Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
118395/21.4YIPRT.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA
Sumário: I) A causa de pedir constitui o ato ou facto jurídico, simples ou complexo, de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor e que este pretende fazer valer, tendo-se em vista, não o facto jurídico abstrato, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico material, concreto, conciso e preciso, cujos contornos se enquadram na definição legal.
II) A petição inicial é inepta por ininteligibilidade quando os factos e a conclusão são nela expostos em termos de tal modo confusos, obscuros ou ambíguos que não possa apreender-se qual é o pedido ou a causa de pedir.
III) A falta ou a ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir não são passíveis de suprimento, pelo que, também não terá lugar a prolação de despacho de aperfeiçoamento.
IV) Contudo, só haverá falta de indicação da causa de pedir determinante da ineptidão quando, de todo em todo, falte a indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou tais factos sejam expostos de modo tal que, seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual o pedido e a causa de pedir.
V) Não obstante a especial regulação do procedimento injuntivo pelo D.L. n.º 269/98, de 1 de setembro, dela não resulta que o procedimento de injunção prescinda da verificação da aptidão do requerimento injuntivo ou da existência de “causa de pedir”.
VI) Satisfaz suficientemente a indicação da causa de pedir na petição inicial, sem que a mesma se mostre ininteligível, a autora que, no requerimento de injunção que apresentou, assinalou, no campo da “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão”, o seguinte: “ENTRE REQUERENTE E REQUERIDA FOI CELEBRADO UM CONTRATO DE FORNECIMENTO DE BASE DE DADOS DE EMPRESAS, TENDO A REQUERIDA ACEITE A PROPOSTA APRESENTADA PELA REQUERENTE EM 21.05.2021, PELO PREÇO DE € 5.995, ACRESCE IVA Á TAXA LEGAL DE 23%, NO VALOR DE 1.378,85€. FOI EMITIDA A FATURA EM 31.05.2021, COM VENCIMENTO A TRINTA DIAS. PORÉM, NA DATA DO VENCIMENTO, A FATURA NÃO FOI PAGA, NEM POSTERIORMENTE, APESAR DAS DIVERSAS INTERPELAÇÕES FEITAS PELA REQUERENTE NESSE SENTIDO. PELO QUE, NESTA DATA, A REQUERIDA É DEVEDORA DA REQUERENTE NO VALOR DE € 7.373,85, A QUE ACRESCEM JUROS À TAXA LEGAL E QUE NESTA DATA PERFAZEM A QUANTIA DE €281,22”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
1. IBERINFORM – INTERNACIONAL, S.A., identificada nos autos, requereu injunção contra JTINN, LDA., também identificada nos autos, requerendo fosse aposta fórmula executória para pagamento da quantia total de € 7.760,30 (correspondendo: € 7.373,85 a capital; € 284,45 a juros de mora; e € 102,00 de taxa de justiça paga), com referência a “Contrato de: Compra e venda”, datado de 31-05-2021, respeitando a obrigação a transação comercial, invocando o seguinte:
“ENTRE REQUERENTE E REQUERIDA FOI CELEBRADO UM CONTRATO DE FORNECIMENTO DE BASE DE DADOS DE EMPRESAS, TENDO A REQUERIDA ACEITE A PROPOSTA APRESENTADA PELA REQUERENTE EM 21.05.2021, PELO PREÇO DE € 5.995, ACRESCE IVA Á TAXA LEGAL DE 23%, NO VALOR DE 1.378,85€. FOI EMITIDA A FATURA EM 31.05.2021, COM VENCIMENTO A TRINTA DIAS. PORÉM, NA DATA DO VENCIMENTO, A FATURA NÃO FOI PAGA, NEM POSTERIORMENTE, APESAR DAS DIVERSAS INTERPELAÇÕES FEITAS PELA REQUERENTE NESSE SENTIDO. PELO QUE, NESTA DATA, A REQUERIDA É DEVEDORA DA REQUERENTE NO VALOR DE € 7.373,85, A QUE ACRESCEM JUROS À TAXA LEGAL E QUE NESTA DATA PERFAZEM A QUANTIA DE €281,22”.
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2. A requerida deduziu oposição invocando, em suma, não ter solicitado à requerente qualquer proposta de fornecimento, nada tendo a requerente fornecido à requerida, nem remeteu qualquer fatura ou a interpelou para pagamento, muito embora tenha tomado conhecimento da existência da fatura reclamada, por consulta, efetuada em 10-01-2022, pelos seus serviços de contabilidade na plataforma da Autoridade Tributária e Aduaneira. Nesse dia, posteriormente, foi contactada por funcionária da requerente que lhe informou que o fornecimento tinha sido adjudicado por MG, da empresa F5C (empresa da qual também é gerente o gerente da requerida), mas que nunca representou a requerida.
Concluiu pela improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.
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3. Por despacho de 16-02-2022 foi a autora notificada para se pronunciar sobre a matéria da exceção invocada na oposição, pronúncia que a autora efetuou – por requerimento de 25-02-2022 – concluindo que pela improcedência das exceções invocadas e juntando documentos.
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4. Na sequência, a ré – por requerimento de 11-03-2022 – veio pronunciar-se sobre os documentos juntos pela autora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 444.º do CPC e concluiu que a autora deverá ser condenada como litigante de má fé, em multa e indemnização.
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5. A autora, por requerimento de 22-03-2022, ainda veio arguir: a inadmissibilidade processual do requerimento de 11-03-2022, quanto à impugnação dos documentos; a improcedência desta impugnação; e a condenação da ré como litigante de má fé, em multa e indemnização.
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6. Em 02-06-2022 foi proferido despacho do seguinte teor:
“A Autora instaurou o presente procedimento de injunção pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €7.760,30, acrescido de juros, alegando como causa do seu pedido a celebração de um contrato.
