Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12426/19.1T8LRS.L1-8
Relator: CARLA SOUSA OLIVEIRA
Descritores: ADVOGADO
CONTRATO DE MANDATO FORENSE
PRÁTICA DE ACTO PROCESSUAL FORA DE PRAZO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ÓNUS DE PROVA
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I– O mandato forense é um contrato de mandato atípico sujeito ao regime especial do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo-lhe ainda aplicável o regime civilistico do mandato constante dos art.ºs 1157º a 1184º do CC.

II–No exercício do mandato forense, o advogado não se obriga a obter ganho de causa, mas sim a utilizar, com diligência e zelo, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender os interesses do seu cliente, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as “leges artis”, com o objectivo de vencer a lide, visto tratar-se de uma obrigação de meios, e não de resultado.

III–O incumprimento dos deveres adstritos ao advogado pela celebração do contrato de mandato pode determinar a sua responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante e, consequentemente, a obrigação de indemnizar.

IV–A prática de um acto processual fora do prazo legal ou a utilização de um meio processual desadequado, fazendo soçobrar a pretensão de interposição de recurso, constituem indubitavelmente uma violação dos específicos deveres do advogado e das normas que os consagram.

V–Demonstrado o incumprimento, decorre do art.º 799º, nº 1, do CC, uma presunção de culpa do obrigado, incidindo sobre o réu o ónus de alegação e prova de que o incumprimento não procede de culpa sua.

VI–O ressarcimento por “perda de chance”, encarado como uma nova e autónoma espécie de dano, não visa indemnizar a perda do resultado querido, mas antes e apenas a oportunidade perdida enquanto um direito em si mesmo violado com uma conduta ilícita.

VII–A verificação do dano por “perda de chance” exige a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem (ou de evitar um prejuízo) segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, que terá de ser aferido casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados.

VIII–Para haver dano da “perda de chance” susceptível de indemnização, não basta a prova da conduta ilícita do advogado consubstanciada no incumprimento do mandato, não basta a prova do acto/facto lesivo, uma vez que segundo o instituto jurídico invocado não há reparação sem estar também provada a existência dum dano e causado por tal acto/facto ilícito, sendo também necessário que esse incumprimento pudesse conduzir, com um elevado grau de probabilidade, à procedência da pretensão do lesado.

IX–Numa acção destinada a apurar a responsabilidade civil do advogado no âmbito de um contrato de mandato forense, deve o lesado demonstrar que existia uma probabilidade séria e real de a sua pretensão ter sido reconhecida, caso o mandante tivesse actuado com a diligência devida, o que implica fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa.

X–O seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados tem natureza obrigatória.

XI–A cláusula do contrato de seguro de responsabilidade civil de advogado segundo a qual o evento relevante para o acionamento do contrato durante a sua vigência, com vista ao pagamento de uma indemnização pela seguradora, é a reclamação e não o facto gerador do dano que está na sua base é válida e não contende com a natureza obrigatória de tal seguro.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I.Relatório

C…, Unipessoal, Lda instaurou a presente acção de condenação sob a forma comum de declaração contra N…; G…, SA (anteriormente denominada S…, SA); M…, SA e XL… SE, pedindo que os réus sejam condenados solidariamente a pagar à autora a quantia de € 67.232,54, acrescida dos respectivos juros vencidos contabilizados desde a data do pagamento pela autora aos então autores do processo judicial mencionado na petição inicial, até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, a autora alegou que, tendo sido condenada a pagar a quantia de € 59.885,74, na acção declarativa que correu termos sob o nº 1944/04.6TCLRS, o 1º réu, seu mandatário forense, apresentou recurso, mas o mesmo foi considerado extemporâneo, o que lhe causou prejuízos, dado existir grande probabilidade de procedência do dito recurso, atendendo aos fundamentos ali invocados. Fundamentou ainda a responsabilidade das rés seguradoras no facto de terem celebrado contratos de seguro mediante os quais garantem os riscos derivados do exercício da profissão de Advogado.

Os réus foram regularmente citados e todos contestaram, impugnando parcialmente a factualidade invocada pela autora e defendendo que a probabilidade de êxito do recurso era nula ou reduzida, não havendo lugar à indemnização peticionada. As rés seguradoras invocaram ainda exclusões decorrentes dos contratos de seguro, bem como a existência de franquia.

A autora foi convidada a aperfeiçoar a petição inicial, o que veio a fazer.

Foi proferido despacho saneador a julgar verificados os pressupostos processuais e foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu N… e a ré S…, SA a pagar à autora a quantia de € 27.500, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento, absolvendo aqueles réus do demais peticionado. Mais absolveu as rés M…, SA e XL … SE do pedido quanto a tudo que contra elas vinha peticionado.

