Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1328/20.9T8BRR.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
HORÁRIO FLEXÍVEL
PARENTALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I. Não justifica admitir recurso tendo em vista satisfazer uma manifesta necessidade de melhoria da aplicação do direito referido no n.º 2 do art.º 49.º do RPCOL caso o recorrente alegue mas não prove que a sentença julgou provado facto que não constava dessa decisão administrativa.
II. Tendo o trabalhador requerido ao empregador que lhe fosse permitido horário flexível e não tendo este respondido, mantendo-se o horário, que se ajustava ao pedido daquele, formou-se tacitamente a vontade das partes de que o horário passou a sê-lo ao abrigo do regime flexível (art.º 57.º, n.º 8, al. a) do CT); tendo-lhe depois negado o direito antes concedido, cometeu uma contra-ordenação ao art.º 56.º, n.os 1 e 6 do CT.
III. É por ser um valor social eminente que justifica a atribuição à parentalidade de um tratamento especial e positivamente diferenciador do regime das respectivas ausências, garantindo que delas não resulte a perda de qualquer benefício para o trabalhador e a sua violação seja tipificada como contra-ordenação (art.º 65.º, n.º 1, al. c) do CT).
(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório.
AAA, interpôs recurso da sentença que parcialmente confirmou a decisão administrativa proferida pela ACT d a condenou na coima única de 55 UC (€ 5.610,00), pela prática das seguintes infracções:
a) violação do disposto no art.º 217.º, n.os 2 e 6, do Código de Trabalho, por alteração de horário não precedida das formalidades legalmente previstas, sendo-lhe imputada a infracção a título negligente e sancionada com a coima parcelar de 21 UC;
b) violação do disposto no art.º 56.º, n.os 1 e 6, do Código de Trabalho, por incumprimento do dever de fixação do horário flexível, sendo-lhe imputada a infracção a título negligente e sancionada com a coima parcelar de 30 UC;
c) violação do disposto no art.º 57.º, n.os 5 e 10, do Código de Trabalho, por não remeter à CITE no prazo legalmente para o feitos, sendo-lhe imputada a infracção a título negligente e sancionada com a coima parcelar de 15 UC;
d) violação do disposto no art.º 65.º, n.os 1, al. c) e 7, do Código do Trabalho, por distinção no pagamento do prémio de assiduidade de trabalhador que goze licença parental superior a 6 semanas, sendo-lhe imputada a infracção a título negligente e sancionada com a coima parcelar de 31 UC, pedindo que seja revogada, parcialmente, de acordo com a fundamentação da alegação, que culminando com as seguintes conclusões:
"A) Ao contrário do que considerou o Mm.º Juiz a quo a Recorrente não praticou as contra-ordenações por que foi condenada, sendo certo que, relativamente a uma delas, a decisão se mostra irrecorrível, nos termos dos n.os 1 e 3 do artigo 49.º da Lei 107/09 de 14/09.
B) A questão (não) apreciada na impugnação judicial subjacente à contra-ordenação por violação do disposto no n.º 2 do artigo 217.º do Código do Trabalho, justifica, no entender da Recorrente e pelas razões expostas no corpo das alegações, a sua (re)apreciação por este Venerando Tribunal, mostrando-se, as questões colocadas pela Recorrente, de interesse para uma melhoria do Direito, pelo que se requer seja admitido o recurso sobre a mesma questão, nos termos do n.º 2 do artigo 48.º da Lei 107/2009 de14.09.
C) A questão a submeter ao tribunal da Relação prende-se, por um lado, com a apreciação sobre a admissibilidade de, em julgamento de uma impugnação judicial, dar como provados factos que, desfavorecendo a arguida, contrariem o teor da decisão impugnada e, resolvida esta questão, pedir ao tribunal da relação que se pronuncie sobre a questão colocada pela entidade recorrida quanto à necessidade de consulta da comissão de trabalhadores quando se transfere um trabalhador que vem praticando um horário para outro horário diferente, mas preexistente na organização de trabalho da empresa e já objecto de pronúncia da Comissão de Trabalhadores no momento da sua criação como horário novo.
D) Ambas as questões merecem especial cuidado e atenção, sendo indiscutivelmente relevantes e, salvo o devido respeito pela douta decisão recorrida, não foram apreciadas ou foram mal apreciadas pelo Tribunal a quo, pelo que, no termos do n.º 2 do artigo 49.º da Lei 107/2009 pode, o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito, e esta aceitação que, expressamente e como questão prévia, se requer relativamente a esta contra-ordenação.
E) Para a consideração de que a Recorrente praticou uma contra-ordenação por violação do n.º 2 do artigo 217.º do Código do Trabalho partiu, o M.° Juiz a quo, do pressuposto de que 'a alteração do horário de trabalho 003 para o horário 025 não foi precedida de consulta do trabalhador (…), nem da Comissão de trabalhadores (facto provado n.º 12), daí discorrendo sobre a prática da infracção apenas por falta de consulta do trabalhador, não se pronunciando sobre a não audição da Comissão de trabalhadores.
F) Salvo o devido respeito, não podia o Mm.º Juiz a quo considerar como provada a não audição prévia do trabalhador para a mudança de horário, uma vez que da decisão administrativa – em impugnação – consta expressamente que 'Para o efeito procede à comunicação ao trabalhador do novo horário que lhe passa a estar adstrito a partir de 11/4/2019', ou seja, dos termos da própria decisão administrativa – que o Tribunal não podia alterar – resulta que o trabalhador foi previamente consultado.
G) Considerando a entidade administrativa que tal alteração não foi sujeita a acordo prévio da parte do trabalhador, nem a consulta perante a Comissão de trabalhadores, e em coerência, enquadrando a contra-ordenação na previsão do n.º 2 do artigo 213.º do Código do Trabalho, o que estaria em causa na decisão da entidade administrativa seria a falta de consulta, neste caso exclusivamente em relação à Comissão dos Trabalhadores – e, consequentemente, seria este entendimento que se impunha à Recorrente questionar e ver apreciado pelo tribunal.
H) A Recorrente não praticou a infracção do n.º 2 do artigo 217.º do Código do Trabalho porquanto não procedeu a qualquer alteração de horário de trabalho, limitando-se a promover a afectação de um trabalhador em concreto à prática de um horário pré-existente.