(…)
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
(…)
Questão prévia:
Da ineptidão do requerimento de injunção:
Dispõe o n.º 1 do artigo 3.º, ex vi o n.º 1, do artigo 17.º, ambos do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, que se a acção tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer.
Por outro lado, nos termos do artigo 186.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial, o que sucede quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis. A nulidade do processo decorrente da ineptidão da petição inicial constitui uma excepção dilatória, determinante da absolvição do réu da instância (artigos 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º s 1 e 2 e 577.º, alínea b) do Código de Processo Civil).
Efectivamente, a toda a acção corresponde um pedido e uma causa de pedir, sendo o pedido o efeito jurídico pretendido pelo autor e a causa de pedir os factos concretos que geram o efeito jurídico pretendido.
Deve, por isso, o autor, na petição inicial, formular o pedido, isto é, solicitar ao Tribunal a providência processual que julgue adequada para a tutela de uma situação jurídica ou de um interesse que afirma materialmente protegido, e indicar a causa de pedir respectiva, ou seja, alegar o facto constitutivo da situação jurídica material que pretende fazer valer em juízo, deste modo delimitando o objecto do processo (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, Coimbra, 1999, págs. 321 a 322).
Trata-se de um corolário do princípio do dispositivo, consagrado no artigo 264.º, do Código de Processo Civil, segundo o qual são as partes que dispõem da relação material controvertida objecto da acção, cabendo-lhes, em exclusivo, a faculdade de provocar a actuação do Tribunal, através da formulação do pedido, e de delimitar os contornos do litígio, com as alegações dos factos, deste modo proporcionando a base factual da sentença, que, nos termos do artigo 607.º, do Código de Processo Civil, só pode ter em consideração os factos alegados pelas partes.
Ora, nos termos do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DecretoLei n.º 32/2003, de 17.02.
Como resulta depois do disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea d), do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, no requerimento da providência de injunção deve o requerente expor sucintamente os factos que fundamentam a sua pretensão.
E de acordo com o n.º 1, do mesmo artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, salvo manifesta inadequação ao caso concreto, o requerimento de injunção deve constar de impresso de modelo aprovado por portaria do Ministério da Justiça.
Contudo, a utilização do impresso não legitima os requerentes a não efectuarem uma exposição, ainda que sucinta, da sua pretensão e dos seus fundamentos, ou seja, aqueles não ficam libertos do ónus de alegação dos factos que constituam a sua causa de pedir e fundamentam o seu pedido (neste sentido, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. n.º 30491/18.7YIPRT.G1, de 27-06-2019, e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 89078/18.6YIPRT-A.L1-6, de 16-05-2019, ambos disponíveis em www.dgsi.pt..
Aliás, o próprio modelo aprovado de impresso contém um campo específico para tal, intitulado Exposição dos factos que fundamentam a pretensão, onde o requerente deve efectuar tal descrição (Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 1.ª ed., págs. 145 e segs.).
No caso em apreço a Autora limita-se a invocar o direito ao pagamento da quantia acima referida não se conseguindo compreender da alegação efectuada qual o contrato a que se refere, com quem foi celebrado, a data em que o mesmo foi celebrado, qual o conteúdo do mesmo e as obrigações que foram assumidas pelas partes e quais os montantes em dívida e em que data se
verificou o incumprimento. Sendo que mesmo após contraditório não se descortina qual a relação jurídica entre as partes. Em face da ausência total de alegação e em face da ininteligilidade da causa de pedir, não estamos perante uma situação de convite ao aperfeiçoamento, por se considerar que não são sanáveis as deficiências do requerimento de injunção.
De facto, foi a Autora notificada nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, no sentido de se pronunciarem quanto à oposição apresentada pela Ré, tendo a Autora aproveitado para alegar os factos que não constam do requerimento de injunção. Ora, salvo o devido respeito por tese contrária, não pode um despacho em que se refere expressamente que se destina ao exercício do contraditório, ser considerado como convite ao aperfeiçoamento, nos termos e para os efeitos do artigo 590.º, nº 2 alínea b) e nº 4 do Código de Processo Civil.
Assim, não olvidando o Tribunal o disposto no artigo 186.º, n.º 3 do Código de Processo Civil face ao teor da oposição deduzida, verifica-se que o mesmo não tem aplicação no caso dos autos, já que nada se pode retirar quanto à causa de pedir alegada pela Autora, o que face à relação complexa entre as partes em causa exigiria uma alegação bastante por parte da Ré.
A Autora não alegou, assim, factos essenciais à procedência da acção, podendo fazê-lo, através da utilização, nomeadamente, do campo específico para tal e já mencionado ou, caso a situação não se revelasse adequada ao uso do impresso, utilizando um simples requerimento.
Conclui-se, deste modo, que falta a causa de pedir, na medida em que não foram alegados os factos concretos constitutivos da situação jurídica que a Autora pretende fazer valer em juízo e que determinariam a eventual procedência da acção, pelo que cumpre absolver os Réus da instância, por nulidade do processo, decorrente de ineptidão do requerimento de injunção.
Em face de todo o exposto, julgo procedente a excepção de ineptidão da petição inicial e, em consequência, declara este Tribunal nulo todo o processado absolvendo da instância os Réus, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea b), 186.º, n.º 1 e 2 alínea a), 576.º, n.º s 1 e 2 e 577.º, alínea b) do Código de Processo Civil.
Custas pela Autora (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Notifique e registe.(…)”.
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7. Não se conformando com o referido despacho, dele apela a autora – cfr. requerimento de recurso apresentado em 27-06-2022 - pugnando pela sua revogação e prosseguimento dos autos, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1.O Requerimento de injunção é por natureza um procedimento judicial simplificado, que obedece às razões de economia processual e dispensa algumas das formalidades exigidas às acções strictu sensu.
