Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3357/17.0T8FNC.L1-2
Relator: SUSANA MESQUITA GONÇALVES
Descritores: ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
NULIDADES DA SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil)
I. Se em ação cível Autores e Réus acordaram, mediante transação homologada por sentença transitada em julgado, na adjudicação aos Réus, em processo de inventário então pendente, de uma parcela de terreno com a área de 605 m2, e se o fizeram por referência à configuração dessa parcela tal como constava de documento junto a essa ação cível, terá de entender-se que Autores e Réus acordaram não só quanto a essa área mas também quanto a essa configuração.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
AA e mulher, BB, residentes (…) e CC, residente (…), vieram intentar a presente ação declarativa de processo comum contra DD e mulher, EE, residentes (…), pedindo que os Réus sejam condenados a:
a) Reconhecer os Autores como donos e legítimos proprietário das parcelas de terreno que lhes ficaram adjudicadas na partilha por óbito da mãe e sogra de todos eles, com as áreas e configuração que consta do levantamento topográfico junto àquele inventário e subscrito por todos eles;
b) Contribuir para a demarcação entre as três parcelas de terreno, pertencentes uma a cada um dos Autores e outra aos Réus;
c) Proceder à tapagem de qualquer ligação ainda existente entre a sua parcela e as parcelas de cada um dos Autores, tal como já acordado no inventário;
d) Desocupar toda a área de terreno que ultrapasse os limites e configuração das parcelas, tal como acordado naquele inventário; e,
e) Demolir qualquer obra ou construção que tenham implantado sobre as parcelas pertencentes a cada um dos Autores.
Alegam que o único bem deixado por morte da mãe e sogra de Autores e Réus foi um prédio misto sito (…).
Por causa desse prédio correu termos a ação de processo comum n.º 7(…), na qual eram Autores os aqui Réus e Réus os aqui 1.ºs Autores.
Na pendência dessa ação e na tentativa da resolução do litígio quanto à partilha do referido prédio em três parcelas equitativas, com a atribuição de cada uma delas a cada um dos três filhos da falecida, o 2º Autor intentou um processo de inventário.
Na data da audiência final no processo n.º 7(…) os aí Autores e Réus transigiram, sendo que, com interesse para a presente causa, reconheceram mutuamente o direito de propriedade de cada um deles relativamente às porções de terreno do dito prédio sobre as quais tinham implantado as suas moradias, reconhecendo mutuamente que essas moradias eram benfeitorias efetuadas no terreno desse prédio, reconhecendo ainda que a parte sobrante desse prédio seria adjudicada ao 2º Autor. Mais remeteram a formalização desse acordo para a conferência de interessados a ter lugar no processo de inventário já pendente.
Em 06.02.2017 realizou-se a conferência de interessados, na qual os interessados declararam reconhecer que a parcela sobrante do prédio ficava adjudicada ao aqui 2º Autor, bem como que cada um dos interessados AA e DD preenchia os seus quinhões com as parcelas de terreno sobre as quais havia já implantado benfeitorias. Declararam ainda que cada um se comprometia a vedar a respetiva parcela com as áreas constantes desse acordo e a configuração do mapa de levantamento topográfico juntos e assinado por todos os interessados e respetivos cônjuges.
Contudo a demarcação extrajudicial mostrou-se inviável, já que os Réus se opuseram a permitir o acesso dos Autores às respetivas parcelas, pretendendo continuar a arrogar-se donos da totalidade do prédio e realizando obras que violam o direito de propriedade do 2º Autor. Acresce que os Autores tiveram conhecimento de que os Réus estavam a vedar a parcela que ficou a pertencer-lhes mas sem respeitaram a área e configuração acordadas.
Citados, os Réus contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocaram as exceções de inadmissibilidade de coligação ativa e de caso julgado.
Em sede de impugnação alegam que os Autores pretendem obter consequências e efeitos diferentes do acordado entre todos. Referem que todos aceitaram as estremas do prédio dos Réus, com a área de 605 m2 e a configuração que constava do processo n.º 7(…), tal como consta da informação existente na Direção de Serviços de Informação Geográfica e Cadastro da Madeira, bem como aceitaram que os Réus entrassem pelo portão que existe do lado leste, com a obrigação dos Réus de requererem novo número de polícia, o que já foi feito e obtido. Concluem, assim, que não há qualquer litígio quanto à demarcação da parcela dos Réus, a qual corresponde ao levantamento junto com a contestação como documento 3. A existir litígio na demarcação, será entre as parcelas pertença dos Autores.
Alegam que o levantamento topográfico junto ao processo de inventário, do qual os Autores se prevalecem, não corresponde, no que concerne à parcela dos Réus, ao que foi acordado no processo n.º 7(…).
 Mais alegam que ao murarem a sua parcela estão a respeitar integralmente o acordado nesse processo.
Os Autores apresentaram resposta, na qual pugnaram pela improcedência da exceção de caso julgado.
Em 08.05.2018 foi proferido despacho que julgou improcedente a exceção de caso julgado.
Foi realizada audiência prévia.
*
Realizado o julgamento, foi proferida sentença cujo segmento decisório aqui se reproduz:
IV- Perante o exposto:
Condeno as partes a contribuir para a demarcação dos seus terrenos, em conformidade com as delimitações constantes do anexo 7 da perícia efetuada nos autos, com exceção:
- Dos 16, 19 m2 a este da parcela A, propriedade dos Réus, área que deverá ser considerada como incluída na mesma, devendo a demarcação ser efetuada nessa zona, pelo seu limite a este.
- Dos 0, 81 m2 respeitante à área em que a parcela A está a ocupar a C e condeno os Réus a demolir o muro que começaram a edificar a norte da sua parcela, que ocupa tal área (que deverá ser incluída, em termos de demarcação, na parcela C);
Absolvo os Réus do demais peticionado.
As custas ficam repartidas por cada um dos Autores coligados e pelos Réus em partes iguais, à luz do artigo 527.º, n.º 1, parte final, do CPC (1/3 para cada um deles, ou seja, para os primeiros Autores, para o segundo Autor, e para os Réus).
(…).
*
Não se conformando com essa sentença, dela veio recorrer o 2º Autor.
Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso é interposto da Sentença de 27 de abril de 2023 (refª 53334979), a qual condenou as partes nos seguintes termos:
“… Condeno as partes a contribuir para a demarcação dos seus terrenos, em conformidade com as delimitações constantes do anexo 7 da perícia efetuada nos autos, com exceção: Ø Dos 16, 19 m2 a este da parcela A, propriedade dos Réus, área que deverá ser considerada como incluída na mesma, devendo a demarcação ser efetuada nessa zona, pelo seu limite a este. Ø Dos 0, 81 m2 respeitante à área em que a parcela A está a ocupar a C e condeno os Réus a demolir o muro que começaram a edificar a norte da sua parcela, que ocupa tal área (que deverá ser incluída, em termos de demarcação, na parcela C); v Absolvo os Réus do demais peticionado…”;
B. Na presente Ação, instruída na sequência dos Procedimento Cautelar de Embargo de Obra Nova (porquanto os Recorridos edificaram um muro de divisão sobre as escadas da parcela “C” que dá acesso à casa que lhe veio a pertencer no aludido inventário [do Apelante]), visaram os Autores que os Recorridos:
a. Reconhecessem que os Autores são donos e legítimos proprietários das parcelas de terreno que lhes ficaram adjudicadas na partilha por óbito da mãe e sogra de todos eles, com as áreas e configuração que consta do levantamento topográfico junto àquele inventário e subscrito por todos eles;
b. A contribuírem para a demarcação entre as três parcelas de terreno, pertencentes uma a cada um dos AA. e outra aos RR.;
c. A desocuparem toda a área de terreno que ultrapasse os limites e configuração das parcelas, tal como acordado naquele inventário;
d. A demolirem qualquer obra ou construção que tenham implantado sobre as parcelas pertencentes a cada um dos AA;
C. Com interesse para as presentes Alegações de Recurso, foi dado como provado pelo Tribunal a quo o seguinte: “… 10. O portão que dá acesso de carro à moradia que pertence atualmente aos Recorridos, já existia aquando da celebração do acordo supra aludido em 6, todos os intervenientes aceitaram, aquando do acordo a que chegaram nessa ação 7(…), que tal área pertencia ao prédio aí mencionado no item 1 desse acordo e todos aceitaram que os Recorridos entrassem pelo portão que existe do lado leste, obrigando os Recorridos a requerer um novo número de polícia, o que foi feito…”;
D. Consequentemente, foi proferida pelo Tribunal a quo sentença com o seguinte teor:“… Perante o exposto: v Condeno as partes a contribuir para a demarcação dos seus terrenos, em conformidade com as delimitações constantes do anexo 7 da perícia 24 efetuada nos autos, com exceção: Ø Dos 16, 19 m2 a este da parcela A, propriedade dos Recorridos, área que deverá ser considerada como incluída na mesma, devendo a demarcação ser efetuada nessa zona, pelo seu limite a este. Ø Dos 0, 81 m2 respeitante à área em que a parcela A está a ocupar a C e condeno os Recorridos a demolir o muro que começaram a edificar a norte da sua parcela, que ocupa tal área (que deverá ser incluída, em termos de demarcação, na parcela C); v Absolvo os Recorridos do demais peticionado…”;
E. Sucede que a douta sentença padece de nulidades e de vários equívocos e erros, tendo o Juiz a quo apreciado mal a matéria de facto e aplicado mal o direito ao caso concreto, violando normais substantivas e processuais;
F. Ressalvado o devido respeito, estamos perante erros que urgem reparar, sob pena de ser agora a justiça a infligir ao Apelante uma marca de profunda iniquidade. Salvo o devido respeito pela opinião do Ilustre Julgador a quo, o Apelante entende que uma rigorosa consideração da factualidade apurada e o seu adequado enquadramento jurídico impunham uma decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo;
Vejamos,
G. A Sentença Recorrida deverá ser considerada nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, porquanto os fundamentos desconsideram o decidido no processo de inventário, conjugado com a ação declarativa que o precedeu.
