Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
300/21.6T8SRQ.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
ACTIVIDADE EXTRAPROCESSUAL PRÉVIA AO PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Não releva para a litigância de má-fé, mesmo na modalidade de dedução de pretensão cuja falta de fundamento se não ignora, a actividade extraprocessual prévia ao processo, sejam as conversas mantidas entre as partes ou entre alguma parte e alguma testemunha ou entre o advogado de uma parte e alguma testemunha ou parte, seja a interposição do correspondente procedimento cautelar pelo réu contra o autor, sem inversão do contencioso, no qual a defesa do autor, ali requerido, não fez vencimento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório[1]
C, nos autos m.id., intentou, em 12.10.2021, a presente ação declarativa sob forma de processo comum contra E, também nos autos m.id, peticionando a final a condenação desta:
1. «A reconhecer o Autor como dono e legítimo proprietário do prédio rústico sito à Rua …, freguesia da …, concelho de … (…), com a área total de 20 894 m2, composto por vinha, descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º … da dita freguesia, inscrito a favor do Autor pela Ap. … de 2018/01/08 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ….º da dita freguesia, com o valor patrimonial de …€.
2. A restituir de imediato ao Autor a parcela de terreno com a área de 8 295,80 m2, livre de pessoas e bens.
3. A pagar ao Autor todos os prejuízos sofridos em resultado da sua ocupação abusiva, a título de danos não patrimoniais no valor de 5.000,00€ (cinco mil euros).»
Alegou, em síntese, que a Ré é proprietária do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ….º da … sendo o Autor proprietário do prédio que se mostra inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ….º da mesma freguesia, que adquiriu por escritura pública outorgada aos 05 de janeiro de 2018, a M, por intermédio da sua filha MM, a qual facultou a caderneta predial rústica do imóvel com a área constante de 20 894 m2.
O seu prédio estava omisso na Conservatória, sendo que foi requerida certidão negativa do mesmo com a área indicada de 20.894 m2, e que o Autor se deslocou ao local com o filho da vendedora para ver as estremas e que obteve o mapa de localização junto da Câmara Municipal da …, revelador da configuração e da respetiva área do imóvel a adquirir. 
Em janeiro de 2018, após a aquisição do aludido prédio, o Autor deu início à execução do projeto de construção civil desenvolvido para aquele prédio, em específico, procedendo ao corte de árvores e limpeza do terreno, fazendo fogueiras.
Nessa ocasião foi confrontado por F, sobrinho da Ré, a pedir justificações pela sua conduta ao ter procedido ao corte de árvores em área – parcela de terreno de 8.295,80 m2 – que era alegadamente parte integrante do prédio da Ré.
O levantamento topográfico feito pela Ré é ineficaz e a anterior proprietária do prédio do Autor não estava bem de saúde e não sabia que estava a assinar uma retificação de áreas, documento esse que foi apresentado por F. 
Mais, a retificação de áreas não foi sujeita a registo, até à data de aquisição do prédio por parte do Autor, com a primeira descrição e inscrição datada de 29 de abril de 2018, sendo que a área do prédio da Ré, numa relação de bens apresentada nas Finanças, tinha uma área de 5.000 m2. 
A Ré intentou um procedimento cautelar especificada de “Provisória da Posse”, alegando que o Autor invadiu a sua propriedade e cortou árvores, o qual correu termos com o n.º …/18.3T8SRQ, mas não propôs a ação principal pelo que a aludida providência caducou e, assim sendo, não impende sobre o Autor qualquer limite ao seu direito de usufruir do prédio rústico com 20.894 m2.
Contudo, a Ré, desde julho de 2018, passou a ocupar uma parcela de 8.295,80 m2 de forma discricionária, cultivando-a, entrando e saindo dela, tendo o Autor interpelado a mesma bem como apresentado queixa crime.
Consequentemente, o Autor está impedido de realizar um projeto que tinha pensado e teve despesas com gabinete de Arquitetura, no valor de 4.000,00€, ao que acresce que tem sido acometido por crises de ansiedade, angústia e revolta, tendo ficado dias sem dormir, a pensar nessa situação e nos sérios prejuízos que acarretariam em termos de prazo de execução do referido investimento.
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Contestou a Ré em 17.02.2022, e deduziu reconvenção, peticionando o reconhecimento da propriedade do seu prédio e que tal prédio ocupa a área total de 1,32958 hectares, bem como a condenação do Autor como litigante de má-fé no pagamento à Ré de indemnização nunca inferior a 7.500,00€.
Alegou, em síntese, que é proprietária do prédio inscrito na matriz predial sob o artigo ….º na freguesia da … por o ter herdado na sequência do óbito do seu marido, sendo que o prédio havia sido adquirido pelo casal, há mais de 40 anos, por doação feita pelos sogros, em 1957.
A Ré e o marido, quer diretamente, quer por pessoas que contratavam, trabalhavam o prédio, podando, mondando, sachando, sulfatando a vinha e as figueiras, ali existentes, e colhendo os respetivos frutos, o que faziam por todo o prédio, isto é, na área de 1.32958 hectares. 
Há aproximadamente 20 anos, a Ré passou a trabalhar apenas uma área junto à Estrada …., e outra que fica junto ao Caminho do …, isto é, as extremidades, a Leste e Poente, respetivamente. Apesar disso, não abandonou, ou deixou de supervisionar e utilizar a restante área do prédio.
O casal exerceu tais atos à vista de todos, sem qualquer oposição de ninguém, sem intromissão de terceiros, de boa fé, posse exercida de forma continua e ininterrupta há mais de 65 anos, sendo que as pessoas em geral, familiares e vizinhos reconhecem e respeitam a posse e consequente propriedade sobre a totalidade do identificado prédio, por parte da Ré e tanto assim é, que a Ré pretendendo legalizar o prédio apercebeu-se que a área inscrita na matriz não correspondia à sua área real, razão pela qual procedeu à respetiva retificação.
Para o efeito, a Ré menciona que esse levantamento foi apresentado aos vizinhos, isto é, aos confinantes do prédio, os quais analisaram-no, reconheceram a sua veracidade, e prontificaram-se e assinar na planta.
Nega perentoriamente que o prédio do Autor tenha a área que o mesmo lhe arroga e que MM tenha facultado a caderneta predial rústica do imóvel com a área constante de 20.894 m2.
Nas negociações preliminares que levaram à formalização do negócio de compra e venda por escritura pública, nunca se falou na área do prédio, muito menos o Autor procurou, quis saber, ou fez o confronto entre a área que constava nos documentos (certidão de teor matricial) e a realidade do prédio.
O Autor, na sequência do julgamento e sentença no processo de providência cautelar, perante o sobrinho da Ré, pediu desculpa, justificando que se tinha enganado, que tinha feito a ação para retorquir dinheiro aos vendedores, e que estivessem descansados que não punha lá mais os pés; tendo ainda remetido uma carta à filha da vendedora pedindo uma redução/acerto do preço da venda do terreno. 
A anterior proprietária do prédio do Autor encontrava-se perfeitamente lúcida, não estava acamada, e na presença de dois filhos, foi-lhe apresentado e explicado o que se pretendia fazer, e da necessidade de os vizinhos do prédio assinarem na planta a comprovar que a mesma correspondia à realidade do prédio; tendo a mesma esclarecida e livremente assinado o documento. 
Mais refere que, em 05.01.2018, data da escritura pública de compra e venda, nem o prédio do Autor, nem o da Ré não estavam registados.
O Autor tem perfeito conhecimento que a sua pretensão não tem fundamento, desde logo porque na venda não foi considerado ou falado a área do prédio.
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O Autor não apresentou réplica.
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Dispensou-se a realização da audiência prévia e foi proferido despacho saneador, aos 21.06.2022, no qual se fixou o valor da ação em €35.000,00, se definiu o objeto do litígio e foram fixados os temas de prova. 
Realizou-se audiência final tendo sido seguidamente proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
Nestes termos, e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supracitados, este Tribunal julga a ação parcialmente procedente e, em consequência:
1. Condena a Ré E a reconhecer o Autor C como dono e legítimo proprietário do prédio rústico sito à Rua da Estrada, freguesia da …, concelho de … (…), composto por vinha, descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º ….º da dita freguesia, inscrito a favor do Autor pela Ap. … de 2018/01/08 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ….º da dita freguesia, com o valor patrimonial de …€.
2. Absolve a Ré E de todos os demais pedidos formulados pelo Autor C.
Nestes termos, e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supracitados, este Tribunal julga a reconvenção totalmente procedente e, em consequência:
a) Declara a Ré E dona e legítima proprietária do prédio rústico, sito na Estrada …, n.º ….ª, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz predial sob o artigo ….º, composto por prédio de vinha, com a área de 1.32958 hectares, registado na Conservatória de Registo Predial …, da mencionada freguesia …., sob a descrição ….º.
b) Condena o Autor C a reconhecer o direito de propriedade da Ré E, sobre o prédio descrito em a) e que o aludido prédio ocupa a área total de 1,32958 hectares.
c) Condena o Autor C abster-se da prática de quaisquer atos, e factos que ponha em causa, ou limitem o exercício pleno do direito de propriedade da Ré E.
d) Condena o Autor C como litigante de má fé, em multa processual com valor de 6 UC.  E
e) Condena o Autor C, como litigante de má fé, a pagar uma indemnização à Ré E, em valor a ser liquidado em ulterior incidente, nos termos acima assinalados e atento o disposto no artigo 543.º, n.º 3 do Código Processo Civil.
Custas a cargo do Autor.
Registe e notifique. 
Após trânsito, diligencie-se pelo registo da sentença no registo predial (artigos 8.º-A, n.º 1, al. b) e 8.º-B, n.º 3, al. a) do Código de Registo Predial).
Após trânsito, notifique a Ré para a mesma, em requerimento autónomo, vir discriminar os prejuízos a que alude o artigo 543.º, n.º 1 do Código Processo Civil e juntar a respetiva prova, após que, será conferido contraditório ao Autor e seguidamente será fixado o aludido valor da indemnização”. 