2.Importa não perder de vista que o propósito do legislador foi o de simplificar e desburocratizar a cobrança de dívidas através do procedimento de injunção, pelo que a causa de pedir deve ser referida de forma sucinta.
3. A petição inicial dos autos (requerimento injuntivo), foi apresentado na mais estrita conformidade com o regime estabelecido no DL n° 269/98, de 1 de Setembro, e portanto não é a mesma inepta, não se verificando os pressupostos da al.a) do n°2 do do art. 186° do Código de Processo Civil.
4. Discordando a ora Recorrente, em absoluto, que no requerimento injuntivo se tenha limitado a invocar o direito ao pagamento de determinada quantia e que não se compreenda da alegação efectuada qual o contrato a que se refere, com quem foi celebrado, a data em que o mesmo foi celebrado, qual o conteúdo do mesmo e as obrigações que foram assumidas pelas partes e quais os montantes em dívida e em que data se verificou o incumprimento.
5. A Recorrente indicou no formulário de injunção:
- a devida identificação das partes;
- a indicação do nome da Requerente e o da Requerida;
- a liquidação da obrigação, onde se refere que o capital devido é no montante de € 7.373,85 (tendo sido calculados os juros de mora até à data da propositura da injunção );
- a indicação da liquidação da taxa de justiça, com o respectivo valor;
- o tipo de contrato em causa, referindo-se que não foi um contrato celebrado com consumidor;
- a data do contrato;
- a indicação de que se trata de uma obrigação emergente de transacção comercial abrangida pelo DL n° 62/2013, de 10/5;
- e a indicação de que deverá ser apresentada a acção à distribuição no caso de frustração da notificação da requerida e o tribunal competente para o efeito.
6. A causa de pedir foi, assim, indicada no Requerimento de Injunção, pois decorre do mesmo qual o facto jurídico que serve de fundamento à pretensão da ora Recorrente - contrato de compra e venda de fornecimento de base de dados de empresas, os seus elementos essenciais, tais como as partes, a data da celebração, a venda da base de dados e o correspondente preço, a data de vencimento do mesmo e o incumprimento, tendo ainda feito alusão à factura que deu origem ao crédito.
Ora,
7. apenas existe ineptidão da petição inicial quando o autor se limita a indicar vagamente uma transacção comercial ou serviço, como fonte do seu direito, o que não foi o caso dos autos.
8. é jurisprudência comum dos tribunais de segunda instância o reconhecimento da não ineptidão de um requerimento de injunção no qual esteja assinalado o contrato que deu origem ao crédito e a factura que o suporta.
Mas,
9. se da convolação do requerimento de injunção em petição inicial resultasse a insuficiência da causa de pedir descrita no requerimento de injunção, deveria o tribunal convidar a requerente a corrigir a dita petição ou apresentar documentos complementares, antes de concluir pela nulidade do processo, tal como dispõe o art.590°, n°3 do CPC.
10. No caso dos autos, apesar da indicação sucinta dos factos que fundamentavam a pretensão da Requerente, os seus termos permitiram a Requerida o eficaz exercício do contraditório e, de modo pleno, o seu direito de defesa, para além de que, a ora Recorrente, apresentou articulado de resposta com a qual juntou o contrato, factura e diversos documentos de interpelação da ora Recorrida para o pagamento do preço.
11. Assim, para além de se entender que não existe ineptidão do requerimento de injunção, mas apenas uma exposição sucinta dos factos que sustentam a causa de pedir, o facto da Requerida ter exercido plenamente o contraditório, teria sido suficiente, por si só, para sanar a alegada ineptidão, nos termos do disposto no art.186.º, n° 3 do CPC.
12. Concluindo-se que a ineptidão da petição inicial apenas ocorre quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e a absolvição da instancia nos termos do disposto nos art.s 186°, n° 1, 576° al.b) e 278°, n° 1 al.b) do CPC, O que,
13. Não é, de todo, o caso dos autos.
Sem prescindir,
14. Caso assim se não entenda, o que só por mera hipótese académica se admite, se se entendesse que não houve uma exposição completa dos factos que permitissem determinar a causa de pedir, deveria a Autora ter sido convidada a aperfeiçoar o articulado por força do disposto nos arts. 6.º, n.º 2 e 590.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o que não aconteceu (…)”.
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8. Não foram juntas aos autos contra-alegações.
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9. Por despacho de 12-10-2022 foi admitido liminarmente o requerimento recursório.
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10. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são:
A) Se a petição inicial não é inepta, nos termos da al. a) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC?
B) Se, caso assim não se entenda, deveria ter sido a autora convidada a aperfeiçoar o articulado, por força do disposto nos artigos 6.º, n.º 2 e 590.º, n.º 3, do CPC?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
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A) Se a petição inicial não é inepta, nos termos da al. a) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC?
Nos termos do disposto no artigo 186º do CPC:
“1. É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2. Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (…).
3. Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com o fundamento na alínea a)…não se julgará procedente a arguição, quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.
A causa de pedir traduz-se no facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido (cfr. Antunes Varela; J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil; 2.ª Ed., Coimbra Editora, p. 245), pelo que, sob pena de ineptidão, não bastará uma indicação vaga ou genérica dos factos com base nos quais a autora sustenta a sua pretensão. Ao autor ou demandante não bastará, assim, formular um pedido, devendo sempre indicar a causa de pedir, traduzida nos concretos factos jurídicos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer, o que passa pela narração de concretos acontecimentos da vida que são suscetíveis de redução a um núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas materiais de direito substantivo (cfr., Lebre de Freitas; Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à luz do Código revisto; Coimbra Editora, 1996, pp. 54 a 57).