I) Dispõe o n.º 2 do art.º 217.º do Código de Trabalho que 'a alteração do horário de trabalho deve ser precedida de consulta aos trabalhadores envolvidos e à Comissão de Trabalhadores, bem como ser afixada na empresa com antecedência de sete dias relativamente ao início da sua aplicação',
J) Tal norma refere-se, inequivocamente, à elaboração e alteração de horários de trabalho, não se estendendo, o seu propósito, à concreta prática desses horários por qualquer trabalhador desde que sejam, em relação a este, observados, no inicio da sua execução, os preceitos insertos nos n.º 4 e 5 do art.º 217.º e no n.os 1 e 4 do Art.º 212.º do citado Diploma legal (Código de Trabalho de 2009).
K) Desde data muito anterior a Março de 2019, a arguida tinha, no que aos autos importa, entre os horários de trabalho que os seus trabalhadores cumprem, um horário normal, denominado Horário 025, tempestivamente comunicado à então entidade competente, e um horário 'normal', de 2.ª a 6.ª feira, sem qualquer rotação, denominado Horário 003, do mesmo modo tempestivamente comunicado à então Inspecção de Trabalho.
L) Por razões de organização de trabalho, teve, a arguida, necessidade de transferir um trabalhador de um horário existente, para outro, também já existente, que, por isso, não criou de novo para aquele trabalhador, e sobre as quais obtivera, em devido tempo, o parecer da Comissão dos Trabalhadores, de que, por isso, não carecia.
M) A actuação da Recorrente nesta matéria fora, aliás, já apreciada em dois recursos de contra-ordenação (concretamente o proc. n.º 1028/11.0TTALM do 1.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Almada e no proc. n.º 1139/11.2TTALM do 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Almada) interpostos pela mesma de decisões da entidade autuante, precisamente por entender violado, em situações semelhantes, o mesmo normativo legal, tendo em ambos os recursos, sido dada razão à Recorrente sendo a mesma absolvida da prática daquela contra-ordenação.
N) A Recorrente não violou, do mesmo modo, o disposto no n.º 1 do artigo 56.º do Código do Trabalho.
O) Dispõe o n.º 1 do art.º 56° do Código de Trabalho que o trabalhador com filho menor de 12 anos que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, sujeitando o n.º 1 do art.º 57.º do Código do Trabalho o exercício de tal direito à apresentação pelo trabalhador de pedido devidamente fundamentado e comprovado podendo a empregadora recusar o pedido com fundamento em necessidades imperiosas da empresa ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.
P) Parece evidente que o pedido de atribuição de horário flexível apenas pode justificar-se se ocorrer uma situação de conflito entre o horário praticado pelo trabalhador e o cumprimento das suas obrigações de progenitor, não se podendo aceitar que tal pedido seja feito quando tal conflito não exista,
Q) Era precisamente esta a situação que se verificava em 2018 porquanto o horário ao tempo praticado pelo trabalhador não colidia minimamente com os horários por este indicados relativamente ao estabelecimento frequentado pelo seu filho, não se justificando sequer ponderar a atribuição de horário flexível ou a alteração do horário de trabalho que então praticava, tendo isso sido explicado ao trabalhador que então não teve qualquer reacção, mantendo-se inalteradas as condições de modo e tempo do exercício da sua actividade.
R) Não se verificou, assim, em 2018 a atribuição de horário flexível – que teria decorrido da cominação prevista no n.º 8, alínea c) do artigo 57.º do Código de Trabalho – por inexistirem, ao tempo, as razões que legalmente justificariam a apresentação do pedido de atribuição de horário flexível, uma vez que o horário de trabalho praticado pelo trabalhador era compatível com o cumprimento das invocadas obrigações de progenitor.
S) Não tendo sido atribuído ao trabalhador em 2018 horário flexível não ocorreu qualquer pratica de negação desse direito quando, em 2019, a arguida promoveu a alteração unilateral do seu horário de trabalho, no exercício lícito das suas competências conforme resulta do acima referido a propósito da contra-ordenação por violação do n.º 2 do artigo 217.º do Código do Trabalho, devendo ser absolvida desta contra-ordenação.
T) Considerou, igualmente, o M.º Juiz a quo, ter, a Recorrente praticado a contra-ordenação por violação do n.º 1 do artigo 65.º do Código do Trabalho, por entender que 'a excepção do corpo do artigo 65.º referente à retribuição, respeita apenas ao montante mensal que é pago, que deixa de ser suportado pelo empregador e passa a ser suportado pela Segurança Social, concluindo, desta noção verdadeiramente redutora de 'retribuição', que os subsídios (como aquele que estaria em causa nestes autos) não serão retribuição, não estando, por isso, abrangidos por aquela excepção, considerando, ainda, ao contrário do que defende a Recorrente, que o artigo 35.º A do Código do Trabalho (introduzido neste diploma posteriormente à ocorrência dos factos sob apreciação) nada veio alterar, tendo, apenas, promovido a confirmação da solução legal que lhe pré-existiria.
U) Ora, a infracção imputada à Recorrente pela ACT não se fundou nessa circunstância, mas numa alegada discriminação pela Empresa ao conferir tratamento diferente a duas situações integrantes da mesma licença parental, sendo a Recorrente sancionada por tratar de forma diversa o que o legislador pretendeu fosse tratado de forma igual.
V) Ou seja, a douta decisão recorrida alterou a matéria sob apreciação – e como tal sob impugnação da Recorrente – sendo, assim, nula por exceder o objecto da impugnação, que visava apenas ver apreciado e, eventualmente, alterado, se o tratamento dado pela Recorrente ao gozo de licença parental poderia constituir uma discriminação, e como tal, uma contra-ordenação por violação do referido preceito legal.
W) Tal violação – que estaria em causa e não foi apreciada pelo M.º Juiz a quo – não se verificaria, no entanto, o que, não chegaria a ser apreciado pelo M.º Juiz a quo, que, ao apreciar matéria diversa da que lhe foi pedida, provocou a existência de um vício gerador da nulidade desse segmento da sua decisão, insanável e, por isso, não susceptível de ser reapreciado, mas apenas passível de ser revogado pelo Tribunal da Relação.
