Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO FERNANDES DA SILVA | ||
Descritores: | DISCUSSÃO ALEGAÇÕES ORAIS PROVA DOCUMENTAL DOCUMENTO SUPERVENIENTE SIMULAÇÃO TERCEIROS PROVA TESTEMUNHAL ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO CONTRADIÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/24/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil): I. Após o encerramento da discussão da causa em 1.ª instância, com a prolação de alegações orais, conforme artigo 604.º, n.º 3, alínea e), do CPCivil, a admissibilidade da junção de documento depende da sua pertinência à decisão da causa e da impossibilidade da sua junção em momento anterior, por o documento em causa ser objetiva ou subjetivamente superveniente relativamente ao encerramento da causa, sendo que em sede de recurso é ainda admissível a junção de documento quando tal se mostre necessário em virtude da decisão recorrida. II. Conforme artigo 394.º do CCivil, relativamente a negócios jurídicos exarados em documento autêntico, a prova de simulação relativa, do acordo fictício e do negócio real, não pode ser feita através de testemunhas quando a simulação seja alegada pelos simuladores, mas tal meio de prova já pode ser utilizado quando a simulação seja invocada por terceiros. III. Aquele diverso regime probatório para «simuladores» e «terceiros» justifica-se em razão de não ser possível ou ser muito difícil aos terceiros, diversamente do que sucede com os simuladores, munirem-se de documento escrito comprovativo do acordo simulatório. IV. Para efeitos do apontado regime jurídico, terceiros são aqueles que sejam alheios ao conluio e não tão-só os que não celebraram o negócio simulado: tal como estes, também os que participaram no conluio podem munir-se de documento comprovativo do acordo simulatório. V. Mesmo relativamente aos simuladores entendidos naqueles termos, como participantes na simulação, a prova testemunhal é suscetível de relevar enquanto meio complementar de prova documental que funcione como princípio de prova. VI. Inadmissibilidade da prova testemunhal quanto ao acordo simulatório acarreta que igualmente seja inadmissível a prova daquele por presunção judicial, conforme artigo 451.º do CCivil. VII. Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna. VIII. Inexiste incoerência, contradição propriamente dita, em termos de pura lógica formal, entre um facto provado e um facto não provado, pois deste não decorre a prova de qualquer factualidade, designadamente a prova do contrário, sendo que importa não confundir a prova de um facto com a prova de um facto negativo. IX. A simulação constitui uma divergência bilateral e intencional entre a vontade real e a declaração negocial, acordada entre as partes, no propósito de enganar terceiros. X. Na simulação relativa, sob a aparência do negócio declarado, o chamado negócio simulado, há um negócio oculto, denominado como negócio dissimulado. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO. Neste processo comum de declaração, a A., A …, demandou os RR., HERANÇA INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE B …, C …, D … e E …, pedindo que: - «seja o contrato de compra e venda celebrado em 31.01.1985 perante o Notário F … tendo por objeto o prédio urbano sito na sito na Rua … n.º … e …, com vão de porta para a Rua … n.º … e n.º …, …-… Prior Velho, com o valor patrimonial atual de €1.951.103,83 (um milhão, novecentos e cinquenta e um mil, cento e três euros e oitenta e três cêntimos), inscrito na matriz urbana da União das Freguesias de … e … sob o artigo … declarado nulo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 241.º do Código Civil; - «seja reconhecida a validade do negócio jurídico dissimulado, isto é, da doação». Como fundamento do seu pedido a A. alegou, em suma, que é viúva de B …, com o qual era casado no regime da separação de bens, sendo os RR. C … e D … filhos daquele e o R. E … igualmente filho da A. Referiu também que o falecido B … granjeou ao longo da sua vida de trabalho um avultado património imobiliário, no qual se incluiu o referido prédio urbano, sendo que com o avançar da idade o mesmo optou por, em vida, ir dividindo o seu património pelos seus filhos de forma igualitária, reservando, contudo, sempre para si o usufruto vitalício sobre os bens doados. A A. mencionou igualmente que em janeiro de 1985 o falecido B … decidiu doar aos seus três filhos o aludido prédio urbano, tendo, contudo, outorgado duas escrituras de compra e venda, uma quanto ao R. E … e outra relativamente aos RR. C … e D …, ao invés de escrituras de doação, por razões fiscais, sendo que o preço da venda nunca lhe foi entregue pelos filhos e estes nunca se comportaram como proprietários plenos do prédio, tendo antes agido sempre como se o falecido fosse titular de um direito de usufruto sobre o imóvel. Citados, vieram os RR. E …, por um lado, e C … e D …, por outro, apresentar contestação. O R. E … confessou os factos alegados pela A. e conclui no sentido de: Ser «proferida sentença constitutiva declarando nulo por simulado o contrato de compra e venda (…), mas ser declarada válida a doação que as partes nesse contrato efectivamente ajustaram e pretenderam». Por sua vez, os RR. C … e D … arguiram a ineptidão da petição inicial, por incompatibilidade substancial das causas de pedir, bem como a ilegitimidade passiva de A … enquanto também representante da R. Herança. Os RR. C … e D … aceitaram a alegada factualidade integradora da invocada simulação quanto à referida compra e venda outorgada entre o falecido B … e o R. E …, mas impugnaram a demais factualidade invocada pela A., sustentando que o referido imóvel foi efetivamente vendido pelo falecido B … aos RR. C … e D … e que estes o adquiriram por usucapião. Nestes termos, concluíram no sentido de: «a) Declarar-se procedente, por provada, a exceção da ineptidão da petição inicial, por incompatibilidade das causas de pedir, com a consequente absolvição dos aqui Réus da instância; b) Caso assim não se entenda, declarar-se procedente, por provada, a exceção dilatória da ilegitimidade passiva da Representante da Ré Herança Aberta por óbito de B …, com a consequente nomeação de curador especial para a sua representação; c) Declarar-se totalmente improcedente, por não provada, a presente ação, absolvendo-se, consequentemente, os Réus dos pedidos; d) Se, por hipótese académica, ainda assim não se entendesse, sempre deveria ser reconhecida a propriedade dos Réus que, nesse caso, a teriam adquirido por usucapião». Notificada para responder às exceções invocadas na contestação dos RR. C … e D …, a A. elas respondeu, concluindo que tais exceções devem ser julgadas improcedentes, por não provadas. As partes juntaram documentos O Tribunal declarou improcedente a exceção de ilegitimidade ativa da A. e declarou a R. Herança Indivisa parte ilegítima, absolvendo-a da instância. Realizou-se audiência prévia e em 05.07.2021 foi proferida decisão no sentido de: Julgar «improcedente a nulidade» relativa à arguida ineptidão da petição inicial; «[J]ulgar improcedente o pedido formulado contra os RR C … e D … e, consequentemente, absolvê-los do pedido»; « (…) no que diz respeito ao pedido formulado contra E …, homologar a confissão que o mesmo fez deste pedido e, consequentemente, declarar a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda referente a 1/3 do prédio urbano sito na sito na Rua … n.º … e …, com vão de porta para a Rua … n.º … e n.º …, …-… Prior Velho, com o valor patrimonial atual de €1.951.103,83 (um milhão, novecentos e cinquenta e um mil, cento e três euros e oitenta e três cêntimos), inscrito na matriz urbana da União das Freguesias de … e … sob o artigo … e declarar válido o contrato de doação, dissimulado, com o mesmo objecto». Inconformados com aquela decisão, dela recorreu o R. E … e a A., sendo que este Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 10.03.2022, deliberou julgar procedentes os recursos interpostos e, por isso, revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir seus termos no Tribunal recorrido com prolação de despacho de aperfeiçoamento. Proferido aquele despacho, a A. juntou articulado no qual explicitou que o outorga das referidas escrituras como de compra e venda e não de doação resultou da circunstância de à data a taxa do imposto sobre sucessões e doações ser in casu mais elevada do que a sisa aplicável à transmissão onerosa, pretendendo-se, assim, ludibriar a Administração Tributário. Os RR. C … e D … apresentaram contestação reformulada, concluindo nos termos da sua anterior contestação. Foi realizada a audiência prévia, na qual o Tribunal informou as partes que mantinha o anterior saneamento dos autos, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com sessões em 24.10.2023, de manhã e de tarde, e 16.11.2023, esta com apenas alegações. Em 11.03.2024 o Juízo Central Cível de Lisboa proferiu sentença que decidiu: «julgar improcedente o pedido formulado contra os RR C … e D … e, consequentemente, absolvê-los do pedido. (…) no que diz respeito ao pedido formulado contra E …, homologar a confissão que o mesmo fez deste pedido e, consequentemente, declarar a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda referente a 1/3 do prédio urbano sito na sito na Rua … n.º … e …, com vão de porta para a Rua … n.º … e n.º …, …-… Prior Velho, com o valor patrimonial atual de €1.951.103,83 (um milhão, novecentos e cinquenta e um mil, cento e três euros e oitenta e três cêntimos), inscrito na matriz urbana da União das Freguesias de … e … sob o artigo … e declarar válido o contrato de doação, dissimulado, com o mesmo objecto». Inconformada com tal decisão, dela recorreu a A., juntando dois documentos e apresentando as seguintes conclusões: «1. O presente recurso visa a decisão do tribunal a quo que decidiu julgar improcedente o pedido formulado contra os RR. C … e D … e, consequentemente, dele absolvê-los. 2. O tribunal a quo motivou exclusivamente as suas conclusões quanto aos pontos da matéria de facto provada na factualidade aceite pelos RR. ou demonstrada por documentos, dando por não provada toda a restante. (cf. p. 22 da sentença recorrida). 3. Tendo desconsiderado a prova testemunhal produzida pela ora Recorrente porque, em seu entender, a mesma não seria, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 394.º do Código Civil, terceira face ao acordo simulatório, não se encontrando, como tal, fora do âmbito de aplicação dos nºs 1 e 2 dessa disposição legal e porque, sendo então simuladora e não terceira, a prova testemunhal em apreço “não visou conjugar ou complementar a prova documental já apresentada e esta não pode ser encarada como constituindo um princípio de prova do acordo simulatório” (p. 21 da sentença recorrida). 4. A ora Recorrente não foi parte do simulado contrato de compra e venda celebrado com os Réus C … e D …, titulado por escritura pública outorgada em 31.01.1985, pelo que seria necessariamente terceira face a tal negócio (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.10.2020 supra citado). 5. É que o afastamento da exceção contida no artigo 394.º/3 do Código Civil postula a intervenção no negócio simulado, posto que a razão de ser dessa exceção às limitações de prova previstas nos nºs 1 e 2 do preceito radica no facto de os terceiros, ao contrário das partes outorgantes, não poderem munir-se de prova escrita das convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento que substancia o negócio simulado, quer a conheçam ou não, sendo irrelevante, para efeitos de recurso à prova testemunhal, entre boa fé e má fé, atenta a ratio da indicada exceção. 6. Mas, ainda que assim não se venha a entender, julgando-se então estar em causa a arguição de simulação entre simuladores, o Tribunal a quo deveria, ainda assim, ter admitido a prova testemunhal sobre a simulação por existirem in casu princípios de prova escritos do negócio simulado aqui em apreço. 7. Com efeito, nos autos avultava que: a. Na escritura pública de compra e venda outorgada em 31.01.1985 entre o Dr. O …, Pai, na pretensa qualidade de vendedor, e os Réus C … e D …, o preço declarado para a simulada aquisição dos 2/3 indivisos do Armazém era inferior ao respetivo valor matricial à data da outorga: o armazém tinha, à data, um valor matricial por terço indiviso alegadamente vendido de Esc. 7.700.000$00 e o preço declarado da simulada venda de cada terço foi de Esc. 5.390.000$00 (cf. o teor da certidão da escritura em causa junta à PI como doc. 3); b. O simulador alienante, Dr. O …, declarou ter recebido o preço dos Réus C … e D … sem nada se dizer a respeito do modo, forma ou data do alegado pagamento (cf. doc. 3 junto à PI); c. O registo de aquisição do Armazém a favor dos Réus só foi promovido a 21.05.2003, ou seja, mais de 18 anos após a outorga das escrituras públicas em apreço (cf. Ap. 17 da certidão do registo predial junta à PI como doc. 2 e a certidão da escritura que constitui o doc. 3 da PI que data desse mesmo registo); d. O Pai dos Réus, Dr. O …, manteve a posse do Armazém até à data da sua morte (04.10.2019 – cf. doc. 1 junto à PI), ou seja, mais de 34 anos após a outorga das escrituras públicas em apreço e mais 16 anos após o registo de aquisição anteriormente referido: i. Recebendo as rendas dos inquilinos do Armazém na sua conta bancária e fazendo-as suas (cf. os recibos e extratos de conta que constituem o doc. 5 junto à PI e a confissão constante dos artigos 72.