H. No acordado em sede de inventário, foi pelos Recorridos reconhecido que havia uma divergência entre os 605m2 e o existente, que corresponde às escadas de acesso à parcela B [605m2 (área que alega na ação) - 13,23m2 (área das escadas que não lhe pertencem porque são o acesso a pé para a parcela B) = 591,77]
I. Pois que, no doc. 3 da contestação (o levantamento aí junto), do qual consta expressamente as escadas em questão, em sede de inventário, os Recorridos, acordaram com o levantamento topográfico aí junto, com as áreas e delimitações lá constantes, o que deve prevalecer em qualquer caso.
J. Deste modo, inexiste violação do caso julgado quanto à sentença da ação declarativa como também, verifica-se o cumprimento do acordado em sede de inventário,
K. Com a delimitação que se pretende e deve prevalecer, constante desse levantamento topográfico.
L. A Sentença Recorrida deverá ser considerada nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, porquanto os fundamentos estão em completa oposição com a decisão, no que respeita à atribuição da área de 16,9 m2 à parcela “A” da propriedade dos Recorridos, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a ação nos exatos termos peticionados em sede de Petição Inicial;
M. Porquanto, o Tribunal a quo considerou que a área de 16,9 m2, mencionados no Anexo 7 do Relatório Pericial realizado nos autos, pertence à propriedade dos Recorridos, motivando, alegadamente, tal decisão na prova produzida em julgamento, da qual, sustenta o Tribunal a quo, resulta que aquela área, onde se localiza o portão de entrada do prédio dos mesmos, está na posse dos Recorridos, o que já se verificava aquando da celebração do acordo na ação cível que correu termos sob o n.º 7(…);
N. Realçando o Tribunal a quo que “… não obstante não se verificar, nos presentes autos, a exceção dilatória de caso julgado (que determinara a absolvição da instância, casos existisse, à luz do artigo 576.º, n.º 2, do CPC), sendo certo que o pedido formulado nos presentes autos não é coincidente com o da ação cível n.º 7(…), nem com o pedido formulado nos autos de inventário a que a factualidade provada alude, tal não significa que não haja que considerar a força do caso julgado, conforme o mencionado no despacho de 08.05.2018 proferido nos presentes autos….”
O. Sendo que, do referido Relatório Pericial, no Anexo 7, resulta claro que a parcela “A” pertença dos Recorridos, tem uma área atual de 607 m2, sendo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo vem a determinar que, a final, a parcela daqueles tem a área total de 623,9 m2;
P. Pelo que, por um lado o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão no acordado naquele processo 7(…), mas por outro, decide em desacordo com o mesmo;
Q. Com efeito, com a sua decisão, o Tribunal a quo determina que os Recorridos terão direito a que a sua parcela tenha uma área total de 623,9 m2, ultrapassando por completo a área acordada naqueles outros autos (605m2), Acordo que o Tribunal a quo considera e fundamenta a sua decisão, considerando do seu segmento decisório que “… as partes celebraram acordo em ambos os processos mencionados. Não obstante o processado nos autos de inventario, o acordo subjacente à sentença que o homologou, na ação cível que correu termos com o n.º 7(…), com as obrigações dele decorrentes (com a sua homologação) para os intervenientes, não poderá ser desconsiderado, devendo ser levado em consideração (não podendo qualquer dos intervenientes, de boa fé, furtar-se aos efeitos dos compromissos aí assumidos; e de nada serve aos Autores invocar, como fizeram no local, que só mais tarde vieram a ter conhecimento das áreas e configurações, não se podendo furtar às obrigações que assumiram na transação judicial celebrada na ação cível e homologada por decisão transitada em julgado)….”;
R. O Tribunal a quo fundamenta a atribuição da totalidade de uma área de 16,9 m2 à parcela “A” dos Recorridos no facto de estes fazerem uso do portão de entrada aquando do acordo alcançado no processo 7(…), no entanto e como ficou provado e demonstrado, conforme o Anexo 7 do Relatório Pericial, que tal área de 16,9 m2 não abrange somente o portão em causa, aliás, na mesma só esta integrada uma “esquina” do portão;
S. Até porque, na referida área em discussão, encontra-se o acesso da escadaria que dá para a casa que lhe veio a pertencer no aludido inventário (do Apelante), proprietário da parcela C;
T. Ora, como poderia o Apelante concordar que tal área de 16,9 m2 pertence aos Recorridos e que sempre se encontrou na posse destes, se a referida área integra as escadas de acesso à sua própria casa que lhe veio a pertencer no aludido inventário?
U. Para além disso, conforme intensifica o Tribunal a quo, a Testemunha FF, a quem considerou credibilidade, prestou depoimento no sentido de que o portão a sul, junto à estrada, já existia aquando do acordo alcançado entre as partes, mas que o limite da propriedade a sul não é a “direito”, mas em “esquina”;
V. Ora, conforme dispõe o artigo 615, n.º 1, alínea c) do CPC, a Sentença será nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
W. Neste caso, existe uma clara oposição entre os fundamentos considerados e a própria decisão, porquanto o Tribunal a quo baseia-se no acordado no processo 7(…), em que as partes atribuíram à parcela “A” dos Recorridos a área de 605 m2, decidindo, ao invés, atribuir-lhes à sua parcela uma área com 623,9 m2;
X. Por outro lado, fundamenta a atribuição da referida área de 623,9 m2 no facto dos Recorridos fazerem uso e terem a posse do portão, no entanto, daquela área em discussão com 19,6 m2, conforme resulta claro do Anexo 7 do Relatório Pericial, somente a “esquina” do portão se encontra integrada na mesma;
Y. Existindo uma clara contradição lógica, pois os fundamentos que invoca, estão em oposição com a sua decisão, pois a fundamentação segue um determinado caminho (a área da parcela dos Recorridos é de 605 m2 e o portão existente está na posse dos mesmos) para concluir que os Recorridos têm uma parcela com a área de 623 m2, integrando ainda a escada de acesso à casa que lhe veio a pertencer no aludido inventário (do Apelante) na parcela C;
Caso assim não se entenda,
Z. A Sentença Recorrida deverá ser considerada nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, como de tal nulidade resulta inequivocamente um grave vício por violação do caso julgado, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a ação nos exatos termos peticionados em sede de Petição Inicial;
AA. Porquanto, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre questões que não podia tomar conhecimento;
BB. Na presente Ação, intentada na sequência dos Procedimento Cautelar de Embargo de Obra Nova, peticionaram os Autores que os Recorridos:
e. Reconhecessem que os Autores são donos e legítimos proprietários das parcelas de terreno que lhes ficaram adjudicadas na partilha por óbito da mãe e sogra de todos eles, com as áreas e configuração que consta do levantamento topográfico junto àquele inventário e subscrito por todos eles;
f. A contribuírem para a demarcação entre as três parcelas de terreno, pertencentes uma a cada um dos AA. e outra aos RR.;
g. A desocuparem toda a área de terreno que ultrapasse os limites e configuração das parcelas, tal como acordado naquele inventário;
h. A demolirem qualquer obra ou construção que tenham implantado sobre as parcelas pertencentes a cada um dos AA.