X) Dúvidas não haverá, nos termos das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 258.º e da alínea c) do n.º 2 do artigo 260.º, ambos do Código do Trabalho, que o prémio de assiduidade constitui retribuição, pelo que a sua perda, na sequência do gozo da licença parental, constitui uma circunstância normal, aliás prevista expressamente na Lei.
Y) Sendo o objectivo do prémio de assiduidade o de premiar o compromisso dos trabalhadores com a organização de trabalho da empresa – materializado pela sua comparência ao trabalho e, subsequente integração no pleno funcionamento da empresa – considera-se natural que se considere relevante na sua ponderação a ausência de qualquer trabalhador, ainda que em gozo de licença parental, não se vendo, neste procedimento, qualquer adulteração do conceito de licença, note-se, aliás, que nenhum prejuízo deve decorrer para o trabalhador deste não pagamento, uma vez que esse não pagamento constitui o trabalhador no direito de receber o subsídio correspondente ao montante que, por aquela decisão da empresa, terá deixado de receber.
Z) O próprio legislador considerou admissível a prática da empresa ao alterar, nesta matéria, o Código do Trabalho, introduzindo, através da Lei 90/2019 de 4 de Setembro, o artigo 35.º-A, de cujo n.º 2 resulta, que, a partir da sua entrada em vigor, se incluem na proibição de discriminação em função do exercício pelos trabalhadores dos seus direitos de maternidade e paternidade as discriminações remuneratórias relacionadas com a atribuição de prémios de assiduidade e produtividade, desse modo regulando, de forma diversa do que tinha feito no Código, o pagamento desses conceitos retributivos que, a partir da entrada em vigor dessa alteração, passam a deixar de poder ser condicionados pelo exercício daqueles direitos.
AA) Não se verifica, ainda, o tratamento desigual de duas modalidades de licença parental, pois a arguida limita-se a conferir tratamento diverso a duas modalidades de licença parental que o legislador distingue obrigando o(a) trabalhador(a) a gozar a primeira licença (por isso designada 'obrigatória') e permitindo ao(a) trabalhador(a) a opção gozar a segurada, por isso designada complementar.
AB) Sendo as modalidades de licença parental em confronto diferentes, encontra-se, constitucionalmente legitimada a atribuição de tratamento diverso por parte da arguida, devendo ser relevado – o que a entidade administrativa claramente desconsiderou – que esta actuação da arguida não resulta de uma 'discricionariedade' da mesma, mas de uma situação plasmada no seu regulamento do subsídio de assiduidade anual, negociado com os sindicatos outorgantes do Acordo da Empresa que rege as relações laborais na arguida e que faz parte integrante desse Acordo de Empresa.
AC) Trata-se, assim, a actuação da arguida, de uma actuação negociada com os Sindicatos outorgantes do Acordo de Empresa – e por isso não o puro resultado de uma 'opção da arguida' – sendo certo que, ainda que assim não fosse, sempre seria lícito à arguida conferir um tratamento positivo a uma licença cujo gozo é imposto por lei, não determinando, essa opção, a obrigatoriedade de tratamento igual relativamente ao gozo de uma segunda licença, a que o legislador conferiu carácter facultativo, não podendo ser sancionada por tal actuação.
AD) A douta decisão recorrida fez má interpretação das disposições insertas nos artigos 217.º, n.º 2, 56.º, n.º 1 e 65.º, n.º 1, 258.º e 260.º, n.º 2 alínea c) todos do Código do Trabalho, devendo ser revogada".
O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando por que se negue provimento e se mantenha a sentença recorrida.
Nesta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta secundou a resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido.
Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer sequela por parte da recorrente.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
***
II - Fundamentação.
1. Da sentença recorrida.
1.1 Factos julgados provados:
1. A arguida desenvolve a actividade de siderurgia e fabricação de ferro-ligas e tem o CAE 24100;
2. A arguida tem a sua sede e local de trabalho, na (…)
3. Em 14/05/2019 a arguida mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens, direcção, fiscalização e mediante retribuição mensal, cerca de 379 trabalhadores;
4. A arguida possuía ao seu serviço, entre outros, o trabalhador (…), admitido em Outubro de 2003, com a categoria profissional de serviços de apoio e remuneração base mensal de €910,92;
5. Em 13/06/2018, (…), apresentou à arguida um pedido de atribuição de horário flexível por ser progenitor de filho menor de 12 anos, de modo a que o mesmo seja compatível com as suas responsabilidades familiares;
6. O trabalhador peticionou a atribuição de horário flexível, até o seu filho atingir os 12 anos de idade, no período compreendido entre as 07:30 e as 18: 15 horas, em virtude da creche que o filho, de cerca de 2 anos de idade, frequenta, ter um horário de funcionamento entre as 07:30 e as 19:00 horas;
7. A arguida não respondeu e não recusou o pedido apresentado;
8. (…), continuou a fazer o horário que vinha praticando, ou seja, o horário 003, com inicio às 09:00 e termo às 18:00 horas, compatível com a pretensão do trabalhador;
9. O trabalhador continuou a fazer o horário que praticava antes da apresentação do pedido de horário flexível;
10. Em 01/04/2019, a arguida, através do superior hierárquico do trabalhador (…), Eng.º (…), comunicou-lhe a alteração do seu horário de trabalho, que passou do horário 003 para o horário 025, este com inicio às 11:00 e fim às 20:00 horas;
11. Eng.º (…), efectuou a comunicação da alteração do horário de trabalho na presença de uma testemunha, considerando que o trabalhador ficou informado dessa alteração e que a mesma produziu efeitos no dia 11/04/2019;
12. A alteração do horário de trabalho 003 para o horário 025 não foi precedida de consulta ao trabalhador (…), nem à Comissão de Trabalhadores;
13. A alteração do horário de trabalho para o horário 025, não permitiu que o trabalhador continuasse a praticar o horário flexível que vinha praticando e que lhe permitia cumprir com as suas responsabilidades familiares;
14. (…) dirigiu resposta escrita à arguida, através de carta registada datada de 07/04/2019 e recebida pela arguida em 09/04/2019, onde refere que não pode cumprir o horário 025, por a sua situação familiar continuar a ser a mesma da descrita no pedido de horário flexível de 13/06/2018;
15. Através da carta mencionada no ponto anterior, (…), renova o pedido de horário flexível. feito há menos de 1 ano, comprometendo-se ainda a renovar todos os documentos em anexo ao mesmo, actualizados à data de renovação do pedido;
16. Através de carta registada com A/R, recebida pelo trabalhador em 07/05/2019, a arguida recusou a atribuição do horário flexível, alegando, nomeadamente:
'4) A eliminação do recurso a trabalho suplementar constitui um objectivo da empresa, devendo ser garantido sempre que tal seja possível pela utilização dos recursos humanos disponíveis na Empresa. (. .. )
6) Para o cumprimento dos objectivos da Empresa é considerada indispensável a sua integração no horário que lhe foi determinado, não se considerando possível a sua substituição por outro trabalhador, o que, nos termos do n.º 2 do artigo 57.º do Código do Trabalho, toma licita a decisão de recusa do seu pedido - que, aliás, se considera não preencher os requisitos legais para ser atendido - o que, pela presente, lhe é comunicado nos termos do n.º 3 do citado artigo 57.º do Código do trabalho';
17. Após o decurso do prazo para apreciação pelo trabalhador, a arguida não enviou o processo para apreciação, pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres (CITE), do fundamento da intenção de recusar o pedido de horário flexível;
18. A arguida apenas em 28/05/2019, após apreciação do trabalhador já apresentada extemporaneamente, envia à CITE o processo para apreciação do fundamento da intenção de recusar o pedido;
19. Através do Parecer n.º 337/CITE/2019, de 18/06/2019, o qual foi aprovado por unanimidade, portanto inclusivamente com os votos favoráveis dos representantes das organizações empregadoras, foi deliberado) nomeadamente, o seguinte:
'( . .)