Inconformada, a ré G…, SA apresentou recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
a.-O douto Tribunal a quo assentou, essencialmente, a douta Decisão Condenatória na prova documental, entre a qual se conta “As Condições especiais e gerais do seguro de responsabilidade civil”, conforme foram juntas sob Doc. 1 com a contestação da ora Ré Recorrente e em vigor nos anos de 2012 e 2013.
b.-Também, a douta sentença recorrida deu como provados e por referência à P.I., os seus arts.º 52º e 56º, bem como elenca os factos provados em III) a XI) da sua fundamentação de facto;
c.-Foi aí referida a apólice nº 0002.....9, contratada com a aqui Recorrente e indicada como data da participação por parte do segurado ao abrigo dessa apólice, 12.12.2018.
d.-Bem como, o período de cobertura contratado com a mesma, de 01.01.2012 às 00h a 01.01.2014 às 00h.
e.-Ou seja, tratando-se o Seguro previsto no Estatuto da Ordem dos Advogados de várias apólices sucessivas no tempo (anual ou bianual) cujas coberturas funcionam com base de reclamação (e não da verificação do dano), considera-se que a data da primeira reclamação define o âmbito objetivo de aplicação da apólice;
f.-Também, resulta no Ponto 12 do Artigo 1º das Condições Especiais da Apólice, considera-se “Reclamação: qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado (…) como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice”.
g.-Considerando-se, para efeitos da apólice, como “Reclamação”, o início de procedimento judicial ou administrativo contra um segurado, neste caso o Dr. N… ou a comunicação à seguradora com a apólice em vigor;
h.-Neste caso, é evidente que a participação apresentada pelo R. em 12.12.2018 e junto da aqui Recorrente, não consubstancia uma comunicação, nos termos do Ponto 12 do art. 1º das Condições Especiais da Apólice, em virtude de terminado o período de seguro da mesma, em 31.12.2013.
i.-Sendo que, encontrando-se o âmbito de cobertura temporal da referida apólice delimitado nos termos previstos no artigo 4.º das Condições Especiais, será a referida apólice de seguro “competente exclusivamente para as reclamações que sejam pela primeira vez apresentadas no âmbito da presente apólice: a)- Contra o segurado e notificados ao segurador; b)-Contra o segurador em exercício de ação direta; c)-Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, com fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado, após a data retroativa” (cfr. apólice)
j.-Efetivamente, o que releva para efeitos de aplicação da referida cláusula de delimitação de cobertura, é a data em que é efetuada a comunicação ou instaurado o procedimento contra o segurado.
k.-Pelo que, no caso dos autos, foram demandadas as seguradoras com apólices que vigoraram para as anuidades de 2012 a 2013 (a 2ª R.), 2014 a 2017 (3ª R.) e 2018 em diante (4ª R.);
l.-Pelo que, sempre teria de se considerar que a apólice em vigor à data da propositura da ação seria a apólice contratada com a 4ª R., para a anuidade de 2019.
m.-Conforme se explicitou supra, o clausulado entre apólices contratadas com a Ordem dos Advogados, nos termos do art. 104º do Estatuto da Ordem dos Advogados, contém uma provisão idêntica no seu Ponto 7 das Condições Especiais;
n.-Provisão esta que considera “Reclamação” como “qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado (…) como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice”.
o.-Esta opção justifica-se pela própria natureza do risco, o qual prevê um evento incerto – aqui a efetivação da responsabilidade do segurado pelo terceiro;
p.-In casu, a posição jurídica da ora Recorrente, é claramente secundada pela jurisprudência recente, referindo-se o sumário Ac. do STJ datado de 11.07.2019 e relatado por Rosa Tching, “IV. Dispondo o ponto 7 das Condições particulares da apólice deste contrato de seguro que : “O segurador assume a cobertura de responsabilidade civil do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início de vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, cobertas pela presente apólice, e, ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação”, estamos perante uma apólice de reclamação, também chamada “claims made”, segundo a qual o evento relevante para o acionamento do contrato durante a sua vigência, com vista ao pagamento de uma indemnização pela seguradora, é a reclamação e não o facto gerador do dano que está na sua base”.
q.-Ou seja, ao contrário do que a douta sentença parece considerar, a apólice contratada pelas 2ª a 4ª RR. não é uma apólice cujo funcionamento da cobertura se baseia na data da ocorrência dos factos, mas sim na data da reclamação dos mesmos.
r.-Sem que tal implique a diminuição das garantias conferidas pela natureza obrigatória do seguro.”.