O autor encontra-se, pois, obrigado a expôr os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação (cfr. art. 552.º, n.º 1, al. d), do CPC).
A indicação da causa de pedir está perfeitamente conexionada com o princípio do dispositivo, consagrado no n.º 1 do artigo 5.º do CPC, onde se prescreve que, “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.
“Intimamente ligada ao princípio dispositivo, a causa de pedir exerce uma «função individualizadora do pedido e de conformação do objeto do processo»; ao apreciar o pedido, o tribunal não pode basear a sua decisão de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor (artºs 608º e 609º), sob pena de nulidade da sentença por excesso de pronúncia (artº 615º, al. d) )” (assim, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, vol. II, 2.ª Ed., Almedina, 2015, p. 71).
Daí que se possa dizer, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2017 (Pº 330/16.0T8PRT.P1, rel. FERNANDO SAMÕES), que “o princípio do dispositivo ou da controvérsia, consagrado no n.º 1 do art.º 5.º do CPC, impede que o juiz considere, na decisão, factos essenciais não alegados pelas partes nos articulados”.
O nosso direito adjetivo adota, quanto à causa de pedir, a chamada “teoria da substanciação”, perante a qual pode a “causa de pedir” constitui o ato ou facto jurídico, simples ou complexo, de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor e que este se propõe fazer valer – cfr. artº 581º nº4 do CPC.
Tem-se em vista não o facto jurídico abstrato, tal como a lei o configura, mas sim, um certo facto jurídico material, concreto, conciso e preciso, cujos contornos se enquadram na definição legal.
A causa de pedir é, pois, o facto material apontado pelo autor e produtor de efeitos jurídicos e, não, a qualificação jurídica que este lhe emprestou ou a valoração que o mesmo entendeu dar-lhe.
Como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-09-2017 (p.º 1608/16.8T8FAR.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO): “A causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido e corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido. A ineptidão da petição inicial decorrente de contradição entre o pedido e causa de pedir pressupõe a ausência de um nexo lógico entre a causa de pedir e o pedido formulado”.
A ideia primordial no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento duma ação, à partida, viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objeto do processo, que mostre, desde logo, não ser possível um correto, coerente e unitário ato de julgamento (cfr. Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, Vol. 3º, p. 47).
Secundariamente – na perspetiva das partes – o instituto da ineptidão da petição inicial permite o cabal conhecimento, por banda do réu, das razões fácticas que alicerçam o pedido do autor para, assim, poder exercer cabalmente o contraditório.
Por isso, se compreende o estatuído no nº 3 do artº 186º do CPC.
Especificamente, sobre o princípio do contraditório, o artigo 3.º do CPC estatui o seguinte:
“1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.”.
A dificuldade reside em manter uma linha de separação entre a ineptidão da petição, vício formal, e a inviabilidade ou improcedência, questão de mérito ou substancial.
Importa ter presente que, os factos que podem enformar os articulados se podem integrar em três espécies, a saber:
- Factos essenciais ou estruturantes, aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção.
- Factos complementares, que concretizam a causa de pedir ou a exceção complexa.
- Factos instrumentais, probatórios ou acessórios, que indiciam os factos essenciais e/ou complementares.
Apenas a falta dos factos essenciais na petição inicial determina a inviabilidade da ação por ineptidão daquela.
Ou seja: “A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer, mas só alguns destes factos – os essenciais – é que servem a função de individualização da causa de pedir, sendo esta que interessa à verificação da excepção de caso julgado” (assim, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-07-2014, p.º 16/13.7TBMSF.P1, rel. PEDRO MARTINS).
Já os factos complementares são indispensáveis à sua procedência, não contendendo a sua falta com aquele vício, mas com a questão de mérito a dilucidar a final (cfr., Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., p. 70).
Assim, em regra, se se formula um pedido com fundamento em facto aduzido e inteligível, mas que não pode ser subsumido no normativo invocado, o caso será de improcedência e não de ineptidão da petição.
O que interessa, no ponto de vista da apreciação da causa de pedir é que o ato ou o facto de que o autor quer fazer derivar o direito em litígio esteja suficientemente individualizado na petição.
“Se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta.
Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente…quando…sendo clara quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstancias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta: o que então sucede é que a acção naufraga” (assim, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2º vol., pp. 364 e 371).
A jurisprudência tem vindo a defender, uniformemente, que a insuficiência ou incompletude do concreto factualismo consubstanciador da causa de pedir, não fulmina, em termos apriorísticos e desde logo formais, a petição de inepta, apenas podendo contender, em termos substanciais, com a procedência ou a atendibilidade do pedido.
Por outro lado, petição prolixa não é o mesmo que petição inepta e causa de pedir obscura, imprecisa ou inadequada não é o mesmo que causa de pedir inexistente ou ininteligível.
No fundo, só existe falta de causa de pedir quando o autor não indica o “facto genético” ou matricial, a causa geradora do núcleo essencial do direito ou da pretensão que aspira a fazer valer (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 12-03-1974, in BMJ 235º, p. 310, de 26-02-1992, proc.º 082001, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-06-1985, in BMJ 348.º, p. 479 e de 01-10-1991, in BMJ 410.º, p. 893).
Nesta conformidade, só haverá falta de indicação da causa de pedir determinante da ineptidão quando, de todo em todo, falte a indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou tais factos sejam expostos de modo tal que, seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual o pedido e a causa de pedir (cfr. Acs. do STJ de 30-04-2003, proc.º 03B560, de 31-01-2007, pº 06A4150, de 26-03-2015, pº 6500/07.4TBBRG.G2.S2; Ac. do TRC de Coimbra de 27-09-2016, pº 220/15.3T8SEI.C1, rel. CARLOS MOREIRA; decisão do Tribunal da Relação de Évora de 25-11-2011, pº 99/10.1TBMTL-E1, rel. JOSÉ LÚCIO).