*
Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
a) O presente recurso é interposto da douta Sentença, por via da qual o Juízo …, julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência decidiu (…) e que julgou a reconvenção totalmente procedente e, em consequência decidiu (…).
b) O Recorrente não se conforma com a sentença proferida, daí a razão de ser do presente recurso, o qual merece inteiro provimento.
c) Como se verá, o Tribunal ad quem deverá alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, a qual peca nomeadamente por erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, porquanto a prova produzida impõe diferente decisão da recorrida.
d) Assim, e revista a decisão da matéria de facto, entende o Recorrente que não foi produzida prova bastante para tivesse sido dado como provado o facto 40 “Antes e depois de adquirir o seu prédio, o Autor sabia que na venda não foi considerado ou falado a área do prédio e sabia que a área do prédio não englobava a parcela de 8.295,80 m2 pela prova produzida em sede de audiência de julgamento de providência cautelar.
e) O referido facto deverá ser alterado, considerando-se o mesmo como não provado pois, o Tribunal a quo sustenta a sua convicção no depoimento das testemunhas MM, MG e F,
f) Desvalorizando, por seu turno, a prova documental carreada para os autos pelo Autor, nomeadamente, o doc. 5 junto com a petição inicial correspondente à escritura de compra e venda do prédio em crise.
g) O Recorrente não pode deixar de manifestar a sua discordância pela posição firmada pelo Meritíssimo Juiz e isto porque, se tal área consta da escritura de compra e venda, a qual foi lida aos outorgantes e feita a explicação do seu conteúdo, em voz alta e na presença simultânea de ambos, é evidente que o Autor sabia que a área do prédio que estava a adquirir era 20.894m2.
h) Aliás, de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade, é evidente que ninguém adquire um prédio sem antes saber a área do mesmo desde logo, porque o preço do prédio tem por base a respetiva área.
i) Sobretudo, quando tal aquisição se destina à execução de um projeto de construção civil, conforme era o caso, facto 11. da matéria fáctica dada como provada.
j) E como se isso não bastasse, o Meritíssimo Juiz desconsiderou a certidão negativa emitida pela Conservatória do Registo Predial … e a caderneta predial rústica, documentos exibidos pelos outorgantes aquando da celebração da escritura de compra e venda e que foram apresentados pelo Autor na sua petição inicial, sob a forma de doc. 6.
k) Os quais atestam que o prédio do Autor tem, de facto, a área de 20.894,80m2.
l) Ademais, o Meritíssimo Juiz desconsiderou as declarações de parte do Autor, as quais impunham decisão diversa sobre este facto uma vez que, o Autor referiu que sempre esteve convencido que o seu prédio tinha a área constante dos documentos suprarreferidos.
m) Termos em que o facto 40. deverá ser alterado, considerando-se o mesmo como não provado.
n) Salvo sempre com o devido respeito, não podemos concordar com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo em dar como provado o facto 41., mormente que “O Autor, na sequência do julgamento e da sentença no processo de providência cautelar, perante o sobrinho da Ré, F, pediu desculpa, justificando que se tinha enganado, que tinha feito a ação para retorquir dinheiro aos vendedores, que estivessem descansados que não punha lá mais os pés”.
o) Isto porque, o Tribunal a quo sustenta a sua convicção única e exclusivamente no depoimento da testemunha F, desmesurando, por seu turno, as declarações de parte do Autor, aqui recorrente, as quais merecem total credibilidade, na medida em que foram prestadas de forma espontânea, honesta e sincera.
p) Tendo sido apresentadas duas versões contraditórias quanto a este facto, por duas pessoas com interesse da causa, as mesmas não foram corroboradas por qualquer outro meio de prova, nomeadamente, testemunhal.
q) E a verdade é que, o Meritíssimo Juiz não referiu por que razão atribuiu maior credibilidade à versão apresentada pela testemunha F, com interesse na causa, que à versão apresentada pelo Autor, ora recorrente.
r) Razão pela qual o facto 41. deverá ser alterado, considerando-se o mesmo como não provado.
s) De igual modo, não foi feita prova suficiente para dar como provado o facto 42. “O Autor através do seu advogado, a 17.08.2020, remeteu carta à filha da vendedora onde reconhece e afirma que na sequência dos desenvolvimentos da providência cautelar, “...o prédio em causa não possui a área que é indicada no documento matricial nem a indicada por si no local” e “Assim atendendo a que o valor fixado ao prédio teve como base a área constante da matriz haverá que fazer um acerto ao preço da venda”.
t) Tal facto reporta-se à missiva correspondente ao doc. 5 junto com a contestação, a qual não está assinada pelo Autor, mas antes pelo seu mandatário, Dr.. .
u) O Autor, em sede de declarações de parte, referiu desconhecer o conteúdo da mencionada carta e que a mesma foi enviada pelo seu mandatário sem o seu conhecimento e consentimento.
v) E tanto assim o foi, que a divergência de posições acabou por culminar na revogação da procuração a favor do Dr. .. .
w) Face ao que antecede, e não tendo sido produzida qualquer prova em contrário, tal seria manifestamente suficiente para que tal facto tivesse sido dado como não provado.
x) Por conseguinte, deverá o facto 42. ser alterado, considerando-se o mesmo como não provado.
y) De igual modo, entendemos que não foi produzida prova suficiente para que tivesse sido considerado como provado o facto 45. “O Autor apresentou em juízo o documento n.º 7 junto com a petição inicial fazendo crer que o mesmo estava em conformidade com um ofício originalmente emanado pela Câmara Municipal …., quando o mesmo apôs no aludido documento, posteriormente à emanação do aludido ofício, a menção manuscrita com dizeres “1…”.”
z) Tal documento corresponde à planta de localização emitida pela Câmara Municipal …,
aa) Na qual o Autor colocou a lápis o n.º 1… nas parcelas correspondentes ao seu prédio, de acordo com as indicações fornecidas pelo Serviço de Finanças da ….
bb) Isso mesmo foi esclarecido pelo Autor em sede de declarações de parte, conforme supra explanado, que sempre referiu que tinha aposto no aludido documento tais dizeres aquando da sua deslocação às Finanças.
cc) Sendo, portanto, falso, que o Autor tenha apresentado em juízo o documento n.º 7 com o objetivo de fazer crer que o mesmo estava em conformidade com o ofício originalmente emanado pela Câmara Municipal da ...
dd) Por conseguinte, o facto 45. deverá ser alterado, considerando-se o mesmo como não provado.
ee) Concluiu o Meritíssimo Juiz que o Autor litigou de má fé por “ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar” e “ter alterado a verdade dos factos”.
ff) Salvo o devido respeito por diverso entendimento, não pode aqui o Recorrente conformar-se com tal decisão, por se entender que a mesma enferma de errada subsunção jurídica dos factos e, portanto, padece de erro na aplicação do direito.
gg) Entende o Recorrente que o Tribunal a quo não alcançou a melhor Justiça, nomeadamente, ao condenar o Autor como litigante de má fé, ao abrigo do disposto nos art. 542.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC.
hh) Desde logo porque, os pressupostos do mencionado preceito legal não se encontram preenchidos no caso em apreço.
ii) Em primeiro lugar, importa relembrar que, no caso dos presentes autos, não houve decretamento da providência com inversão do contencioso pelo que, a decisão da providência cautelar não se converteu em definitiva.
jj) Não obstante, o Meritíssimo Juiz atribuiu tais efeitos à sentença proferida em sede de providência cautelar ao referir que “É certo que a providência cautelar caducou e não fez caso julgado do assunto ora em crise nos presentes autos, mas, contudo, na mesma foi produzida prova fortemente indiciária do direito da Ré, o que o Autor, não pode, de todo ignorar”.
kk) Mais, o Meritíssimo Juiz deu como assentes os factos sumariamente julgados em sede de providência cautelar, o que lhe estava vedado, desde logo, porque a referida providência caducou.
ll) Violando, assim, o disposto nos arts. 369.º, n.º 1 e 373.º, n.º 1 a), ambos do CPC.
mm) E como se isso não bastasse, o Tribunal a quo extraiu falsas conclusões do doc.5 junto com a contestação sendo certo que, conforme supra explanado, tal missiva não foi remetida pelo Recorrente, nem tão pouco se mostra assinada pelo mesmo.
nn) Mas ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que o conteúdo da carta não poderá ser interpretado como “um claro reconhecimento, por parte deste, de que o mesmo não tinha e não tem razão, no que tange à parcela de terreno em disputa nos presentes autos”.
oo) Desde logo porque tal missiva foi enviada após ter sido proferida sentença no procedimento cautelar, considerando a decisão proferida e não as razões de facto do Recorrente.
pp) Por conseguinte, mais uma vez, andou mal o Tribunal a quo a ancorar-se neste facto para condenar o Autor como litigante de má fé.
qq) Mais veio o Meritíssimo Juiz referir que o Autor admitiu, em sede de depoimento de parte, que a vendedora nunca utilizou o local por onde começou a cortar árvores.
rr) Em bom rigor, a vendedora não utilizava o local onde o Autor começou a cortar as árvores, como não utilizava a restante área do prédio que vendeu ao Autor.
ss) Assim, aderindo-se à tese perfilhada pelo Meritíssimo Juiz, não obstante o Autor ter pago o preço de 35.000,00€ por um prédio, não teria direito à área total do mesmo.
tt) Por fim, o Meritíssimo Juiz invocou o “derradeiro” argumento, o qual surge até inteiramente sublinhado na douta sentença e que se refere ao doc. 7 junto com a petição inicial.
uu) Tal documento corresponde à planta de localização emitida pela Câmara Municipal da …, na qual o Autor colocou a lápis o n.º 1… sobre as parcelas correspondentes ao seu prédio.
vv) Facto esse que foi espontaneamente esclarecido pelo Autor nas suas declarações de parte, que sempre disse que tinha aposto no aludido documento tais dizeres aquando da sua deslocação às Finanças.
ww) Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, demonstrando-se nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes (Acórdão da Relação de Guimarães de 15/10/2015, processo 3030/11.3TJVNF.G1).
xx) O instituto da litigância de má fé deve ser, deste modo, reservado, em moldes relativamente apertados e excecionais, para as condutas processuais inequivocamente inadequadas ao exercício de direitos ou à defesa contra pretensões, assentando num critério semelhante ao que se encontra subjacente à figura do abuso de direito, genericamente, consagrada no art.º 334.º, do Código Civil (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/03/2010).
yy) Face aos factos supra expostos, bem como às anteriores considerações jurídicas dúvidas não existem que a conduta processual do Autor, ora recorrente, em nada se subsume a qualquer das alíneas do art. 542.º, n.º 1 do CPC.
zz) Assim, mal andou o Tribunal de Primeira Instância, a condenar o Recorrente como litigante de má fé em multa processual com valor de 6 UC e a pagar uma indemnização à Recorrida.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser a Sentença revogada e substituída por Douto Acórdão que absolva o Recorrente do pedido de litigante de má fé, por assim ser de Direito e da mais elementar (…)”.