CC. Os Autores nos autos não peticionaram a este Tribunal a quo que se pronunciasse sobre a posse/propriedade das partes sobre as referidas parcelas e áreas, mas tão só que se reconhecesse as áreas e configurações, acordas pelas partes e conforme consta do Levantamento Topográfico junto aos autos de inventário correu termos no Cartório Notarial do Funchal sob o processo 1(…) e que todos assinaram e acordaram;
DD. Pois, embora no processo 7(…) as partes tenham definido a propriedade e as áreas de cada prédio/parcela, somente no processo de inventário 1(…) foram concretizadas as respetivas delimitações de cada parcela, não existindo, por isso, exceção de caso julgado no âmbito dos pedidos realizados pelos Autores na presente ação;
EE. Importa, por isso, que a decisão tenha em consideração as questões submetidas à apreciação do Tribunal a quo, se as mesmas se referem e identificam com os pedidos formulados pelos Autos e sua causa de pedir;
FF. Mas, o Tribunal a quo considerou que, embora a perícia realizada nos autos mencione que os 16,9 m2 de área de construção existente no prédio dos Recorridos (conforme 28 definido no Anexo 7 do Relatório Pericial) ultrapassa os limites definidos no Lote dos mesmos (A), que tal desfasamento é detetado relativamente ao Levantamento Topográfico junto aos autos de Inventário e não quanto ao Levantamento Topográfico que existia aquando da celebração da primeira transação celebrada entre as partes na ação cível que correu termos sob o n.º 7(…);
GG. E, por isso, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre questões que não podia tomar conhecimento, nomeadamente, tendo decidido que uma área com 16,9 m2, pertencia à parcela dos Recorridos;
HH. Em discussão na presente lide, não estava a demonstração da posse e propriedade sobre as parcelas, pois as respetivas áreas já haviam sido acordadas e decididas no processo 7(…);
II. Sendo que, os pedidos e causa de pedir dos Autores foi no sentido de ser reconhecida a delimitação e configuração das parcelas face ao levantamento topográfico acordado pelas partes nos autos do processo de Inventário, não quanto às áreas das parcelas;
JJ. Recordando-se que no âmbito do referido acordo no processo 7(…), embora as partes tenham acordado na propriedade e área total de cada prédio, nunca definiram a delimitação e configuração concreta dos mesmos, o que foi nesta ação peticionado pelos Autores, que seja reconhecida a delimitação e configuração das parcelas conforme o Levantamento Topográfico assinado por todos e junto ao Processo de Inventário;
KK. Mas o Tribunal a quo decidiu extravasar as questões sobre as quais se deveria pronunciar, indo mais além quando decide atribuir à parcela “A” dos Recorridos mais uma área de 16,9m2;
LL. Ao considerar que, simplesmente, porque que os Recorridos usam o portão de acesso à Parcela “A” da sua propriedade, tendo a sua posse, atribui-lhes a totalidade de uma área de 16,9 m2, que, aliás, extravasa por completo a área da “esquina” do portão da garagem em discussão, conforme demonstrado pelo Anexo 7 do Relatório Pericial;
Para além disso,
MM. Se não bastasse tal questão sobre a qual o Tribunal a quo não se deveria ter pronunciado, nomeadamente, no reconhecimento da posse dos Recorridos sobre determinada área, ao decidir como decidiu, violou o caso julgado no âmbito do processo 7(…);
NN. No acordo celebrado entre as partes no âmbito do processo 7(…), ao qual o Tribunal a quo considerou força de caso julgado, acordaram todos que aos Recorridos pertencia a Parcela “A”, com a área de 605 m2;
OO. Se, por um lado o Tribunal a quo considera ser de prevalecer o acordo alcançado entre as partes no processo 7(…), por transitado em julgado, por outro, com a sua decisão, determina que os Recorridos terão direito a uma parcela com uma área total de 623,9 m2, ultrapassando por completo a área acordada naqueles outros autos de que o Tribunal a quo se prevalece para decidir, sendo assim completamente contraditório;
PP. Ora, com o caso Julgado no âmbito do processo 7(…), visava-se assegurar uma determina certeza do direito e a segurança jurídica indispensáveis às partes, tendo ficado acordado entre as mesmas que aos Recorridos pertenceria uma parcela com a área de 605 m2;
QQ. O caso julgado visa obstar a decisões que sejam incompatíveis e tenham por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, nos termos do artigo 580.º do CPC;
RR. Pelo que, o Tribunal a quo, ao determinar que a área de 16,9m2 é pertença, na sua totalidade, ao prédio dos Recorridos, decidiu de modo diverso sobre o direito, situação e posições jurídicas concretamente definidas numa decisão anterior, no âmbito do processo 7(…), atribuindo agora à parcela dos Recorridos uma área total de 623,9 m2, ao invés dos 605 m2 que foram acordados pelas mesmas partes no processo 7(…), cuja sentença transitou em julgado;
SS. Mais grave, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo permite que os Recorridos mantenham o muro construído (embargado no processo que correu termos no Juízo Local Cível do Funchal – Juiz 1, processo número 1(…)), sobre as escadas de acesso à casa do Apelante, ficando o mesmo sem acesso àquela casa que lhe veio a pertencer no aludido inventário;
TT. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, ultrapassou por completo o acordado pelas partes, de que a Parcela “A” dos Recorridos tem uma área de 605 m2, violando o caso julgado no processo 7(…), ao atribuir à referida parcela a área de 623,9 m2;
UU. Concluindo-se que, pese embora o portão de acesso dos carros à garagem dos Recorridos exista em data anterior ao acordado pelas partes no processo 7(…), nunca o Tribunal a quo poderia ter considerado que a totalidade dos 16,9 m2 em discussão 30 é da propriedade daqueles, por ultrapassar por completo o caso julgado naquele processo, tendo sido acordado que aos Recorridos pertencia uma área de 605 m2 e não de 623,9 m2;
VV. Acrescendo que, a área em discussão face ao portão de acesso da parcela “A” em causa, pujantemente invocado pelo Tribunal a quo, não tem uma área total de 16,9 m2, sendo que tal área em discussão e conforme resulta do Anexo 7 do Relatório Pericial, abrange, não só a “esquina” do portão, como uma parte do terreno que sobe a norte para a parcela da propriedade do Apelante, tendo os Recorridos construído um muro que veda o acesso às escadas do mesmo e que, por isso, lhe impede o acesso à casa que lhe veio a pertencer no aludido inventário da parcela C;
WW. Ocorrendo violação do caso julgado quando o Tribunal profere Decisão sobre uma questão já anteriormente decidida com trânsito em julgado, neste caso, já estava decidido que aos Recorridos pertencia uma parcela com 605 m2;
XX. Sendo o Recurso sempre admissível quando a questão já tenha sido decidida com o trânsito em julgado, mas, mesmo assim, o Tribunal volte a dela conhecer, decidindo em sentido diverso;
YY. Pelo que, o Tribunal a quo deveria ter considerado (como o fez, em sentido contrário, para outra parte da sua fundamentação) o caso julgado relativamente à área atribuída à parcela “A” dos Recorridos;
Caso também assim não se entenda,
ZZ. A Sentença Recorrida deve ser considerada nula, ao abrigo do disposto nos artigos 609.º e 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, no que respeita à atribuição da área de 16,9 m2 à parcela da propriedade dos Recorridos, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a ação nos exatos termos peticionados em sede de Petição Inicial;
AAA. Ora, os Autores peticionam na sua Petição Inicial o seguinte:
i. Que os Recorridos reconhecessem que os Autores são donos e legítimos proprietários das parcelas de terreno que lhes ficaram adjudicadas na partilha por óbito da mãe e sogra de todos eles, com as áreas e configuração que consta do levantamento topográfico junto àquele inventário e subscrito por todos eles;
ii. Que os Recorridos contribuíssem para a demarcação entre as três parcelas de terreno, pertencentes uma a cada um dos AA. e outra aos RR.;
iii. Que os Recorridos desocupassem toda a área de terreno que ultrapassasse os limites e configuração das parcelas, tal como acordado naquele inventário;
iv. Que os Recorridos procedessem à demolição de qualquer obra ou construção que tenham implantado sobre as parcelas pertencentes a cada um dos AA;
BBB. Pelo que, o Tribunal a quo condenou em quantidade superior e em objeto diverso do pedido, pois que os Autores peticionaram que os Recorridos reconhecessem a sua propriedade nas parcelas, com as áreas e a configuração que consta do Levantamento Topográfico junto ao processo de inventário;