O réu N… veio igualmente recorrer, sintetizando as suas alegações nas seguintes conclusões:
1ª)–O douto tribunal de 1ª instância julgou, por omissão, de forma inadequada a matéria de facto, deixando de dar como provado o facto de que J… foi gerente da autora a partir de 2007.
2ª)–Esta conclusão resulta da apreciação de passagem da prova gravada da audiência de discussão e julgamento da causa, devidamente identificada no corpo desta minuta de alegações a coberto do preceituado no artigo do Código de Processo Civil.
3ª)–Esse facto integra uma plausível solução de direito para a presente causa na vertente do requisito do dever de indemnizar quanto aos danos sofridos pela autora ou, sem conceder, pelo menos, quanto ao seu montante.
4ª)–Ficou provado que a autora vendeu a fracção que fez o objecto directo da acção subjacente ao presente processo pelo montante de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), em 2006.
5ª)–Essa venda ocorreu até antes de J… gerir a recorrida e esse facto nunca comunicado ao recorrente.
6ª)–Por declaração expressa em audiência e gravada a recorrida passou a ser gerida a partir de 2007 pelo arquitecto J…, momento em que a fracção tinha já sido vendida a terceiros.
7ª)–Foi o recorrente que na preparação da discussão da presente causa detectou o facto da venda e do ano dela e que os levou a juízo, tendo o facto sido dado como provado.
8ª)–A venda prometida pela recorrida foi pelo valor de € 99.239,58, mas a venda conseguida foi concretizada por mais € 150.000,00 com um ganho de mais de € 50.760,42 [150.000,00 - € 99.239,58].
9ª)–A recorrida teve em sua posse a quantia de € 29.927,87, valor do sinal passado, entre 02 de Fevereiro de 2002 até 20 de Dezembro de 2013, isto é, durante 11 anos, 10 meses 18 dias servindo-se desse montante e seguramente com ele lucrando.
10ª)–A recorrida entregou aos autores da acção anterior, e em processo executivo subsequente, à acção declarativa, a quantia de € 67,323, 54, em cujo total se compreendia o montante de € 29.927,87, que era dinheiro dos autores e não da recorrida.
11ª)–A recorrida do seu património apenas despendeu a quantia de € 37.395,67, pelo que se conclui que ainda teve um encaixe de € 112.604,33 um valor acima do preço da venda prometida de € 13.364,75.
12ª)–A recorrida financeiramente não teve qualquer prejuízo como dano emergente e não existem elementos objectivos para se falar em lucro cessante.
13ª)–A figura da “perda de chance” não tem assento legal de jure constituto no direito pátrio.
14ª)–No entanto, a partir da jurisprudência nacional e da doutrina autóctone e estrangeira pode definir-se a “perda de chance” como o acto do mandatário forense que por o não ter praticado ou o ter deficientemente praticado, compromete a oportunidade de um sujeito processual cuja pretensão decaiu, ver essa decisão sindicada e revista.
15ª)–A “perda de chance” não havendo causa de exclusão, confere ao sujeito ofendido o direito a ser ressarcido com base na teoria da responsabilidade civil contratual, a coberto do contrato de mandato forense.
16ª)–A doutrina e jurisprudência, que não lei, têm defendido que o prejuízo que decorre do acto do lesante na “perda de chance” é autónomo não sendo necessário preencher-se o pressuposto do nexo de causalidade adequado.
17ª)–A autonomia do dano, dizem os doutrinadores e a jurisprudência, faz com que este surja “ipso facto”, no sentido que o acto ilícito é fonte inexorável do prejuízo, porque esse acto obnubilador de uma expectativa de oportunidade de obter decisão judicante diversa da anterior e favorável.
18ª)–No plano lógico-jurídico “a perda de chance” integra a ilicitude e a imputação, mas não integra, a um tempo, a culpa e o dano, concedendo não ser necessário o nexo de causalidade adequada.
19ª)–Na verdade, nada na lei permite afastar a sólida e sedimentada teoria da responsabilidade contratual nos os seus cinco pressupostos – a ilicitude, a imputação, a culpa, o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
20ª)–Não se descortina que a recorrida tenha tido um dano, tanto mais que uma coisa é pagar o devido e outra bem diferente é pagar o indevido e assim ter uma perda patrimonial.
21ª)–Não há maneira de caracterizar o dano da “perda de chance” a não ser como um dano emergente de natureza reintegradora, apesar de determinadas vicissitudes, se não houver antes perda ganho no devir conjunto do conflito até ao seu encerramento final.
22ª)–A “perda de chance” é a perda de oportunidade de se ver estudada apreciada reflectida e decidida uma questão litigiosa de conflito de interesses à luz da lei, ou a perda da oportunidade de ver sindicada uma decisão judicial.
23ª)–A doutrina e a jurisprudência têm vindo a defender, e o recorrente concorda plenamente com tal orientação, que havendo recurso o seu êxito não se mostrar plausível pelo menos parcialmente não há “perda de chance” – a isto se chama “o julgamento dentro do julgamento.”
24ª)–O douto tribunal de 1ª instância fez este exercício na sentença proferida, mas que o recorrente não pode acompanhar porque o meritíssimo juiz “a quo” o que faz é descrever o que devia ter sido a defesa da autora na acção anterior e não um juízo de probabilidade de êxito do recurso da recorrida.
25ª)–Alude-se a questões pertinentíssimas sobre a resolução contratual e sobre a nulidade do contrato de promessa que fazia o objecto mediato da acção antiga, mas que não foram suscitadas na douta contestação do Distmº mandatário que precedeu o recorrente.
26ª)–Em sede de recurso tratava-se de questões novas, tendo ficado o tribunal de 1ª instância confinado aos limites da condenação em conformidade com o pedido formulado ou com as, putativas, excepções que não foram invocadas.
27ª)–Limitado o tribunal estava limitada a ré no seu recurso, pelo que é mais que evidente que o recurso não podia proceder, pelo que se está em total desacordo com o que se escreveu na douta sentença recorrida.
28ª)–Assim não havendo probabilidade de ganho séria e real, concreta e fundamentada, não há dano e não havendo dano, este não é quantificável.
29ª)–Nascida em França, já algo adoptada em vários outros países, mas bebendo muito da escola anglo saxónica, a doutrina rodopia nessa questão maior que é a quantificação do dano, designadamente, teorizando sobre percentagens de êxito das questões “sub judice”.
30ª)–A zona segura é a que se encontra na certeza clara e cristalina da improcedência da pretensão, in casu, do recurso, como em rigor é o caso.
31ª)–Acresce que pese embora tenha usado um regime de recurso inadequado, o recorrente apresentou recurso e alegações, agindo como lhe competia de modo cuidadoso e diligente, isto é, trabalhou.
32ª)–Não se tratou de um incumprimento puro e simples, de nada fazer de modo desleixado, mas de um lapso que a todos pode acontecer, consubstanciando um cumprimento defeituoso.
33ª)–Tratou-se de um erro por ter passado despercebido o regime de recurso aplicável ao processo.
34ª)–O erro cometido é manifestamente um erro desculpável que a todos pode acontecer como aconteceu ao tribunal que admitiu o recurso.
35ª)–A teoria da “perda de chance” tem uma incongruência lógica porque se diz, a um tempo, que o aspecto nuclear é o decesso a oportunidade, mas, no caso de um recurso, se este for elaborado com conteúdo da alegação completamente deslocado e mal enfocado sob o ponto vista jurídico o advogado sai incólume, ou seja, pode-se e não se pode errar.
36ª)–Impõe-se assim que questões destas devem ser decididas a partir da lei positivada, considerando uma hermenêutica e jurisprudência dos interesses de forma equitativa e de prudente arbítrio.
37ª)–No caso dos autos, como se conclui a recorrida não perdeu património e se viesse a ser indemnizada estávamos claramente numa situação de enriquecimento sem causa, o que reassentaria um ganho legitimo e à custa alheia.
SÚMULA:O douto tribunal de 1ª instância fez, na ausência de norma legal que tutele a figura da “perda de chance”, fez inadequada aplicação do preceituado nos artigos 483º, 487º, 488º, 494º, 496º, 562º, 563, 564º e 566º todos do Código Civil.”.