Foram apresentadas conclusões das contra-alegações do seguinte teor:  
“Pelo que fica dito, só podemos concluir que o tribunal de que se recorre decidiu bem os factos constantes dos pontos 40, 41, 42, e 45, outra coisa não poderia ser, atenta a prova produzida, quer documental, que testemunhal, incluindo ainda a inspecção ao local.
Considerando a postura, os factos por si articulados, os documentos e o que sobre os mesmos disse, só podemos concluir que o Autor actuou de má-fé e com dolo, até porque os factos já tinham sido discutidos em sede de providência cautelar, independentemente do que se escreveu, não há como apagar que a mesma existiu, o que ficou provado e modo como foi provado, mesmo que indiciariamente, e se repetiu em sede da presente acção, fez com que o Autor tivesse a percepção de que não tinha razão, não existia fundamento fáctico para propor a acção.
Só podemos julgar o comportamento do Autor em todo o processo, como de má-fé, no seu expoente máximo, o que deve ser reiterado por esse venerando tribunal.
Termos em que devem V.Ex.ªs julgar improcedente o recurso por total falta de fundamento, mantendo a justiça feita”.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC – a única questão a decidir é a revogação da condenação do recorrente como litigante de má-fé, para a qual o recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto relativamente aos factos provados sob os números 40, 41, 42 e 45, que entende deverem passar a não provados.
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III. Matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância é a seguinte:  
“1. Factos provados
Da discussão da causa, com relevo para a decisão da causa resultou provada a seguinte factualidade:
1. Encontra-se registado a favor do Autor o prédio rústico sito à Rua …, freguesia da …, concelho de … (…), composto por vinha, descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o n.º … da dita freguesia, inscrito a favor do Autor pela Ap. … de 2018/01/08 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1....º da dita freguesia, com o valor patrimonial de …€.
2. Encontra-se registado a favor da Ré prédio rústico sito à Rua …, freguesia de …, concelho de …. (….), composto por vinha, descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o n.º … da dita freguesia, inscrito a favor da Ré pela Ap. … de 2018/04/29 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2....º da dita freguesia, com o valor patrimonial de 4.317,58€, e que confina a sul com o prédio do ora Autor. 
3. O Autor adquiriu o prédio descrito em 1), por compra e venda, a M, NIF …, viúva, por intermédio da sua filha MM, em 05 de janeiro de 2018 e pelo preço de 35.000,00€.
4. A Ré adquiriu o prédio descrito em 2) por o ter herdado na sequência do óbito que ocorreu em 02.05.1997, de seu marido P, sendo que, tal prédio foi adquirido pelo casal composto pela aqui Ré e pelo seu marido, por doação feita pelos sogros, que aconteceu no ano de 1957, ano em que a Ré casou. 
5. O prédio da Ré era antigamente composto essencialmente por vinha, e árvores de fruto, em especial, figueiras. 
6. No prédio da Ré existia e existe uma casa de pedra, onde se fazia o vinho, guardava as alfaias e outros apetrechos agrícolas, serve no essencial de armazém. 
7. O prédio da Ré é composto por faixa de terreno continuo que vai da Estrada … até à Canada …, leste e oeste respetivamente.
8. O prédio da Ré tem uma área de 1.32958 hectares.
9. Em 05.01.2018, data da escritura pública de compra e venda, nem o prédio do Autor, nem o da Ré não estavam registados. 
10. O Autor deslocou-se ao local, com o filho da vendedora e anterior proprietária, MG, no sentido de verificar as extremas do prédio. 
11. No mês de janeiro de 2018, o Autor deu início a execução do projeto de construção civil desenvolvido para aquele prédio, em específico, procedendo ao corte de árvores e limpeza do terreno, fazendo fogueiras.
12. No mês de fevereiro de 2018, foi o Autor confrontado por F, a pedir justificações pela sua conduta ao ter procedido ao corte de árvores em área que era alegadamente parte integrante do prédio da Ré, parcela de terreno de 8.295,80 m2, arrogando que a Ré, sua tia, era a proprietária daquela parcela de terreno.
13. F, sobrinho da Ré, contactou o Autor, após ser alertado pela filha da vendedora MM, de que o comprador do prédio da mãe estava a desbravar terreno que era da Ré. 
14. Volvidos uns dias a Ré mandou cortar as árvores que se encontravam plantadas na parcela de terreno de 8.295,80 m2.
15. A parcela de terreno de 8.295,80 m2, à data da aquisição da propriedade por parte do Autor, era composta de arvoredo, em pleno abandono e sem quaisquer sinais de cultivo.
16. Correu termos no Juízo …, uma providência cautelar de restituição provisória da posse, sob o processo n.º …/18.3T8SRQ, o qual veio a ser convolada em providência cautelar não especificada e, na qual a ora Ré figurava como requerente e o ora Autor figurava como Requerido. 
17. Em 27.07.2018 foi proferida decisão na aludida providência, na qual se decidiu: a. «… julgar procedente o presente procedimento cautelar comum e, consequentemente, ordenar que o Requerido, C, se abstenha de ocupar ou de intervir por qualquer forma no prédio rústico, pertencente à Requerente, E, sito na Estrada …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz predial sob o artigo 2….º, composto por prédio de vinha, área de 1.32958 hectares, confrontando a Norte MA e FM; Sul M; Leste Estrada …; e Oeste Canada …, sob o qual incide pedido de registado n.º …, de 28-04-2018, que deu lugar à descrição 3…, da freguesia da …, que aguarda confirmação por parte da …º Conservatória de Registo Predial …, com a área e delimitações constantes do levantamento topográfico junto aos autos e reproduzido no ponto 16 dos factos provados.» 
18. A Ré não foi dispensada do ónus da propositura da ação principal e não intentou a ação principal pelo que, por decisão de 05.11.2018, o Tribunal ordenou a caducidade da providência. 
19. A Ré, desde julho de 2018, decidiu dar uso à parcela de 8.295,80 m2, cultivando-a, entrando e saindo dela, retirando os seus frutos, sempre contra a vontade do Autor. 
20. O Autor interpelou a Ré por diversas vezes para que esta se abstivesse de ocupar a referida parcela de terreno, seja presencialmente, seja por carta registada de 03.08.2021, sem, no entanto, a conseguir demover de tal conduta. 
21. O Autor apresentou queixa na PSP no dia …, que ficou registada com o NUIPC …, em virtude de ter deparado com dois estranhos a lavrar a terra.
22. O Autor teve despesas com um gabinete de Arquitetura, no valor de 4.000,00€, para concretizar o projeto. 
23. O Autor foi acometido por crises de ansiedade, angústia e revolta, tendo ficado dias sem dormir, a pensar nessa situação e nos sérios prejuízos que acarretariam em termos de prazo de execução do referido investimento. 
24. A Ré e o marido, quer diretamente, quer por pessoas que contratavam, trabalhavam o prédio, podando, mondando, sachando, sulfatando a vinha e as figueiras, ali existentes, e colhendo os respetivos frutos, o que faziam por todo o prédio, isto é, na área de 1.32958 hectares. 
25. Há aproximadamente 20 anos, depois do seu marido ter falecido, a Ré passou a trabalhar apenas uma área junto à Estrada … e outra que fica junto ao Caminho …, isto é, as extremidades, a Leste e Poente, respetivamente, e o resto deixou de ser cultivado. 
26. A Ré não abandonou ou deixou de supervisionar e utilizar a restante área do prédio, passando pela mesma para aceder às extremidades do prédio que continuava a cultivar (Leste e Oeste), retificando as paredes, em particular as de extrema de todo o prédio.
27. A Ré, após a morte do seu marido P, continuou a usar o prédio, em seu nome próprio, ou concedendo autorização a terceiros para o fazerem. 
28. À vista de todos. 
29. Sem qualquer oposição de ninguém. 
30. Sem intromissão de terceiros. 
31. Na convicção de que não lesava o direito de outrem. 
32. A Ré sempre ocupou e ocupa a área de 1.32958 hectares, o que fez e faz na sua totalidade há mais de 60 anos, quer em conjunto com seu marido, como após a sua morte, por si própria.
33. Com o conhecimento e respeito das pessoas em geral, familiares e vizinhos. 
34. A Ré pretendendo legalizar o prédio apercebeu-se que a área inscrita na matriz não correspondia à sua área real, razão pela qual procedeu à respetiva retificação, mandando fazer levantamento topográfico, com sistema de coordenadas. 
35. Esse levantamento foi apresentado aos vizinhos, isto é, aos confinantes do prédio, os quais analisaram-no, reconheceram a sua veracidade, e prontificaram-se e assinar na planta.