CCC. Tendo sido decidido pelo Tribunal a quo, sem fundamento ou prova nesse sentido, que a totalidade da área de terreno de 16,9 m2, pertencia aos Recorridos, por terem a sua “posse”;
DDD. Nunca, no âmbito dos pedidos e da causa de pedir, foi objeto de discussão a posse das partes sobre as referidas parcelas, tão só o reconhecimento do que foi decidido no âmbito dos autos de inventário e entre as partes;
EEE. Pelo que, a condenação que se impunha estaria circunscrita aos pedidos formulados pelos Autores, não podendo o Tribunal a quo decidir da alegada “posse” dos Recorridos sobre uma parcela de terreno com 16,9 m2, atribuindo-lhes a mesma, passando a sua parcela a deter uma área de 623,9 m2;
Caso também assim não se entenda,
FFF. Existiu por parte do Tribunal a quo um erro na apreciação das provas e na apreciação dos factos materiais da causa, não tendo sido a prova produzida suficiente para considerar que a área de 16,9 m2 era da propriedade dos Recorridos, devendo a douta Sentença ser Revogada, devendo, consequentemente, o processo baixar para que o Tribunal a quo possa produzir oficiosamente as diligências que considere necessárias, nos termos do artigo 607.º do CPC, para uma justa composição do litígio;
GGG. Ora, o Tribunal a quo veio a considerar que a área de 16,9 m2, em confronto com os dois Levantamentos Topográficos e em litígio entre as partes, tal como mencionados no anexo 7 da perícia, deverá ser incluído na parcela A, da propriedade dos Recorridos;
HHH. Sendo que, por um lado o Tribunal a quo considera e fundamenta ser de prevalecer o acordo alcançado entre as partes no processo 7(…), mas por outro, com a sua decisão, determina que os Recorridos terão direito a um Prédio com uma área total de 623,9 m2, ultrapassando por completo a área acordada naqueles outros autos de que o Tribunal a quo se prevalece para decidir, sendo excessivamente contraditório;
III. Acresce que, o Tribunal a quo sustenta-se no facto de que, perante a prova realizada em julgamento, que tal parcela está na posse dos Recorridos, onde se localiza o portão de entrada do prédio dos mesmos (parcela A), sendo uma realidade que já existia aquando do acordo celebrado entre as partes na Ação Cível no processo 7(…);
JJJ. No entanto, a área em causa de 16,9 m2, conforme constatado pelo Anexo 7 do Relatório Pericial, abrange somente a “esquina” do portão em discussão, continuando a sua delimitação a norte e entrando na parcela “C” do Apelante;
KKK. O facto de o Tribunal a quo considerar que os Recorridos têm a “posse” daquela “esquina” do portão, não poderá sustentar a “posse” sobre a restante área em causa;
LLL. Aliás, tal permitirá que os Recorridos mantenham um muro de divisão ilegalmente construído que se encontra a vedar o acesso do Apelante às escadas que vão para a sua casa que lhe veio a pertencer no aludido inventário na parcela “C”;
MMM. O que somente por mero erro de julgamento o Tribunal a quo assim o decidiu;
NNN. O Tribunal a quo refere que, pese embora a divergência verificada no documento anexo ao acordo celebrado no inventário, que não incluía tal parcela, que não existem dúvidas da realidade física existente no local, que a demarcação a leste não segue, na parte de baixo, a “direito”, nos termos desenhados nesses documentos, terminando, antes, em “esquina”, que abrange a área na posse dos Recorridos, conforme o que consta do anexo 4 da perícia;
OOO. Ora, mas a realidade física e verificada em sede de julgamento no local, conforme também resulta do Anexo 7 do relatório pericial, é de que naquela área de 16,9 m2, integra-se igualmente uma escadaria que se encontra na parcela “C” do apelante e que dá acesso à casa que lhe veio a pertencer ao Apelante no aludido inventário;
PPP. Pelo que, estamos perante um claro erro de julgamento sobre a matéria de facto, pois que o Tribunal a quo assume que a área de 16,9 m2 é somente relativa ao portão de acesso à parcela “A”;
QQQ. Sendo totalmente percetível pelo Anexo 7 do Relatório Pericial que a área de 16,9 m2 não abrange somente o portão de acesso, seguindo para norte e integrando parte da parcela C do Apelante;
RRR. Existe erro no julgamento, resultando de uma distorção da realidade factual, não correspondendo o decidido à realidade, pois que e conforme resulta dos autos de embargo de obra nova, que precederam os presentes autos, os Recorridos construíram um muro de divisão nas escadas de acesso à casa que lhe veio a pertencer no aludido inventário (do Apelante) na parcela C;
SSS. Ou seja, parte da referida área de 16,9 m2, não se encontra na posse dos Recorridos, nem foi produzida prova ou demonstrado pelos mesmos que tinham a sua posse;
TTT. O Tribunal a quo fundamenta a atribuição da área de 16,9 m2 no facto dos Recorridos fazerem uso e terem a posse do portão da garagem, no entanto, não fica provado ou demonstrado que também tenham o uso e a posse da restante área;
UUU. O que também não seria possível, pois na restante área em causa encontram-se as escadas de acesso à casa que lhe veio a pertencer no aludido inventário (do Apelante) na parcela “C”; VVV. Existe uma clara contradição entre os factos declarados provados e a decisão de mérito;
WWW. Pois, do facto 10 dado como provado, somente se conclui que “o portão dá acesso de carro à moradia que pertence atualmente aos Recorridos, já existia aquando da celebração do acordo supra aludido em 6 (…) e todos aceitaram que os Recorridos entrassem pelo portão que existe do lado leste, obrigando os Recorridos a requerer um novo número de polícia, o que foi feito …”
XXX. Mas constata-se do Relatório Pericial, no Anexo 7, ao qual o Tribunal a quo deu por reproduzido para todos os efeitos legais, que a área de 16,9 m2 não abrange somente a referida “esquina” do portão, mas ainda uma área que segue a norte e integra as escadas de acesso à casa que lhe veio a pertencer no aludido inventário (do Apelante, na parcela “C”;
YYY. Nenhuma prova produzida nos presentes autos, permite ao Tribunal a quo concluir da propriedade dos 19,6 m2 por parte dos Recorridos;
ZZZ. Neste sentido, deveria ter o Tribunal a quo ordenado, mesmo que oficiosamente, todas as diligências necessárias para apurar a verdade material e a justa composição do 34 litígio, quanto a factos que lhe é permitido conhecer e para sustentar tal decisão, o que não fez;
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso e, consequentemente:
a) Deve a Sentença Recorrida ser considerada nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, pois inexiste violação do caso julgado quanto à sentença da ação declarativa como também, verifica-se o cumprimento do acordado em sede de inventário, com a delimitação que se pretende e deve prevalecer, constante desse levantamento topográfico, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a ação nos exatos termos peticionados em sede de Petição Inicial;
b) Deve a Sentença Recorrida ser considerada nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, no que respeita à atribuição da área de 16,9 m2 à parcela “A” da propriedade dos Recorridos, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a ação nos exatos termos peticionados em sede de Petição Inicial;
Caso assim não se entenda,
c) Deve a Sentença Recorrida ser considerada nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, como de tal nulidade resulta inequivocamente um grave vício por violação do caso julgado, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a ação nos exatos termos peticionados em sede de Petição Inicial;
Caso também assim não se entenda,
d) Deve a Sentença Recorrida ser considerada nula, ao abrigo do disposto nos artigos 609.º e 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, no que respeita à atribuição da área de 16,9 m2 à parcela da propriedade dos Recorridos, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a ação nos exatos termos peticionados em sede de Petição Inicial;
Caso também assim não se entenda,
e) Deve a Sentença Recorrida ser Revogada, porquanto existiu por parte do Tribunal a quo um erro na apreciação das provas e na apreciação dos factos materiais da causa, não tendo sido a prova produzida suficiente 35 para considerar que a área de 16,9 m2 era da propriedade dos Recorridos, devendo a douta Sentença ser Revogada, devendo, consequentemente, o processo baixar para que o Tribunal a quo possa produzir oficiosamente as diligências que considere necessárias, nos termos do artigo 607.º do CPC, para uma justa composição do litígio (…).