17. Neste sentido, a entidade empregadora só submeteu o processo à apreciação da CITE em 28/05/2019, após o decurso do prazo legalmente previsto no n.º 5 do artigo 57.º do Código do Trabalho, que, no caso em análise, terminou a 20/05/2019, 8 dias após o decurso do prazo.
18. A alínea c) do n.º 8 do artigo 57.º do Código do Trabalho determina que, no caso de o empregador não submeter a decisão dentro do prazo no n.º 5, considera-se que aceitou o pedido do trabalhador nos seus precisos termos.
19. Face ao exposto, a CITE emite parecer desfavorável à recusa da entidade empregadora (…), S.A., relativo ao pedido de trabalho em regime de horário flexível, apresentado pelo trabalhador com responsabilidades familiares (…), uma vez que o pedido se considera aceite nos seus precisos termos';
20. Em 15/10/2019, (…) remete à arguida, os documentos a juntar ao processo de horário flexível;
21. Em 21/03/2019 a arguida possuía ao seu serviço, entre outros, a trabalhadora (…), admitida em 04/2014, com a categoria de técnica superior de saúde, trabalho e ambiente, auferindo a remuneração base de € 1.309,77;
22. (…), foi mãe em 05/01/2018, após ter estado um período de baixa por risco c1inico;
23. (…), gozou a licença parental de 150 dias;
24. Quando regressou ao serviço, (…), gozou da dispensa para amamentação de 2 horas diárias;
25. A arguida comunicou à trabalhadora a cessação da isenção de horário de trabalho de que gozava, denunciado o acordo que a titulava;
26. No 1.º mês de cada ano, a arguida paga aos trabalhadores um prémio de assiduidade anual, conforme previsto em Regulamento Interno da mesma;
27. A arguida não pagou à trabalhadora (…) no mês de Janeiro de 2019, o prémio de assiduidade anual referente à assiduidade do ano de 2018;
28. A arguida apenas paga o mencionado prémio às trabalhadoras que gozem somente o período de 6 semanas obrigatórias de licença parental a seguir ao parto;
29. Em virtude de (…) ter gozado no ano de 2018 a licença parental de 150 dias. a arguida, em Janeiro de 2019, não pagou à trabalhadora o prémio de assiduidade anual;
30. No ano de 2015 a trabalhadora também foi mãe, tendo gozado o mesmo n.º de dias de licença parental;
31. No ano de 2016, a arguida processou e pagou à trabalhadora o prémio de assiduidade anual, referente à assiduidade do ano de 2015;
32. Em 14/05/2019, pelas 12:00 horas, ao local de trabalho da arguida sito na morada identificada no ponto 2, o mapa de férias do ano de 2019, apenas estava afixado nos Departamentos de Produção;
33. Não se encontravam marcados para todos os trabalhadores da arguida, o número total de dias de férias vencidos em 01/01/2019;
 32. A título de exemplo (…)tem um total de 6,5 dias de férias marcadas para 2019, quando na realidade se venceram 22 dias úteis em 01/01/2019 e já tinha 4 dias de créditos antigos, perfazendo o total de 26 dias úteis de férias.
33. Os trabalhadores declararam aceitar, através da sua assinatura, que alguns dos dias de férias vencidos a 01/01/2019, sejam gozados durante o ano de 2020;
34. A arguida foi esclarecida e informada pela equipa inspectiva sobre a ilicitude da sua conduta e a necessidade de corrigir os comportamentos adoptados, no decurso das visitas inspectivas realizadas e em reunião mantida com o Director dos Recursos Humanos, Dr. (…);
35. A arguida não agiu com o cuidado que lhe era exigido, designadamente, no que respeita ao cumprimento integral das regras que regulam a fixação de horários, o tratamento de questões relativas à maternidade e marcações de férias.
36. A arguida apresentou um volume de negócios para o ano de 2018 no montante de € 515.876.742,00.
Do recurso de impugnação
37. Desde data muito anterior a Março de 2019, a arguida tinha entre os horários de trabalho que os seus trabalhadores cumprem um horário normal denominado Horário 025, e um horário de 2.ª a 6.ª feria, sem qualquer rotação, denominado Horário 003.
38. O horário praticado pelo trabalhador em 2018 não colidida com os horários indicados pelo trabalhador relativamente ao estabelecimento frequentado pelo filho.