36. O aludido levantamento topográfico foi apresentado a M, anterior proprietária do prédio adquirido pelo Autor, na presença de dois filhos, e explicado o que se pretendia fazer, e da necessidade de os vizinhos do prédio assinarem na planta a comprovar que a mesma correspondia à realidade do prédio, a mesma reconheceu e assinou. 
37. Àquela M, foi entregue em papel cópia da planta, e um CD, relativas ao levantamento topográfico.
38. A Ré, em 27.09.2016, deu entrada com pedido de retificação da área do prédio. 
39. Nas negociações preliminares que levaram à formalização do negócio de compra e venda por escritura pública, entre o Autor e M, nunca se falou na área do prédio. 
40. Antes e depois de adquirir o seu prédio, o Autor sabia que na venda não foi considerado ou falado a área do prédio e sabia que a área do seu prédio não englobava a parcela de 8.295,80 m2 pela prova produzida em sede de audiência de julgamento da providência cautelar. 
41. O Autor, na sequência do julgamento e da sentença no processo de providência cautelar, perante o sobrinho da Ré, F, pediu desculpa, justificando que se tinha enganado, que tinha feito a ação para retorquir dinheiro aos vendedores, e que estivessem descansados que não punha lá mais os pés.  
42. O Autor através do seu advogado, a 17.08.2020, remeteu carta à filha da vendedora, onde reconhece e afirma que na sequência dos desenvolvimentos da providência cautelar, “… o prédio em causa não possui a área que é indicada no documento matricial nem a indicada por si no local.” e “Assim atendendo a que o valor fixado ao prédio teve como base a área constante da matriz, haverá que fazer um acerto ao preço da venda.”
43. A vendedora do prédio nunca utilizou o local onde o Autor começou a cortar as árvores. 
44. O F alertou o Autor que estava a invadir propriedade alheia, que pertencia a aqui Ré, com base no seu conhecimento pessoal e nos sinais evidentes existentes no terreno, nomeadamente paredes de extrema, passagens existentes entre as curraletas de vinha, dos geirões existentes, e pelo testemunho de pessoas que trabalharam ambos os prédios, o que agora é do Autor e o da Ré.
45. O Autor apresentou em juízo o documento n.º .. junto com a petição inicial fazendo crer que o mesmo estava em conformidade com um ofício originalmente emanado pela Câmara Municipal …, quando o mesmo apôs no aludido documento, posteriormente à emanação do aludido ofício, a menção manuscrita com dizeres “artigo 1…”. 
2. Factos não provados
a) O prédio descrito em 1) tem uma a área de 20.894 m2. 
b) MM facultou a caderneta predial rústica do imóvel com a área constante de 20.894 m2. 
c) A deslocação referida em 10) ocorreu no mês de outubro de 2017. 
d) O Autor contactou F, por julgar à data que este era o proprietário do prédio confinante, mas que a afinal era sobrinho da ora Ré, a fim de ambos se deslocarem ao local e verificarem as extremas dos prédios, o que se negou.
e) O projeto que o Autor queria implementar não é viável perante a redução de área com o qual se vê confrontado 12.598,20 m2, em virtude da ocupação indevida de 8.295,80 m2 por parte da Ré. 
f) Aquando da assinatura do levantamento topográfico, M tinha uma saúde débil e encontrava-se acamada. 
g) A Ré está psicologicamente afetada, perante a atitude de alguém que pretende usurpar o seu património, para o qual tanto trabalhou e foi deixado pelos seus antepassados.
h) A situação dos presentes autos deixa a Ré ansiosa, sendo que a mesma não dorme e por qualquer coisa chora e está sempre a lamentar-se. 
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O tribunal não se pronunciou quanto à demais matéria alegada pelas partes nos articulados, por ser desprovida de interesse e relevância para a decisão da causa, por se tratar de matéria repetida, ou por se tratar de matéria eminentemente conclusiva ou de cariz normativo.
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3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
O Tribunal baseou a sua convicção na análise conjugada de todos os meios de prova carreados para os presentes autos, coadjuvado pelas regras da experiência comum. Deste modo, o Tribunal teve em consideração, designadamente:
i. Prova documental junta com a petição inicial e com a contestação.
ii. Planta de 13.04.2022.
iii. Ofício da Câmara de 10.02.2023.
iv. Declarações e depoimento de parte do Autor com assentada, conforme Ata de 27.09.2023.
v. Auto de inspeção ao local de 27.09.2023.
vi. Fotografias juntas através de requerimento datado de 28.09.2023.
vii. Inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, conforme atas de 27.09.2023, 28.09.2023, 12.11.2023 e 20.12.2023. 
viii. Inquirição da testemunha arrolada pelo Tribunal, AG, Técnica Tributária nas Finanças …, conforme ata de 12.11.2023. 
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Antes do mais, importa realçar que este Tribunal deu como provados certos factos em virtude da admissão por acordo, da falta de impugnação ou por a prova dos mesmos ter sido feita mediante documento com força probatória plena. 
Assim, os factos relativos às propriedades dos prédios do Autor e da Ré decorrem das certidões de registo predial juntas com a petição inicial (factos n.ºs 1 e 2). 
Já a forma como o Autor adquiriu o prédio (facto n.º 3) resulta da escritura de compra e venda (documento n.º 5 da petição inicial), lavrada de fls. … a … verso do livro n.º … das notas do Cartório Notarial sito na Rua … a cargo da notária Licenciada ….
Os factos n.ºs 16 a 18, relativamente à providência cautelar que correu termos neste juízo, ficaram provados por força da certidão junta pela Ré, na sua contestação com documento n.º 6. 
O facto n.º 43 decorre da assentada derivada do depoimento de parte do Autor. 
Ainda neste ponto dos factos assentes, importa assinalar que a Ré E deduziu reconvenção, a qual foi devidamente notificada ao Autor C, o qual não apresentou réplica e nem exerceu o seu direito de resposta no início da audiência de julgamento pelo que, os mesmos terão de se considerar admitidos, nos termos do artigo 587.º, n.º 1 do Código Processo Civil, na medida em que não estejam em contradição direta com o alegado na petição inicial (em especial, relativamente à área dos prédios e de quem é o proprietário da parcela de 8.295,80 m2). 
Por via da aludida falta de impugnação resultaram provados os seguintes factos: facto n.º 4, primeira parte (A Ré adquiriu o prédio descrito em 2) por o ter herdado na sequência do óbito que ocorreu em 02-05-1997, de seu marido P); facto  n.º 5, o qual não está em contradição com o facto n.º 15 pois que o prédio antigamente era cultivado, mas à data da aquisição do prédio por parte do Autor, o mesmo estava ao abandono, exceto nas partes referidas em 25); factos n.º 6, 24.º (à exceção da área/totalidade do prédio), 25.º a 31.º, 33.º.
Não obstante a falta de impugnação, a verdade é que, em face da prova produzida, foi feita prova segura da veracidade dos factos acima indicados, nos termos em que infra se explanará. 
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O cerne da quezília assenta na disputa de uma parcela de 8.295,80 m2 e que se encontra devidamente identificada, além do mais, na fotografia n.º 1 do auto de inspeção ao local. 
Foram tomadas as declarações e depoimento de parte do Autor tendo o mesmo apresentado uma versão na qual, o mesmo encetou diligências, indo, além do mais, à repartição das Finanças, antes da aquisição do prédio, tendo em vista o apuramento da efetiva área do prédio que ia adquirir e que apurou que o prédio que veio a adquirir tinha uma área de 20.894 m2. No entanto, a versão apresentada pelo Autor não assumiu credibilidade, nos termos que infra se explicará, tendo este Tribunal concluído de que assistia razão à Ré, em face da prova produzida. 
De facto, foram ouvidas as seguintes testemunhas, as quais depuseram de forma sincera e espontânea, sendo que as testemunhas arroladas pelo Autor não demonstraram ter conhecimento sobre a realidade do prédio, apenas se limitando a transmitir aquilo que ouviram dizer do Autor. 
Já as testemunhas arroladas pela Ré foram sinceras e espontâneas e, demonstraram um vasto conhecimento direto, nos termos em que infra se explanará, da realidade dos prédios do Autor e da Ré e sobre as suas composições e confrontações. 
Deste modo, foram ouvidas as seguintes testemunhas: 
A - R, engenheiro civil, testemunha arrolada pelo Autor, o qual mencionou que elabora projetos de arquitetura e que elaborou um projeto de turismo para o Autor, confirmando o teor do documento n.º 15 junto com a petição inicial, donde resulta a prova do facto n.º 22. Referiu também que o projeto era viável apesar da redução da área do terreno (facto e)). E por fim referiu que o Autor se encontrava perturbado com a situação e que o projeto estava em stand by (em igual sentido as declarações do Autor, bem como máximas da experiência) – facto n.º 23. Importa ter presente que a aludida testemunha esteve apenas uma vez no aludido terreno e não entrou no mesmo, apenas conhecendo os topos (junto à estrada regional e à canada do monte).