º e 74.º da Contestação dos Réus C … e D …); ii. Pagando os impostos e taxas devidos sobre o imóvel, designadamente o IMI e taxas municipais, e as despesas com as obras de conservação e manutenção do mesmo (cf. docs. 3, 5, 7 e 8 a do requerimento probatório da Autora, ora Recorrente, de 02.10.2023 com a ref. 46677497 e o artigo 72.º da Contestação dos referidos Réus); iii. Compensando os Réus, seus filhos, do acréscimo de coleta de IRS que os mesmos suportavam pelo facto de, não obstante delas não auferirem, declararem como rendimentos seus, nas respetivas declarações fiscais, as rendas recebidas dos inquilinos do Armazém (cf. 6 junto à PI, e os docs. 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 9 do referido requerimento probatório da Recorrente de 02.10.2023). 8. Destarte, no dealbar da audiência de julgamento, a ora Recorrente já havia demonstrado, ao menos indiciariamente, através de documentos da autoria dos próprios simuladores, factos e circunstâncias que tornavam verosímil a alegação de simulação e que têm correspondência direta com os indícios da natureza simulatória do negócio devidamente consolidados na jurisprudência nacional a que, no âmbito da prova por presunção judicial, o julgador recorre para apuramento da intenção das partes ao outorgarem o negócio simulado. 9. O tribunal recorrido, porém, diante de uma realidade em que o Pai alegadamente vende aos filhos um Armazém, declara ter recebido anteriormente o preço, preço esse claramente inferior ao valor matricial do bem, que, durante 34 anos e até falecer, manteve o direito de uso, de fruição, de disposição e de perceção dos frutos do imóvel em questão, nunca entregando aos seus filhos, simulados adquirentes e proprietários, qualquer rendimento por ele produzido, pagando os impostos respetivos decorrentes da propriedade do imóvel e pagando aos filhos o acréscimo de coleta de IRS que estes suportavam por declarar fiscalmente as rendas recebidas dos inquilinos, entende que os documentos juntos pela Autora que demonstravam, pelo menos indiciariamente, a natureza simulatória do negócio apenas e só demonstravam uma gestão pelo pai do imóvel dos filhos no interesse e por conta destes! 10. Quando, como é sabido, não só a compra e venda, por se tratar de um negócio real quod effectum, acarreta a obrigação de entrega da coisa (artigo 879.º/b) do Código Civil), abrangendo esta a obrigação de entregar também as partes integrantes, os frutos pendentes e os documentos a ela relativos (artigo 882.º/2 do Código Civil), o que não foi feito. 11. Como também a própria gestão de negócios implica uma intervenção não autorizada do gestor ex vi artigo 464.º do Código Civil (e o tribunal a quo deu como provado que o Dr. O … recebeu as rendas pagas pelos inquilinos do Armazém até falecer, “com o conhecimento e aceitação dos Réus”), impõe ao gestor o dever de prestar contas e informações relativas à gestão ao dono do negócio ex vi artigo 465.º/c) e d) do Código Civil (o que não sucedia in casu dado que a única informação prestada aos filhos era o montante das rendimentos e despesas do Armazém para efeitos de preenchimento das respetivas declarações fiscais, sem, por exemplo, qualquer indicação sobre montante das rendas pagas por cada inquilino e do tipo de despesas em causa) e o dever de entrega ou de transferência para a esfera do dono do negócio de todos os rendimentos obtidos de terceiros por força do exercício da gestão ou o saldo das respetivas contas ex vi artigo 465.º/e) do Código Civil ,o que também nunca aconteceu durante os referidos 34 anos. 12. Os eventos do foro interno, da vida psíquica, emocional e sensorial dos indivíduos (v.g. a determinação da vontade real do declarante, uma certa intenção, o conhecimento de dadas circunstâncias) constituem factos cujo conhecimento pode ser atingido diretamente pelos sentidos ou através das regras de experiência (cf., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22.04.2009, proc. 08S1901, e de 07.05.2009, proc. 08S3441, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02.02.2017, proc. 6420/14, todos em www.dgsi.pt), pelo que, para o apuramento dessas intenções, o julgador não pode deixar de se valer das mais comuns presunções judiciais em matéria de simulação (artigos 349.º e 351.º do Código Civil) condensadas pela uniforme prática jurisprudencial (neste sentido, cf. o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02.02.2017) e a que deve atender na fundamentação da sentença conforme dispõe o artigo 607.º/4 do CPC. 13. Na prova da simulação, é, pois, comum o uso de presunções que, como se alcança do disposto no artigo 349.º do Código Civil, são ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos), ou seja, juízos de indução ou inferência extraídos dos factos de base ou instrumentais para os factos essenciais presumidos. 14. E A jurisprudência nacional recorre a indícios que, refletindo e condensando os factos de base que demonstram a natureza simulatória dos negócios, se encontram pacificamente consolidados nas decisões dos nossos tribunais superiores e são elemento essencial na formulação das inferências que, no seio da prova por presunção, o julgador extrai dos factos de base demonstrados para dar como provados os factos presumidos. 15. Toda a matéria de facto adquirida nos autos impunha que se desse como provado o ponto vi. da matéria de facto considerada não provada. 16. Essa prova resulta, desde logo, dos factos já relevados e documentalmente comprovados de que (i) o Dr. O … sempre fez suas as rendas pagas pelos inquilinos do Armazém (cf. os recibos e extratos de conta que constituem o doc. 5 junto à PI e a confissão constante dos artigos 72.º e 74.º da Contestação dos Réus C … e D …; cf. igualmente, a alínea m) dos factos provados) e que (ii) o registo de aquisição do Armazém a favor dos Réus só foi promovido a 21.05.2003, ou seja, mais de 18 anos após a outorga das escrituras públicas em apreço (cf. Ap. 17 da certidão do registo predial junta à PI como doc. 2 ), o que se afigura de enorme relevância porquanto durante esse período de mais de 18 anos e face a terceiros, designadamente inquilinos e potenciais inquilinos do imóvel, a referida aquisição só produziria efeitos depois da data do respetivo registo conforme preceitua o artigo 5.º/1 do Código do Registo Predial. 17. Mas também resultou provado do depoimento das testemunhas G …, funcionário da inquilina Novabase, extratado no ponto b.2.1. das alegações, H …, funcionário da inquilina Iveco, extratado no ponto b.2.2. das alegações, I …, empreiteiro de construção civil, extratado no ponto b.2.3. das alegações, e P … contabilista certificado que tratava da escrita fiscal do Dr. O …, extratado em b.2.4. das alegações, depoimentos esses cujas transcrições das respetivas gravações supra efetuadas aqui se dão por integralmente reproduzidas. 18. E do depoimento de parte do Réu E … - que na parte em que não apresenta valor confessório é livremente apreciável por esse Venerando Tribunal - extratado em b.2.5 das alegações, e cuja transcrição da respetiva gravação supra efetuada aqui se dá por integralmente reproduzida. 19. Acresce que, na sequência de um despacho do tribunal recorrido proferido na sessão da audiência de julgamento de 24.10.2023 que notificou os mandatários das partes “para vir aos autos proceder à identificação de todas as ações relativas às partes, de modo a que este Tribunal possa pedir o acompanhamento das mesmas e aceder via eletrónica, por considerar que, tendo em conta o que foi afirmado pelas testemunhas, poderá ter interesse para a decisão da causa” (cf. ata da referida sessão com a Ref. 429719419) e do cumprimento de tal injunção por parte do mandatário da ora Recorrente (cf. requerimento de 25.10.2023 com a Ref. 46928604), o tribunal recorrido tomou conhecimento das peças processuais apresentadas pelas partes na ação de processo comum que corre termos no Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 8 sob o n.º de processo 9906/19.2T8LSB, em que é autor o aqui Réu C … e réus a aqui Recorrente os Réus D … e E … e o Dr. B …, em cuja petição inicial do Réu C … expressamente se afirma que: 39.º Quando se reformou, em 1992, o Réu marido passou a receber duas reformas, a reforma de capitão de mar-e-guerra e a reforma da Fidelidade. 40.º Sendo certo que, até à atualidade, o Réu continua a contar com os rendimentos prediais advenientes, principalmente, dos dois armazéns próximos do aeroporto de Lisboa, os quais ascendem anualmente à quantia de cerca de € 320.000,00 (cf. Petição inicial da referida ação que ora se junta como documento n.º 1). 20. Confissão judicial escrita essa que, sendo efetuada por uma das partes da presente ação perante outras partes da mesma, tem força probatória plena (artigo 358.º/1 do Código Civil) e que deveria, como tal, ser necessariamente ponderada na decisão recorrida, o que não sucedeu. 21. Ou seja, o que releva para a prova do ponto vi. da matéria de facto dada como não provada, e resulta da conjugação dos depoimentos testemunhais e de parte extratados em b.2.1. a b.2.5. das alegações com os docs. 5 e 6 juntos à PI, os docs. 1 a 9 juntos ao requerimento probatório da ora Recorrente de 02.10.2023 e com a confissão descrita em 19 e 20 antecedentes, é que, não obstante a outorga das simuladas escrituras públicas de compra e venda em 31.01.1985 e até à sua morte em 04.10.2019, foi sempre B … quem recebia e fazia suas as rendas pagas pelos inquilinos do Armazém, facto conhecido e aceite pelos Réus, interagia exclusivamente (isto é, sem intervenção ou com conhecimento dos Réus) com estes inquilinos, negociando os contratos de arrendamento, autorizando obras a cargo dos inquilinos, ordenando, coordenando e pagando as obras de conservação a cargo do senhorio e os consumos de água e luz cujos contratos de fornecimento estavam em seu nome e não prestando aos Réus qualquer outra informação sobre as receitas e despesas do Armazém (desconhecidas, na sua inteireza e natureza, pelos Réus, como resulta do depoimento e parte do Réu E … e do doc. 3 junto ao requerimento probatório da Autora de 02.10.2023) que não fosse a estritamente necessária para o preenchimento das declarações de IRS de todos os seus filhos, ora Réus. 22. Fica, assim, manifestado no caso vertente o chamado indício retentio possessionis, um dos mais emblemáticos na prova da simulação, que se traduz no facto de o simulador adquirente não exercitar sobre o bem qualquer conduta possessória, “sucumbindo por parte deste qualquer atividade reconduzível ao jus utendi, fruendi, disponendi e vindicandi”. (cf. PIRES DE SOUSA, Prova por Presunção no Direito Civil cit., p. 295). 23. De que são exemplos, segundo o citado Autor, o facto de o vendedor continuar na posse do imóvel, ou seja, o contrato não ser executado, continuar a receber as rendas, fazer obras no imóvel ou suportar os custos das mesmas, o adquirente não ter sequer mudado o titular dos contratos de água ou eletricidade, acrescentando-se que “os simuladores tentarão infirmar o indício retentio possessionis designadamente com recurso a documentos registais, recibos de impostos e doutro tipo de encargos gerados pela coisa adquirida, Todavia, o que mais releva do ponto de vista semiótico não é a titularidade formal aposta em tal documento (…) mais do que atender a elementos documentais figurativos, haverá que averiguar se o pretenso adquirente exerce uma intervenção pessoal de domínio de facto sobre a coisa” (op.cit., loc.cit.). 24. Os factos de base acima demonstrados enquadram-se ainda nos indícios de simulação inércia e nescientia (cf. PIRES DE SOUSA, op.cit., pp. 297-298), que se traduzem, respetivamente, no facto de os simuladores cúmplices, ora Réus C … e D …, se remeterem a um papel absolutamente passivo em relação ao uso e fruição do imóvel por parte do pai de ambos, alheando-se totalmente dos destinos do Armazém e não contactando com o imóvel pretensamente adquirido, desconhecendo as obras realizadas pelo Pai e pelos inquilinos e ignorando até os rendimentos percebidos de cada inquilino e a natureza das despesas realizadas (cf., designadamente, o doc. 3 junto ao requerimento probatório da Autora e o desconhecimento que as testemunhas G …, H … e I … manifestaram nos respetivos depoimentos sobre os Réus). 25. Por todo o exposto nas conclusões 15 a 24 antecedentes, não restam dúvidas que a factualidade dada como não provada constante do ponto vi. foi incorretamente julgada pelo tribunal recorrido e deve, ao invés, ser dado como provado que os Réus C … e D … nunca se comportaram e agiram como proprietários plenos do Armazém, tendo sempre agido como se o pai de ambos fosse titular de um direito de usufruto sobre o referido imóvel. 