Como se sintetizou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-02-2010 (Pº 6178/07.5TBOER.L1-1, rel. PEDRO BRIGHTON), “há falta de causa de pedir quando não são alegados os factos em que se funda a pretensão do autor; há insuficiência da causa de pedir quando aqueles factos são alegados, mas são insuficientes para determinar a procedência da acção”.
Do n.º 3 do artigo 186.º do CPC decorre que, em caso de invocação pelo réu da falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, tal invocação não será atendível se se concluir que ele, não obstante as deficiências invocadas, percebeu o feito que o demandante introduziu em juízo, estando consciente das consequências que o autor dele pretende retirar.
Visa-se com a figura da ineptidão da petição inicial, como decorre deste preceito, também garantir o adequado exercício do contraditório da outra parte, “possibilitando que se defenda do ataque, por excepção ou por impugnação, reportada aos factos alegados na petição, idóneos para germinarem o direito invocado e pretendido” (assim, o Ac. do STJ de 28-05-2002, proc.º 02B1457).
Também conduz à ineptidão da petição inicial, a ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir.
“A petição inicial é inepta por ininteligibilidade quando os factos e a conclusão são nela expostos em termos de tal modo confusos, obscuros ou ambíguos que não possa apreender-se qual é o pedido ou a causa de pedir” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24-04-2012, Pº 2281/11.5TBGMR.G1, rel. EVA ALMEIDA).
A causa de pedir “refere-se aos acontecimentos da vida em que se apoia o Autor, sendo que a ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir consiste na indicação em termos verdadeiramente obscuros ou ambíguos, de forma a não se saber, concreta e precisamente, o que pede o autor e com que base o pede” (assim, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09-05-2019, pº 3616/15.7BESNT, rel. PEDRO MARCHÃO MARQUES).
Do dever de gestão processual, consagrado no artigo 6.º do CPC, decorre que:
“1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”.
Por seu turno, estatui o artº 590º do CPC que: “1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido”.
Decorre destes normativos que não há que suprir a falta de pressupostos processuais nem de aperfeiçoar a petição inicial no caso de faltar ou de ser ininteligível o pedido/causa de pedir, pois, a nulidade decorrente da ineptidão não é suprível (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-07-2006, pº 0632391, rel. DEOLINDA VARÃO).
Assim, a falta ou a ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir não são passíveis de suprimento, pelo que, também não terá lugar, se se verificarem tal falta ou ininteligibilidade, a prolação de despacho de aperfeiçoamento, o qual se compreenderá apenas nos casos em que o pedido ou a causa de pedir são meramente deficientes, mas encontram-se presentes, ou, nos casos em que se compreende o litígio interposto, quer em termos da pretensão solicitada ao Tribunal, quer em termos da razão em que a mesma assenta.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-12-2007 (Pº 9176/2007-2, rel. LÚCIA DE SOUSA): “A indicação do pedido e da causa de pedir, bem como a alegação dos factos correspondentes são da inteira responsabilidade do Autor não incumbindo ao Juiz substituir-se ao mesmo. A decisão que julga inepta a petição inicial, tal como a que convida à correcção dos articulados ou a que condena ou absolve do pedido, não pode ser considerada decisão surpresa, por se inserir na esteira do decurso normal da acção. A ineptidão da petição inicial não dá lugar à improcedência da acção, com absolvição do Réu do pedido, mas sim à nulidade de todo o processo com absolvição do réu da instância”.
Do mesmo modo, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-01-2019 (Processo: 573/18.1T8SXL.L1-6, rel. MANUEL RODRIGUES) que:
“I – O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, que não comporta o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
II - O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
III - Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
IV - As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC)”.
Ou seja: Perante uma situação de ineptidão da petição inicial, não há que convidar o autor a corrigi-la, tal como não tem lugar a convocação dos normativos do artigo 265.º (respeitante à alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo), do artigo 410.º (relativo ao objeto da instrução da causa) ou do artigo 547.º (atinente à adequação formal do processado) do CPC.
Para além disso, importa referir que, o processo de injunção configura-se um dos procedimentos especiais, regulado em legislação avulsa.
O artigo 1.º do DL nº. 269/98, de 1 de setembro - diploma preambular que aprovou o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância -, prevê a aprovação do “regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma”.
Por sua vez, o artº. 7º de tal regime define o conceito de injunção, no sentido de ser “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”.
A providência de injunção é, deste modo, aplicável:
- A requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 (cf., o citado artº. 1º do Diploma Preambular – DL nº. 269/98, na redacção do artº. 6º do DL nº. 303/2007, de 24 de agosto – e os artigos 1º a 5º do anexo ao mesmo Decreto-Lei); e
- A obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL nº. 32/2003, de 17 de fevereiro.
Dispunha o artº. 2º deste diploma, ser o mesmo aplicável “a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais”, muito embora estejam excluídos da sua aplicação:
a) Os contratos celebrados com consumidores;
b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais;
c) Os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros.
Por seu turno, as alíneas a) e b) do artº. 3º, prescrevem dever entender-se, para efeitos da regulação em causa, por “transacção comercial”, “qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”, enquanto que por “empresa” dever-se-á entender “qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular”.
O artº. 7º, na redacção conferida pelo DL nº. 107/2005, de 01 de julho, prescrevia que:
“1 - O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4 - As acções destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos”.