Por sua vez, a seguradora XL… SE veio aderir ao recurso apresentado pelo co-réu N…, bem como ampliar o objecto do recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.–Vem a XL..., nos termos dos artigos 634.º, n.º 2 alíneas a) e b) e n.º 3, 657.º, n.º 1 e 679.º todos do CPC, dar a sua adesão ao Recurso apresentado pelo co-réu Dr. N…, uma vez que a ora Requerente, como Seguradora do respectivo Recorrente, tem um interesse comum na decisão do mesmo, dando-se, assim e com o devido respeito, por reproduzidos todos os argumentos e conclusões ali invocadas;
2.–Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, vem a aqui Seguradora ampliar o objecto de recurso, relativamente à invocada excepção de falta de cobertura temporal do contrato de seguro em apreço atento o pré-conhecimento dos factos em aqui em discussão pelo Segurado;
3.–Resultou efectivamente provado nos autos que (conforme ponto XXXV, XXXVI, XXXVII da factualidade dada como provada), nos termos da alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais da apólice 60..........58/1, ficam expressamente excluídas da cobertura das apólices as Reclamações Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (negrito nosso)
4.–As apólices de seguro de Responsabilidade Civil profissional dos advogados contratadas com a XL... caracterizam-se pela natureza de apólices “claims made”, correspondendo a data do sinistro à data da primeira reclamação;
5.–A Seguradora XL... assumiu perante o Tomador de Seguro (Ordem dos Advogados), nos termos expressamente definidos nas condições particulares do contrato, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da actividade de advocacia, conforme regulado no estatuto da Ordem dos Advogados, desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor);
6.–Garantindo, até ao limite de capital seguro e nos termos expressamente previstos nas referidas condições particulares da apólice de seguro, o eventual pagamento de indemnizações pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva legalmente responder no desempenho da actividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados;
7.–Desde que os factos ou circunstâncias passíveis de gerar a responsabilização civil dos segurados, não sejam pelos mesmos conhecidas e/ou consciencializadas em data anterior à data de início do período seguro (artigo 3.º das Condições Especiais da apólice ES0001....EO..A).
8.–A referida cláusula contratual, pese embora se encontre inserida num capítulo da Apólice de seguro dedicado às Exclusões (sendo assim impropriamente designada de “exclusão de pré-conhecimento”), assume a natureza de disposição delimitadora do objecto da apólice;
9.–Nomeadamente por ser clarificadora da disposição de retroactividade temporal, limitando-se o seu âmbito de cobertura aos factos geradores de responsabilidade civil que, tendo sido cometidos em data anterior ao termo do período de vigência da apólice, sejam desconhecidos do Segurado em data anterior ao início do período de vigência dessa mesma apólice.
10.–O que releva para efeitos de aplicação da referida cláusula de delimitação de cobertura, é o facto e/ou circunstância que, sendo razoavelmente conhecido do segurado à data de início do período seguro, possa razoavelmente vir gerar uma reclamação.
11.–Por outro lado, não é aplicável à “exclusão”/delimitação de cobertura temporal prevista na alínea a) do artigo 3.º das Condições Particulares das apólices, o disposto no n.º 4 do artigo 101.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro;
12.–De facto, a exclusão do sinistro da cobertura da apólice, nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das condições especiais dos contratos de seguro, não resulta de qualquer relação e/ou incumprimento por parte do segurado, de deveres contratualmente estabelecidos, nomeadamente, da participação do sinistro;
13.–A verdade é que, mesmo que os factos e circunstâncias conhecidos do segurado e que já tivessem ou pudessem vir a gerar reclamação, fossem comunicados à seguradora na data do início do período seguro, o sinistro em causa encontrar-se-ia sempre excluído da cobertura das apólices, porque pré-conhecido;
14.–Ora, resulta da matéria de facto julgada provada nos autos (facto 31.º), desde a data em que o Réu Advogado foi notificado do despacho proferido pelo Tribunal de Relação de Lisboa, em 24 de Outubro de 2013, que tomou conhecimento de que o recurso não foi admitido, atento o facto de ter sido interposto fora do prazo legalmente previsto para o efeito;
15.–Desta forma, não poderá senão concluir-se de outra forma: à data de início do período seguro da apólice n.º ES0001....EO..A, tinha o Réu Advogado perfeito e efectivo conhecimento da possibilidade (ainda que em tese) de vir a ser responsabilizado, pela A., em decorrência da actuação profissional posta em crise nos autos;
16.–Assim, sempre será de concluir (salvo o devido respeito por melhor e douta opinião em contrário) pela impossibilidade de responsabilização da Seguradora, pelos danos decorrentes da actuação profissional do Réu advogado no âmbito do patrocínio assumido perante a Autora, nomeadamente por aplicação da cláusula contratual prevista no artigo 3.º, alínea a) das condições especiais da apólice, e bem assim do n.º 2 do artigo 44.º da Lei do Contrato de Seguro (D.L. 72/2008 de 16 de Abril), só assim se fazendo VERDADEIRA JUSTIÇA!”.

