Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2200/21.0YRLSB-7
Relator: ANA RESENDE
Descritores: ESCRITURA PÚBLICA DECLARATÓRIA
UNIÃO ESTÁVEL
NACIONALIDADE PORTUGUESA
AQUISIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Tendo os Requerentes acordado em reconhecer a união de facto, mediante uma escritura de união estável, nada obsta que para alguns efeitos jurídicos, sobretudo os que dizem respeito à relação estabelecida entre as partes se proceda à requerida confirmação/revisão, não resultado, contudo, da mesma, a aquisição da nacionalidade portuguesa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - Relatório
1.  A e B, ambos residentes na Rua ...., AP 96B, Vila Belarmino, Santos, S. Paulo, Brasil, vieram interpor a presente ação declarativa, com processo especial nos termos do art.º 978 e ss., do CPC, pedindo a revisão e confirmação da Escritura Pública Declaratória de União Estável, lavrada em 27 de Agosto de 2021, pelo Cartório do 7.º Tabelião de Notas, Comarca de Santos, Republica Federativa do Brasil.
2. Alegam que a Escritura lavrada declarou e reconheceu a união de facto, foi requerida por ambas as partes que a solicitara, presencialmente perante o referido Cartório, vivendo nesse regime desde 2010.
3. Quanto à finalidade subjacente ao pedido de revisão, vieram informar que se prende com a aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do Requerente, uma vez que a Requerida é portuguesa.
4. O Ministério Público, nas suas alegações, concluiu que nada obstava à requerida revisão.
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II – Enquadramento facto-jurídico
1. O tribunal é competente, as partes têm legitimidade e não se verificam exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.   
2. Dos factos
Com relevo para a decisão resultou apurada a seguinte factualidade:
- No dia 27.08.2021, no 7.º Tabelião de Notas, Comarca de Santos, Estado de Santos, foi celebrada a Escritura de União Estável, na qual A e B, declararam que mantêm a convivência pública, contínua e duradoura desde 2010, como se casados fossem, sendo reconhecida, assim a união estável, pela mesma Escritura, sendo o regime de bens adotado pelos contraentes de comunhão parcial de bens.
- Os Requerentes informaram o Tribunal que a finalidade que subjazia à presente ação era a de o Requerente obter a nacionalidade portuguesa, porquanto a autora era portuguesa. 
3. Do direito[1]
O artigo 978.º do CPC, sob a epígrafe “necessidade da revisão”, dispõe que “sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada” (nº1);  e que: “não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa”.
Por seu turno, o artigo 980.º do mesmo diploma estabelece como requisitos necessários para a confirmação de sentença estrangeira, que: não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão; tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida; provenha do Tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos Tribunais portugueses; não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a Tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição; o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do Tribunal de origem e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes; contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português.
Tem-se entendido que a expressão “decisão sobre direitos privados, constante do aludido no art.º 978, do CPC deve ser interpretada por forma a abranger decisões proferidas seja por autoridades, seja por autoridades administrativa, e nessa conformidade, atendendo à escritura pública declaratória de união estável, de acordo com o direito brasileiro no atendimento de uma entidade, enquanto constitutiva de atribuição de parte importante do regime e correspondentes direitos e deveres, e não menos relevantemente, porque nos presentes autos não foi invocada como tal.
Dessa forma, a celebração da escritura declaratória de união estável correspondendo a um ato administrativo em que a intervenção notarial tem natureza de caucionamento, por forma a serem desencadeados efeitos, como no caso de uma declaração judicial em sentido estrito[2], com o devido respaldo nos artigos 1723.º e seguintes do Código Civil Brasileiro.
No concerne à ordem jurídica portuguesa a união de facto está regulada na Lei nº 7/2001, de 11 de maio, a qual prevê medidas de proteção unidos de facto há mais de dois anos, inexistindo, contudo quanto à mesma um processo registral, afastando desde logo o cumprimento do disposto no art.º 78, do CRCivil, podendo compreender-se, que tendo os Requerentes acordado em reconhecer a união de facto, nos termos em que o fizeram, nada obste que para alguns efeitos jurídicos, sobretudo os que dizem respeito à relação estabelecida entre as partes se proceda à requerida confirmação/revisão.
Já quanto à pretendida aquisição da nacionalidade portuguesa, a mesma não pode resultar da revisão requerida.
Com efeito, a Lei n.º 37/81, de 03 de outubro, com as suas posteriores alterações prevê requisitos e pressupostos de que depende a “aquisição em caso de casamento ou união de facto”, estatuindo o artigo 3.º nomeadamente:
(…) 3-O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível”[3].
Exige-se, assim, que, em ação própria, seja feita a averiguação da situação de união de facto “há mais de três anos com nacional português”, a qual constitui objeto de controlo judicial, subtraída, pois, à intervenção das autoridades administrativas e escapando à vontade das partes, que é ineficaz para produzir o efeito jurídico pretendido[4].
Ora, a natureza do processo especial de revisão de sentenças estrangeiras é feito por via do exequatur, traduzindo um controlo essencialmente formal[5], isto é o tribunal não aprecia o mérito da pretensão formulada no processo em que é proferida a sentença cuja confirmação é pedida, o que não se pode confundir, como se viu, com o ritualismo seguido na ação com vista à aquisição da nacionalidade. 
Quer isto dizer que a presente ação não se traduz no meio processualmente adequado a atingir o fim em vista, importando esclarecer que os requerentes não ficam impedidos de propor a ação devida, com observância dos termos prescritos na Lei com vista à aquisição da nacionalidade portuguesa
Quanto ao demais, e feita a devida ressalva, sabendo-se que se impõe ao tribunal o conhecimento oficioso da verificação dos pressupostos a que se referem as alíneas a) e f) do citado art.º 980, do CPC, há que concluir que, na situação em apreço, se verificam todas as condições exigidas pela lei para a revisão e confirmação da sentença estrangeira, pois e para o caso dos autos não se suscitam dúvidas quer quanto à autenticidade quer quanto à inteligência dos documentos juntos pelos requerentes, não conduzindo a resultado incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português.
Verificam-se, pois, os pressupostos legais de revisão e de confirmação da sentença em análise, devendo, consequentemente, a ação proceder, com a ressalva feita, para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa.
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IV – DECISÃO
Nestes termos, acordam as Juízas deste Tribunal da Relação, em julgar procedente a pretensão de revisão/confirmação da Escritura de União Estável de 27.08.2021, celebrada por A e B, para que produza os seus efeitos em Portugal, ressalvando-se, no entanto, que a mesma não tem reflexos para efeitos de aquisição de nacionalidade portuguesa pelo Requerente.
Custas pelos Requerentes.
Valor da ação: 30.000,01€.
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Lisboa,  21 de Dezembro  2021
Ana Resende
Dina Monteiro
Isabel Salgado
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[1] Segue-se aqui de perto o Ac. Relação de Lisboa de 26.10.2021, também subscrito pela ora relatora.
[2] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 11.02.2020, in www.dgsi.pt.
[3] Relevando, ainda, o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa aprovado pelo Decreto-lei n.º 237-A/2006, de 14/12, mormente o seu art. 14º.
[4] Ac TRL de 22.05.2021, in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Alberto dos Reis, in Processos Especiais, vol.II, pag. 142, que mantém plena atualidade.