39. O trabalhador (…) foi transferido para o outro horário existente.
***
2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1 O âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[1] Mas porque as conclusões são um resumo das motivações,[2] não pode conhecer-se de questões constantes daquelas que não tenham sido explanadas nestas. Às quais acrescem as questões que são de conhecimento oficioso desta Relação enquanto Tribunal de recurso, como no caso dos vícios da sentença e das suas nulidades que se não devam considerar sanadas, tudo de acordo com o disposto no art.º 410.º, n.os 2, alíneas a), b) e c) e 3 do Código de Processo Penal.[3] Embora, diga-se, que no caso sub iudicio se não detecta qualquer vício ou nulidade na douta sentença recorrida de entre os que se devesse conhecer ex officio. Daí que as questões a apreciar neste recurso sejam apenas as seguintes:
i. Da verificação do circunstancialismo previsto no n.º 2 do art.º 49.º da Regime Processual Aplicável às Contra-ordenação Laborais e de Segurança Social relativamente à primeira contra-ordenação;
ii. a contra-ordenação por violação de horário flexível (art.º 56.º, n.os 1 e 6 do Código do Trabalho);
iii. a contra-ordenação por distinção no pagamento do prémio de assiduidade de trabalhador que goze licença parental superior a seis semanas (art.º 65.º, n.os 1, alínea c) e 7 do Código do Trabalho).
2.2 Como é referido pela recorrente, o art.º 49.º do Regime Processual Aplicável às Contra-ordenação Laborais e de Segurança Social estabelece, para o que ora importa, no n.º 1 que "admite-se recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39.º, quando: a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente" e no n.º 2 que "para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência".
Assim, tendo a recorrente sido condenada numa coima no valor de 21 UC está claro que dessa parte da sentença não podia ordinariamente recorrer; mas naturalmente poderá caso o recurso se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito, pelo que cumpre previamente apurar se tal ocorre no caso sub iudicio.
A recorrente alicerça a sua pretensão alegando desde logo que "A questão a submeter ao Tribunal da Relação prende-se, por um lado, com a apreciação sobre a admissibilidade de, em julgamento de uma impugnação judicial, dar como provados factos que, desfavorecendo a arguida, contrariem o teor da decisão impugnada e, resolvida esta questão, pedir ao tribunal da relação que se pronuncie sobre a questão colocada pela entidade recorrida quanto à necessidade de consulta da comissão de trabalhadores quando se transfere um trabalhador que vem praticando um horário para outro horário diferente, mas preexistente na organização de trabalho da empresa e já objecto de pronúncia da Comissão de Trabalhadores no momento da sua criação como horário novo".
A recorrente prosseguiu alegando o seguinte:
"Para a consideração de que a Recorrente praticou uma contra-ordenação por violação do n.º 2 do artigo 217.º do Código do Trabalho partiu, o M.º Juiz a quo, do pressuposto de que a alteração do horário de trabalho 003 para o horário 025 não foi precedida de consulta do trabalhador (…), nem da Comissão de trabalhadores (facto provado n.º 12),
Daí discorrendo sobre a prática da infracção apenas por falta de consulta do trabalhador, não se pronunciando sobre a não audição da Comissão de trabalhadores.
Ora,
Salvo o devido respeito, não podia o M.º Juiz a quo considerar como provada a não audição prévia do trabalhador para a mudança de horário, uma vez que da decisão administrativa - em impugnação - consta expressamente que 'Para o efeito procede à comunicação ao trabalhador do novo horário que lhe passa a estar adstrito a partir de 11/4/2019', ou seja, dos termos da própria decisão administrativa - que o Tribunal não podia alterar - resulta que o trabalhador foi previamente consultado,
Considerando a entidade administrativa que tal alteração não foi sujeita a acordo prévio da parte do trabalhador, nem a consulta perante a Comissão de trabalhadores,
E, em coerência, enquadrando a contra-ordenação na previsão do n.º 2 do artigo 213.º do Código do Trabalho, pelo que o que estaria em causa na decisão da entidade administrativa seria a falta de consulta, neste caso exclusivamente em relação à Comissão dos Trabalhadores - e, consequentemente, seria este entendimento que se impunha à Recorrente questionar e ver apreciado pelo tribunal.
Sobre o qual o M.º Juiz a quo não se pronunciou, do que sempre resultará infundada a aplicação de qualquer sanção, uma vez que, para a mesma não existe, na douta decisão recorrida, qualquer fundamento, sendo, assim, a douta decisão, quanto a este segmento, nula".
Indo ao caso concreto, concluiu-se que a recorrente lavra em grave equívoco, como procuraremos esclarecer.
Com efeito, na parte que interessa o art.º 217.º do Código do Trabalho estatui no n.º 2 que "a alteração de horário de trabalho deve ser precedida de consulta aos trabalhadores envolvidos e à comissão de trabalhadores (…)" e no n.º 6 que "constitui contra-ordenação grave a violação do disposto neste artigo".
Ora, na decisão administrativa (aceitando a proposta do Instrutor do processo) foi expressamente considerado provado o seguinte facto:
"13. A alteração do horário de trabalho 003, sob a égide de horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares, para o horário 025, não foi precedida de consulta ao trabalhador (…), nem à Comissão de Trabalhadores, cfr. auto de notícia".
Esse facto corresponde no essencial ao que foi julgado provado na sentença recorrida sob o n.º 12, sendo o minus que desta consta irrelevante para o caso.
Por outro lado e restringindo ao essencial, sabe-se que na subsunção jurídica dos factos provados a sentença recorrida considerou o seguinte:
"Neste ponto, e sendo assente que ao trabalhador (…) foi alterado de horário em 2019, e sendo igualmente assente que não foi cumprido o disposto no n.º 2, aquando da referida alteração, alega a recorrente que o cumprimento das formalidades aí prescritas não era necessário porquanto o horário já existia sendo praticado por outros trabalhadores.
(…)
No caso em apreço, e ainda que admitido que o horário existia e que sobre o mesmo havia sido, aquando da sua definição, ouvida a comissão de trabalhadores, não poderá ignorar-se que para o trabalhador a sua inserção num horário distinto corresponde, na prática a uma alteração do horário de trabalho.
Ora, sendo uma alteração no horário de trabalho e ainda que para um horário já previamente definido, não isentava a recorrente de consultar o trabalhador envolvido, nos termos do art.º 217.º, n.º 2, do Código de Trabalho.