B - MM, testemunha comum, filha da vendedora do prédio que o Autor veio a adquirir. Não se ignora que a aludida testemunha possa ter tido alguns pequenos lapsos no seu discurso (porventura em face da sua idade), mas ainda assim, o seu depoimento foi genuíno e acabou por ser corroborado por outros meios de prova, não obstante o interesse que detinha na demanda. A aludida testemunha mencionou que intermediou a venda do terreno (facto n.º 3) e que o irmão desta, MG foi mostrar o terreno ao Autor, tendo indicado a este as estremas. Afirmou que antes do sinal de perigo/para a direita do mesmo, estando de frente para a foto (foto n.º 1 do auto de inspeção) pertencia à Ré e que junto e posteriormente ao aludido sinal havia uma pedra grande (o qual não foi visto no decurso da inspeção ao local) e que junto a estas havia uma parede que ia a direito por aí abaixo até à Canada … (o que é percetível através da foto n.º 3 da inspeção ao local). Afirmou ainda que não fizeram quaisquer medições e que o Autor nunca perguntou por áreas e que nunca disse que o terreno tinha 20 alqueirões (facto n.º 39) e que não se recorda de ter dado a caderneta predial ao Autor (facto b)). Referiu também que o Autor a interpelou por causa de dinheiro, tendo nessa ocasião afirmado que “podia dar trabalho aos filhos desta”, e, em igual sentido, veja-se a carta remetida e junta como documento n.º 5 da contestação (facto n.º 42). Neste conspecto, importa, desde já, aclarar que não assume qualquer credibilidade a versão apresentada pelo Autor em sede de declarações de parte, no sentido de que o advogado enviou a aludida missiva sem o seu conhecimento e consentimento, por ser desafiador das máximas da experiência comum e não encontrar qualquer suporte num outro meio de prova. A testemunha mencionou que a mãe assinou o documento relativo à retificação de áreas diante de si (artigo 36.º) e que para a direita do sinal quem trabalhava o terreno e que era o dono do mesmo era a Ré (além do mais, factos n.ºs 24, 28 a 31). 
C - A, testemunha arrolada pelo Autor, o mesmo alegou conhecer a parcela em crise nos presentes autos por passar por lá diariamente e viver na zona. Explicou ser seu entendimento de que a propriedade do Autor iria até a um muro que foi designado pelas testemunhas como “parede mestre” ou “muro mestre”, com 2 metros de altura (cfr. fotos 4.º e 6.º do auto de inspeção). No entanto, no decorrer da inquirição este Tribunal apercebeu-se de que a testemunha não sabia de quem eram os terrenos e de que apenas passava pela estrada … (ou seja, a sua perceção limitava-se ao que o mesmo via da aludida estrada). A aludida testemunha acabou por concluir de que não sabe se do lado das árvores (lado esquerdo do sinal de perigo, foto n.º 1 do auto) havia delimitações e que assumiu a divisão que avançou, em face do facto de que, antes e até ao muro mestre não estar trabalhado e junto a um armazém estava trabalhado. 
D - AP, testemunha arrolada pelo Autor, que apenas conhece o terreno pelo facto de passar pela estrada …, mas não sabe nada sobre delimitações, sobre a propriedade dos mesmos, se era um ou dois prédios e afirmou ainda que nunca entrou no terreno. 
E - FV, testemunha arrolada pelo Autor, a qual depôs nos moldes descritos para a testemunha AP. 
F - JG, testemunha arrolada pelo Autor, que conhece o terreno por passar na aludida estrada, mas que nunca entrou no mesmo e que acha que a parcela pertence ao Autor porque este lhe disse. Com relevo afirmou que foi às finanças com o Autor e que no local uma funcionária (AG, que veio a ser arrolada pelo Tribunal) apontou para um retângulo a meio da página (ofício de 10.02.2023 e documento n.º 7 junto com a petição inicial), após ter feito uma pesquisa num livro grande e que esta disse ao C que o terreno deste tinha 20 mil m2. Acrescentou ainda a testemunha que a linha do muro a direito está representada no ofício. O Autor, em sede de declarações de parte apresentou uma retórica semelhante.
G - Contudo, tal retórica não mereceu qualquer credibilidade em face do teor do ofício de 10.02.2023 bem como, em face das declarações da testemunha arrolada pelo Tribunal, AG. Do aludido ofício decorre que a Câmara não tem como reconhecer se o constante na planta cartográfica corresponde ao artigo 1….º (prédio do Autor), sendo que as linhas não representam limites (podendo ser vinhas ou zona arborizada) e que a menção manuscrita com dizeres “artigo 1…” foi redigida pelo requerente (facto n.º 45).
Quanto a este ponto importa assinalar que no despacho saneador de 21.06.2022 este Tribunal solicitou ao Autor que juntasse o original do documento, sendo que o mesmo foi dando desculpas, até que por despacho datado de 11.01.2023 foi oficiada a Câmara que respondeu com o ofício datado de 10.02.2023. Por seu turno, a testemunha AG mencionou que as pessoas costumam ir às finanças pedir ajuda para localizar os seus prédios e que os funcionários das finanças ajudam recorrendo ao n.º de matriz. Contudo, em nenhum momento, os funcionários ajudam com áreas ou com problemas de confrontações, sendo que as finanças não têm cadastro dos limites, como afiançou a testemunha.
H – MG, testemunha arrolada pelo Autor, irmão de MM e filho da vendedora do terreno que o Autor veio a adquirir. O mesmo mencionou que não conhece o terreno e que quem lhe indicou os limites/estremas foi a sua irmã, tendo o mesmo ido conjuntamente com o Autor ao terreno para lhe mostrar o terreno (facto n.º 10). Fez alusão a uma pedra grande (que não se percecionou na inspeção), sendo que quando confrontado com a foto n.º 1 do auto, mencionou que para a esquerda do sinal pertencia ao Autor e para a direita à Ré. Ademais, quando foi confrontado com a foto n.º 3 do auto mencionou que se tratava da parede divisória. Mais referiu que o Autor não perguntou por áreas (facto n.º 39) e que a parcela de terreno era, antigamente, trabalhada por P e a E (Ré) – facto n.º 24. Referiu ainda que não reconhece o muro constante na fotografia n.º 15 e que não indicou como muro delimitador, contrariando assim, a tese do Autor de que tal muro, por ele designado como “dente” teria essa função. 
I – F, sobrinho da Ré, testemunha arrolada pelo Autor e pela Ré, o qual pese embora o interesse na demanda, em virtude de ser herdeiro da Ré, depôs de forma sincera, espontânea e honesta. Ademais, pese embora as diversas insistências feitas pelo Autor, em sede de contrainterrogatório, a aludida testemunha manteve um discurso coerente, tendo narrado as circunstâncias sem quaisquer lapsos ou imprecisões. Além disso, a testemunha demonstrou um vasto conhecimento dos factos dos presentes autos, em virtude de entrar no terreno da Ré e na parcela de terreno em disputa desde os seus 5 anos de idade. A testemunha por diversas vezes e de forma coerente narrou que as estremas do prédio da Ré se davam pela estrada …, pela Canada …, pelo muro principal e a Sul (em direção à …, onde confronta com o Autor) por 2 muros de vindima com travessas (foto n.ºs 2 e 3 do auto de inspeção e fotos de 28.09.2023). Confrontado com a foto n.º 1 do auto de inspeção, a testemunha mencionou que a estrema se dava 5 metros antes (à esquerda) do sinal de perigo e que antigamente existia um pau de fio (de telecomunicações), nessa estrema – o que é percetível nas fotografias de 28.09.2023 – referindo ainda que a Ré trabalhava do poste de comunicações até ao muro mestre. Explicou também que o prédio antigamente (antes dos anos 50) era um único prédio, o qual, veio a ser dividido entre P (marido da Ré) e MF (sendo que deste último, o prédio se transmitiu para a sua mulher, MMG e desta para M que vendeu ao Autor C). Acrescentou que tal se deu por doação em 1957 (facto 4.º, segunda parte, conjugado com documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a contestação) e que se criaram então dois artigos. Relatou também que falou com o Autor quando este começou a cortar árvores na parcela de terreno em crise e que reputa ser da Ré (factos n.ºs 10 a 12, em igual sentido declarações de parte do Autor). Afirmou ainda que desde então o P e a E vêm cultivando tal prédio, englobando a parcela de 8 295,80 m2, nos termos constantes nos factos n.ºs 24 a 33.º. Descreveu ainda o processo de retificação de áreas do prédio da Ré (factos n.ºs 34 a 37), tendo narrado o vertido em tais factos de forma credível, mencionando que no momento da entrega do levantamento topográfico estava a proprietária M, um filho desta (de nome I) e a filha MM que chegou mais tarde, sendo que o I e a M confirmaram logo as estremas. Quanto ainda ao pedido de retificação, o facto n.º 38 decorre do documento n.º 4 junto com a contestação. Ademais, nesta matéria o Autor não põe tal em causa, apenas se limita a afirmar que a proprietária M estava doente e não sabia o que estava a assinar, sendo certo que, não se fez qualquer prova nesse sentido (facto f)). Por fim, a testemunha mencionou que em abril de 2018 mostrou a retificação de áreas ao Autor e pediu para se informar junto das pessoas mais velhas, mas o mesmo insistiu em cortar as árvores (facto n.º 44) e que o Autor C, depois da providência, veio falar com a testemunha, afirmando que estava enganado mas que, de todo o modo, tinha feito um bom negócio (factos n.ºs 40 e 41). 
J – B, topografo, testemunha arrolada pelo Autor, que afirmou ter feito o levantamento topográfico constante de documento n.º 5 junto com a petição inicial, a pedido de F. Mencionou, com relevo e em suma, que os prédios na Ilha … costumam ter grandes discrepâncias de áreas (com casos de 2 ou 10 mil m2) e que no levantamento seguiu pelos muros, ao que acrescentou que a fotografia aérea não serve para medições em face da sua elevada margem de erro e que as plantas de situação só servem para localização do prédio e não para medição da sua área. 
K – MJ, testemunha arrolada pela Ré, trabalhou no prédio da Ré, o qual narrou os factos descritos em 24.º a 33.º e mencionou que a estrema e a confrontação com o Autor se davam pelo poste de telefone e um muro baixo (fotografias de 28.09.2023 e fotos n.ºs 2 e 3 do auto de inspeção) e que da esquerda do sinal de perigo pertencia ao Autor e da direita do sinal de perigo pertencia a Ré (foto n.º 1 do auto). 
L – JR, testemunha arrolada pela Ré, vizinho (casa branca de foto n.º 13), o qual referiu que o P tinha um terreno a direito da canada … até à estrada … (facto n.º 7, conjugado os filhos da vendedora e F) e havia dois prédios, um do P e outro da M bem como, narrou os factos descritos em 24.º a 33.º. 