Entretanto, foi publicado o D.L. nº. 62/2013, de 10 de maio, prevendo medidas contra os atrasos no pagamento de transacções comerciais, tendo no seu artigo 13º revogado o D.L. nº. 32/2003, com excepção dos artigos 6,º e 8,º, mantendo ainda este em vigor “no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do presente diploma”, ou seja, celebrados até 30/06/2013 – cf., o artº. 15º. Acrescentou que “as remissões legais ou contratuais para preceitos do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, consideram-se efetuadas para as correspondentes disposições do presente diploma, relativamente aos contratos a que o mesmo é aplicável nos termos do artigo seguinte”.
O mencionado D.L. n.º 62/2013 transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva nº. 2011/7/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16/02/2011, prevendo no seu artigo 2º acerca do seu âmbito de aplicação e procedendo igualmente à definição de transacção comercial e de empresa nas alíneas b) e d), do artº. 3º, nos termos já equacionados pelo DL nº. 32/2003, de 17/02.
Por sua vez, o artº. 10º, prevendo acerca dos procedimentos especiais, referencia que:
“1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação”.
Assim, desta enunciação legal resulta que “desde que o art 8º do DL 32/2003 alterou a redacção do art 7º do DL 269/98, o procedimento da injunção passou a ser utilizável no caso do cumprimento das obrigações a que se refere o art 1º do diploma preambular – obrigações pecuniárias emergentes de contrato – e a obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17/2, aqui independentemente do valor” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-12-2015, proc.º 122528/14.9YIPRT.L1-2, rel. MARIA TERESA ALBUQUERQUE).
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30-05-2019, (Processo n.º 81643/18.8YIPRT-A.E1, rel. ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO): “a forma de processo aplicável na sequência da dedução de oposição no procedimento de injunção para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais determina-se pelo valor da dívida ou do pedido; aplica-se a forma de processo comum, se está em causa injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial com valor superior a € 15.000,00, e a forma de processo especial prevista no DL nº 269/98, se está em causa injunção destinada à cobrança de dívida de valor não superior a € 15.000,00”.
No caso, a requerente/ora recorrente indicou que a pretensão era emergente de transação comercial e indicou valor inferior a € 15.000,00.
A forma de processo aplicável é, pois, a prevista no D.L. n.º 269/98, de 1 de setembro.
Nos termos do art. 16.º, nº 1, do regime anexo ao DL 269/98, de 1 de setembro, deduzida oposição ao processo de injunção, o secretário apresenta os autos à distribuição que imediatamente se seguir.
Nos termos do n.º 1 do art. 17.º do mesmo regime, após a distribuição segue-se com as necessárias adaptações o disposto no n.º 4 do art. 1º (o duplicado da oposição será remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento), art. 3º (se a ação dever prosseguir, o juiz pode julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou conhecer do mérito da causa, realizando-se a audiência em 30 dias, sendo as provas oferecidas na audiência – podendo cada parte apresentar até 3 testemunhas, se o valor não exceder a alçada do tribunal de 1.ª instância, ou até 5 testemunhas, nos restantes casos e quando a decisão final admita recurso ordinário, pode qualquer das partes requerer a gravação da audiência) e art. 4º (regulando especificamente sobre os termos da audiência de julgamento).
Não obstante a especial regulação do procedimento injuntivo, pelo D.L. n.º 269/98, de 1 de setembro, o procedimento de injunção não prescinde, ao contrário do que parece supor a recorrente, da verificação da aptidão do requerimento injuntivo ou da existência de “causa de pedir”, nem a mesma decorre do simples facto de o procedimento seguir termos para distribuição, após a submissão do requerimento.
Na realidade, a dedução de oposição (ou a frustração da notificação do requerimento inicial ao requerido) é a especifica circunstância que determina a remessa para distribuição, como decorre do disposto no artigo 16.º, n.º 1, do regime anexo ao D.L. n.º 269/98, de 1 de setembro, mas, nem por isso, o juiz se encontra inibido de apreciar se se encontram reunidos os pressupostos processuais atinentes à causa, não se encontrando vedado ao tribunal o conhecimento das exceções dilatórias de que possa conhecer oficiosamente, entre as quais se encontra a da nulidade de todo o processo (cfr. artigos 576.º, 577.º, al. b) e 578.º do CPC).
Aliás, inequívoca nesse sentido é a previsão constante do n.º 1 do artigo 3.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98, de 1 de setembro: “Se a ação tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa”.
Esta disposição que não é, em si mesma, auto-suficiente, tendo de ser integrada com a aplicação subsidiária que resulta da consideração dos conceitos e institutos jurídicos correspondentes, enunciados nas normas gerais do processo civil, designadamente, com os de “exceção dilatória” (cfr. artigo 576.º e ss. do CPC), de “nulidade que lhe cumpra conhecer” (cfr. artigo 186.º e ss. do CPC) e de decisão pelo juiz sobre o “mérito da causa” (cfr., v.g., al. b) do n.º 1, do artigo 595.º do CPC).
E, conforme resulta do n.º 1 do artigo 186.º do CPC, é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
Da previsão contida no n.º 3 do artigo 17.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98 – estatuindo que o juiz pode, recebidos os autos, convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais – não resulta qualquer regime diverso e impeditivo do conhecimento da excepção dilatória decorrente da nulidade de todo o processado por banda do julgador.
Por sua vez, dos artigos 10.º, 11.º e 16.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98, de 1 de setembro consta, nomeadamente, o seguinte:
“Artigo 10.º (Forma e conteúdo do requerimento)
1 - O modelo de requerimento de injunção é aprovado por portaria do Ministro da Justiça.