Só assim não será quando efectivamente se trate de um trabalhador em horários por turnos (art.º 220.º, do Código do Trabalho). O que no caso não se mostra invocado pela recorrente.
Assim, deverá considerar-se praticada a infracção prevista no n.º 6, do mesmo artigo".
O equívoco da recorrente, de resto, já havia sido antecipado na proposta de decisão do procedimento administrativo e, consequentemente, nesta última propriamente dita, por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho quando referiu o seguinte:
"É sobre esta alteração, do horário de trabalho 003, sob a égide de horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares, para o turno relativo ao horário 025, no qual já não permitia ao trabalhador cumprir com as suas responsabilidades familiares, que os presentes autos respeitam, e não, como a arguida pretende fazer crer, sobre a criação ou não, pela arguida, de um novo horário de trabalho dentro da empresa ou a possibilidade de alteração unilateral de horário de trabalho, já existente no horário de funcionamento da arguida, e previamente aceite e previsto nos contratos de trabalha".
É verdade, como a recorrente alega, que a decisão administrativa refere que "Para o efeito procede à comunicação ao trabalhador do novo horário que lhe passa a estar adstrito a partir de 11/4/2019", mas, como vimos atrás, já é abusiva a sua conclusão de que "dos termos da própria decisão administrativa - que o Tribunal não podia alterar - resulta que o trabalhador foi previamente consultado", pois que nada disso ocorreu no caso sub iudicio: nem a decisão administrativa julgou provado que aquela previamente consultou o trabalhador acerca da alteração do horário de trabalho (mas o seu contrário), nem a sentença julgou provado facto que não constava dessa decisão administrativa, limitando-se, neste particular, no essencial a julgar provado o que naquela já havia sido feito.
Por fim, é irrelevante a conclusão da recorrente de que a sentença recorrida apenas se debruçou sobre a não consulta do trabalhador e não também da Comissão de Trabalhadores, pois que, como vimos, a lei impõe que ambos o sejam e a sua omissão constitui contra-ordenação em qualquer dos casos.[4]
Sendo as coisas assim, resta concluir que se não verificam os pressupostos para a reapreciação por esta Relação de Lisboa da decisão tendo em vista satisfazer a manifesta necessidade de melhoria da aplicação do direito a que alude o n.º 2 do art.º 49.º do Regime Processual Aplicável às Contra-ordenações Laborais e de Segurança Social, o que adiante se decidirá.
2.3 Apreciemos então o recurso da arguida na parte admissível, sendo que esta o dirige em primeiro lugar contra o segmento da sentença que considerou ter incumprido o dever de fixação do horário flexível, a título negligente e nessa medida violado o disposto no art.º 56.º, n.os 1 e 6 do Código de Trabalho, sendo sancionada com a coima parcelar de 30 UC.
O art.º 56.º do Código do Trabalho estatui no n.º 1 que "o trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos" e no n.º 6 que a violação disso "constitui contra-ordenação grave ".
Para chegar àquela decisão, a sentença considerou o seguinte:
"No caso em apreço ficou provado que ao abrigo do horário anterior o trabalhador requereu a atribuição de horário flexível. A Recorrente sustentou que a pretensão do Autor não foi atendida porquanto o horário do trabalhador era compatível com os horários da escola do filho.
(…)
Daqui resulta expressamente que o Legislador definiu o «horário flexível» como sendo aquele em que o trabalhador pode escolher as horas de início e termo do período normal de trabalho diário (n.º 2).
(…)
Assim, o regime de horário de trabalho flexível a que tem direito o trabalhador com filho menor de 12 anos, no âmbito deste art.º 56.°, concretiza-se apenas à escolha por esse trabalhador da hora de início e da hora termo do período normal de trabalho diário.
Da conjugação das normas supra citadas resulta a constatação que cabe ao empregador, em primeiro lugar, estabelecer os limites dentro do qual o horário flexível pode ser exercido - depois, dentro desses limites, é que o trabalhador poderá gerir o seu tempo da maneira que melhor lhe aprouver, por forma a cuidar do seu filho menor.
(…)
Na apreciação do pedido do trabalhador não cumpre à entidade empregadora sindicar a necessidade do trabalhador. De facto, os pressupostos para atribuição do horário flexível resultam do art.º 56.º, n.º 1, para o caso bastava comprovar que tinha um filho menor de 12 anos que com ele viva em comunhão de mesa e habitação.
Assim, deverá considerar-se praticada a infracção prevista no n.º 6, do mesmo artigo.
Em termos subjectivos a infracção deveu-se a falta de cuidado no cumprimento dos seus deveres legais, sendo por isso subsumível ao conceito de negligência (art.º 15.º, do Código Penal), a qual é punível, nos termos do art.º 550.º, do Código de Trabalho".
Os factos relevantes para apreciar este segmento do recurso são, assim, os julgados provados enumerados de 5 a 10 e 13.
Por seu lado, a recorrente argumenta deste jeito:
"P) Parece evidente que o pedido de atribuição de horário flexível apenas pode justificar-se se ocorrer uma situação de conflito entre o horário praticado pelo trabalhador e o cumprimento das suas obrigações de progenitor, não se podendo aceitar que tal pedido seja feito quando tal conflito não exista,
Q) Era precisamente esta a situação que se verificava em 2018 porquanto o horário ao tempo praticado pelo trabalhador não colidia minimamente com os horários por este indicados relativamente ao estabelecimento frequentado pelo seu filho, não se justificando sequer ponderar a atribuição de horário flexível ou a alteração do horário de trabalho que então praticava, tendo isso sido explicado ao trabalhador que então não teve qualquer reacção, mantendo-se inalteradas as condições de modo e tempo do exercício da sua actividade.
R) Não se verificou, assim, em 2018 a atribuição de horário flexível – que teria decorrido da cominação prevista no n.º 8, alínea c) do artigo 57.º do Código de Trabalho – por inexistirem, ao tempo, as razões que legalmente justificariam a apresentação do pedido de atribuição de horário flexível, uma vez que o horário de trabalho praticado pelo trabalhador era compatível com o cumprimento das invocadas obrigações de progenitor.