M – JD, arrolado pela Ré, que trabalhou no comércio de P, que este tinha junto ao já mencionado terreno, durante 8 anos, entre 1974 e 1982, o qual narrou os factos descritos em 5.º, 24.º a 33.º.
N – MAS, arrolado pela Ré, vizinho (casa da foto n.º 16 do auto), o qual referiu que a sua casa confronta com o prédio da Ré, dando-se a confrontação pela parede mestra, o qual narrou os factos descritos em 24.º a 33.º e, reconheceu a sua assinatura aposta no documento n.º 4 junto com a contestação, relativo à retificação de áreas (factos n.ºs 34 e 35). 
O – FB, arrolada pela Ré, trabalhou para esta na limpeza da estrema, mencionando que fez a limpeza junto à estrema (sul, confinante com o Autor) e que afiançou que a estrema era feita de pedra aos zigue zagues (conforme se constata no levantamento topográfico junto a petição inicial), que havia paus de fio (fotografia de 28.09.2023), identificando a estrema como o muro constante de fotos n.ºs 2 e 3 do auto de inspeção.
Q – MS, arrolada pela Ré, trabalhou no prédio da Ré durante 6 anos, o qual mencionou que o prédio da Ré ia da Canada … a direito até à estrada … (facto n.º 7), que abriu o caminho constante na fotografia n.º 12 do auto e narrou os factos descritos em 24.º a 33.º.
R – RS, arrolada pela Ré, trabalhou no prédio da Ré entre 1998 e 2016, o qual afiançou que o prédio da Ré ia da estrada … até à Canada …/… (facto n.º 7) e que em ambos os sítios haviam portões que foram feitos pela testemunha (sendo que no local, este Tribunal percecionou o portão junto à estrada …., por onde entrou antes de tirar a foto n.º 5 do auto). Referiu ainda que conhecia a estrema que dividia entre irmãos (referindo-se a P e M) e que era constituído por pedras a direito por ali abaixo (referindo-se a desde da estrada … até à Canada …), sendo que tal parede da estrema da C (nos dizeres da testemunha, referindo-se à confrontação Sul, com o Autor) já estava há muito tempo e que as paredes de vinha tem aberturas e não são a direito. Confrontada com a foto n.º 3 do auto de inspeção e com o levantamento topográfico junto a petição inicial, a testemunha afiançou ser essa a estrema sul do prédio da Ré. 
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Quanto ao facto n.º 9, as partes concordam com o mesmo, sendo que decorre da prova documental junta pelas partes nos seus articulados, no qual se atesta que o registo é posterior à data da aquisição do prédio por parte do Autor. 
O facto n.º 15 decorre, além do mais, das declarações de parte do Autor e da testemunha F, sendo certo que, as demais testemunhas também deram conta que, à data da aquisição do prédio por parte do Autor, aquela parcela se encontrava ao abandono. 
O facto n.º 14 decorre das declarações da testemunha F e documento n.º 13 junto com a petição inicial, sendo certo que, a Ré apenas negou o facto de que tenha cortado no prédio do Autor. 
O facto n.º 19 decorreu das declarações de parte do Autor, em certa medida corroboradas pela testemunha F, sendo certo que, a Ré apenas impugnou no sentido de afirmar que a parcela era sua e que já exercia posse sobre a mesma há mais de 60 anos. 
Os factos n.ºs 20 e 21 decorreram das declarações de parte do Autor corroborada pela carta junto com a petição inicial e na parte da queixa, pela testemunha F. 
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Atento tudo quanto se disse, afigura-se-nos que a versão apresentada pelo Autor no sentido de que o seu prédio tem uma área de 20 mil m2 não é credível, antes se entendendo que os 8.295,80 m2 são parte integrante do prédio da Ré (facto n.º 8).  Na verdade, as testemunhas arroladas pelo Autor não deram qualquer suporte a tal versão fáctica, sendo, antes, todas as demais testemunhas perentórias em apontar que a aludida parcela de terreno pertencia à Ré, bem como, perentórias em identificar as estremas do prédio da Ré.  Na realidade, as testemunhas comuns e as arroladas pela Ré foram perentórias em identificar um muro junto a um sinal de perigo como a estrema sul do prédio da Ré (foto n.º 3 do auto de inspeção), fazendo ainda alusão a um pau de fio que antigamente lá constava e que é visível em fotografias de 28.09.2023 e no documento n.º 6 junto com a contestação.  Ademais, o Tribunal estando no local constatou que, de facto, o aludido muro inicia-se na estrada … e segue de forma contínua até à Canada …, conforme é percetível em algumas fotos do auto de inspeção, o que torna verosímil que seja uma marca divisória.   Além disso, a versão apresentada pelo Autor baseava-se em prova documental e em supostas informações que o Autor teria obtido antes da aquisição do prédio, o que veio a ser contrariado de forma categórica pelo ofício de 10.02.2023, pelas testemunhas filhos da vendedora que afirmaram que nunca se falou de área no momento das negociações e, pela testemunha arrolada pelo Tribunal, AG, Técnica Tributária nas Finanças …, a qual mencionou que apenas ajudam com a localização do prédio e nunca com áreas.  De facto, a se admitir a versão apresentada pelo Autor, o prédio inscrito na matriz em favor da Ré seria descontínuo, existindo um pequeno quadrado no topo, junto à estrada …l e, depois totalmente separado, um retângulo junto à Canada … (cfr. documento n.º 13 junto com a petição inicial), o que não se nos afigura como plausível. Ademais, se se tiver em consideração que, os prédios do Autor e da Ré, num momento anterior foram um só prédio e que foi dividido entre dois irmãos, faz pleno sentido que os mesmos tenham feito uma divisão igualitária, com a mesma configuração retangular e ambos com uma área sensível de 12 mil m2. Para além de que, uma configuração em que os dois prédios são retângulos perfeitos e estendido entre a estrada … e a Canada … assume-se, a nosso ver, como mais realista e conforme costuma ser a prática na disposição dos terrenos nesta Ilha.  Acresce-se que, o Tribunal estando no local percecionou diretamente os limites do prédio da Ré fazendo pleno sentido a versão dos factos apresentada pela Ré, atentos os muros existentes no local.  Neste ponto, como frisou a testemunha F, se o prédio da Ré confronta com a estrada … a leste, com a Canada … (estrada) a poente e a Norte com um muro de dois metros de altura, a área que faltava ao terreno da Ré só poderia, de facto, estar a Sul. 
Por fim, estando em causa uma disputa de áreas, os documentos apresentados pelo Autor não logram fazer qualquer prova da aludida área, sendo a mesma demonstrada, sem nos pretendermos adiantar, por atos possessórios. 
*
Quanto aos demais factos dados como não provados, o facto a) deveu-se à prova do seu contrário (cfr. facto 8), o facto d) decorre do teor da assentada do Autor e os factos g) e h) decorrem das declarações da testemunha F, o qual deu conta de que a Ré não está inteirada da presente ação (no sentido de a vivenciar) e que as cartas do Tribunal são recebidas por uma funcionária desta. 
*
IV. Apreciação
O tribunal de primeira instância discorreu, sobre a litigância de má-fé:
“3. Da Litigância de Má Fé do Autor.
A Ré invocou a litigância de má fé do Autor por este ter deduzido pretensão sem fundamento e ter alterado a verdade dos factos, nos termos do artigo 542.º, n.º 1 e 2, alínea a) e b) do Código Processo Civil (artigo 133.º da contestação). 
O instituto da litigância de má fé constitui uma forma de responsabilidade civil agravada de natureza extracontratual, estando reservada para condutas que representem o exercício abusivo do direito de ação ou de defesa, de forma dolosa ou gravemente culposa. Nos termos do artigo 542.º, n.º 2 do Código Processo Civil diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: «a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.»
É a violação do dever de boa-fé processual, de forma dolosa ou gravemente negligente, que configura a litigância de má-fé nos termos do artigo 542.º. 
O dever de boa-fé processual surge consagrado como reflexo e corolário do princípio da cooperação, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por ação ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos.
Em suma, é a violação do dever geral de probidade, consagrado no artigo 8.º do Código Processo Civil, enquanto conduta ilícita, praticada de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má-fé (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.12.2016, Relator Luís Filipe Pires de Sousa, Processo n.º 1220/14.6TVLSB.L1-7).
No entanto, não deve confundir-se a litigância de má fé com: (i) a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; (ii) a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; (iii) discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou (iv) com a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02.03.2010, Relator Maria José Simões, Processo n.º 6145/09). 
Voltando aos autos, constata-se que, ante o acervo fáctico dado como provado, o Autor sabia e não podia ignorar que não lhe assistia razão.  É certo que a providência cautelar caducou e não fez caso julgado do assunto ora em crise nos presentes autos, mas, contudo, na mesma foi produzida prova fortemente indiciária do direito da Ré, o que o Autor não pode, de todo ignorar. 
Tanto assim o foi que o Autor na sequência do julgamento e da sentença no processo de providência cautelar, perante o sobrinho da Ré, F, pediu desculpa, justificando que se tinha enganado, que tinha feito a ação para retorquir dinheiro aos vendedores, e que estivessem descansados que não punha lá mais os pés (facto n.º 41).  Ademais, e nessa sequência, o Autor remeteu, através de advogado, carta à filha da vendedora, reclamando a redução de preço (facto n.º 42), donde resulta um claro reconhecimento, por parte deste, de que o mesmo não tinha e não têm razão, no que tange quanto à parcela de terreno em disputa nos presentes autos.  Ainda neste ponto, é o próprio Autor, em sede de depoimento de parte, que admitiu que a vendedora do prédio nunca utilizou o local onde o Autor começou a cortar as árvores, referindo-se à parcela em disputa nos presentes autos (facto n.º 43). Ora, se a anterior proprietária não usava a aludida parcela, como pode o Autor achar que teria um qualquer direito sobre a dita parcela? Mas se dúvidas restassem, a testemunha F alertou o Autor para tal facto, apresentando a mesma prova que foi agora apresentada em juízo, o que deveria ser suficiente para demover o Autor (facto n.º 44).  E ainda assim, o Autor remeteu carta à Ré (facto n.º 20), apresentou queixa crime (facto n.º 21) e propôs a presente ação.  E a tudo isto se acresce que, o Autor apresentou em juízo o documento n.º … junto com a petição inicial fazendo crer que o mesmo estava em conformidade com um ofício originalmente emanado pela Câmara Municipal …, quando o mesmo apôs no aludido documento, posteriormente à emanação do aludido ofício, a menção manuscrita com dizeres “artigo 1…” (facto n.º 45). 