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido.
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Foram os autos remetidos a este Tribunal e colhidos os vistos legais.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
- Das nulidades apontadas à sentença objeto de recurso;
- Do erro na apreciação da prova.
*
III. Fundamentação:
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:
1. Por morte da mãe e sogra dos AA. e RR., GG, foi partilhado o único bem da herança, um prédio misto (…), no âmbito do processo 1(…), correu termos no Cartório Notarial do Funchal do Notário (…).
2. Correu termos na então Instância Central do Funchal, Secção Cível- Juiz 4, com o n.º 7(…), uma ação de processo comum, em que foram Autores os aqui Réus, sendo Réus os aqui primeiros Autores.
3. Nessa ação, os aqui AA. (aqui RR.) pediam a tapagem de uma porção de terreno que alegadamente teriam comprado à mãe de todos eles, conforme escritura de justificação, a qual fazia parte do prédio misto a partilhar, (…).
4. Tendo os RR. naquela ação deduzido pedido reconvencional, com vista à declaração de invalidade e ineficácia dessa escritura e, consequentemente, o cancelamento do registo de aquisição a favor dos AA., já que tal venda, mesmo que verbal, nunca existiu.
5. Na pendência desta ação, e numa tentativa de resolução definitiva do litígio quanto à partilha do referido prédio misto, em três parcelas equitativas, com vista a ser atribuída uma a cada um dos três filhos, salvaguardando, assim, as construções já efetuadas pelos 1.ºs AA. e pelos RR., o 2.º A. intentou inventário por morte da mãe e sogra de todos eles, o qual correu termos no Cartório Notarial do Funchal do Notário (…), sob o n.º 1(…) (Herança), aludido em 1.
6. Na audiência final, realizada a 03.11.2016, no processo da então Instância Central do Funchal, Secção Cível- Juiz 4, com o n.º 7(…), AA. e RR. transigiram, nos seguintes termos:
“- ACORDO -
1. Os Autores reconhecem que o terreno com a área de 605 m2, sobre o qual se encontra implantado o prédio urbano inscrito na matriz, da freguesia (…), concelho do Funchal, descrito sob o artigo (…) em nome do Autor marido, faz parte da herança ilíquida e indivisa por óbito da mãe deste, GG, sendo a construção uma benfeitoria urbana que pertence àqueles;
2. Os Réus reconhecem que o terreno com área de 720 m2, sobre o qual se encontra implantado o prédio urbano inscrito na mesma freguesia (…) e concelho do Funchal, sob o artigo (…) em nome do Réu marido, faz parte da herança ilíquida e indivisa por óbito da mãe deste, GG, sendo a construção uma benfeitoria urbana que pertence àqueles;
3. Autores e Réus reconhecem que o remanescente do prédio mãe, melhor identificado no artigo 3º da petição inicial que é, actualmente um prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº (…), na freguesia (…), pertence à mesma herança indivisa, pretendendo aqueles reconhecer que este será adjudicado ao irmão do Autor marido e do Réu marido, CC, em partilha no processo de inventário pendente no Cartório Notarial de (…), instaurado por óbito da referida GG, mãe de todos eles;
4. Os Réus reconhecem aos Autores o direito de procederem à tapagem do resto do seu prédio, identificado em 1., tal como peticionado nestes autos, comprometendo-se estes a tapar todas as aberturas actualmente existentes pelo Lado Leste, que permitem o acesso à parte remanescente do prédio mãe e que constitui o prédio misto identificado em 3.;
5. Os Réus reconhecem que o muro de tapagem referido no número anterior, na confrontação Oeste, junto à escadaria existente e até atingir o limite Norte poderá ser implantado até 1.80m de altura, contado do solo das escadas dos Réus;
6. (…)
7. Atendendo à tapagem do prédio dos Autores, na sua confrontação a Leste, estes passarão a ter acesso à via pública através do portão existente no seu prédio, comprometendo-se a solicitar junto da Câmara Municipal do Funchal um número de polícia para este:
8. Os Autores procederão também à tapagem do seu prédio, pela sua confrontação a Norte, podendo erigir um muro sobre o anterior muro já ali existente, que se encontra actualmente soterrado, podendo a construção ser implantada até 1.80m de altura, contados a partir do solo da parcela dos Réus;
(…)
13. Em função do acordo agora celebrado, os Réus reconhecem que os Autores são proprietários das construções implantadas na parcela referida em 1. e os Autores reconhecem que os Réus são proprietários das edificações implantadas na parcela referida em 2.;
14. Autores e Réus acordam na adjudicação respectiva das parcelas, em sede de inventário, respeitando as estremas agora já definidas e registadas.;
(…).”   
Consta da ata da mesma diligência de 03.11.2016, realizada mo âmbito do referido processo 7(…), o seguinte:
“Notificados, a Autora, os Réus e, bem assim, o Sr. CC (…) (terceiro herdeiro, melhor identificado nos autos como testemunha arrolada pelos Réus) que aqui se encontram presentes, pelos mesmos foi dito estarem expressamente conscientes do que havia sido acordado, sendo da vontade de todos efectuar a aludida transação nos exatos termos que ora foram exarados.”
7. A sentença que homologou a referida transação, transitou em julgado a 11.11.2016.
8. No processo de inventário aludido e 1 e 5, os interessados, partes do presente processo, chegaram a acordo, na conferência de interessado realizada a 06.02.2017, nos seguintes termos:
“PRIMEIRA
Os interessados na partilha reconhecem que apenas faz parte da herança um prédio misto, (…), inscrita a parte rústica, ma matriz cadastral respectiva sob o artigo (…), da Secção “T” e a parte urbana, constante de casa térrea com logradouro, dos quais 30 metros quadrados são de área coberta, inscrito na matriz respectiva sob o artigo (…).
SEGUNDA
Os interessados reconhecem e aceitam que sobre a parte rústica do prédio, com a área inicial, e confinante com o (…), está implantada uma benfeitoria urbana, com a área de 605 metros quadrados, dos quais 145 metros quadrados são de área coberta, inscrito na matriz sob o artigo (…), que pertence ao interessado DD (…).
TERCEIRA
Os interessados reconhecem e aceitam que sobre a parte rústica do prédio, na sua parte superior, com acesso por uma escadaria a partir do (…), está implantada uma benfeitoria urbana, com a área de 720 metros quadrados, dos quais 48 metros quadrados são de área coberta da habitação e um anexo destinado a churrascaria, inscrito na matriz sob p artigo (…), que pertence ao interessado AA (…).
QUARTA
Existe apenas uma parcela de terreno, que constitui o remanescente do prédio misto identificado na cláusula primeira, confinante também com o (…) e com as duas parcelas acima identificadas, onde se encontram implantadas as benfeitorias urbanas, com a área de 750 metros quadrados, com uma casa de habitação com 30 metros de área coberta.
QUINTA
Pretendendo os interessados pôr fim à comunhão hereditária, partilham o único bem da herança da forma seguinte:
Ao interessado DD é adjudicada a porção de terreno sobre a qual está implantada a benfeitoria urbana referida na cláusula segunda, com a área total de 591,77 metros quadrados, e a configuração constante do levantamento topográfico anexo e aí identificada pela letra “A”.