2 - No requerimento, deve o requerente:
(…) d) Expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão;
Artigo 11.º (Recusa do requerimento)
1 - O requerimento só pode ser recusado se:
a) Não estiver endereçado à secretaria judicial competente ou não respeitar o disposto na alínea l) do n.º 2 do artigo anterior;
b) Omitir a identificação das partes, o domicílio do requerente ou o lugar da notificação do devedor;
c) Não estiver assinado, excepto nos casos previstos no n.º 7 do artigo anterior;
d) Não estiver redigido em língua portuguesa;
e) Não constar do modelo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior;
f) Não se mostrar paga a taxa de justiça devida;
g) O valor ultrapassar o referido no artigo 1.º do diploma preambular, sem que dele conste a indicação prevista na alínea g) do n.º 2 do artigo anterior;
h) O pedido não se ajustar ao montante ou finalidade do procedimento.
2 - Do acto de recusa cabe reclamação para o juiz ou, no caso de tribunais com mais de um juiz, para o que estiver de turno à distribuição.(…).
Artigo 16.º (Distribuição)
1 - Deduzida oposição ou frustrada a notificação do requerido, no caso em que o requerente tenha indicado que pretende que o processo seja apresentado à distribuição, nos termos da alínea j) do n.º 2 do artigo 10.º, o secretário apresenta os autos à distribuição que imediatamente se seguir.
2 - Salvo o disposto no n.º 2 do artigo 11.º e no n.º 4 do artigo 14.º, os autos são também imediatamente apresentados à distribuição sempre que se suscite questão sujeita a decisão judicial”.
Ora, resulta dos mencionados preceitos que o requerente da injunção deve expor, ainda que sucintamente, os factos “que fundamentam a pretensão”. Estes factos são, na realidade, pelo menos, aqueles que circunscrevem a causa de pedir, ou seja, os factos jurídicos concretos, essenciais, em que o requerente da injunção assenta a sua pretensão.
Mas, por outro lado, não resulta da ausência de menção – no citado artigo 11.º - à falta de enunciação dos factos que fundamentam a pretensão do requerente como causa de recusa do recebimento do requerimento injuntivo, qualquer preclusão no sentido de o julgador poder conhecer de circunstância – como a atinente à ineptidão da petição inicial – determinativa da nulidade de todo o processado.
Conforme bem se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-05-2019 (Processo 89078/18.6YIPRT-A.L1-6, rel. MANUEL RODRIGUES): “Na injunção, sob pena de ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de indicação de causa de pedir, o requerente deve invocar os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, pois que a lei ao dispensar a pormenorizada alegação de facto, bastando-se com a alegação sucinta e não articulada dos factos, em termos de brevidade e concisão, não postergou, com tal agilização, os princípios gerais da concretização fáctica, embora sucinta, em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica substantiva. No procedimento para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos [Injunção] e nas acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias [AECOPs] com origem naquele procedimento, em que a pretensão do requerente/autor só pode emergir de uma transacção comercial fundada num contrato ou numa pluralidade de contratos, a narrativa da causa de pedir não pode deixar de conter o conteúdo essencial das declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do incumprimento por parte do requerido. Tratando-se de transacção comercial necessariamente sujeita a facturação, nos termos do Código do IVA [art. 29.º], deve tal documento contabilístico ser mencionado na exposição dos factos que fundamentam a pretensão do requerente, que incluiu pedido de condenação no pagamento de juros de mora desde o vencimento de tal factura, e acompanhar o requerimento injuntivo, por se tratar da alegação de factos e de documento que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção, sob pena de se verificarem as excepções dilatórios inominadas de falta de condição da acção [inexistência de relação entre a situação de facto deduzida em juízo e o regime legal invocado, emergente do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio – artigos 2.º, n.º 4, 3.º, alíneas b), c) e d) e 5.º, n.ºs 1, alíneas a), e b) e 4, conjugados com o art.º 10.º, n.º 2, alínea d), do Dec.-Lei n.º 169/98, de 1 de Set.] e de falta pressuposto processual [inexistência de factura inerente à «transacção comercial», documento essencial de que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção].
Conclui-se, pois, que se verifica uma identidade entre o núcleo de factos que, no âmbito do requerimento injuntivo, devem constar do mesmo, de harmonia com o previsto na alínea d), do n.º 2 do artigo 10.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98, de 1 de setembro, como estruturantes ou fundamentadores da pretensão injuntiva deduzida e aqueles que, no âmbito do processo civil comum, integram o conceito de causa de pedir.
Tecidas estas considerações gerais e revertendo ao caso concreto, verifica-se que a autora, no requerimento injuntivo que apresentou, deduziu uma pretensão de pagamento pela ré da quantia de € 7.760,30 (cujas parcelas identificou), com referência a “Contrato de: Compra e venda”, datado de 31-05-2021, respeitando a obrigação a transação comercial, invocando – para o que preencheu o campo do formulário da injunção referente à “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão” - que:
“ENTRE REQUERENTE E REQUERIDA FOI CELEBRADO UM CONTRATO DE FORNECIMENTO DE BASE DE DADOS DE EMPRESAS, TENDO A REQUERIDA ACEITE A PROPOSTA APRESENTADA PELA REQUERENTE EM 21.05.2021, PELO PREÇO DE € 5.995, ACRESCE IVA Á TAXA LEGAL DE 23%, NO VALOR DE 1.378,85€. FOI EMITIDA A FATURA EM 31.05.2021, COM VENCIMENTO A TRINTA DIAS. PORÉM, NA DATA DO VENCIMENTO, A FATURA NÃO FOI PAGA, NEM POSTERIORMENTE, APESAR DAS DIVERSAS INTERPELAÇÕES FEITAS PELA REQUERENTE NESSE SENTIDO. PELO QUE, NESTA DATA, A REQUERIDA É DEVEDORA DA REQUERENTE NO VALOR DE € 7.373,85, A QUE ACRESCEM JUROS À TAXA LEGAL E QUE NESTA DATA PERFAZEM A QUANTIA DE €281,22”.