Tal facto espelha, de forma inequívoca, uma vontade do Autor em alterar a verdade dos factos, procurando fazer prova de factos que não correspondem à realidade, apresentando um documento como se o mesmo estivesse em conformidade com o original. 
Por fim, ante o quadro fáctico acima descrito, não se poderá deixar de considerar que o Autor agiu de forma deliberada, bem sabendo que não lhe assistia razão e com o fito de alterar a verdade dos factos, donde só se pode concluir que agiu dolosamente ou, pelo menos e certamente, com negligência grosseira. 
Em face de tudo o exposto, constata-se que a conduta processual do Autor preenche as previsões normativas contidas no artigo 542.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código Processo Civil. 
O artigo 542.º do Código Processo Civil prevê a condenação da parte litigante de má fé em multa processual e numa indemnização, na hipótese de esta última ter sido requerida pela parte contrária. 
No que concerne à multa, a mesma não carece, obviamente, de ser peticionada, sendo fixada pelo Juiz de acordo com um prudente arbítrio, ante a concreta gravidade dos factos. Assim, no que tange quanto à multa, pondera-se o facto de o Autor ter plena cognoscibilidade de que não lhe assistia a razão, em face de todos os elementos já acima adiantados, em especial, em face do facto de já ter havido uma providência cautelar anterior que versou sobre este exato tema, e ainda assim propor a presente ação. Pondera-se, sobretudo, o facto de apresentar um documento em juízo que não corresponde ao original, com o objetivo de deturpar a verdade, o que lhe é especialmente censurável.  Nesta medida, tendo em consideração a concreta gravidade da conduta do Autor, os factos dados como provados e acima elencados, a conduta processual do Autor, bem como, o que está em causa nos presentes autos, entende-se por justa e adequada, a condenação do Autor, numa multa processual, a título de litigância de má fé, num valor de 6 UC. 
No que concerne à indemnização, (…)”. (fim de transcrição).
Concordamos com as referências jurídicas feitas ao instituto da litigância de má-fé, não se justificando acrescentar nada às mesmas.
Como primeira tarefa neste recurso, impõe-se a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, sendo que o recorrente cumpriu os ónus previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil.
Porém, só se justifica a reapreciação se corresponder a uma actividade útil para a decisão a proferir.
Para a litigância de má-fé, e com o devido respeito, não nos interessa nada do que se passou entre as partes, ou entre as partes e terceiros, sejam ou não testemunhas, que conversas tiveram, se se afrontaram ou não, e muito menos nos interessa saber que cartas algum advogado de alguma parte nalgum anterior processo remeteu a um terceiro. Tudo isto se passa fora do processo, e a litigância de má-fé deve revelar-se, ocorrer, por assim dizer, no processo.
Para a litigância de má-fé não pode valer, no caso concreto, o que se passou no procedimento cautelar. Repare-se, o apelante comprou uma determinada parcela de terreno e iniciou trabalhos num terreno, relativamente ao qual e aos quais a proprietária vizinha veio intentar procedimento cautelar para que o apelante se abstivesse, uma vez que o terreno era dela. No procedimento cautelar, o ora apelante defendeu-se, invocando que o terreno que adquirira incluía essa parte que a vizinha considerava sua. A decisão do procedimento cautelar deu razão à vizinha, sendo, porém, que não inverteu o contencioso, o que obrigava a vizinha a propor a acção declarativa correspondente ao procedimento que intentara, o que não fez, no respectivo prazo, pelo que a providência decretada caducou.
Então, com o devido respeito pelo tribunal e pela recorrida, não é como se “o que se passou não pode ser ignorado”, é precisamente o contrário. Porquê?
Porque o procedimento cautelar assentou numa cognição sumária, a partir duma prova sumária destinada ao apuramento de indícios relevantes, mas não numa certeza. Desaparecendo por caducidade a providência decretada, tudo voltou à incerteza original: - aquela determinada porção de terreno era do A. ou era da Ré?
Repare-se ainda que não temos nenhuma decisão transitada em julgado sobre de quem é propriedade da parcela em causa. Ou melhor, só posteriormente à sentença é que a temos, pois que o apelante não recorreu da sentença nessa parte. Mas sendo só posteriormente à sentença que temos, não podia a sentença considerar um facto que até ali não existia. Donde, para os efeitos de apreciação da litigância de má-fé, a situação era de incerteza jurídica quanto à propriedade da parcela.
Ora, se o estado das coisas, por via da caducidade da providência, voltou à incerteza original, o Autor tinha todo o direito – constitucional, de acesso à justiça para defesa dos seus direitos – de voltar a colocar ao tribunal, em sede principal, a questão que a Ré havia colocado em sede cautelar, ou seja, “diga o tribunal que aquele terreno que eu comprei tem “x” área”, e a Ré, nestes autos, naturalmente tinha o direito, também constitucional, de se defender, retomando o que havia dito no procedimento cautelar, aí de forma perfunctória, mas aqui com maior consistência probatória.
É por esta razão – do regresso à incerteza jurídica original que legitima, e muito, digamos, que seja convocada a justiça a decidir – que é indiferente o que se passou no procedimento cautelar, e é indiferente que, em face da decisão cautelar, o apelante tenha até pedido desculpa por ter sido enganado, quer o tenha sido ou não, e o seu então advogado tenha enviado carta para a vendedora a pedir uma redução do preço. Tudo isto são estratégias de resolução não jurídica, quer com razão quer sem ela, que não servem – nem mesmo se tivessem sido mantidas já durante a pendência destes autos – para caracterizar a litigância de má-fé.
Depois, para os efeitos da alínea a) do nº 2 do artigo 542º do Código de Processo Civil – “a) Tiver deduzido pretensão (…) cuja falta de fundamento não devia ignorar”, nunca podemos usar, para a apurar, neste caso concreto, voltamos a dizer, nada do que se passou no procedimento cautelar, nem a respectiva decisão, sequer, e menos ainda que uma das partes não se tenha convencido da sua falta de razão pela exposição contrária que a outra parte lhe tenha feito extrajudicialmente ou pelos documentos que lhe tenha mostrado para a convencer. Pensar o contrário acaba a tornar irrelevante, em rigor, a inutilizar, a razão pela qual o sistema de justiça existe – “porque é que não te convenceste que a outra parte tinha razão?” – com um argumento que só se adquire posteriormente – “se eu, tribunal, estou a dar credibilidade aos documentos que a contraparte até te apresentou antes, então tu devias ter-te convencido que não tinhas razão, logo, vieste deduzir pretensão cuja falta de fundamento não podias ignorar (pela anterior exibição da prova pela contraparte e por aquilo que eu tribunal agora digo)”.
Com estas linhas orientadoras definidas, vejamos que factos têm relevo serem reapreciados.
O apelante pretende a reapreciação dos factos 40, 41, 42 e 45 que, recordemos, têm o seguinte teor:
40. Antes e depois de adquirir o seu prédio, o Autor sabia que na venda não foi considerado ou falado a área do prédio e sabia que a área do seu prédio não englobava a parcela de 8.295,80 m2 pela prova produzida em sede de audiência de julgamento da providência cautelar”. (sublinhado nosso).
41. O Autor, na sequência do julgamento e da sentença no processo de providência cautelar, perante o sobrinho da Ré, F, pediu desculpa, justificando que se tinha enganado, que tinha feito a ação para retorquir dinheiro aos vendedores, e que estivessem descansados que não punha lá mais os pés. 
42. O Autor através do seu advogado, a 17.08.2020, remeteu carta à filha da vendedora, onde reconhece e afirma que na sequência dos desenvolvimentos da providência cautelar, “… o prédio em causa não possui a área que é indicada no documento matricial nem a indicada por si no local.” e “Assim atendendo a que o valor fixado ao prédio teve como base a área constante da matriz, haverá que fazer um acerto ao preço da venda.”
45. O Autor apresentou em juízo o documento n.º … junto com a petição inicial fazendo crer que o mesmo estava em conformidade com um ofício originalmente emanado pela Câmara Municipal …, quando o mesmo apôs no aludido documento, posteriormente à emanação do aludido ofício, a menção manuscrita com dizeres “artigo 1…”. 
Pelo que já dissemos, são irrelevantes e inúteis os factos 40, segunda parte, que sublinhámos, 41 e 42.
Ficamos, pois, com os factos 40, 1ª parte e 45.
Ouvimos a prova que foi invocada pelo apelante.
Para o apelante, e relativamente ao facto 40, a primeira instância “sustentou a sua convicção no depoimento das testemunhas MM, MG e F” desvalorizando a escritura de compra e venda – doc. 5 com a p.i. – nos termos da qual a vendedora, primeira outorgante, declarou: “Que, pelo preço de trinta e cinco mil euros, vende ao segundo outorgante o seguinte prédio, pertencente à herança daquela M, situado na freguesia de …, concelho de … : Rústico, sito na Rua da …, composto por vinha, com a área de vinte mil oitocentos e noventa e quatro metros quadrados, (...)”. Igualmente “desconsiderou a certidão negativa emitida pela Conservatória do Registo Predial de … e a caderneta predial rústica, documentos exibidos pelos outorgantes aquando da celebração da escritura de compra e venda e que foram apresentados pelo Autor na sua petição inicial, sob a forma de doc. 6”.