Que a divergência de treze vírgula vinte e três metros quadrados entre o registo e o levantamento topográfico se deve à construção de uma escada de sul para norte a partir do Caminho Portada de Santo António até à parcela B, sendo que a mesma se destina exclusivamente a passagem a pé para aquele referido prédio B.
Ao interessado AA é adjudicada a porção de terreno sobre a qual está implantada a benfeitoria urbana referida na cláusula segunda, com a área global de 720.00 metros quadrados, e a configuração constante do levantamento topográfico anexo e aí identificado pela letra “B”.
Ao interessado CC é adjudicada a porção de terreno que constitui um prédio misto, inscrito na matriz, a parte urbana, sob o artigo (…) e a parte rústica sob o artigo (…) da Secção “T”, com a área de 624.85 metros quadrados, e a configuração constante do levantamento topográfico anexo e aí identificada pela letra “C”.
Que quaisquer divergências relativamente à descrição predial resultam de alteração superveniente.
(…)
OITAVA
Os interessados comprometem-se, e na sequência do referido acordo judicial, a vedar cada uma das parcelas fixadas nos termos da cláusula quinta, de forma a que não haja qualquer acesso entre elas, a partir da presente data, a não violar o direito de propriedade de cada um dos restantes sobre as parcelas identificadas nesta partilha, não violando as áreas e configuração de cada uma delas, conforme levantamento topográfico, que juntam aos presentes autos.
NONA
Declararam os interessados CC e AA que não se opõem a que o interessado DD proceda à tapagem da parcela de terreno que lhe fica adjudicada.
(…).”
O documento em anexo a esse acordo, nele identificado como “levantamento topográfico”, tem o seguinte teor:
(reprodução do Doc. 4 junto com a petição)
9. Os Réus, na parte superior norte da sua parcela, procederam a escavação para implantação de um muro divisório da parcela superior (mais a norte) e começaram a implantar um muro que invade, em 0.81m2, o prédio identificado pela letra C, no anexo 7 do relatório pericial efetuado nos autos.
10. O portão que dá acesso de carro à moradia que pertence atualmente aos Réus, já existia aquando da celebração do acordo supra aludido em 6, todos os intervenientes aceitaram, aquando do acordo a que chegaram nessa ação 7(…), que tal área pertencia ao prédio aí mencionado no item 1 desse acordo e todos aceitaram que os Réus entrassem pelo portão que existe do lado leste, obrigando os Réus a requerer um novo número de polícia, o que foi feito.
11. Só na pendência da presente ação é que os Réus se aperceberam que o levantamento topográfico aludido no acordo celebrado no inventário não coincidia, no que ao seu prédio diz respeito, com a configuração efetuada pela Direção dos Serviços de Informação Geográfica e Cadastro, da Madeira, conforme o documento 3 junto aos presentes autos com a contestação - documento que constava da ação 7(…), sendo que todos os intervenientes do acordo celebrado nessa ação aceitaram tal configuração - pelo que os Réus requereram, a 17.07.2017, no inventário, que fossem as mesmas corrigidas, de acordo com o transacionado nos autos com o n.º 7(…), que correu termos na então Instância Central do Funchal, Secção Cível J4.
12. No processo de inventário aludido, a 20.09.2017, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Nos presentes autos de inventário aberto por óbito de GG, homologo pela presente sentença a partilha constante do mapa de fls. 154 e 155, adjudicando aos interessados os respetivos quinhões (cfr. artigo 66º n.º 1 do RJPI).
(…).
Em 17/07/2012, deu entrada em juízo um requerimento dos interessados DD e mulher EE com vista à emenda da partilha, nos termos do artigo 70º do RJPI.
Nos termos dos artigos 70º e 71º do RJPI, a emenda à partilha poderá ser requerida por acordo de todos os interessados ou através de acção autónoma.
No caso vertente, nem o requerimento submetido a juízo se encontra subscrito por todos os interessados, nem consubstancia uma acção autónoma.
Consequentemente, inexiste fundamento legal para, à luz deste quadro fáctico e processual, proceder à emenda da partilha nos termos pretendidos pelos interessados DD e EE.
Face ao exposto, indefere-se o requerido.
Notifique (…).”
13. A decisão que homologou a partilha, no processo de inventário aludido, transitou em julgado a 14.10.2017.
14. Dá-se por reproduzido o relatório pericial junto aos autos, inclusivamente com todos os seus anexos.”
*
Na sentença recorrida foram considerados como não provados os seguintes factos:
A. Que os Réus sempre se opuseram a permitir o acesso dos Autores ou de alguém a seu mando, à parcela dos primeiros que fora adjudicada no inventário e que se arroguem donos da totalidade do prédio;
B. Que os Réus tenham, depois do acordo firmado no Notário, no âmbito do processo de inventário aludido, implantado, junto à estrada, na parte mais a sul, do seu terreno, uma entrada para carro que invade, no limite este da sua parcela, em vários metros quadrados, a porção de terreno que ficou a pertencer ao segundo Autor;
C. Que os Réus tenham aumentado o muro existente na parte oeste para dois metros de altura.
*
IV. Mérito do Recurso:
- Das nulidades apontadas à sentença objeto de recurso.
Defende o Apelante que a sentença recorrida deverá ser considerada nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, porquanto os seus fundamentos estão em oposição com a decisão, em concreto no que respeita à atribuição da área de 16,9 m2 à parcela “A”, propriedade dos Réus.
Refere para o efeito que, por um lado, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão no acordo celebrado no processo 7(…); mas, por outro, decide em desacordo com esse mesmo acordo. Com efeito, o Tribunal a quo determina que os Réus terão direito a que a sua parcela tenha uma área total de 623,9 m2, ultrapassando por completo a área acordada naqueles autos (605m2).
Mais refere que o Tribunal a quo fundamenta a atribuição da totalidade de uma área de 16,9 m2 à parcela “A”, dos Réus, no facto de estes fazerem uso do portão de entrada aquando do acordo alcançado no processo 7(…). No entanto, ficou provado, conforme o anexo 7 do relatório pericial, que tal área de 16,9 m2 não abrange somente o portão em causa, aliás, na mesma só esta integrada uma “esquina” do portão. Até porque, na referida área em discussão, encontra-se o acesso da escadaria que dá para a casa que veio a pertencer ao Apelante no inventário, proprietário da parcela C. Assim, como poderia o Apelante concordar que a área de 16,9 m2 pertence aos Réus e que sempre se encontrou na posse deles, se a referida área integra as escadas de acesso à sua própria casa e que lhe veio a pertencer no aludido inventário? Para além disso, conforme intensifica o Tribunal a quo, a testemunha FF, a quem considerou credibilidade, prestou depoimento no sentido de que o portão a sul, junto à estrada, já existia aquando do acordo alcançado entre as partes, mas que o limite da propriedade a sul não é a “direito”, mas em “esquina”.
Conclui assim que existe uma clara contradição lógica, pois a fundamentação da sentença recorrida segue um determinado caminho (a área da parcela dos Réus é de 605 m2 e o portão existente está na posse dos mesmos) para concluir que os Réus têm uma parcela com a área de 623 m2, integrando ainda a escada de acesso à casa que veio a pertencer ao Apelante no inventário, a parcela C.
Vejamos.
Na sentença recorrida, para além de se ter considerado como provado o teor da transação celebrada no processo n.º 7(…) (reproduzido no ponto 6. do elenco de factos provados), foram também considerados como provados os seguintes factos:
10. O portão que dá acesso de carro à moradia que pertence atualmente aos Réus, já existia aquando da celebração do acordo supra aludido em 6, todos os intervenientes aceitaram, aquando do acordo a que chegaram nessa ação 7(…), que tal área pertencia ao prédio aí mencionado no item 1 desse acordo e todos aceitaram que os Réus entrassem pelo portão que existe do lado leste, obrigando os Réus a requerer um novo número de polícia, o que foi feito.