Ora, ao invés do mencionado pelo Tribunal recorrido não se alcança que a autora se tenha limitado a invocar “o direito ao pagamento da quantia acima referida”, nem que não se consiga compreender da alegação efetuada, qual o contrato celebrado, com quem foi celebrado, a data de celebração, o conteúdo do mesmo, as obrigações assumidas pelas partes, quais os montantes em dívida e a data em que se verificou o incumprimento.
Se bem se atentar, a autora invocou ter celebrado um contrato de compra e venda, pelo qual forneceu uma base de dados de empresa à ré, contrato esse que terá sido celebrado em 31-05-2021 (aqui haverá, decerto, lapso, mas passível de correção, sendo passível de convite a esclarecimento, pois, como decorre da exposição sucinta dos factos, aí é invocado que a requerida aceitou a proposta apresentada pela requerente em 21-05-2021).
Por outro lado, foi indicado o preço do fornecimento – e as suas componentes – e a emissão de fatura em 31-05-2021, com vencimento a 30 dias e, bem assim, que, na data do vencimento, a referida fatura não foi paga pela ré, nem tal sucedeu posteriormente, apesar das interpelações da autora.
Assim, divisam-se no formulário da injunção, desde logo, os seguintes elementos:
- A identificação das partes;
- A discriminação da obrigação;
- A indicação da liquidação da taxa de justiça, com o respectivo valor;
- O tipo de contrato em causa, referindo-se que não foi um contrato celebrado com consumidor;
- A data do contrato;
- A indicação de que se trata de uma obrigação emergente de transacção comercial abrangida pelo DL n° 62/2013, de 10 de maio; e
- A indicação de que o requerimento deveria ser apresentado à distribuição no caso de frustração da notificação da requerida e o tribunal competente para o efeito.
Ora, como decorre das considerações acima expendidas, para existir um idóneo objeto de uma ação mostra-se necessária a indicação e a inteligibilidade da causa de pedir e do correspondente pedido, bem como, a necessidade de existir um nexo lógico formal não excludente entre aqueles dois termos da pretensão, por forma a permitir um pronunciamento de mérito positivo ou negativo.
De facto, “a causa de pedir desdobra-se, analiticamente, em duas vertentes:
a) - uma factualidade alegada, que constitui o respectivo substrato factual, também designada pela doutrina por causa de pedir remota;
b) - uma vertente normativa significante na perspectiva do pedido formulado, designada por causa de pedir próxima, não necessariamente adstrita à qualificação dada pelo autor, mas delineada no quadro das soluções de direito plausíveis em função do pedido formulado, aliás nos latos termos permitidos ao tribunal, em sede de enquadramento jurídico (…); é o que alguma doutrina designa por princípio da causa de pedir aberta” (assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01-06-2010 (Pº 405/07.6TVLSB.L1-7, rel. TOMÉ GOMES):
Conforme se concretizou no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 31-03-2013 (Processo: 500/08.4TBMNC.G1, rel. AMÍLCAR ANDRADE): “A causa de pedir tem de ser concretizada ou determinada, consistindo em factos ou circunstâncias concretas e individualizadas; não podendo apresentar-se como manifestamente irrelevante ou contraditória com o pedido. É sobre o autor, que invoca a titularidade de um direito, que cabe fazer a alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência do direito”.
Ora, reapreciando o conteúdo da petição inicial, verifica-se que a descrição factual efetuada pela autora em tal articulado contém um substrato factual, atinente aos factos essenciais, dedicado ao pedido formulado, pretensão e fundamento em que aquele assenta, que se mostram inteligíveis.
De facto, a exposição sucinta dos factos que fundamentam a pretensão da autora encontra-se, como decorre do exposto, presente e, a mesma, nada tem de ininteligível, sendo percetível suficientemente a correspondente alegação: Foi, nomeadamente, invocada a celebração de um contrato de fornecimento à ré de um determinado produto, bem como, a existência de uma proposta contratual da autora e de uma aceitação, esta temporalmente reportada, da ré, bem como o incumprimento da obrigação por esta assumida, decorrente do não pagamento atempado da fatura mencionada.
A alegação produzida na petição inicial não é confusa, obscura ou padece de ambiguidade inultrapassável, que não seja passível de eventual aperfeiçoamento.
Conclui-se, pois, que a petição inicial apresentada não sofre do vício de ineptidão, porque a causa de pedir se encontra presente e a mesma não é ininteligível (cfr. artigo 186.º, n.º 2, al. a) do CPC).
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B) Se, caso assim não se entenda, deveria ter sido a autora convidada a aperfeiçoar o articulado, por força do disposto nos artigos 6.º, n.º 2 e 590.º, n.º 3, do CPC?
Atenta a decisão dada à questão precedente, mostra-se prejudicada a apreciação da questão em apreço (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC), porque o seu conhecimento assentaria na improcedência da questão A), improcedência que - como se viu - não teve lugar.
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Em conformidade com o exposto, a apelação procederá.
A decisão recorrida deverá, pois, ser objeto de revogação, sendo substituída por outra que, declarando que a petição inicial não é inepta, determine o prosseguimento dos autos, com a prática dos trâmites que, em conformidade, lhe couberem.
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A responsabilidade tributária incidirá sobre a parte vencida a final, atenta a impossibilidade de, por ora e sem o julgamento final, atuarem os critérios do vencimento ou do proveito recursórios – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível em, na procedência da apelação, revogar a decisão recorrida, substituindo-a pela presente, declarando que a petição inicial não é inepta e determinado o prosseguimento dos autos, com a prática dos trâmites que, em conformidade, lhe couberem.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique e registe.
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Lisboa, 10 de novembro de 2022.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
Maria José Mouro Marques da Silva