S) Não tendo sido atribuído ao trabalhador em 2018 horário flexível não ocorreu qualquer pratica de negação desse direito quando, em 2019, a arguida promoveu a alteração unilateral do seu horário de trabalho, no exercício lícito das suas competências conforme resulta do acima referido a propósito da contra-ordenação por violação do n.º 2 do artigo 217.º do Código do Trabalho, devendo ser absolvida desta contra-ordenação".
Diga-se desde já que se não concorda deste modo de ver as coisas e a razão disso segue em seguida.
Como é sabido, o art.º 57.º do Código do Trabalho estatui no n.º 1 que "o trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos: (…)" e no 8 que "considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos: a) Se não comunicar a intenção de recusa no prazo de 20 dias após a recepção do pedido".
No caso sub iudicio, provou-se que "em 13/06/2018, (…), apresentou à arguida um pedido de atribuição de horário flexível por ser progenitor de filho menor de 12 anos, de modo a que o mesmo seja compatível com as suas responsabilidades familiares",[5] que "o trabalhador peticionou a atribuição de horário flexível, até o seu filho atingir os 12 anos de idade, no período compreendido entre as 07:30 e as 18: 15 horas, em virtude da creche que o filho, de cerca de 2 anos de idade, frequenta, ter um horário de funcionamento entre as 07:30 e as 19:00 horas",[6] que "a arguida não respondeu e não recusou o pedido apresentado",[7] que "(…), continuou a fazer o horário que vinha praticando, ou seja, o horário 003, com inicio às 09:00 e termo às 18:00 horas, compatível com a pretensão do trabalhador"[8] e, por fim, que "em 01/04/2019, a arguida, através do superior hierárquico do trabalhador (…), Eng.º (…), comunicou-lhe a alteração do seu horário de trabalho, que passou do horário 003 para o horário 025, este com inicio às 11:00 e fim às 20:00 horas".[9]
Assim sendo, entre o dia em que o trabalhador requereu autorização para trabalhar em horário flexível (13/06/2018) e aquele em que a recorrente alterou o horário em que trabalhava (01/04/2019) decorreram cerca de nove meses e meio e, portanto, sempre seria razoável percepcionar que se consolidou tacitamente o pedido nos termos da citada alínea a) do n.º 8 do art.º 57.º Código do Trabalho (note-se que esta norma não é pré-existente à Lei n.º 90.º/2019, de 4 de Setembro e por ela foi mantida intocada).
E assim sendo, embora tal não tenha sido referido na decisão administrativa nem na sentença, a verdade é que fica agora claro que, e ao contrário do pretextado pela recorrente, o horário praticado pelo trabalhador continuou a ser o que sempre fora, é certo, mas a partir da formação tácita da sua vontade e ao abrigo da citada norma passou a sê-lo ao abrigo do regime flexível.
E assim sendo, tendo-lho negado posteriormente o direito antes concedido, naturalmente que violou a dita norma e cometeu a contra-ordenação por que foi sancionada, pelo que também nesta parte se não poderá conceder provimento ao recurso.
2.4 Finalmente, a recorrente insurge-se contra a sentença na parte em que considerou ter cometido uma contra-ordenação ao disposto no art.º 65.º, n.os 1, alínea c) e 7 do Código do Trabalho por distinção no pagamento do prémio de assiduidade de trabalhador que goze licença parental superior a seis semanas.
A recorrente foca a sua dissensão do seguinte modo:
"U) Ora, a infracção imputada à Recorrente pela ACT não se fundou nessa circunstância, mas numa alegada discriminação pela Empresa ao conferir tratamento diferente a duas situações integrantes da mesma licença parental, sendo a Recorrente sancionada por tratar de forma diversa o que o legislador pretendeu fosse tratado de forma igual.
V) Ou seja, a douta decisão recorrida alterou a matéria sob apreciação – e como tal sob impugnação da Recorrente – sendo, assim, nula por exceder o objecto da impugnação, que visava apenas ver apreciado e, eventualmente, alterado, se o tratamento dado pela Recorrente ao gozo de licença parental poderia constituir uma discriminação, e como tal, uma contra-ordenação por violação do referido preceito legal.
W) Tal violação – que estaria em causa e não foi apreciada pelo M.º Juiz a quo – não se verificaria, no entanto, o que, não chegaria a ser apreciado pelo M.º Juiz a quo, que, ao apreciar matéria diversa da que lhe foi pedida, provocou a existência de um vício gerador da nulidade desse segmento da sua decisão, insanável e, por isso, não susceptível de ser reapreciado, mas apenas passível de ser revogado pelo Tribunal da Relação".
Com relevo, provou-se que:
"26. No 1.º mês de cada ano, a arguida paga aos trabalhadores um prémio de assiduidade anual, conforme previsto em Regulamento Interno da mesma;
27. A arguida não pagou à trabalhadora (…) no mês de Janeiro de 2019, o prémio de assiduidade anual referente à assiduidade do ano de 2018;
28. A arguida apenas paga o mencionado prémio às trabalhadoras que gozem somente o período de 6 semanas obrigatórias de licença parental a seguir ao parto;
29. Em virtude de (…) ter gozado no ano de 2018 a licença parental de 150 dias. a arguida, em Janeiro de 2019, não pagou à trabalhadora o prémio de assiduidade anual;
30. No ano de 2015 a trabalhadora também foi mãe, tendo gozado o mesmo n.º de dias de licença parental;
31. No ano de 2016, a arguida processou e pagou à trabalhadora o prémio de assiduidade anual, referente à assiduidade do ano de 2015".
Esta matéria de facto foi também a considerada assente para sustentar a decisão administrativa, a qual mereceu o mesmo enquadramento jurídico que o Mm.º Juiz depois lhe conferiu na sentença recorrida, vale dizer, que as duas situações são equiparáveis para não permitirem uma leitura divergente do dever do empregador pagar aos trabalhadores o prémio de assiduidade anual no gozo das duas licenças parentais, focando-se na circunstância de em qualquer dos casos haver uma ausência, embora, como foi constatado e depois judicialmente julgado assente, a recorrente as tenha distinguido para efeitos de aplicação do n.º 1 do art.º 65.º do Código do Trabalho (para ver que assim é vejam-se as páginas 28 da decisão administrativa e 17 da sentença).