Por fim, a autora veio contra-alegar, oferecendo as seguintes conclusões:
«1–A douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, não o merece qualquer reparo, tendo de forma e tecnicidade exímia, se pronunciado de forma bem fundamentada sobre todos os aspectos essenciais em discussão nos presentes Autos, nomeadamente:
A)- Se estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil de advogado por danos resultantes do incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato forense;
B)-Se a conduta do 1º réu causou diretamente danos morais e patrimoniais à autora;
C)-Se existe ou não fundamento legal para a indemnização pela denominada “perda de chance”;
2–Na afirmativa, saber o quantum indemnizatório a arbitrar.

3–As Alegações de Recurso do ali Recorrente, e quanto às questões a resolver, divide o aqui recurso em 4 partes:
(1)-Pressupostos da responsabilidade civil do Advogado;
(2)-Tese ou solução normativa;
(3)-A Recorrida teve ou não prejuízos;
(4)-Exclusão da Responsabilidade em abstracto e em concreto.

A)-Quanto à 1ª matéria - pressupostos da responsabilidade civil do Advogado, alega o Recorrente “se os factos dados como provados na presente acção geram uma situação de culpa - aferida segundo um determinado critério – ou não.
Ora, tal matéria, foi largamente fundamentada, e bem, na Sentença proferida pelo Tribunal a quo que, conforme confessado pelo próprio Recorrente, “na douta sentença recorrida, encontramos uma muito boa teorização sobre as obrigações de meios, mas ainda aí se não encontra uma aplicação da lei aos factos”
B)-A Recorrida discorda em absoluto com tal alegação, uma vez que a Douta Sentença aplicou, eximiamente, e sem qualquer reparo, a lei, a jurisprudência e a doutrina ao caso concreto, conforme resulta do texto da mesma.
4–Não se aceitando a desresponsabilização do aqui Recorrente quando este alega que “o facto de se entender que o advogado deve agir com o máximo cuidado, diligencia e rigor, o que é absolutamente verdadeiro, não o pode colocar numa situação de, se cometer um lapso, ser condenado em indemnização ipso facto”,
Para mais, quando o aqui Recorrente não foi condenado por simplesmente ter cometido um erro, tendo a indemnização fixada considerado como grave o erro cometido pelo aqui Recorrente, a conduta que o mesmo adoptou com o conhecimento de tal erro, o dano que tal erro causou à aqui Recorrida e o nexo de causalidade largamente demonstrado entre a conduta e o prejuízo da Recorrida.
5–E tudo isto ponderado e devidamente fundamentado e que determinou, e uma vez cumpridos os requisitos da responsabilidade civil, a fixação da indemnização tendo como base o valor do sinal em singelo, em apenas 90% correspondente à perda de chance, que na pior das hipóteses, a aqui Recorrida poderia ser condenada.
6–Pelo que, é até desrespeitosa a alegação do Recorrente quando refere que “algo assim definido, perdoe-se-nos a linguagem menos formal, é uma espécie de - “errou, pagou”,
7–Quando é largamente conhecido pelo aqui Recorrente, que o erro por si cometido determinou que a aqui Recorrida fosse condenada a pagar o sinal em dobro, acrescido de custas, juros e demais despesas tendo em conta a instauração de execução que correu termos por apenso ao processo nº 1944/04.6TCLRS, figurando a Recorrida como Executada, tudo no total de €67.232,54 (sessenta e sete mil duzentos e trinta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos), sempre na probabilidade, no Julgamento dentro do Julgamento, que a Autora teria a probabilidade em sede de Recurso de sair vencedora da causa, conforme largamente demonstrado na Douta Sentença proferida pelo tribunal a quo.
8–Quanto ao segundo ponto das Alegações de Recurso do Recorrente o mesmo incide sobre tese ou solução normativa, incidindo esta matéria sobre a perda de chance.
Nesta matéria o Recorrente não logrou contrariar o alegado pela Douta Sentença que fundamentou de forma eximia a questão da “perda de chance”, que aliás é hoje pacífica na jurisprudência, largamente referenciada na Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