Ora, “se tal área consta da escritura de compra e venda, a qual foi lida aos outorgantes e feita a explicação do seu conteúdo, em voz alta e na presença simultânea de ambos, é evidente que o Autor sabia que a área do prédio que estava a adquirir era 20.894m2”, até porque “de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade, ninguém adquire um prédio sem antes saber a área do mesmo desde logo, porque o preço do prédio tem por base a respetiva área”, tanto mais quanto “tal aquisição se destina à execução de um projeto de construção civil, conforme era o caso, facto 11. da matéria fáctica dada como provada”. Sustenta-se ainda nas suas próprias declarações de parte.
Convenhamos que ninguém compra um terreno sem saber a sua dimensão. Convenhamos que tanto mais assim quanto quer nele executar projecto de construção civil. É verdade que a filha da anterior proprietária, que negociou com o Autor, mas não foi ao local, mandando antes o seu irmão MG, afirmou que não fizeram quaisquer medições e que o Autor nunca perguntou por áreas e que nunca disse que o terreno tinha 20 alqueirões. O facto provado 39, que não foi impugnado pelo apelante, consigna que “Nas negociações preliminares que levaram à formalização do negócio de compra e venda por escritura pública, entre o Autor e M, nunca se falou na área do prédio”. Já a testemunha MG disse “que o Autor não perguntou por áreas”. O depoimento da testemunha F interessa apenas à segunda parte do facto 40, que considerámos inútil.
Donde ficamos com “nas negociações preliminares não se falou de áreas” para estabelecer na primeira parte do facto 40 que antes e depois da aquisição o A. sabia que não se tinha falado em áreas, o que significa que a primeira parte do facto 40 é uma repetição do facto provado e não impugnado 39. Pelo exposto, não há razão para alterar a primeira parte do facto provado 40, apesar da sua inutilidade (por repetitivo).
Quanto ao facto 45, o tribunal parte da inequívoca apresentação do documento nº … e da informação da Câmara Municipal e da técnica das finanças para concluir que o Autor usou o documento - no qual inscreveu ele próprio e manuscritamente as menções relativas ao número do prédio – com o propósito de fazer “crer que o mesmo estava em conformidade com um ofício originalmente emanado pela Câmara Municipal …”, ou seja, basicamente, que o A. falsificou o documento oficial, e com base nesta acção conclui que o Autor sabia que não tinha razão ao interpor a acção.
Na realidade, não podemos ir por aqui para chegar à alínea b) do nº 2 do artigo 542º do Código de Processo Civil, porque não se trata de alterar a verdade dos factos, mas a “verdade” dum meio de prova.
É certo que no artigo 8º da petição inicial o Autor alegou: “E, inclusivamente, obteve junta Câmara Municipal … o mapa de localização, revelador da configuração e da respetiva área do imóvel a adquirir”, o que terá feito antes da aquisição. O facto em si não é um facto essencial à causa e na realidade é apenas a introdução em termos de alegação, a apresentação, melhor dizendo, de um documento, destinado à prova da reclamada área de 20.849 metros quadrados – “este documento releva que a área é esta”. Portanto, não releva em si como alegação de facto falso – digo que obtive da Câmara e não obtive aquilo que digo que obtive – mas como introdução de meio de prova.
Alterar a verdade de um meio de prova pode ainda corresponder ao oferecimento de uma testemunha falsa, completamente falsa, ou ao oferecimento de uma testemunha parcial, ou pode corresponder à prestação de declarações ou depoimentos falsos. Com o devido respeito, entendemos que a sanção para este tipo de comportamento não se encontra na litigância de má-fé, mas nos correspondentes tipos penais.
Deste modo, a utilização de documento falsificado só pode relevar em sede de litigância de má-fé por via da dedução de pretensão relativamente à qual se sabe a sua falta de fundamento – alínea a) do mesmo número e preceito.
Tal como na falsificação grosseira, há que dar relevo ao facto da aposição dos números ser manuscrita, num documento que não o é. E há que dar relevo ao facto do Autor ter assumido que foi ele que manuscreveu os números.
Donde, se queria fazer crer que o documento era oficial, foi muito mal sucedido. Ou melhor, se calhar não queria fazer crer que o documento era oficial, mas sim fazer crer que a área que havia adquirido coincidia com a área constante da escritura pública de compra e venda – documento no qual se corporizou a exteriorização da vontade da vendedora e do comprador – ou seja, documento não inteiramente imputável ao Autor.
Estamos assim em crer que o facto provado 45 não pode manter-se, devendo ser reduzido à sua realidade objectiva: “45. O Autor apresentou em juízo o documento n.º … junto com a petição inicial no qual apôs, posteriormente à emanação do aludido ofício, a menção manuscrita com dizeres “artigo 1…”. 
Altera-se assim o facto em conformidade.
*
Com o que temos agora, em termos de factos provados, o Autor litigou de má-fé?
O tribunal considerou ainda (além dos factos 40, 41, 42 e 45) para a condenação do Autor como litigante de má-fé que “43. A vendedora do prédio nunca utilizou o local onde o Autor começou a cortar as árvores” e que “44. O F alertou o Autor que estava a invadir propriedade alheia, que pertencia a aqui Ré, com base no seu conhecimento pessoal e nos sinais evidentes existentes no terreno, nomeadamente paredes de extrema, passagens existentes entre as curraletas de vinha, dos geirões existentes, e pelo testemunho de pessoas que trabalharam ambos os prédios, o que agora é do Autor e o da Ré”.
Não conseguimos subsumir a não utilização duma parcela de terreno, ou de todo um prédio, ou de qualquer outra coisa, ao direito de propriedade. Carece de fundamento, com o devido respeito, que “se a anterior proprietária não usava a aludida parcela, como pode o Autor achar que teria um qualquer direito sobre a dita parcela?”.
Relativamente ao facto provado 44, voltamos a repetir: - qualquer cidadão tem o direito de não se convencer das explicações e provas que outro cidadão que com ele conflitue a propósito de algum direito lhe dê.
O tribunal ainda ponderou os factos provados sob os n.ºs 20 e 21 – “20. O Autor interpelou a Ré por diversas vezes para que esta se abstivesse de ocupar a referida parcela de terreno, seja presencialmente, seja por carta registada de 03.08.2021, sem, no entanto, a conseguir demover de tal conduta” e “21. O Autor apresentou queixa na PSP no dia …, que ficou registada com o NUIPC …, em virtude de ter deparado com dois estranhos a lavrar a terra”, mas no seguimento de “Ora, se a anterior proprietária não usava a aludida parcela, como pode o Autor achar que teria um qualquer direito sobre a dita parcela? Mas se dúvidas restassem, a testemunha F alertou o Autor para tal facto, apresentando a mesma prova que foi agora apresentada em juízo, o que deveria ser suficiente para demover o Autor (facto n.º 44). E ainda assim, o Autor remeteu carta à Ré (facto n.º 20), apresentou queixa crime (facto n.º 21) e propôs a presente ação”. 
Assim, perante o não uso pela anterior proprietária e perante a prova que a testemunha F lhe apresentou, que devia ser suficiente para demover o autor, ele ainda assim, e agora dizemos nós, com acrescida intenção, com dolo reforçado, foi ainda perturbar a proprietária vizinha com insistentes acometimentos para que se abstivesse de utilizar a parcela (que os factos dizem passou a usar após ter sido decretada a providência cautelar) e não se coibindo de apresentar queixa crime porque a mesma fez entrar na parcela dois trabalhadores.
E voltamos a ter de perspectivar tudo isto sob o prisma de “o A. sabia que a área em causa não era sua e não se coibiu, mais uma vez, de recorrer a juízo para solidificar pretensão falsa e sem fundamento”.
Ora, voltamos também atrás para dizer que o Autor tinha o direito de não se convencer com as provas que o sobrinho da proprietária vizinha lhe apresentou, e tinha o direito de, perante a incerteza jurídica resultante da caducidade da providência, continuar a entender que a área era sua. É que as acções descritas em 20 e 21 são posteriores à caducidade da providência – com decorre da sequência dos factos provados “18. A Ré não foi dispensada do ónus da propositura da ação principal e não intentou a ação principal pelo que, por decisão de 05.11.2018, o Tribunal ordenou a caducidade da providência” e “19. A Ré, desde julho de 2018, decidiu dar uso à parcela de 8.295,80 m2, cultivando-a, entrando e saindo dela, retirando os seus frutos, sempre contra a vontade do Autor”. 
Quer isto dizer que não há aqui nenhum desvalor, que daqui não se retira nenhuma especial censurabilidade em função dum dolo acrescido.
Assim, resta-nos “não se falou nas áreas” (facto 39, repetido na primeira parte do facto 40) e o Autor apresentou um documento oficial sobre o qual manuscreveu a numeração que não constava do documento oficial original.
Como é que, perante estes factos, ponderamos que na escritura de compra e venda conste a área reclamada pelo Autor nesta acção? Com base nesse documento o Autor podia estar na dúvida? Conseguimos chegar à negligência grave necessária à litigância de má-fé?
Com o devido respeito, e sem pôr em causa o labor manifesto que o tribunal usou na apreciação e decisão da causa que levou à procedência da reconvenção, não nos parece que tenhamos factos suficientes para concluir pela negligência grave do Autor a deduzir pretensão que inequivocamente soubesse – e estivesse obrigado a saber – que não tinha fundamento.
Nestes termos, procede o recurso, revogando-se a condenação do Autor como litigante de má-fé, na multa de seis UC e na indemnização a liquidar ulteriormente.
Custas pela apelada – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
*
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso e em consequência em revogar a condenação do Autor como litigante de má-fé, na multa de seis UC e na indemnização a liquidar ulteriormente.
Custas pela apelada.
Registe e notifique.

Lisboa, 11 de Julho de 2024
Eduardo Petersen Silva
Teresa Soares
João Manuel P. Cordeiro Brasão

[1] Beneficia do relatório da sentença recorrida.