26. A decisão do tribunal recorrido de não dar como provado o ponto vii. da matéria de facto considerada não provada é, desde logo, incoerente, constituindo erro de julgamento que aqui expressamente se deixa invocado, porquanto essa factualidade dada como não provada colide irrefragavelmente como o facto dado como provado (cf. alínea m) dos factos provados) de que o Dr. O …, desde a data da outorga das escrituras e até ao seu falecimento, a liquidar os impostos devidos pela propriedade do Armazém. 27. A prova de que os Réus C … e D … nunca suportaram os impostos devidos pela sua titularidade formal do Armazém resulta do doc. 6 junto à PI, dos docs. 1 a 9 juntos ao requerimento probatório da Recorrente de 02.10.2023, e do confronto de todos esses documentos com o depoimento da testemunha P … parcialmente extratado em b.2.4. das alegações, dando-se aqui por reproduzidos os excertos desse depoimento constantes do referido ponto b.2.4. das alegações, nomeadamente os constantes da respetiva gravação com referência aos minutos 10:13 a 12:07 e 12:30 a 15:47. 28. Devendo igualmente esse Venerando Tribunal, para este efeito, ponderar as passagens da gravação do depoimento dessa testemunha transcritas no ponto b.3.2 das alegações que aqui se dão por reproduzidas. 29. Em função do exposto nas conclusões 26 a 28 antecedentes não restam dúvidas que a factualidade dada como não provada constante do ponto vii. foi incorretamente julgada pelo tribunal recorrido e que deve, ao invés, ser dado como provado que os Réus C … e D … os Réus C …. e D … nunca suportaram os impostos devidos pela sua titularidade formal do Armazém. 30. E, caso se venha a entender que o referido ponto vii. da matéria de facto não provada diz respeito à liquidação do imposto (sisa) pela simulada compra e venda outorgada em 31.01.1985, sempre se dirá que o referido ponto de facto foi também incorretamente julgado por não ser crível que, sendo a vontade real do Dr. O …, simulador alienante, doar e não vender os 2/3 indivisos do Armazém aos filhos C … e D …, não seria verosímil ou crível que o primeiro impusesse aos filhos o pagamento do imposto devido pela alegada transmissão onerosa da propriedade do Armazém (conforme, por exemplo, afirmou a testemunha J … no seu depoimento extratado em b.4.4. das alegações). 31. O tribunal recorrido também errou ao não dar como provados os pontos iii., iv., v. e o ponto viii. da factualidade que considerou não provada. 32. A declaração de B … constante da escritura por ele outorgada com os filhos D … e C … de que já havia recebido o preço não pode ser invocada perante a Autora, ora Recorrente, não só porque dela não foi destinatária como também não a coproduziu. 33. Nos termos do artigo 352.º do Código Civil, a confissão é “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”. 34. Ora, o Dr. O … não é parte nesta ação e a Autora, ora Recorrente, nunca reconheceu aos Réus C … e D … que o alegado preço da venda do Armazém já havia sido pago; bem ao invés, pelo contrário, alegou a existência de simulação. 35. Pelo que, não estando dotada de força probatória plena e sendo como tal livremente apreciável pelo Tribunal (cf. neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.5.2023, proc. 2678/19), tal confissão terá de ser sopesada tendo em conta os indícios de presença de simulação condensados pela prática jurisprudencial e que alicerçam as presunções judiciais a que comummente se recorre na prova da simulação. 36. Ainda que de forma deliberadamente vaga ou genérica e não explicando quando e por que meio o efetuaram, os Réus C … e D … pronunciaram-se sobre o tema do alegado pagamento do preço, tendo alegado expressamente nos artigos 77.º a 80.º da respetiva Contestação que o preço declarado na escritura em apreço foi pago por cada um deles e que tinham meios próprios suficientes para o fazer não obstante as respetivas idades, condição profissional (início da carreira médica no caso do Réu D …) ou de estudante (no caso do Réu C …). 37. Factos (positivos) esses que, sendo impeditivos ou extintivos do direito invocado pela ora Recorrente (artigo 342.º/2 do Código Civil), não foram acompanhados de qualquer demonstração ou tentativa de demonstração atenta até a ausência de qualquer prova documental e testemunhal produzida pelos referidos Réus. 38. Sendo certo que, nos casos em que o simulador alienante declara perante notário que já recebeu o preço antes da outorga da escritura de compra e venda, como sucede no caso vertente, incumbe aos simuladores – in casu os Réus - provar o efetivo pagamento e não ao autor o facto negativo do não pagamento pelo(s) simulador(es) adquirente(s) (cf., neste sentido, PIRES DE SOUSA, op.cit., p. 294 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02.02.2017, proc. 6420/14). 39. E à mesma conclusão seremos conduzidos caso se viesse a considerar que o ónus da prova (diabólica) do não pagamento do preço declarado na escritura competia à ora Recorrente, o que por mera cautela de patrocínio se pondera. 40. Com efeito, na sessão da audiência de julgamento de 24.10.2023 o mandatário da ora Recorrente apresentou requerimento, devidamente fundamentado, no sentido de serem os Réus C … e D … e/ou os Bancos BPI, Banco Comercial Português e Caixa Geral de Depósitos (em função do alegado nos artigos 81.º a 83.º da Contestação daqueles Réus) notificados para, no caso do Réus, apresentar nos autos “comprovativos de pagamento dos alegados preços de aquisição dos terços indivisos do armazém identificado nos autos (5.390.000$00)” e, no caso dos Bancos indicados e com referência às contas do Dr. O … aí identificadas, “documento comprovativo de eventual depósito da quantia de 10.780.000$00 ou de eventuais dois depósitos no montante unitário de 5.390.000$00 cada um, no período que medeia entre 1 de novembro de 1984 e 31 de janeiro de 1985” (cf. a ata da referida sessão da audiência de julgamento de 24.10.2023). 41. O tribunal recorrido indeferiu o requerido nos termos e com os fundamentos constantes do despacho transcrito na ata da sessão da audiência de julgamento de 24.10.2023 para que ora se remete. 42. Porém, a Recorrente, invocando entre o mais a verificação no caso vertente de indícios da natureza simulatória do negócio, tinha no referido requerimento suscitado expressamente a questão de que a diligência probatória em causa, era, sendo deferida e ordenada a junção dos documentos requeridos, o único meio de prova direta do não pagamento do preço declarado na escritura por parte dos Réus C … e D … com relevo para a boa decisão da causa que lhe era impossível obter por si própria. Fê-los nos seguintes termos: “Ora, a Autora, porque é terceira em relação ao negócio celebrado entre o Dr. B … e os seus filhos D … e C …, não pode munir-se de documento escrito que confirme ou infirme a realização de tais pagamentos, quer se considere que conhecia a simulação em causa ou não. Acresce que o facto destes Réus invocarem na respetiva Contestação que os pagamentos foram feitos sem explicitarem o modo a forma e as demais circunstâncias de tempo e lugar em que os mesmos se terão realizado, das testemunhas por si arroladas nada terem aportado, de concreto, aos autos que permita esse apuramento, o facto de o Dr. B … ter falecido antes da propositura da presente ação, e de, pela natureza das coisas, qualquer fluxo patrimonial deixar o seu rasto, impõem, com vista ao cabal esclarecimento da verdade material que constitui pressuposto e fim da atividade inquisitória, que seja ordenada diligência probatória que permita apurar se os pagamentos em causa foram realizados pelos Réus D … e C … e quando, como e onde o terão sido posto que, nesta fase do processo e ao contrário do que seria razoável e expectável, nada foi apurado a esse respeito”. 43. Existindo os meios de prova direta por si requeridos (os Bancos, podendo destruir os originais dos documentos justificativos das operações de liquidação que efetuam no final do prazo de guarda de dez anos, são obrigados a conservar as cópias em microfilme ou disco ótico que têm a mesma força probatória dos originais, conforme DL 110/89, de 13 de abril, e o ainda vigente DL 279/2000, de 10 de novembro) e sendo impossível à Autora obtê-los por si, podia e devia ter sido determinada a inversão do ónus da prova (artigo 344.º/2 do Código Civil), a qual, de resto, nem sequer dependia de invocação por parte da Autora, ora Recorrente (cf., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.05.2022, proc. 3023/16). 44. E, conquanto se compreenda que os Réus C … e D … não quisessem abrir mão do direito à reserva da sua própria intimidade, não obstante terem os próprios alegado expressamente terem procedido ao pagamento do preço e a suficiência de meios para o fazer, já não se pode aceitar que tenham manifestado a sua oposição ao requerido no que concerne à notificação dos Bancos (por si nomeados, de resto) para apresentar os comprovativos do ingresso na conta do Pai junto de qualquer um desses bancos do montante que alegaram ter pago a título de preço. 45. O que constitui violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade (cf. artigos 7.º/4 e 8.º do CPC), pelo que, consubstanciando tal oposição uma recusa de cooperação em matéria probatória, esse Venerando Tribunal não poderá deixar de a apreciar livremente para efeitos probatórios, conforme previsto no artigo 417.º/2 do CPC, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do citado n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil. 46. Ainda quanto aos pontos iii., iv., v. e ao ponto viii. da factualidade dada como não provada, o tribunal recorrido deveria igualmente ter considerado a prova produzida em audiência de julgamento a este respeito, designadamente o depoimento de parte do Réu E …, extratado em b.4.3 das alegações que aqui se dá por reproduzido, e o depoimento da testemunha J …, extratado em b.4.4 das alegações que também se dá por reproduzido. 47. Toda a prova produzida pela Recorrente, compatibilizada com a restante matéria de facto adquirida e com a factualidade dada como provada, designadamente, as alíneas i) e m) dos factos considerados provados, evidencia a verificação no caso vertente dos indícios da natureza simulatória do negócio que alicerçam a presunção judicial que o tribunal recorrido deveria ter firmado de que, por detrás da simulada compra e venda, estava um negócio dissimulado de doação. 48. Desde logo, quanto ao indício subfortuna - que se traduz na incapacidade financeira ou desproporcionalidade entre os meios económicos do adquirente e os encargos que o mesmo assume nos termos declarados no negócio simulado - releva-se não existir qualquer prova nos autos da alegação dos Réus D … e C … constante dos artigos 77.º a 79º da Contestação de que tinham meios para pagar o preço declarado na escritura: diz-se, aí apenas, sem que exista qualquer suporte probatório, que o Réu D …, à data com 27 anos, exercia medicina no Centro Hospitalar de Grenoble e que auferia o suficiente (não se alega nem se demonstra quanto…) para pagar o montante de 5.390 contos correspondente a 1/3 indiviso do armazém e que o Réu C … era estudante do 5º de ano de medicina mas também tinha auferido o suficiente para pagar o alegado preço de 5.390 contos. 49. Cumpre referir também a este respeito que, não obstante o preço declarado ser inferior ao valor matricial do imóvel à data (rectius, de cada um dos terços do mesmo alegadamente adquiridos), o montante a pagar não era despiciendo para quem estava no início da sua carreira médica ou era estudante de medicina: Esc. 5.390.000$00 (cinco milhões trezentos e noventa mil escudos) em 1985 equivalem hoje a €117.500 (cento e dezassete mil e quinhentos euros), utilizando-se o deflator anual do Índice de Preços no Consumidor, transformando valores a preços correntes/nominais em valores a preços constantes/reais e descontando a inflação verificada em cada ano do período em análise[1]. 50. Extrai-se também da factualidade demonstrada nos autos a presença do indício pretium vilis que se consubstancia na estipulação de um preço inferior aos valores de mercado: “Este indício admite múltiplas infirmações, a começar pela prática corrente das partes declararem um preço inferior ao real por razões meramente fiscais. Pode tratar-se de um negócio genuíno, tendo as partes atuado apenas como propósito de aliviarem os encargos perante o Estado. Todavia, esta infirmação pode ser contrainfirmada se ocorrerem os indícios subfortuna e pretium confessus” (PIRES DE SOUSA, op. cit., p. 293). 51. Com efeito, o preço declarado nas escrituras públicas para a simulada aquisição pelos Réus dos terços indivisos do imóvel é inferior ao seu valor matricial à data das respetivas outorgas: o Armazém tinha, à data, um valor matricial por terço indiviso pretensamente vendido de Esc. 7.700.000$00 (sete milhões e setecentos mil escudos) e o preço declarado da simulada alienação de cada terço foi de Esc. 5.390.000$00 (cinco milhões trezentos e noventa mil escudos), ou seja, cerca de 30% inferior ao valor matricial de cada um dos terços consignado nas escrituras públicas em apreço. 