11. Só na pendência da presente ação é que os Réus se aperceberam que o levantamento topográfico aludido no acordo celebrado no inventário não coincidia, no que ao seu prédio diz respeito, com a configuração efetuada pela Direção dos Serviços de Informação Geográfica e Cadastro, da Madeira, conforme o documento 3 junto aos presentes autos com a contestação - documento que constava da ação 7(…), sendo que todos os intervenientes do acordo celebrado nessa ação aceitaram tal configuração - pelo que os Réus requereram, a 17.07.2017, no inventário, que fossem as mesmas corrigidas, de acordo com o transacionado nos autos com o n.º 7(…) que correu termos na então Instância Central do Funchal, Secção Cível J4.
Ora, perante tal factualidade, importa concluir que a transação celebrada no processo n.º 7(…), nos termos da qual os aqui Autores e Réus acordaram na adjudicação aos ora Réus de uma parcela de terreno com a área de 605 m2, teve por base a configuração dessa parcela constante do documento junto com a contestação apresentada na presente ação como doc. 3. Compreende-se que assim seja, pois conforme resultou provado, essa configuração inclui na sua área o portão que já então dava, como dá, acesso de carro à moradia dos Réus. Ou seja, no processo n.º 7(…) Autores e Réus atribuíram à parcela a adjudicar aos Réus a área de 605 m2 porque foi essa a área que fizeram corresponder à configuração dessa parcela constante do documento junto com a contestação como doc. 3.
Saliente-se que no anexo 7 do relatório pericial apenas se conclui que as construções existentes no lote A, propriedade dos Réus, ultrapassam a oeste, em 16,90 m2, a configuração desse lote, ocupando o lote C, propriedade do Apelante, se se tiver por base o levantamento topográfico junto ao processo de inventário. Tal já não acontecerá se considerarmos a configuração constante do doc. 3 junto com a contestação (vejam-se as respostas aos quesitos G e 6º, constantes do relatório pericial), pois nesse caso essas construções integram-se na configuração do lote A. Ou seja, esses 16,90 m2 integram-se na área da parcela que no âmbito do processo n.º 7(…) Autores e Réus acordaram que seria adjudicada aos Réus. Veja-se que o levantamento topográfico da parcela correspondente ao prédio dos Réus, com a configuração por estes indicada (que é aquela que esteve na base na transação celebrada no processo n.º 7(…)), e que constitui o anexo 4 do mesmo relatório pericial, tem, de acordo com o mesmo, não 605 m2 mas 607 m2. Ora, de acordo com a resposta ao quesito 6º, a qual teve por base essa planta, os referidos 16,90 m2 estão incluídos nessa área de 607 m2.
A esse propósito escreveu-se na sentença, no segmento destinado à “Motivação de Facto”: “(…) Decorreu, pois, deste testemunho” – referindo-se ao depoimento do topógrafo CC – “(…) que a configuração do prédio dos Réus era a que consta do desenho de folhas 50 (que incluía, conforme esclareceu, os 16, 9 m2 identificados no anexo 7 da perícia) designadamente que a leste a linha divisória não seguia a direito, existindo, ao invés, a esquina visível junto à entrada e que o portão já existia, com a configuração ainda hoje visível, conforme se constatou no local (veja-se, designadamente, as primeiras quatro fotografias extraídas no local) (…).
Escreveu-se ainda, no mesmo segmento, agora a propósito da perícia realizada nos autos: “(…) A perícia também identifica os já mencionados 16, 90 m2 de área em que a construção existente no prédio dos Réus ultrapassa os limites do seu lote (A)-veja-se folhas 276 e 286). No entanto, tal desfasamento foi detetado relativamente ao levantamento topográfico junto aos autos de inventário e não ao levantamento topográfico que existia aquando da celebração da primeira transação celebrada entre as partes, na ação cível que correu termos sob o n.º 7(…), que foi junta a esses autos, conforme decorre da certidão junta a folhas 47 a 50 dos presentes autos, que integra o documento 3 junto com a contestação) (…).” – sublinhado nosso.
Refira-se que em ponto algum da matéria de facto considerada provada, da respetiva motivação ou mesmo do relatório pericial é mencionado que na referida área de 16,90 m2 em litígio, à data em que foi celebrado o acordo no processo n.º 7(…), estava o acesso à escadaria que dá para a casa que veio a pertencer ao Apelante no inventário, edificada na parcela C.
Não colhe, em face de tudo quanto ficou exposto, a afirmação do Apelante de que na sentença recorrida se conclui que os Réus têm uma parcela com a área de 623 m2.
Quando aí, no segmento destinado à “Fundamentação de Direito”, se afirma que “Assim sendo, os aludidos 16, 9 m2 mencionados no anexo 7 da perícia, em litígio entre as partes, deverá ser incluído na parcela A, pertença dos Réus, pelo que a demarcação do mesmo deverá abranger essa área (…)”, apenas se pretende dizer que os referidos 16,9 m2 estão incluídos na parcela propriedade dos Réus, com a configuração e a área definidos no processo n.º 7(…) e que por todos, Autores e Réus, foi aceite. Por isso mesmo também se afirma, no mesmo segmento da sentença, que “Quanto a esta área, tendo decorrido da prova realizada em julgamento que a mesma está na posse dos Réus, onde se localiza o portão de entrada ao prédio dos mesmos (parcela A), realidade que já existia aquando da celebração do acordo na ação cível 7(…), que foi aceite pelos intervenientes no aludido acordo, que primeiro transitou em julgado, deverá a demarcação do prédio dos Réus abranger essa área, que os intervenientes processuais do dito acordo aceitaram que pertencia ao prédio mencionado no item 1 dessa transação.”
É assim irrelevante se na área de 16,90 m2 em litígio apenas se insere parte do portão de acesso à propriedade dos Réus, como refere o Apelante, pois o certo é que toda essa área está integrada na parcela dos Réus.
Aqui chegados, conclui-se que a sentença não enferma da nulidade que o Apelante lhe aponta, improcedendo, quanto a tal questão, o recurso que dela interpôs.
Defende o Apelante que a sentença recorrida deverá ser considerada nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, porquanto o Tribunal a quo pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento.
Referem para o efeito que não peticionaram que o Tribunal se pronunciasse sobre a posse/propriedade de Autores e Réus sobre as parcelas e suas áreas, mas tão só que se reconhecessem as áreas e configurações acordadas pelas partes, conforme constam do Levantamento Topográfico junto aos autos de inventário n.º 1(…) que todos assinaram e com o qual acordaram.
Referem que embora no processo n.º 7(…) as partes tenham definido a propriedade e as áreas de cada parcela, somente no processo de inventário n.º 1(…) foram concretizadas as delimitações de cada parcela, não existindo, por isso, exceção de caso julgado no âmbito dos pedidos realizados pelos Autores na presente ação.
Referem que, no entanto, o Tribunal considerou que embora a perícia realizada nos autos mencione que os 16,9 m2 de área de construção existente no prédio dos Réus (conforme definido no Anexo 7 do Relatório Pericial) ultrapassam os limites definidos no Lote A, tal desfasamento é detetado relativamente ao Levantamento Topográfico junto aos autos de Inventário e não quanto ao Levantamento Topográfico que existia aquando da celebração da primeira transação celebrada entre as partes na ação n.º 7(…). E, por isso, o Tribunal pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, nomeadamente, ao decidir que uma área com 16,9 m2 pertencia à parcela dos Réus.
Analisemos.
É verdade que na presente ação os Autores peticionam que se reconheçam as áreas e configurações acordadas pelas partes, tal como constam do levantamento topográfico junto aos autos de inventário n.º 1(…).
No entanto, conforme acima já se assinalou, resultou provado que esse levantamento topográfico, conforme os Réus apenas na pendência da presente ação se aperceberam, não coincide, no que ao seu prédio diz respeito, com a configuração efetuada pela Direção dos Serviços de Informação Geográfica e Cadastro da Madeira e que é a que consta do documento 3 junto aos presentes autos com a contestação. Resultou igualmente provado que esse documento já constava do processo n.º 7(…) e que todos os intervenientes no acordo nele celebrado aceitaram a configuração do prédio dos Réus que dele consta. Obviamente que se Autores e Réus aceitaram essa configuração a mesma esteve na base da atribuição da área de 605 m2 ao prédio dos Réus. Não se vislumbra de que outra forma se poderá ter concluído pela atribuição dessa concreta área ao prédio dos Réus. Assim sendo, não é verdade que no processo n.º 7(…) Autores e Réus definiram a propriedade e área de cada uma das três parcelas mas somente no processo de inventário n.º 1(…) concretizaram a delimitação de cada uma dessas parcelas. Efetivamente, no processo n.º 7(…) as partes acordaram quanto à configuração e à área da parcela que no inventário n.º 1(…) veio a ser adjudicada aos Réus. Veja-se, inclusive, que na cláusula 14 da transação celebrada no processo n.º 7(…), as partes acordaram no seguinte: “Autores e Réus acordam na adjudicação respectiva das parcelas, em sede de inventário, respeitando as estremas agora já definidas e registadas” – sublinhado nosso.