E com base nessas orientações doutrinais e jurisprudenciais, aplicou o Tribunal a quo ao caso em apreço, resultando de forma inequívoca, que o réu aqui Recorrente, actuou ilicitamente e que essa conduta causou danos à autora, aqui Recorrida,
9–Tendo de seguida analisado o dano decorrente da “perda de chance”, ou seja, a de ver apreciado o recurso que foi instaurado da sentença condenatória, num autêntico “julgamento dentro do julgamento” de modo a realizar uma apreciação/representação que, em termos de probabilidade, permita perspetivar o que teria sido decidido no processo em sede recursiva.
10–E a apreciação que a Douta Sentença faz do “julgamento dentro do julgamento” é, igualmente, irrepreensível e analisa o caso concreto, o dano que o Tribunal a quo atribuiu é plausível, provável, sério e real, não tendo o Douto Tribunal a quo se limitado a considerar que basta o acto ilícito para que se conclua pela existência de um dano.
11–Assim, e apreciando o terceiro ponto do Recurso do Recorrente, se a Recorrida teve ou não prejuízos, e face a tudo o que supra vai exposto, dúvidas não existem que teve prejuízos superiores aqueles que o Recorrente foi condenado a pagar à Recorrida, não se verificando sequer a restituição do que a Recorrida despendeu.
12–Sendo no mínimo inconcebível a compensação que o Recorrente pretendia ver reconhecida de forma a eximir-se da sua responsabilidade pelo dano e prejuízo que causou à aqui Recorrida, pelo facto de a mesma ter vendido o aludido imóvel por valor superior.
13–Quando uma coisa não tem nada a ver com a outra, e o erro, a culpa, o dano e o nexo de causalidade existe sempre, independentemente do valor.
Aliás, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a Recorrida não ficou a ganhar uma vez que com a mera entrega do sinal foi transmitida a posse do imóvel aos promitentes compradores, sem qualquer pagamento de renda, e a Recorrida não só não rentabilizou o imóvel como ainda teve de devolver em dobro o sinal recebido.
14–Por fim, e analisado o 4º ponto exclusão da responsabilidade em abstracto e em concreto, o Tribunal a quo considerou que todos os pressupostos da indemnização pelo dano de perda de chance estão verificados no caso concreto, nomeadamente a violação dos deveres do réu como mandatário forense da autora, a frustração de um elevadamente provável resultado favorável, em termos parciais, do recurso instaurado, existindo um evidente nexo de causalidade entre a conduta do réu e a frustração do resultado da demanda, pois a conduta deste, consubstanciada na interposição extemporânea do recurso, é idónea à verificação daquele resultado” sendo irrelevante se o Recurso foi elaborado ou não, quando o aqui Recorrente não acautelou diligentemente, como se impunha, o cumprimento do prazo.
15–Aliás, a conduta do aqui Recorrente e enquadrada no conhecido ditado de que “o desconhecimento da Lei não aproveita a ninguém”.
16–Não aproveita a um homem médio, um homem analfabeto, e por conseguinte, muito menos não aproveita a um advogado com o dever de conhecer a Lei!
17–Tendo a Douta Sentença até na fixação dá indemnização o cuidado de apreciar eximiamente o caso concreto, ou seja, “nos 90%, o ganho de causa por parte da autora (ré recorrente naqueles autos) de obter parcial ganho de causa. O montante em que a autora foi condenada correspondente ao dobro do sinal ascende a 29.927,87€. A aqui autora foi condenada a pagar a quantia de 59.855,74€, tendo, na sequência da ação executiva que foi instaurada, acabado por pagar a quantia de 67.232,54€. Se fosse condenada em quantia inferior, também pagaria menos juros de mora e menos custas, pelo que o prejuízo não se resume só à quantia de 29.927,87€. Considerou assim adequado fixar em 27.500€ a indemnização pela perda de chance (90% da quantia sobre a qual a autora poderia ter sido absolvida, acrescida da ponderação quanto aos juros e custas).
18–Razão pela qual, urge reiterar que, conforme se afigura claro e manifesto, outro não poderia ter sido o entendimento do douto Tribunal a quo, razão pela qual tal decisão deverá ser mantida por V/ Exas. Venerandos Desembargadores, improcedendo o Recurso interposto pelo Recorrente por falta de fundamento legal, FAZENDO-SE JUSTIÇA!».

Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II.–Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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Face ao teor das conclusões dos recursos, são as seguintes as questões que cumpre apreciar, por ordem lógica, começando pelas que precludem ou contendem com as demais questões:
a)-da modificabilidade da decisão de facto;
b)-do preenchimento dos pressupostos da obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade contratual e, mais especificamente, no âmbito de contrato de mandato forense;
c)-do âmbito da cobertura do(s) contrato(s) de seguro.
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IV.– Fundamentação

4.1.- Os factos
O Tribunal recorrido fixou nos seguintes termos a factualidade provada e não provada:
“Factos provados/provados parcialmente/não provados da p. i. com interesse para a causa
1.º–A Autora é uma sociedade comercial, que tem por objeto social “Arrendamento de bens imobiliários. Construção de casas para venda e Compra e venda de bens imóveis”.
2.º
Em 19-03-2004, CN… e mulher O…, intentaram contra a aqui Autora uma ação declarativa de condenação peticionando o pagamento da quantia de Euros 68.858,40, por alegado incumprimento de um contrato promessa de compra e venda, celebrado entre as Partes relativamente a um imóvel que aquela sociedade construiu, correspondente ao ...º Dto., do Lote ..., sito na Av…., O____.
3.º
Dando origem ao processo cível com o n.º 1944/04.6TCLRS, que correu termos na 2.ª Vara de Competência Mista, no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures.
4.º
A Autora foi citada para a ação e constituiu Mandatário, para assegurar a sua defesa naquele processo, o Senhor Dr. JN…, Advogado, portador da Cédula Profissional N.º ....L, com escritório àquela data, na Rua … L____.
5.º
O qual veio a apresentar Contestação em representação da Autora aos 03/05/2004.
6.º
O Senhor Dr. JN… foi Mandatário da Autora até 30-05-2005, tendo renunciado nessa data ao mandato que lhe tinha sido conferido, por alegados motivos do foro pessoal.
7.º
Situação que obrigou a Autora a contratar um novo Mandatário que aceitasse representá-la naquela demanda.
8.º
O que veio a suceder, aos 04/12/2008, tendo a Autora constituído como seu novo Mandatário o Réu N…, com a Cédula Profissional nº ....L, e escritório na Avenida … S____.
9.º
O 1.º Réu foi mandatado pela Autora para assegurar a sua Defesa no referido processo n.º 1944/04.6TCLRS, que correu termos 2.ª Vara de Competência Mista, no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures.
10.º
Quando o 1.º Réu iniciou o seu mandato, em representação da Autora, o processo encontrava-se pendente, já tendo sido apresentada Contestação pelo anterior Advogado, encontrando-se em sede de instrução de prova com início de Audiência de Discussão e Julgamento.
12.º
A primeira intervenção, com junção de procuração, do Réu N… naqueles Autos ocorreu aos 04/12/2008, tendo tido a primeira intervenção em sede de Audiência de Discussão de Julgamento aos 22/02/2012, a qual não foi realizada e suspensa a instância por um período de trinta dias, com vista as Partes chegarem a acordo.
13.º
Ficou desde logo assegurada a realização de Audiência para o dia 23/05/2012, com continuação a 24/05 do mesmo ano, no caso de as Partes não chegarem a acordo.
14.º
Audiências de Discussão e Julgamento realizadas nas referidas datas.
15.º
Nessa data, foi designado o dia 15/06/2012 pelas 14h para leitura das respostas à matéria de facto.
16.º
Não tendo o Réu N… reclamado da mesma, vindo a ser proferida Decisão aos 06/09/2012.
17.º
A qual foi notificada às Partes aos 31/01/2013.
18.º
A Sentença proferida veio a julgar procedente a ação instaurada pelos ali Autores contra a ali Ré, aqui Autora, e foi esta condenada no pagamento àqueles da quantia de Euros 59.855,74 (cinquenta e nove mil, oitocentos e cinquenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos).
19.º
A Autora manifestou de imediato junto do 1º Réu a intenção de recorrer daquela Decisão, o que este concordou.
20.º
A referida Sentença considera-se notificada ao 1.º Réu aos 04-02-2013.
21.º
Aos 06-03-2013 o 1.º Réu interpôs, por requerimento nos Autos, Recurso daquela Sentença apresentando as respetivas Alegações.
22.º
Aos 26-09-2013 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso interposto.
23.º
Os ali Autores reclamaram, pugnando pela não admissão do Recurso.
24.º
Invocaram como fundamento que o regime legal que rege a interposição dos Recursos é o regime anterior ao previsto no DL 303/2007, de 27/08, e não o atual regime previsto no Código de Processo Civil, uma vez que a Ação Judicial é do ano 2004.
28.º
A interposição do Recurso no processo no qual a Autora era interveniente, deveria ter sido apresentado no prazo de 10 dias, a contar da data da Notificação da Decisão, e não no prazo de 30 dias, atendendo à sua pendência à data da entrada em vigor do novo Diploma Legislativo.
29.º
O 1.º Réu interpôs o Recurso no prazo de 30 dias.
30.º
Situação que apesar de passar despercebida inicialmente ao Tribunal, que admitiu o recurso, foi detetada pela contraparte, que reclamou da Admissão do Recurso,
31.º
Em 24-10-2013 naquele processo foi proferido novo Despacho, desta vez de Não Admissão do Recurso.
32.º
Concluindo-se naquele Despacho que “o prazo para interposição de recurso nos presentes Autos não é de 30 dias, mas de 10 dias, pelo que atendendo a que a sentença foi notificada ao Ilustre Mandatário da R. a 31-03-2013 (fls. 527), e que o recurso foi apresentado a 06-03-2013 (fls. 551), conclui-se que o mesmo é extemporâneo. Consequentemente, ao abrigo do disposto nos artigos 666, n.º 3 e 66.º, n.º 2, alínea a) do CPC, procedo à reforma do despacho proferido a fls. 554, declarando ser o recurso apresentado pela R. extemporâneo e rejeitando por isso o mesmo.”
34.º
Esse Despacho transitou em julgado.
35.º
A Autora viu-se obrigada ao pagamento da indemnização a que fora condenada por força daquela Sentença, não recorrida.
38.º
Não provado.
39.º
Não provado.
40.º
Não provado
41.º
Não provado
42.º
Em 12/03/2013, os então Autores na mencionada ação apresentaram uma Ação Executiva para cobrança dos valores em dívida.
43.º
Para pagamento da quantia global de Euros 59.855,74, acrescido dos juros vencidos e dos que se vencessem até efetivo e integral pagamento.