52. Este indício deve, aliás, ser combinado com o indício disparitesis, abaixo referido, por existir evidente descorrespondência entre o preço que os Réus alegadamente pagaram pelos terços indivisos do Armazém e o seu valor de mercado (naturalmente superior ao valor matricial) e, bem assim, pelo facto de, pese embora tenham alegadamente investido um montante significativo para os meios que presumivelmente possuíam à data da outorga das escrituras em apreço, os Réus não colheram qualquer benefício patrimonial dessa alegada aquisição durante 34 anos atento o domínio de facto do ai sobre o imóvel e a apropriação económica que esta fazia dos frutos produzidos pelo mesmo. 53. Avulta ainda da factualidade demonstrada nos autos a verificação do indício pretium confessus em que as partes num negócio simulado de compra e venda declaram perante o notário que já receberam o preço – ou seja, dão por realizado o pagamento – mas não dizem como, quando e/ou onde, inexistindo qualquer explicação sobre as circunstâncias pretéritas integrativas do pagamento do preço (cf. Pires de Sousa, op.cit, pp. 293-294). 54. No caso vertente, o simulador alienante, Dr. O …, declarou ter recebido o preço dos Réus C … e D … sem nada se dizer na Contestação e sem ter sido apurado em julgamento as e respeito das eventuais circunstâncias em que o mesmo foi feito, designadamente quanto ao modo, forma ou data do alegado pagamento, o que, de resto, nem sequer poderia ser era passível de acontecer hoje em dia por força do disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 47.º do Código do Notariado. 55. Também o indício sigillum - adoção de conduta(s) que visa(m) ocultar ou disfarçar a existência de negócio simulado – se manifesta no caso vertente atento o facto do registo da aquisição do imóvel a favor dos Réus na conservatória do registo predial só ter sido promovido a 21 de maio de 2003, ou seja, mais de 18 anos após a outorga das escrituras públicas em apreço. 56. Relevando-se, a este respeito, que, sem prejuízo da propriedade do Armazém poder sempre ser invocada entre as partes ainda que não registada, durante 34 anos nenhum dos Réus invocou perante o Pai a propriedade do Armazém para reclamar a respetiva quota-parte das rendas pagas pelos inquilinos, para além do que, face ao disposto no artigo 5.º/1 do Código do Registo Predial (cuja redação se mantém intocada desde a sua entrada em vigor em 1984), durante mais de 18 anos era o Dr. O … quem formalmente se poderia apresentar perante terceiros como proprietário do Armazém, não obstante o ter alegadamente vendido aos filhos em 1985. 57. A factualidade demonstrada nos autos ressumbra ainda a presença do indício disparitesis em que existe uma descorrespondência ou falta de equivalência entre as prestações e as contraprestações adotadas num concreto contrato sem circunstância alguma que o justifique (cf. Pires de Sousa, “Prova da simulação”, Revista Julgar, número especial, 2013, p. 86). 58. No caso vertente, o Armazém em questão era reconhecidamente um dos bens mais valiosos do património avultado do Dr. O …: assim o reconheceu o Réu E … no seu depoimento de parte (cf. b.4.3. das alegações) e os Réus C … e D … no artigo 68.º da Contestação e nos artigos 39.º e 40.º da PI cuja cópia ora se junta como documento n.º 1. 59. Ora, se assim era e se o Dr. O … era pessoa que tinha como premissas que “o esforço de dedicação acabam por compensar e os melhores frutos são os que vêm do trabalho”, que ensinou os filhos “a lutar por aquilo que desejavam almejar e proibindo-os de viver à sombra da riqueza do Pai” (cf. artigos 65.º e 66.º da Contestação dos Réus C … e D …), seria totalmente inverosímil, à luz das regras de experiência comum, que se tivesse predisposto a alienar tal bem por preço inferior ao seu valor de mercado – rectius, inferior até ao seu valor matricial – não reservando formalmente para si o usufruto. 60. Também o indício necessitas que, na sua vertente negativa, se traduz na inexistência de um motivo atendível para o negócio (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.01.2018, proc. 1094/14), se revela-se também no caso vertente: Pires de Sousa (Prova por Presunção no Direito Civil cit., p. 290) assinala que “se o simulador é demandado enquanto tal e não veicula para o processo qualquer explicação justificativa do negócio, o silêncio pode ser valorado como indício endoprocessual em seu desfavor porquanto não se outorgam negócios sem qualquer razão justificativa. Se o simulador apresenta uma justificação inverosímil ou que não logra subsequentemente demonstrar, haverá que concluir que falta à verdade e o que presidiu à sua atuação entronca numa causa simulandi (…) O indício necessitas constitui mesmo o mais eficiente dispositivo infirmativo da causa simulandi”. 61. Os Réus C … e D … expressamente invocaram como motivo para o negócio o facto da alegada e indemonstrada proposta que o Pai lhes fez de compra do Armazém constituir um “bom investimento”, que “os salvaguardava patrimonialmente” e lhes permitia “adquirir mais responsabilidades” (cf. artigo 70.º da respetiva Contestação). Porém, o que a matéria de facto adquirida demonstra é que o facto dos Réus voluntariamente terem renunciado durante 34 anos a perceber os rendimentos produzidos pelo imóvel constitui, de acordo com a lógica de um ator que toma decisões financeiras com base na razão (homo aeconomicus), um investimento de nulo benefício e escassa salvaguarda patrimonial e que o facto dos mesmos se terem alheado da gestão do imóvel e mantido apartados dos inquilinos não lhes permitiu adquirir mais responsabilidades, pelo que a referida justificação avançada para a realização de um negócio de compra e venda se revela totalmente inverosímil e, como tal, inatendível para escorar a alegada veracidade ou sinceridade do negócio. 62. No que respeita ao indício subyacencia (cf. Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil cit., p. 298) está em causa o facto de o Dr. O … e os Réus terem conferido ao negócio simulado um figurino ilógico que desmascara os elementos do negócio dissimulado de doação. 63. Com efeito, sendo os filhos os seus únicos herdeiros legitimários à data da outorga das escrituras (cf. artigos 57.º e 58.º da Contestação dos Réus C … e D …), a alegada venda do Armazém por parte do Dr. O … – dono de um património avultado constituído essencialmente por bens imóveis conforme se lê na alínea g) dos factos provados – por quotas (terços) que coincidiam exatamente com os quinhões hereditários dos filhos evidencia também a simulação relativa invocada pela ora Recorrente. 64. Quanto à causa simulandi foi clarividente o depoimento prestado pela testemunha J … extratado em b.4.4 das alegações supra, designadamente as passagens da gravação constantes dos minutos 6.40 a 10:39, que aqui se dão por reproduzidas. 65. A ora Recorrente invocou que a causa simulandi foi de natureza fiscal: seria mais benéfico para todos os intervenientes, Pai e Filhos, que fosse outorgada uma escritura de compra e venda e não de doação, o negócio dissimulado e querido pelas partes, porquanto, em 31.01.1985, data da outorga das escrituras, a taxa do imposto sobre sucessões e doações era claramente mais elevada que a sisa aplicável à transmissão onerosa, compra e venda. E, de facto, assim era. 66. O preço declarado da venda aparente de cada terço indiviso do Armazém foi de Esc. 5.390.000$00 (cinco milhões trezentos e noventa mil escudo), ou seja, cerca de 30% inferior ao valor patrimonial de cada um desses terços que, era, conforme consta das escrituras públicas em causa, de Esc. 7.700.000$00 (sete milhões e setecentos mil escudos) – cf docs. 3 e 4 da PI (“(…) correspondendo sete milhões e setecentos mil escudos ao valor matricial da fração vendida”). 67. No caso vertente, tal como o notário fez constar expressamente das referidas escrituras, foram pagos Esc. 770.000$00 (setecentos e setenta mil escudos) a título de sisa – para o que aqui importa relevar, cf. doc. 3 da PI: “Arquivo os conhecimentos de sisa números 38 e 39, da importância de setecentos e setenta mil escudos cada, liquidados na Repartição de Finanças de Sacavém, em 18 de janeiro de 1985” -, montante esse correspondente à aplicação da taxa de 10% (dez por cento) prevista no artigo 33.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSSISD) na redação vigente à data da outorga das escrituras. 68. Sendo, por isso, manifesto erro de análise do tribunal a quo a afirmação constante da decisão recorrida de que a ora Recorrente, não demonstrou o montante de impostos pago à Administração Fiscal (cf. p. 25 da decisão recorrida). 69. Se, pelo contrário, as partes tivessem formalizado um contrato de doação, que era o negócio real ou dissimulado, as taxas de imposto a liquidar seriam consideravelmente mais elevadas, conforme resultava claro do disposto no artigo 40.º do CIMSISSD na redação vigente à data das transmissões (cf. cópia do DL 115/84, de 5 de abril, que ora se junta como documento n.º 2). 70. Considerado o valor matricial de cada terço vendido do imóvel – Esc. 7.700.000$00 -, por aplicação da tabela constante do artigo 40.º do referido Código, o valor do imposto sobre as sucessões e doações a pagar se tivesse sido celebrado o negócio dissimulado seria de: i. No caso do Réu E …, à data descendente menor do doador, Esc. 1.771.000$00 (um milhão setecentos e setenta e um mil escudos), correspondente à aplicação da taxa de 23% (vinte e três por cento) ao valor matricial do terço indiviso transmitido (7.700 x 23%); ii. No caso dos Réus C … e D …, à data descendentes maiores do doador, Esc. 2.002.000$00 (dois milhões e dois mil escudos) cada, correspondente à aplicação da taxa de 26% (vinte e seis por cento) ao valor matricial do terço indiviso transmitido (7.700 x 26%). 71. Por conseguinte, tendo-se formalizado o negócio aparente de compra e venda foi pago um valor global, a título de sisa, de Esc. 2.310.000$00 (dois milhões trezentos e dez mil escudos), correspondentes a Esc. 770.000$00 por cada terço indiviso do Armazém, quando, se tivessem sido outorgadas escrituras públicas de doação teria sido pago, a título de imposto sobre sucessões e doações, o valor global de €5.775.000$00 (cinco milhões setecentos e setenta e cinco mil escudos), correspondentes à soma do imposto a pagar por cada um dos Réus por aplicação das taxas previstas no citado artigo 40.º do CIMSISSD. 72. Por todo o exposto nas conclusões 31 a 71 antecedentes não restam dúvidas que a factualidade dada como não provada pelo tribunal recorrido constante dos pontos iii., iv. v. e viii. em questão foi incorretamente julgada pelo tribunal recorrido, devendo, consequentemente, os factos correspondentes ser dados como provados. 73. Considerando o depoimento das testemunhas (i) G …, extratado em b.2.1 das alegações (designadamente as passagens da gravação acima transcritas constantes dos minutos 6:02 a 7:26, 7:55 a 10:33 e 11:04 a 13:08), (ii) H …, extratado em b.2.2. das alegações (designadamente as passagens da gravação acima transcritas constantes dos minutos 3:56 a 6:13 e 6:57 a 7:42), (iii) I …, extratado em b.2.3. (designadamente as passagens da gravação acima transcritas constantes dos 2:50 a 6:32) e (iv) J …, extratado em b.4.4. (designadamente as passagens da gravação acima transcritas constantes dos minutos 6:40 a 10:39), o ponto ix. da matéria de facto considerada não provada foi incorretamente julgado pelo tribunal recorrido, devendo dar-se como provado que B … sempre se apresentou, desde a data da outorga das escrituras em questão, como proprietário do imóvel, nunca fazendo referência à sua alegada transmissão onerosa aos filhos, ora Réus. 74. Conforme explicitado em a) das alegações, sumariadas nas conclusões 2 a 8 antecedentes, ao assentar exclusivamente a sua convicção sobre a factualidade dada como provada nos factos aceites pelos Réus e demonstrados por documentos, desconsiderando toda a prova testemunhal produzida pela Recorrente, por entender que a mesma não era terceira face ao acordo simulatório e que a prova documental por si apresentada não constituía princípio ou começo de prova da natureza simulatória do negócio em causa nos autos, o tribunal a quo violou na decisão recorrida o disposto no artigo 394.º do Código Civil. 75. É pacificamente aceite que o standard de prova nas ações de simulação (como de resto acontece nas ações paulianas) deve ser adaptado objetivamente tendo em consideração o facto de estarem em causa eventos do foro interno dos simuladores - o apuramento da intenção ou vontade real- que não são passíveis, na maioria dos casos, de prova direta, mas sim de prova indireta a realizar nomeadamente com recurso a presunções judiciais (artigo 351.º do Código Civil) e a prova testemunhal que tenha função complementadora dos indícios de simulação já revelados e uma função interpretativa com o propósito de esclarecimento do conteúdo de documentos escritos. 