante/recorrido tenha interposto recurso desse acto negativo para a assembleia ou tenha optado pela via da arbitragem, devia então propor a acção anulatória, dentro do prazo legal de 60 dias, contados da data da deliberação primitiva, sob pena de caducidade.
E este raciocínio é válido quer para as deliberações de 2018, quer de 2019.
A acção executiva foi interposta em 23-11-2019.
Entendemos que nesta data tinha caducado o direito dos embargantes reagirem pela via da acção anulatória contra as deliberações em causa.
Em nenhum outro momento os embargantes reagiram, a não ser através das referidas cartas, o que se tem por manifestamente insuficiente para considerar existir abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium (artigo 334.º do CC), tanto mais que nem sequer recorreram para a Assembleia, nos termos do art.1348º, do CC, marcando eles próprios a data para a realização da pretendida Assembleia Extraordinária e caso discordassem de novo da deliberação, propusessem uma eventual acção anulatória das deliberações aqui tomadas, (nesta segunda hipótese) se fosse caso disso.
Donde se conclui que, na situação dos autos, é manifesta a caducidade do direito de intentar acção judicial de anulação.
Consequentemente, as deliberações tomadas nas assembleias exaradas nas actas 33, 34 e 35, são válidas e eficazes, constituindo título executivo por terem deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, nos termos do artigo 6º, nº 1, o Dec.-Lei 268/94, de 25 de Outubro.

Dai decorre a improcedência da excepção dilatória de inexequibilidade de título executivo, impondo-se revogar a decisão recorrida.    
Procede o recurso.
*
DECISÃO
Nos termos vistos, Acordam os Juízes da 8ª Secção em julgar a Apelação procedente, julgando improcedente a excepção dilatória de inexequibilidade de título executivo, revogando o saneador-sentença objecto de recurso.
Custas a cargo dos Apelados.


Lisboa, 22 de Abril de 2021


Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura
Maria do Céu Silva