Conclui-se, em face do exposto, que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questão cujo conhecimento lhe estava vedado, não tendo violado a autoridade de caso julgado formado no processo n.º 7(…), no que à área da parcela que veio a ser adjudicada aos Réus se refere. O Tribunal a quo apenas considerou, como acima já mencionamos, que a área de 16,90 m2 em litígio está incluída na área atribuída à parcela dos Réus no processo n.º 7(…), com a configuração acordada nesse mesmo processo. Contrariamente ao que afirma o Apelante, o Tribunal a quo não adicionou essa área à que, por acordo de todos, foi atribuída à parcela dos Réus no processo n.º 7(…). E o Tribunal a quo também não atribuiu essa área de 16,90 m2 à parcela dos Réus por considerar que os Réus usavam o portão de acesso à sua parcela, tendo a sua posse. O Tribunal considerou que essa área, com esse uso que já então lhe era dado pelos Réus, foi incluída na área e configuração que Autores e Réus, nesse processo n.º 7(…), aceitaram corresponder à parcela a adjudicar aos Réus no processo de inventário.
Não enferma assim a sentença recorrida da nulidade que lhe é apontada, pelo que também quanto a tal matéria improcede o recurso em apreciação.
Defende ainda o Apelante que a sentença recorrida deverá ser considerada nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, porquanto o Tribunal a quo condenou em quantidade superior e em objeto diverso do pedido.
Refere para o efeito que os Autores peticionaram que os Réus reconhecessem a sua propriedade das parcelas, com as áreas e a configuração que consta do levantamento topográfico junto ao processo de inventário, sendo que o Tribunal a quo, sem fundamento ou prova nesse sentido, decidiu que a totalidade da área de 16,9 m2 pertencia aos Réus por terem a sua “posse”.
Refere que nunca, no âmbito dos pedidos e da causa de pedir, foi objeto de discussão a posse das partes sobre as referidas parcelas, não podendo o Tribunal a quo decidir da alegada “posse” dos Réus sobre uma parcela de terreno com 16,9 m2, atribuindo-lhes a mesma, passando a sua parcela a deter uma área de 623,9 m2.
Não assiste razão ao Apelante.
Conforme já acima referimos e aqui se repete, o Tribunal a quo apenas considerou que a área de 16,90 m2 em litígio está incluída na área atribuída à parcela dos Réus no processo n.º 7(…), com a configuração acordada nesse mesmo processo. Contrariamente ao que afirma o Apelante, o Tribunal a quo não adicionou essa área à que, por acordo de todos, foi atribuída à parcela dos Réus no processo n.º 7(…). E o Tribunal a quo também não atribuiu essa área de 16,90 m2 à parcela dos Réus por considerar que os Réus usavam o portão de acesso à sua parcela, tendo a sua posse. O Tribunal considerou que essa área, com esse uso que já então lhe era dado pelos Réus, foi incluída na área e configuração que Autores e Réus, nesse processo n.º 7(…), aceitaram corresponder à parcela a adjudicar aos Réus no processo de inventário.
Saliente-se ainda que o Tribunal a quo, no que à parcela que veio a ser adjudicada aos Réus se refere, não poderia reconhecer a propriedade da mesma com a configuração que consta do levantamento topográfico junto ao processo de inventário, pois da factualidade considerada como provada resulta que no processo n.º 7(…) Autores e Réus já haviam acordado quanto a essa configuração. Ora, conforme se refere na sentença proferida pelo Tribunal a quo, e nessa parte a mesma não foi objeto de recurso, “(…) as partes celebraram acordo em ambos os processos mencionados. Não obstante o processado nos autos de inventario, o acordo subjacente à sentença que o homologou, na ação cível que correu termos com o n.º 7(…), com as obrigações dele decorrentes (com a sua homologação) para os intervenientes, não poderá ser desconsiderado, devendo ser levado em consideração (não podendo qualquer dos intervenientes, de boa fé, furtar-se aos efeitos dos compromissos aí assumidos; e de nada serve aos Autores invocar, como fizeram no local, que só mais tarde vieram a ter conhecimento das áreas e configurações, não se podendo furtar às obrigações que assumiram na transação judicial celebrada na ação cível e homologada por decisão transitada em julgado). E não poderá, também, ora Autor CC, pretender obstar à eficácia do caso julgado da dita sentença, com a alegação de que não era parte nesses autos (que correram termos sob o n.º 7(…)), já que o mesmo foi notificado da transação, declarou estar consciente do que havia sido acordado, tendo manifestado, juntamente com as partes desses autos, concordância com a dita transação, nos exatos termos exarados, pelo que não poderá, de boa fé, furtar-se aos efeitos da sentença que homologou a transação celebrada pelas partes desses autos e ainda pelo ora segundo Autor, que foi, antes da prolação da sentença homologatória, chamado a se pronunciar a respeito, tendo aderido à transação, nos termos já descritos.
Em caso de divergência entre decisões, há que atender à sentença que primeiro transitou em julgado (artigos 1354.º, n.º 1, do Código Civil e 625.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, em conjugação entre si (…).”
Assim sendo, também quanto a tal nulidade se conclui que a sentença recorrida não enferma da mesma, improcedendo, quanto a essa questão, o recurso em apreciação.
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- Do erro na apreciação da prova.
Considera o Apelante que a prova produzida não é suficiente para que se considere que a área de 16,9 m2 colocada em crise é propriedade dos Réus e que, por isso, o processo deverá baixar à primeira instância para que o Tribunal a quo possa produzir oficiosamente as diligências que considere necessárias para a justa composição do litígio.
Desde já se diga que não se vislumbra que outras diligências poderiam ter sido ordenadas pelo Tribunal a quo para além daquelas que efetivamente foram realizadas, e a verdade é que o Apelante também não as identifica.
Mais uma vez se repetirá que o Tribunal a quo apenas considerou que a área de 16,90 m2 em litígio está incluída na área atribuída à parcela dos Réus no processo n.º 7(…), com a configuração acordada nesse mesmo processo. Contrariamente ao que afirma o Apelante, o Tribunal a quo não adicionou essa área à que, por acordo de todos, foi atribuída à parcela dos Réus no processo n.º 7(…). E o Tribunal a quo também não atribuiu essa área de 16,90 m2 à parcela dos Réus por considerar que os Réus usavam o portão de acesso à sua parcela, tendo a sua posse. O Tribunal a quo considerou que essa área, com esse uso que já então lhe era dado pelos Réus, foi incluída na área e configuração que Autores e Réus, nesse processo n.º 7(…), aceitaram corresponder à parcela a adjudicar aos Réus no processo de inventário. O uso que já então era dado pelos Réus a essa área de 16,90 m2 permite compreender a razão pela qual, nesse processo, as partes acordaram em incluí-la na parcela a adjudicar aos Réus no processo de inventário. Note-se, mais uma vez, que em ponto algum da matéria de facto considerada provada, da respetiva motivação ou mesmo do relatório pericial é mencionado que na referida área de 16,90 m2 em litígio, à data em que foi celebrado o acordo no processo n.º 7(…), estava o acesso à escadaria que dá para a casa que veio a ser adjudicada ao Apelante no inventário, edificada na parcela C.
Improcede assim, também quanto a tal matéria, o presente recurso.
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V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo desta 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo identificados em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo 2º Autor, CC.
Registe.
Notifique.
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Lisboa, 11.07.2024
Susana Mesquita Gonçalves
Arlindo José Colaço Crua
Carlos Gabriel Castelo Branco