76. Pelo que deveria o tribunal recorrido ter compatibilizado toda a matéria de facto adquirida por via da prova documental e testemunhal produzidas, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por regras de experiência, o que claramente não fez no caso em apreço, resultando, destarte, violado na decisão recorrida o disposto no artigo 607.º/4 do CPC. 77. Sendo que, neste caso, sempre poderá e deverá esse Venerando Tribunal utilizar as presunções judiciais alicerçadas nos indícios de simulação acima enunciados para alterar a decisão de facto no sentido apontado, que o tribunal recorrido se demitiu de utilizar, ao abrigo do disposto no artigo 663.º/2 do CPC, como constitui jurisprudência e doutrina uniformes desde 2013(cf. neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29.09.2016, proc. 286/10, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.01.2018, proc. 1084714, ambos em www.dgsi.pt e, na doutrina, Pires de Sousa, Prova Por Presunção cit., pp. 201-203 e J.P. Remédio Marques, “Os poderes da Relação em matéria de presunções judiciais e o controlo do STJ sobre o exercício desses poderes” em Boletim da Faculdade de Direito, Vol. 92, 2016, p. 795). 78. Também ao desconsiderar os depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas arroladas pela ora Recorrente, afastando a existência de simulação por adesão imotivada à descabida tese da gestão de negócios brandida pelos Réus C … e D … e referindo que nenhuma das testemunhas teve intervenção ou presenciou qualquer ato (como se não fosse da natureza da própria simulação a deliberada ocultação pelos simuladores dos seus atos!), a decisão recorrida violou expressamente o disposto no artigo 607.º/5 do CPC e aplicou incorretamente os poderes conferidos pelo artigo 396.º do Código Civil. 79. Face ao exposto nas conclusões 36 a 38 antecedentes, que resumem o exposto em b.4.1. das alegações, a decisão recorrida viola também o artigo 342.º/2 do Código Civil, dado que os factos (positivos) alegados pelos Réus C … e D … nos artigos 77.º a 80º da respetiva Contestação – suficiência de meios e efetivo pagamento por cada um dos referidos Réus -, sendo impeditivos ou extintivos do direito invocado pela ora Recorrente, não foram acompanhados de qualquer demonstração. 80. Avulta ainda, neste conspecto, que o tribunal recorrido, para além de ter errado na afirmação de que a ora Recorrente não demonstrou qual o montante de impostos pagos à Administração Fiscal, conforme se esclareceu, julgou que também lhe incumbia provar o montante a pagar caso se tivesse celebrado uma doação com reserva de usufruto. 81. Ora, esse valor seria o que resultava da aplicação da lei tributária vigente à data da outorga das escrituras - artigo 40.º do CIMSISSD na redação do DL 115/84 - concluindo-se, conforme explicitado, que o montante a pagar a título de imposto sobre as sucessões e doações seria de Esc.5.775.000$00, ou seja, claramente superior aos Esc. 2.310.000$00 pagos a título de sisa. 82. Tratava-se, pois, de facto notório não carecido de prova, pelo que, ao decidir como decidiu nesse segmento da decisão recorrida, o tribunal a quo violou também o disposto no artigo 412.º do CPC. 83. A ora Recorrente alegou a intenção de enganar (a vontade ou o propósito que animou o negócio cuja declaração de nulidade aqui se peticiona) e alegou e demonstrou factos que são a manifestação exterior dessa mesma intenção, sendo que essa intenção de enganar o Administração Fiscal é inferível desses mesmos factos exteriores, resultando imediatamente compreensível qual foi o engano que afetou o Fisco. 84. Ora, concertadamente criada aparência não conforme com a realidade, tanto basta para que tenha de julgar-se revelado ou manifestado o intuito ou propósito de enganar terceiros previsto no n.º 1 do artigo 240.º do Código Civil. 85. Ou seja, o artigo 240.º/1 do Código Civil basta-se com o mero intuito de enganar: as partes pretendem, criando uma aparência jurídica ludibriar todos os terceiros externos ao conluio, levando-os a acreditar que a vontade manifestada é realmente querida e isso é suficiente para se verificar o requisito legal do intuito de enganar terceiros (cf., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2023, proc. 03B2536, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.09.2019, proc. 52/18). 86. Pelo que o tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, exigindo à Recorrente que tivesse demonstrado o prejuízo efetivo causado à Autoridade Tributária, o tribunal recorrido violou o artigo 240.º/1 do Código Civil. 87. No caso em apreço, sob a aparência de uma compra e venda, quis-se, na realidade, fazer e aceitar uma doação; e reconhecido encontrar-se o Estado prejudicado pelo pagamento de imposto inferior ao que seria devido pelo negócio correspondente à vontade real das partes, o que resulta da lei aplicável à data dos factos, tanto basta para se dar como evidenciado nos autos o intuito de enganar essa mesma Administração Fiscal. 88. Ora, uma vez que está em causa uma simulação relativa – sob o manto do negócio simulado de compra e venda alberga-se um outro negócio, dissimulado ou encoberto, de doação – tem este negócio dissimulado de doação de haver-se por inteiramente válido porquanto, tendo sido outorgadas escrituras públicas nos negócios simulados de compra e venda, foi observada a forma legalmente exigida para o negócio de doação (cf. artigos 241.º, 875.º e 947.º/1 do Código Civil). Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, devendo o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa proceder à alteração da decisão sobre a matéria de facto, nos termos supra referidos, e proferir decisão final que julgue a ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência, declarar nulo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 241.º do Código Civil, o contrato de compra e venda celebrado em 31.01.1985 entre B … e os Réus C … e D … perante o Notário F …, tendo por objeto o prédio urbano (armazém) identificado nos autos, e declarar válido o contrato de doação, dissimulado, com o mesmo objeto, com as devidas e legais consequências, só assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!». Os RR. C … e D … contra-alegaram, pedindo o desentranhamento dos documentos juntos pela Recorrente e sustentando a manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir. II. OBJETO DO RECURSO. Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação. Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela A./Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a dilucidar, nos presentes autos está em causa apreciar e decidir: · Dos documentos juntos pela Recorrente; · Da admissibilidade no caso da prova testemunhal; · Da impugnação da matéria de facto; · Da simulação relativa. Assim. III. DOS DOCUMENTOS JUNTOS PELA RECORRENTE. 1. Conforme artigo 423.º, n.º 1, do CPCivil, «[o]s documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação (…) devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes». Nos termos do artigo 425.º do CPCivil, «[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento». Segundo o disposto no artigo 651.º, n.º 1, do CPCivil «[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância». Ou seja, após o encerramento da discussão da causa em 1.ª instância, com a prolação de alegações orais, conforme artigo 604.º, n.º 3, alínea e), do CPCivil, a admissibilidade da junção de documento depende da sua pertinência à decisão da causa e da impossibilidade da sua junção em momento anterior, por o documento em causa ser objetiva ou subjetivamente superveniente relativamente ao encerramento da causa, sendo que em sede de recurso é ainda admissível a junção de documento quando tal se mostre necessário em virtude da decisão recorrida. Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, edição de 2020, páginas 522 e 813, depois do encerramento da discussão da causa «apenas se podem congeminar a junção excecional de documentos nos termos previstos no art. 651.º, n.º 1, em sede de recurso de apelação: para além dos documentos que sejam objetiva e subjetivamente superveniente (tendo em conta o encerramento da discussão na audiência final), são admissíveis aqueles cuja necessidade se revelar em função da sentença proferida, o que pode justificar-se pela imprevisibilidade do resultado (…)». «No recurso de apelação, é legítimo às partes fazer acompanhar as alegações de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva) ou quando tal apresentação apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido. A jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitas a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado». «(…) No que tange à parte final do n.º 1 [do artigo 651.º do CPCivil], tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio de prova não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam (STJ 26-9-12, 174/08, RP 8-3-18, 4208/16 e RL 8-2-18, 176/14)». No mesmo sentido, Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3, edição de 2022, página 141, referem que «[a] apresentação de documento em fase de recurso pode tornar-se necessária em virtude da decisão proferida na 1.ª instância, nomeadamente se esta se basear em factos de que o tribunal conheça oficiosamente, nos termos do art. 5-2 (não, evidentemente os factos que hajam sido sujeitos a prova: ABRANTES GERALDES, Recursos cit., p. 286), em meio probatório produzido ao abrigo do princípio do inquisitório (art. 411), ou em solução jurídica com que razoavelmente as partes não contavam, com violação do art. 3-3, e assim se constituindo uma decisão-surpresa. (…)». No mesmo sentido refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.03.2023, processo n.º 729/19.0T8CHV.G1.S1, «[n]o que concerne às apelações, e da conjugação do disposto nos artºs. 651º, nº. 1, e 425º do CPC (…), resulta a possibilidade de as partes poderem juntar documentos com as alegações de recurso só ou mediante a ocorrência de alguma das seguintes situações: a) Se a sua apresentação não tiver sido possível até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento; ou b) Se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento proferido na 1ª. Instância». «No que concerne à 1ª. situação (de exceção), essa impossibilidade tanto pode reportar-se a uma superveniência objetiva – a qual ocorre quando o documento só foi elaborado/produzido depois daquela data -, como a uma superveniência subjetiva – a qual ocorre quando o documento em causa e/ou a situação factual que documenta, embora já antes existentes, todavia, só chegaram (sem que tal lhe possa ser imputável, num quadro normal de diligência) ao conhecimento do apresentante do documento, ou seja, da parte de que dele se pretende valer, depois da referida data». «(…) [A] referida 2ª. situação de exceção ocorre quando o julgamento da 1ª. instância (…) tenha introduzido na ação um elemento que enferma de total novidade (em relação aquilo que era expectável) e que, por isso, justifica, tornando-a necessária, a consideração de prova adicional (sobre determinado facto)». 2. Com o seu recurso a A. juntou dois documentos, a saber: (i) Cópia de alegada petição inicial apresentada em 10.05.2019 pelo ora R. C … contra a aqui A. e o falecido B …, a qual motivou a ação comum de declaração n.º …/…; (ii) Cópia do Decreto-Lei n.º 115/85, de 05 de abril, que introduziu alterações no então vigente Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações. A Recorrente refere-se a tais documentos na motivação de recurso e nas conclusões 19, 58 e 69 deste, sem justificar, contudo, a sua apresentação apenas em fase de recurso dos presentes autos e, designadamente, sem invocar o conhecimento posterior ao encerramento da causa daquele primeiro documento, sendo que quanto ao outro dos documentos tal revelar-se-ia de todo em todo inadequado, pois trata-se de um documento de 05.04.1984, mais de três décadas antes da propositura da presente ação e do encerramento da discussão da causa em 1.ª instância, sendo certo que a ignorância da lei a ninguém aproveita, artigo 6.º do CCivil, e de todo o modo o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito, artigo 5.º, n.º 3, do CPCivil. Por outro lado, a junção de tais documentos também não decorre de solução jurídica tomada pelo Tribunal recorrido que a A. não podia razoavelmente contar, não constituindo, assim, uma decisão-surpresa. Nestes termos, conforme disposto nos referidos artigos 425.º e 651.º, n.º 1, do CPCivil, por contrariar o disposto em tais disposições, urge concluir a junção de tais documentos como processualmente inadmissível, termos em que os mesmos devem ser retirados dos autos físicos e eletrónicos, não devendo nos mesmos, em todo o caso, ser considerados em termos probatórios. Atento o disposto nos artigos 443.º, n.º 1, do CPCivil e 27.º, n.ºs 1 e 4, do Regulamento das Custas Processuais, pela apresentação intempestiva dos referidos documentos respetivo incidente, importa condenar a A. em multa, a qual deve ser fixada em duas UC’s. IV. DA ADMISSIBILIDADE NO CASO DA PROVA TESTEMUNHAL. (Conclusões 3 a 11 e 74 das alegações de recurso). Invocando o disposto no artigo 394.