É certo que na decisão administrativa se esgrimiu ainda, expressis verbis, com o art.º 35.º-A e a sentença não, o que se compreende uma vez que remontando os factos a 21-03-2019 nessa data tal norma ainda não vigorava (só foi introduzida pela lei n.º 90/2019, de 4 de Setembro); no entanto, convém dizer, a sentença também afirmou que aquela norma nada acrescentou ao que já resultava da tipicidade da norma contra-ordenadora (reforçou-a, talvez assim se possa dizer); a não ser, diga-se em abono da verdade, ter sido deslocada da alínea b) para a c) do n.º 1 do art.º 65.º, pelo que nenhum obstáculo se levantava nesse domínio.
Destarte, não podemos acompanhar a tese da recorrente quando afirma que a sentença alterou a matéria em apreciação na impugnação judicial e, por conseguinte, não é nula; pelo contrário, a questão que constituiu objecto da impugnação judicial foi apreciada pelo Mm.º Juiz a quo e decidida, bem, se nos é permitido dizer, quando referiu que "o legislador é claro ao pretender que seja considerada como prestação efectiva do trabalho o gozo de licença parental. A excepção no corpo do artigo referente à retribuição respeita apenas ao montante mensal que é pago, que deixa de ser suportado pelo empregador e passa a ser suportado pela Segurança Social. No mais o comando da lei é claro ao pretender uma equiparação plena. Nessa medida não poderá a entidade empregadora considerar o gozo da licença parental como um incumprimento do dever de assiduidade". O objectivo do prémio pode efectivamente ser, e será certamente, o "de premiar o compromisso dos trabalhadores com a organização de trabalho da empresa", mas as questões sociais relacionadas com a parentalidade e, consequentemente, também no domínio das relações laborais e o reflexo que têm na taxa de natalidade são, nos tempos que correm, cruciais, não só para as próprias empresas mas para o país,[10] sendo neste quadro que se deve fazer a leitura da lei e dela retirar a conclusão a que a sentença recorrida chegou.
Note-se que o Provedoria de Justiça (através do Provedor Adjunto) já relevara este tipo de preocupações em parecer proferido em 16-12-2009, no processo n.º R-1142/09(A3), ainda no âmbito do Código do Trabalho precedente, portanto, mas relativamente a situação similar a esta, publicado em https://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/R1142_09.pdf. Assim:
"Com efeito, não se vislumbra qualquer razão - de ordem literal ou teleológica - que justifique a interpretação restritiva do conceito de retribuição proposta pela empresa, não devendo o intérprete distinguir onde o legislador não o fez.
Aliás, teleologicamente a interpretação aconselhada será justamente a oposta à defendida pela (…), já que toda a lógica do Código do Trabalho vai no sentido de garantir que do gozo das licenças relativas à parentalidade não resulte qualquer prejuízo - ou a perda de qualquer benefício - para os trabalhadores em causa. Veja-se, a título de exemplo, o determinado no art.º 238.º, n.º 4, do Código do Trabalho (com correspondência no art.º 97.º, n.º 1, da RCT - Lei n.º 35/2004) relativamente ao aumento do período anual de férias.
Inequivocamente aceite como um valor social eminente, a parentalidade justifica um tratamento especial e diferenciado, que discrimine positivamente o regime conferido às respectivas ausências, por forma a garantir que das mesmas não possa resultar, directa ou indirectamente, a perda de qualquer benefício para o trabalhador.
Face ao que antecede, não posso deixar de concluir ser ilegítimo – porque ilegal – o entendimento da (…) no sentido de contabilizar as ausências por licenças de maternidade para efeitos da (não) atribuição do prémio em causa, facto que, sendo censurável, justifica a formulação do presente reparo.
Em conformidade, deverá a TAP repor a legalidade, corrigindo a situação e, nesse sentido, pagar os prémios devidos às interessadas".
Deste modo, também nesta parte não será concedido provimento ao recurso.
***
III – Decisão.
Termos em que se acorda:
• não conhecer do recurso na parte em que, relativamente à primeira contra-ordenação, visava satisfazer a manifesta necessidade de melhoria da aplicação do direito;
• no mais, negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça do recurso em 3 (três) UC (art.os 92.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas e 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais).
*
Lisboa, 28-04-2021.
António José Alves Duarte
Maria José Costa Pinto
_______________________________________________________
[1] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[2] Idem. Na linha, aliás, do que desde há muito ensinou Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»
[3] Que assim é decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão do Plenário das Secções Criminais, de 19-10-1995, tirado no processo n.º 46.680/3.ª, publicado no Diário da República, série I-A, de 28 de Dezembro de 1995, mantendo esta jurisprudência perfeita actualidade, como se pode ver, inter alia, do acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2009, consultado em www.dgsi.pt, assim sumariado: «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série - A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.» No sentido propugnado, vd. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2009, 3.ª edição actualizada, página 1049.
[4] Neste sentido, Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 2015, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, página 558 (anotação de Luís Miguel Monteiro). Coisa diferente e que por vezes não é convenientemente considerado (vd. o acórdão da Relação de Lisboa, de 08-05-2013, no processo n.º 5369/07.3TTLSB.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt) é saber se depois de cumprido o requisito de audição prévia o empregador pode ou não alterar o horário de trabalho do trabalhador.
[5] Facto provado enumerado em 5.
[6] Facto provado enumerado em 6.
[7] Facto provado enumerado em 7.
[8] Facto provado enumerado em 8.
[9] Facto provado enumerado em 10.
[10] Se pensarmos que a taxa bruta de natalidade passou de 24,1% em 1960 para 8,4% em 2019, segundo dados compilados pela PORDATA (https://www.pordata.pt/Portugal/Taxa+bruta+de+natalidade-527), não é preciso mais para se perceber os problemas sociais e económicos que o País enfrenta neste domínio se o paradigma das questões sociais nas relações laborais se mantivesse inalterado (em contrapartida, veja-se o caso da Suécia, que vinha perdendo consecutivamente posições nesse domínio durante os três primeiros quartéis do século passado e inverteu a situação muito à custa de medidas neste campo, a ponto de hoje a relação se cifrar numa diminuição de apenas 2,5% naquele período, enquanto em Portugal já ultrapassa os 16% ‒ e a tendência acentua-se em ambos os caos, pelo que a divergência será para aumentar se nada de mais significativo for feito).