º do CCivil, o Tribunal recorrido entendeu estar vedado no caso a admissibilidade de prova por testemunhas, na medida em que a A. não foi alheia ao conluio simulatório, não devendo, por isso, ser A. considerada como terceiro nos termos daquele regime legal, sendo que os documentos juntos pela A. não constituem um começo ou princípio de prova da simulação: «(…) [R]esulta da lei que, o acordo simulatório e o negócio dissimulado que constem de documento autêntico, como é o caso, não podem ser provados por testemunhas quando sejam os próprios simuladores a invocá-lo», sendo «certo que a doutrina e a jurisprudência têm entendido que a proibição prevista no artigo 394.º do Código Civil não é absoluta, cedendo diante de um documento que constitua um começo ou princípio de prova da simulação, caso em que é admissível prova testemunhal para auxiliar na interpretação desse documento. (…) [A] A, não tendo sido (em nome próprio) um dos simuladores, teve como representante do filho numa das escrituras e, considerando que a própria alega que teve conhecimento do acordo simulatório, mesmo que seja alheia ao negócio, não pode ser considerada alheia ao conluio. (…) [A] Autora na defesa dos seus interesses legítimos como herdeira legitimária do autor da sucessão poderia ser considerada terceiro para efeitos de ser excluída das limitações de prova que se aplicam aos simuladores e aos seus sucessores, mas (…), por não ser alheia (e a própria o invocar) ao conluio, conluio esse que, como alega, teve por objectivo repartir o imóvel em partes iguais pelos 3 filhos, não obstante se proceder a duas escrituras, e participando esta como representante do seu [filho] numa da[s] escrituras, não faz qualquer sentido considerá-la um terceiro para esses efeitos, pois as razões que são apontadas para a exclusão da limitação não existem no caso em apreço. (…) [O]s documentos que a A junta não podem (…) ser considerados “um princípio de prova”. (…). (…) [N]o que diz respeito ao acordo simulatório não podemos considerar a prova testemunhal que foi produzida, porque a mesma não visou conjugar ou complementar a prova documental já apresentada e esta não pode ser encarada como constituindo um princípio de prova do acordo simulatório, tal como atrás foi definido». (Negrito na autoria dos aqui subscritores). Por sua vez, a A., ora Recorrente, entende que deve ser considerada como terceiro e, mesmo que assim não se entenda, sempre haveria que admitir «a prova testemunhal sobre a simulação por existirem in casu princípios de prova escritos do negócio simulado aqui em apreço». Vejamos. 1. Segundo o disposto no artigo 394.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CCivil, na parte que aqui releva, «[é] inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico (…)», sendo que tal «proibição (…) aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores», mas a mesma proibição «não é aplicável a terceiros». Ou seja, no que ora importa, relativamente a negócios jurídicos exarados em documento autêntico, a prova de simulação relativa, do acordo fictício e do negócio real, não pode ser feita através de testemunhas quando a simulação seja alegada pelos simuladores, mas tal meio de prova já pode ser utilizado quando a simulação seja invocada por terceiros. Aquele diverso regime probatório para simuladores e terceiros justifica-se em razão de não ser possível ou ser muito difícil aos terceiros, diversamente do que sucede com os simuladores, munirem-se de documento escrito comprovativo do acordo simulatório. No mesmo sentido refere Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil II, edição de 2010, página 319, «[c]ompreende-se a diferença de tratamento. Os terceiros não têm ao seu alcance, como acontece com os simuladores, a possibilidade de se munirem de documentos comprovativos da simulação. Para além disso, quando eles existam – e mesmo que eles sejam do seu conhecimento -, podem não conseguir a demonstração da sua existência ou ter acesso a eles». Na matéria refere Pedro Pais Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, edição de 2017, página 613, «[o] verdadeiro sentido útil do nº 3 do artigo 394º do Código Civil consiste em excepcionar o regime geral do nº 1 e permitir o recurso a testemunhas para a prova da simulação quando não for arguida pelos simuladores, isto é, por quando for invocada por terceiros (…). Este regime justifica-se pela muita dificuldade que os terceiros enfrentariam se lhes fosse vedado o recurso à prova testemunhal, atenta a dificuldade em obterem documentos probatórios, dada a sua qualidade de terceiros». Nestes termos, terceiros para efeitos do apontado regime jurídico são aqueles que sejam alheios ao conluio e não tão-só os que não celebraram o negócio simulado: tal como estes, também os que participaram no conluio podem munir-se de documento comprovativo do acordo simulatório. Como refere Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, edição de 2017, página 887, «(…) ”terceiro”, no âmbito da simulação, será qualquer pessoa alheia ao conluio ou acordo simulatório (…)». No mesmo sentido, na esteira dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.02.2008, processo n.º 08B180, e de 12.09.2013, processo n.º 2154/08.9TBMGR.C1.S1, o acórdão do mesmo Tribunal de 22.04.2021, processo n.º 1512/13.1T2AVR.P1.S1, refere que «“terceiro”, no tocante ao negócio simulado e para efeitos do art. 394º, nº 3, do C.C., é aquele que não interveio no acordo simulatório, nem represente por sucessão quem nele participou (…)». Igualmente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2023, processo n.º 176/14.0T8OAZ-A.P1.S1, transcrevendo excerto do acórdão aí recorrido, refere que para efeitos do artigo 394.º, n.º 3, do CCivil, considera-se «terceiro (…) todo aquele que não interveio no acordo simulatório, nem representa por sucessão quem nele participou». Por outro lado, mesmo relativamente aos simuladores entendidos naqueles termos, como participantes na simulação, a prova testemunhal é suscetível de relevar enquanto meio complementar de prova documental que funcione como princípio de prova. Como refere Pedro Pais Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, edição de 2017, página 613, «[o]s tribunais têm admitido o recurso a testemunhas para prova da simulação quando, por documentos, haja já um princípio de prova da simulação que não seja, contudo, ainda suficiente para constituir, por si só, prova da simulação (…). Trata-se, como entende Carvalho Fernandes[2], do recurso a testemunhas como prova complementar, à qual é reservado um papel secundário de “determinar o alcance dos documentos que à simulação se refiram ou consolidar o começo de prova que neles seja lícito fundar”. Esta é uma interpretação restritiva dos artigos 351º e 394º, nº 2 do Código Civil que, segundo o Autor, “não pode, porém, pôr em causa a ratio desses preceitos, nem chegar ao ponto de sobrepor à certeza da prova documental, a fragilidade e falibilidade da prova testemunhal por presunções judiciais”». «Esta orientação merece aplauso, desde que a prova testemunhal seja apenas complementar da que for produzida por documentos, e não lhe seja reconhecida a capacidade de contrariar a prova documental, ou outra prova com valor superior (…)». A propósito, Rita Gouveia, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, em anotação ao artigo 394.º, edição da UCE, 2014, página 892, refere «[a]dmitir a prova testemunhal como meio de prova por si só suficiente para demonstrar a simulação (…) seria fazer tábua rasa da letra do preceituado neste artigo 394.º e da ratio legis subjacente a esse preceito, ignorando os riscos inerentes a este meio de prova». «Admiti-la como meio de prova complementar de outro meio admissível (que constitua um princípio de prova) permite, no entanto, salvaguardar a razão de ser subjacente à inadmissibilidade da prova testemunhal e não colide com a letra do preceito que, assim, vedaria o uso da prova testemunhal como único meio de prova. Neste sentido, se tem pronunciado a nossa jurisprudência e tem deposto a Doutrina. Quando se exige um princípio de prova exige-se que esse outro meio de prova torne plausível ou verosímil o facto que se pretende provar». Na matéria, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2023, processo n.º 2375/21.9T8STR.E1.S1, aquele Tribunal «tem considerado, constantemente, que a prova testemunhal só pode ser “complementar (coadjuvante) de um documento indiciário de “fumus boni júris”[3], ou seja, que de um documento que, só por si, torne verosímil a simulação[4]». Em suma, como consta do sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.09.2024, processo n.º 9507/19.5T8LSB.L1.S1, «[q]uando houver princípio de prova por escrito, que torne verosímil o facto a provar, contrário à declaração constante de documento autêntico, é admissível prova testemunhal para complementar a demonstração, de modo a fazer a prova do facto contrário ao constante dessa mesma declaração». 2. No caso em apreço. A A. não se configura como terceiro nos termos expostos, pois participou no alegado conluio ou acordo simulatório, conforme decorre do por si alegado na petição inicial e da factualidade apurada e que não coloca em causa. Com efeito, a A. alegou na sua petição inicial: «5.º A Autora e o Autor da Sucessão, B …, foram casados durante mais de trinta anos sob o regime imperativo da separação de bens, tendo vivido maritalmente cerca de quarenta anos. 13.º Sucede que, com o avançar da idade, o Autor da Sucessão optou por, em vida, ir dividindo o seu património pelos seus filhos, de forma equilibrada e igualitária, através de doações, reservando, contudo, sempre para si o usufruto vitalício sobre os bens doados. 14.º Pelo que, quando em janeiro de 1985 B … comunicou à Autora que tinha decidido doar o armazém supra mencionado aos seus três filhos, esta não só não estranhou, como até incentivou a realização do negócio. 15.º Acontece que, apesar de pretender doar o referido armazém aos seus filhos, B … apercebeu-se que seria mais vantajoso, designadamente do ponto de vista fiscal, outorgar uma escritura de compra e venda, ao invés de uma escritura de doação. 16.º Assim, em vez de doar aos Segundo, Terceiro e Quarto Réus o bem imóvel devidamente identificado supra, o Autor da Sucessão optou antes por vender – conforme escrituras de compra e venda datadas de 31 de janeiro de 1985, outorgadas no 16.º Cartório Notarial, da Notária L …, que se juntam, respetivamente, como documento n.º 3 e documento n.º 4 e se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais –, vendas essas que ocorreram sem qualquer reserva de usufruto para si. 17.º Ora, como é por demais evidente, os montantes avultados declarados na escritura nunca foram pagos pelos Segundo, Terceiro e Quarto Réus a B … – nem o Autor da Sucessão queria, esperava ou aceitava que os valores declarados fossem efetivamente pagos pelos seus filhos. 18.º Importa ter presente que B … e a Autora sempre tiveram uma única conta conjunta, pelo que esta ter-se-ia apercebido se, em dado momento, tivesse ocorrido a entrada de montantes significativos de dinheiro, sobretudo se esse dinheiro proviesse do seu filho e enteados – o que não aconteceu. 19.º Por outro lado, sendo que o Quarto Réu, seu filho, era menor à data da escritura – vide documento n.º 3 –, a Autora teria necessariamente de ter dado autorização para a retirada dos declarados mil trezentos e noventa contos da conta deste (cfr. documento n.º 3), o que também não aconteceu. (…) 29.º sendo certo que a própria Autora – que esteve presente na escritura, na qualidade de legal representante do seu filho menor, ora Quarto Réu (cfr. documento n.º 3) – também nunca encarou este negócio como uma verdadeira e própria compra e venda, precisamente por saber que em momento algum se verificaram as transferências de dinheiro declaradas nas escrituras. (…) 33.º Por outro lado, conforme referido supra, a Autora ter-se-ia apercebido – por o casal ser titular somente de uma conta, a qual era conjunta – se os Segundo e Terceiro Réus tivessem pago ao pai a quantia de cinco milhões trezentos e noventa mil escudos – o que, reitere-se, nunca aconteceu. (…)». (Negrito da autoria dos aqui subscritores). Nestes termos, considerando o teor da petição inicial e os documentos com a mesma juntos, designadamente: (i) O documento n.º 1, o qual comprova o óbito do falecido B … em 04.10.2019; (ii) Os documentos n.ºs 3 e 4, relativos às referidas escrituras de compra e venda, as quais foram outorgadas no mesmo dia, em 31.01.1985, e no mesmo Cartório Notarial; (iii) O alegado facto de então, à data daquelas escrituras, em 31.01.1985, a A. e o falecido B … já viverem maritalmente há alguns anos; (iv) Durante toda a vivência marital/conjugal da A. e do falecido B …, desde antes de 1985 até ao decesso deste, em 04.10.2019, os mesmos tinham alegadamente uma única conta bancária conjunta; (v) A A. refere que incentivou o falecido B … a doar o armazém em causa aos filhos (vi) e participou, em representação do R. E …, na escritura em que o mesmo figura como comprador; Conclui-se que a A. participou no alegado conluio e, por isso, não pode ser considerada como terceiro, devendo antes ser tida como simuladora nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 394.º do CCivil, pelo que são lhe aplicáveis as indicadas limitações quanto à utilização da prova testemunhal aplicáveis aos simuladores. No alegado e indicado contexto, tal configura-se, aliás, como um imperativo de Justiça, pois, assim como sucederia com o falecido B …, em razão da comunhão de vida afetiva e patrimonial por cerca de 40 anos, basicamente entre 1979/1980 e 2019, a A. está em condições de munir-se de prova escrita do acordo simulatório ou, pelo menos, de um princípio de prova escrita do mesmo. 3. Ora, desse ponto de vista a A. juntou aos autos os seguintes documentos: (i) Como documento número 1 da petição inicial, 1) uma certidão de óbito do falecido B …, 2) uma certidão da habilitação de herdeiros daquele e 3) uma certidão do testamento do mesmo, de 24.07.2019; (ii) Como documento número 2 da petição inicial, relativamente ao imóvel em causa, 1) a caderneta predial urbana, emitida em 03.12.2019, da qual consta como respetivos titulares os RR., e 2) uma certidão do registo predial da qual resulta que a aquisição de tal imóvel foi inscrita a favor dos RR. em 21.05.2003; (iii) Como documento número 3 da petição inicial, uma certidão da escritura de compra e venda, outorgada em 31.01.1985, quanto àquele prédio, na qual figura como vendedor o falecido B … e como compradores os RR. C … e D …, estando este representado no ato por aquele R.; (iv) Como documento número 4 da petição inicial, uma certidão da escritura de compra e venda, outorgada em 31.01.1985, quanto àquele prédio, na qual figura como vendedor o falecido B … e como comprador o R. E …, estando este representado no ato pela A., aqui Recorrente; (v) Como documento número 5 da petição inicial, constam quanto ao referido imóvel, 1) duas notas de débito emitidas pelo R. C …, dirigidas à IVECO, uma emitida em 01.07.2019 e outra emitida em 01.08.2019, cada uma no valor de €800,00, 2) três recibos de renda eletrónica para efeitos fiscais, emitidos pelo R. E …, nos quais os RR. são indicados como «Locador/Sublocador (Senhorio)/Cedente», a NOVABASE e a IVECO são referidas como «Locatário/Sublocatário (Inquilino)/Cessionário», cifrando-se a «Importância Recebida» de «Renda» mensal em €3.750,00 e €4.213,50, respetivamente, quanto aos períodos de 01.07 a 31.07.2019, 01.08 a 31.08.2019 e 01.09 a 30.09.2019, constando no espaço reservado à «Assinatura do Locador/Sublocador (Senhorio) /Cedente» o nome manuscrito de « B … (…)», e 3) três extratos bancários do BPI, endereçados a «B …», emitidos em 25.07.2019, 23.08.2019 e 25.09.2019, do qual constam transferências mensais da NOVABASE e IVECO, nos montantes de €3.750,00 e €5.013,50, respetivamente; (vi) Como documento número 6 da petição inicial, 1) nove cheques de conta bancária do falecido B … no BPI e 2) uma nota de liquidação de IMI emitida relativamente ao R. D …, quanto ao ano de 2013, 1.ª prestação paga em 2014; (vii) Como documento número 1 do requerimento de 02.10.2023, emails alegadamente trocados entre M … e N …, Lda., alguns com conhecimento do R. D …, em 25.10 e 26.10.2012, quanto a valores de tributação de IRS, ano de 2011; (viii) Como documento número 2 do requerimento de 02.10.2023, 1) emails alegadamente trocados entre M … e N …, Lda., alguns com conhecimento do R. D …, em 27.10, 15.11, 16.11 e 19.11.2012, quanto a valores de tributação de IRS, ano de 2011, assim como 2) respetivo Anexo F e 3) certidão de liquidação de IRS do R. D …, ano de 2011; (ix) Como documento número 3 do requerimento de 02.10.2023, emails alegadamente trocados entre o R. D … e N …, Lda., em 17.05 e 21.05.2013, quanto a despesas e rendimentos para efeitos de IRS, ano de 2012; (x) Como documento número 4 do requerimento de 02.10.2023, emails alegadamente trocados entre o R. D … e N …, Lda., em 30.07.2013, quanto a despesas e rendimentos para efeitos de IRS, ano de 2012; (xi) Como documento número 5 do requerimento de 02.10.2023, 1) emails alegadamente trocados entre o R. D … e N …, Lda., em 30.07.2013 e 2) liquidação de IMI quanto ao R. E …, ano de 2012; (xii) Como documento número 6 do requerimento de 02.10.2023, 1) emails alegadamente trocados entre M … e N …, Lda., alguns com conhecimento do R. D …, em 22.10.2013, e 2) Anexo F do IRS, ano de 2012; (xiii) Como documento número 7 do requerimento de 02.10.2023, 1) email alegadamente enviado pelo R. D … a N … Lda, em 04.12.2013, 2) notas de liquidação de IMI emitida relativamente ao R. D …, quanto ao ano de 2012, 2.ª e 3.ª prestações pagas em 2013, e 3) dois talões de multibanco; (xiv) Como documento número 8 do requerimento de 02.10.2023, 1) email alegadamente enviado pelo R. D … a N …, Lda. em 05.12.2013, 2) notas de liquidação de IMI emitida relativamente ao R. D …, quanto ao de 2012, 2.ª e 3.ª prestações pagas em 2013, e 3) dois talões de multibanco; (xv) Como documento número 9 do requerimento de 02.10.2023, 1) emails alegadamente trocados entre M … e N …, Lda., com conhecimento do R. D …, em 07.04 e 17.04.2014, e 2) expediente diverso da Autoridade Tributária. Analisados tais documentos, cada um em si mesmo e todos entre si, de forma integrada, no seu conjunto, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, concluiu-se que deles não decorre qualquer princípio de prova da alegada simulação: tais documentos não tornam plausível ou verosímil a alegada simulação. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, tal não decorre do facto de o preço da venda ser inferior ao valor matricial do imóvel objeto da compra e venda, nem da escritura não aludir à forma ou data do pagamento do preço, nem do registo da propriedade a favor dos RR. ter ocorrido mais de 18 anos depois da escritura de compra e venda. Tratam-se de factos compreensíveis e, por isso, enquadráveis no contexto familiar dos negócios e na relação de recíproca confiança entre as partes, pelo que tais elementos podem ser encarados como corroborantes da compra e venda que exprimem, afinal num sentido oposto ao pretendido pela Recorrente. A circunstância de terem sido celebradas duas escrituras de compra e venda, e não apenas uma, na mesma data e Cartório, bem como do pagamento do preço ser diverso nas mesmas, indicia também uma vontade do vendedor, o falecido B …, de diferenciar as situações em causa, o que também é dissonante com a posição da A., aqui Recorrente. Por outro lado, dos referidos documentos números 5 e 6 da petição inicial e dos indicados documentos juntos pela A. em 02.10.2023 não é possível extrair qualquer princípio da prova da alegada simulação. Desde logo, tratam-se de documentos muito delimitados no tempo, pois referem-se esparsamente a 2011, 2012, 2013, 2014 e 2019, sendo certo que os contratos de compra e venda em causa foram outorgados em 31.01.1985 e o decesso de B … ocorreu em 04.10.2019. Depois, salvo quanto aos documentos números 5 da petição inicial e 11 do requerimento de 02.10.2023, todos os restantes referem-se ao R. D …, sem que se perceba da leitura conjugada dos mesmos documentos o especial enfoque que a A pretendeu dar àquele R. e muito menos ainda sem que dos referidos documentos se possa minimamente considerar a alegada reserva de usufruto por parte do falecido: para tal seria necessário que o acervo documental fosse de outra dimensão e expressão, o que por certo, a ter ocorrido a alegada reserva de usufruto, não teria sido difícil a sua obtenção por parte da A., atenta a sua alegada comunhão de vida com o falecido B … durante cerca de quarenta anos, com uma única conta bancária conjunta. Finalmente, no apontado enquadramento documental, a partir dos referidos documentos, denotando-se aí a prática de atos de gestão por parte do falecido B … quanto ao referido imóvel, inexistem, contudo, outros elementos documentais que contextualizem tais atos, termos em que os documentos em causa não podem constituir princípio de prova da alegada simulação. Com refere a decisão decorrida, «[e]stes documentos só por si não demonstram qualquer simulação, quanto muito demonstra que António Uva manteve-se a gerir o património que (…) passou para os filhos, sendo que o facto de ter assinado os recibos, mesmo que o tenha feito, neles figurando os filhos como locadores e não o pai, apenas quer dizer que os assinava numa qualidade de gestão e não noutra». Concluindo, dos documentos juntos não decorre, pois, um princípio de prova da alegada simulação, pelo que, conforme disposto no referido artigo 394.º do CCivil, não podendo a A. ser considerada como um terceiro não é possível in casu lançar mão da prova testemunhal para provar a simulação. V. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO. (Conclusões 2 e 12 a 82 das alegações de recurso). 1. Segundo o disposto no artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPCivil, «1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes». Ou seja, sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna. Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, páginas 163 e 169, o legislador optou «por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente», sendo que as exigências decorrentes do apontado regime legal «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)». 2. No caso vertente. A Recorrente observou os indicados ónus de impugnação da matéria de facto: socorrendo-se da prova documental, pessoal e por presunção judicial, concluiu que os factos dados como não provados sob os pontos iii a ix deveriam ter sido dados como provados. Ora, na matéria reafirma-se aqui o constante do ponto IV. deste acórdão: no caso, a A. não deve ser considerada como terceira e dos documentos juntos não decorre um princípio de prova da alegada simulação, termos em que a prova testemunhal é inadmissível para provar aquela. Em consequência, encontra-se igualmente vedada a prova por presunção judicial, sendo, assim, impertinentes no caso os diversos indícios invocados pela A., aqui Recorrente. Com efeito, conforme artigo 351.º do CCivil, «[a]s presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal» Como refere Lebre de Freitas, Código Civil Anotado, edição Almedina, de 2024, em anotação àquele preceito legal, página 470, «[o]s artigos 393.º a 395. estabelecem limites à admissibilidade de prova testemunhal, que, por ser mais falível do que a prova documental, por confissão, pericial ou por inspeção, bem como do que a prova por presunção legal, é afastada nos casos e nos termos aí indicados. Este artigo estende as mesmas limitações à presunção judicial». Por outro lado, o depoimento de parte do R. E … revela-se no caso absolutamente inócuo, pois o por ele afirmado em audiência não tem efeitos imediatos e diretos quanto aos demais RR. e revela-se insuscetível de minimamente beliscar a apreciação anteriormente feita por este Tribunal da Relação da prova documental junta. Explicitando. 2.1. Relativamente ao ponto vi da matéria de facto. Como tal, o Tribunal recorrido deu aí como não provado que: «vi. Os Réus C … e D … nunca se comportaram como proprietários plenos do referido armazém, tendo sempre agido como se o pai fosse titular de um direito de usufruto sobre o imóvel». Dos documentos invocados pela Recorrente na matéria não decorre provado tal facto. Designadamente, dos documentos números 2, 3 e 5 da petição inicial e 1 a 9 juntos com o requerimento de 02.10.2023, por si e em conjunto, não é possível concluir no sentido de que o falecido B … era usufrutuário do imóvel em causa, conforme anteriormente referido quanto a tais documentos e que aqui se dá por reproduzido. Em suma, o recebimento de rendas e a liquidação de impostos relativos ao referido imóvel não conferem por si só a qualidade de usufrutuário do mesmo imóvel. 2.2. No que se refere ao ponto vii da matéria de facto. O Tribunal recorrido deu então como não provado que: «vii. Os Segundo, Terceiro e Quarto Réus nunca suportaram os impostos devidos sobre o imóvel, tendo a obrigação de os liquidar sido sempre assumida pelo Autor da Sucessão». A Recorrente considera que tal matéria é «incoerente» relativamente ao facto provado m) e invoca na matéria os documentos n.º 6 da petição inicial e 1 a 9 do requerimento de 02.10.2023 no sentido do facto em causa ser dado como provado. Ora, preliminarmente importa referir que inexiste incoerência, contradição propriamente dita, em termos de pura lógica formal, entre um facto provado e um facto não provado, pois deste não decorre a prova de qualquer factualidade, designadamente a prova do contrário. Por outro lado, a não prova de um facto não se confunde com a prova de um facto negativo. Como refere Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, edição 2019, página 409, «a conclusão negativa acerca de um determinado ponto temático probatório apenas significa não se ter provado esse ponto, não que se tenha provado o facto contrário, tudo se passando como se aquele facto não tivesse sido sequer alegado (articulado). Daí não poder, em tal hipótese, haver colisão, deficiência ou obscuridade entre decisões parcelares positivas e negativas». No mais, remete-se para o anteriormente referido quanto aos invocados documentos: em síntese, eles referem-se a situações pontuais no tempo, cujo contexto não se alcança a partir tão-só da prova documental, não podendo olvidar-se que entre as escrituras de compra e venda em causa e o óbito de B … decorreram quase 35 anos, termos em se afigura não poder a matéria factual em causa ser dada como provada. 2.3. Quanto aos pontos iii a v e viii da matéria de facto. O Tribunal recorrido considerou na matéria como não provado que: «iii. Acontece que, apesar de pretender doar o referido armazém aos seus filhos, B … apercebeu-se que seria mais vantajoso, designadamente do ponto de vista fiscal, outorgar uma escritura de compra e venda, ao invés de uma escritura de doação, porquanto, à data da outorga de ambas as escrituras públicas de compra e venda, a taxa do imposto sobre sucessões e doações devido in casu era mais elevada do que a sisa aplicável à transmissão onerosa. iv. Assim, em vez de doar aos Segundo, Terceiro e Quarto Réus o bem imóvel devidamente identificado supra, o Autor da Sucessão, com o intuito de enganar a administração tributária, optou antes por vender. v. O montante declarado na escritura relativa aos dois filhos mais velhos nunca foi pago[5], nem o seu pai esperava que fossem». «viii. O negócio que B … e os seus filhos, ora Réus, pretenderam efetivamente celebrar foi uma doação, sendo certo que apenas não outorgaram a escritura nesses termos por ser menos benéfico designadamente do ponto de vista fiscal, ludibriando desse modo através das simuladas compras vendas a administração tributária». Entendendo que tal matéria deve ser considerada como provada, a Recorrente tece um conjunto de considerações, olvidando que em Tribunal, em situações como a presente, os factos pertinentes controversos devem ser provados por quem os alega como causa de pedir do respetivo pedido, conforme artigo 342.º, n.º 1, do CCivil. Nestes termos, considerando que os documentos juntos aos autos, analisados nos termos expostos, e é tão-só a eles que importa atender quanto à factualidade ora em causa, conforme referido, torna-se manifesto que tal factualidade deve ser dada como não provada. Documento algum sequer indicia que o falecido B … se tenha apercebido das alegadas vantagens fiscais da compra e venda relativamente à doação e do seu intuito de enganar a Administração Fiscal. O mesmo se diga quanto à referida falta de pagamento do preço da venda, sendo que neste domínio os documentos números 3 e 4 indiciam até o contrário. Embora a A. tenha requerido na audiência final diversas diligências probatórias e as mesmas tenham sido indeferidas pelo Tribunal recorrida, decisão confirmada pela Relação na sequência de recurso interposto pela A. (Apenso A), daí não decorre, de todo, a inversão do ónus da prova como pretende a A., aqui Recorrente. 2.4. No tocante ao ponto ix da matéria de facto. O Tribunal recorrido deu aí como não provado que: «ix. Ao longo de toda a sua vida, B … sempre se referiu a este imóvel como o armazém que havia doado aos filhos, nunca fazendo referência à compra e venda». Nesta sede a Recorrente entende que tal facto deve ser considerado provado com base exclusivamente no depoimento de quatro testemunhas que indica. Ora, conforme referido, a prova testemunhal é inadmissível no caso, pelo que carece de fundamento a pretensão da Recorrente. Em suma, improcede o recurso da decisão de facto da Recorrente. * Em função do exposto, este Tribunal da Relação de Lisboa tem, pois, como provada a seguinte factualidade: a) A Autora A … e B … casaram a 26 de novembro de 1987, sob o regime imperativo da separação de bens, tendo vivido maritalmente cerca de quarenta anos até ao óbito daquele a 4 de outubro de 2019; b) Fruto dessa relação nasceu E …, Réu; c) Tanto a Autora, como B …, casaram um com o outro em segundas núpcias, pelo que o Autor da Sucessão teve, fruto do primeiro casamento, outros dois filhos, C … e D …, Réus; d) B … foi médico (encontrando-se, à data do óbito, já reformado), tendo-se licenciado nos Hospitais Civis de Lisboa, onde, aliás, frequentou e concluiu o Internato Complementar de Cirurgia dos Hospitais Civis; e) Durante os anos em que esteve profissionalmente ativo, B … exerceu medicina como médico da Armada Portuguesa, realizou uma comissão de serviço de dois anos em África, tendo ainda exercido a especialidade de cirurgia geral no Hospital da Marinha, onde, inclusivamente, chegou a ocupar o cargo de diretor; f) Simultaneamente, o Autor da Sucessão exerceu atividade como consultor na área da ortopedia e traumatologia do trabalho na Companhia de Seguros Soberana e, mais tarde, na Companhia de Seguros Fidelidade, onde, aliás, conheceu a Autora; g) B … granjeou um património avultado, constituído essencialmente por bens imóveis; h) Um dos bens integrantes desse património foi o prédio urbano (armazém) sito na Rua … n.º … e …, com vão de porta para a Rua … n.º… e n.º …, …-… Prior Velho, com o valor patrimonial atual de €1.951.103,83 (um milhão, novecentos e cinquenta e um mil, cento e três euros e oitenta e três cêntimos), inscrito na matriz urbana da União das Freguesias de … e … sob o artigo …, cuja caderneta predial e certidão permanente consta de fls.16 e 17v e se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais; i) Com o avançar da idade, o autor da sucessão optou por, em vida, ir dividindo o seu património pelos seus filhos, de forma equilibrada e igualitária; j) Por escrituras de compra e venda datadas de 31 de janeiro de 1985, outorgadas no 16.º Cartório Notarial, da Notária L …, que constam, respetivamente, de fls.19v e 22v e se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais: a) B … declarou vender, livre de encargos, a cada um dos seus filhos C … e D … um terço indiviso do prédio referido em f) pelo preço de 5.390.000$00, cada; Mais declarou ter recebido esse preço de cada um dos seus filhos e dar a respetiva quitação; Estes declararam aceitar estas vendas; b) B … declarou vender, livre de encargos, ao seu filho E … o restante terço do mesmo prédio pelo mesmo preço dos outros terços; Mais declarou ter recebido 1.390.000$00, dando quitação, e que o restante seria pago em quatro prestações de 1.000.000$00, cada, sem juros ou encargos; Este, menor e representado por sua mãe, A …, declarou comprar; k) O montante declarado na escritura referida em b) nunca foi pago pelo comprador ou sua mãe, em representação deste; l) O R E … nunca se comportou como se fosse proprietário pleno do armazém, tendo sempre agido como se o pai fosse usufrutuário do mesmo; m) B … continuou, desde a data da outorga das escrituras juntas até falecer, a receber as rendas, pagas pelos inquilinos do referido armazém o que sempre aconteceu com o conhecimento e aceitação dos Réus, bem como a liquidar os impostos respetivos. * Este Tribunal da Relação de Lisboa tem como não provado que: i. O … optou por dividir o seu património pelos seus filhos através de doações, reservando, contudo, sempre para si o usufruto vitalício sobre os bens doados; ii. Em janeiro de 1985 B … comunicou à Autora que tinha decidido doar o armazém supra mencionado aos seus três filhos, ao que esta não só não estranhou, como até incentivou a realização do negócio; iii. Acontece que, apesar de pretender doar o referido armazém aos seus filhos, B … apercebeu-se que seria mais vantajoso, designadamente do ponto de vista fiscal, outorgar uma escritura de compra e venda, ao invés de uma escritura de doação, porquanto, à data da outorga de ambas as escrituras públicas de compra e venda, a taxa do imposto sobre sucessões e doações devido in casu era mais elevada do que a sisa aplicável à transmissão onerosa;. iv. Assim, em vez de doar aos Segundo, Terceiro e Quarto Réus o bem imóvel devidamente identificado supra, o Autor da Sucessão, com o intuito de enganar a administração tributária, optou antes por vender; v. O montante declarado na escritura relativa aos dois filhos mais velhos nunca foi pago, nem o seu pai esperava que fossem; vi. Os Réus C … e D … nunca se comportaram como proprietários plenos do referido armazém, tendo sempre agido como se o pai fosse titular de um direito de usufruto sobre o imóvel; vii. Os Segundo, Terceiro e Quarto Réus nunca suportaram os impostos devidos sobre o imóvel, tendo a obrigação de os liquidar sido sempre assumida pelo Autor da Sucessão; viii. O negócio que B … e os seus filhos, ora Réus, pretenderam efetivamente celebrar foi uma doação, sendo certo que apenas não outorgaram a escritura nesses termos por ser menos benéfico designadamente do ponto de vista fiscal, ludibriando desse modo através das simuladas compras vendas a administração tributária; ix. Ao longo de toda a sua vida, B … sempre se referiu a este imóvel como o armazém que havia doado aos filhos, nunca fazendo referência à compra e venda. VI. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. (Conclusões 1 e 83 a 88 das alegações de recurso). Nesta sede, invocando o instituto da simulação relativa, a Recorrente pretende que se declare nulo o contrato de compra e venda outorgado entre o falecido B … e os RR. C … e D … e se declare válido o contrato de doação, dissimulado, relativo ao mesmo imóvel. Vejamos. 1. Segundo o disposto no artigo 240.º, n.º 1, do CCivil, «[s]e, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado». A simulação consubstancia uma divergência bilateral e intencional entre a vontade real e a declaração negocial, acordada entre as partes, no propósito de enganar terceiros. Como refere Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, edição de 2014, página 553, «são três os requisitos da simulação, elencados pelo n.º 1 do artigo: i) uma divergência bilateral entre a vontade real e a vontade declarada; ii) um acordo ou conluio entre o declarante e o declaratário (…); iii) a intenção de enganar terceiros (…)». Sob a epigrafe «simulação relativa», o artigo 241.º, n.º 1, do CCivil estabelece que «[q]uando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado». Na simulação relativa, sob a aparência do negócio declarado, o chamado negócio simulado, há um negócio oculto, denominado como negócio dissimulado. Neste contexto refere Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria do Direito Civil, edição de 2017, página 598 e 599, «[n]a simulação é de crucial importância o pacto simulatório. Trata-se de um acordo, de um pacto, que tem como conteúdo a estipulação entre as partes da criação de uma aparência negocial, da exteriorização de um negócio falso, e a regulação do relacionamento entre o negócio aparente assim exteriorizado e o negócio real. A esta aparência negocial assim criada pode corresponder um negócio verdadeiro que as partes mantêm oculto», sendo que quando tal sucede «fala-se de simulação relativa». 2. Ora, in casu, atenta a factualidade apurada, nenhum dos indicados requisitos da simulação foi demonstrado quanto ao referido contrato outorgado com s RR. C … e D …. Não se provou a ocorrência de qualquer pacto simulatório e muito menos a intenção de enganar terceiros, pelo que improcede o pedido da A. e, assim, o seu recurso, havendo, pois, que manter a decisão recorrida. * Quanto às custas do recurso. Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, «[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for». Ora, in casu improcede na totalidade o recurso, pelo que sendo a A./Recorrente parte vencida no recurso, as custas deste deverão por ela ser integralmente suportadas. VII. DECISÃO. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, pelo que mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. Pela apresentação intempestiva dos referidos documentos, condena-se a A. na multa de duas UC’s. As custas do recurso serão suportadas pela A./Recorrente. Lisboa, 24 de outubro de 2024 Paulo Fernandes da Silva Pedro Martins Inês Moura _______________________________________________________ [1] Cálculo efetuado com recurso ao simulador “Quanto vale hoje o dinheiro do passado?” constante do Portal PORDATA da Fundação Francisco Manuel dos Santos e disponível em https://www.pordata.pt/simulador-inflacao-quanto-vale-hoje-o-dinheiro-do-passado. [2] Carvalho Fernandes, A Prova da Simulação pelos Simuladores, cit. [O Direito, ano 124.º, 1992, IV, (outubro-Dezembro)], pág. 615. [3] Expressão do acórdão do STJ de 7 de Fevereiro de 2017 - processo n.º 3071/13.6TJVNF.G1.S1. [4] Expressão, p. ex., dos acórdãos do STJ de 9 de Julho de 2014 - processo n.º 5944/07.6TBVNG.P1.S1 -, de 9 de Março de 2021 - processo n.º 2891/18.0T8BRG.G1.S1 - ou de 14 de Setembro de 2021 - processo n.º 864/18.1T8VFR.P1.S1. [5] Na decisão recorrida consta «pagão», o que constitui um manifesto lapso de escrita que se retifica, conforme artigo 249.º do CCivil. |