44.º–Aos 03-12-2013 o Réu, ainda na qualidade de Mandatário da Autora, e face à penhora de bens à Autora, alcançou um acordo de transação, nos seguintes termos:
1)–Fixaram a quantia exequenda no valor de Euros 67.232,54 (sessenta e sete mil, duzentos e trinte e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos), pagamento deste valor em três prestações, a saber:
a.-Uma de Euros 20.000,00 (vinte e mil euros);
b.-Outra de Euros 41.950,79 (quarenta e um mil novecentos e cinquenta euros setenta e nove cêntimos) com vencimento no dia 20 de Dezembro de 2013;
c.-Uma de Euros 5.281,75 (cinco mil, duzentos e oitenta e um euros e setenta e cinco cêntimos);
2)–Estabelecendo ainda que o valor de Euros 5.281,75 (cinco mil, duzentos e oitenta e um euros e setenta e cinco cêntimos) “coberto por retenção de reembolso de IRC devido à executada e já na posse da Agente de Execução nomeada será entregue diretamente ao Exequente.”
45.º
A Autora, naqueles Autos Executada, procedeu ao pagamento em conformidade.
47.º
O 1º Réu, Dr. N… comunicou à autora que tinha perdido a oportunidade de apresentar Recurso, que por culpa sua não deu cumprimento ao prazo legal de apresentação de Recurso, lamentando o sucedido e que iria acionar o Seguro de Responsabilidade Civil Profissional.
48.º
A Autora, desde então, confiou que o 1º Réu já estivesse a diligenciar junto da Seguradora, tal como se comprometeu, para ressarcimento de todos os danos, de perda de oportunidade e de chance de poder recorrer em tempo.
49.º
Nesse sentido, a Autora, desde então, contactou sucessivamente o 1.º Réu para que lhe apresentasse uma solução.
50.º
A Legal Representante da Autora, Sra. D. M…, em finais de 2018 tomou conhecimento que o 1º Réu não tinha ainda acionado o Seguro de Responsabilidade Civil para ressarcimento dos danos que lhe havia causado.
51.º
Não provado
52.º
Por carta datada de 12-12-2018, o 1º Réu participou à Seguradora, T…, SA, o sucedido, conforme documento de fls. 100.
56.º
A 2.ª Ré foi a seguradora contratada pela Ordem dos Advogados Portugueses para a subscrição coletiva do seguro de responsabilidade civil profissional para os anos de 2012 e 2013.
57.º
A 3.ª Ré foi a seguradora contratada pela Ordem dos Advogados Portugueses para a subscrição coletiva do seguro de responsabilidade civil profissional para os anos de 2014 a 2017.
58.º
A 4.ª Ré foi a seguradora contratada pela Ordem dos Advogados Portugueses para a subscrição coletiva do seguro de responsabilidade civil profissional para o ano de 2018.
81.º
Não provado.
82.º
A Autora remeteu à 2.ª Ré, as comunicações escritas de fls. 108 a 112.

Do articulado de aperfeiçoamento provou-se:

I)–Os Autores da mencionada ação nº 1944/04.6TCLRS, invocaram o seguinte para fundamentar o pedido:
A.–“celebraram aos 05/02/2002 com a Ré um contrato promessa de compra e venda do Imóvel referente à fração sita na Avenida …, em O____, tomando posse do imóvel nessa data, pela tradição que se operou em data contemporânea com a assinatura do CPCV”.
B.–Durante o período em que ali viveram, verificaram-se infiltrações várias no imóvel, não tendo as mesmas sido reparadas pela Ré, razão pela qual resolveram denunciar o contrato com esse fundamento, exigindo o pagamento do sinal em dobro, vide artigos 1.º, 7.º e 16.º da Petição Inicial e documento junto.
C.–Os Autores entregaram à Ré a título de adiantamento de preço e de sinal, os montantes de Euros 29.927,87 (05/02/2002) e de Euros 9.975,96 (na mesma data).
D.–Após começarem a habitar a fração, os Autores invocaram que durante a época das chuvas, começaram a aparecer infiltrações na fração, e que nos períodos das chuvas intensas, as paredes de todas as assoalhadas apresentavam-se húmidas, e que em alguns sítios, se verificavam “pingas”.
E.–Enquanto os Autores residiram no imóvel prometido vender, tentaram contactar o construtor por diversas vezes, no propósito de solucionar o problema das infiltrações, sempre sem sucesso.
F.–Ante a alegada passividade do Construtor, os ali Autores decidiram contactar um Engenheiro que efetuasse um parecer técnico sobre a situação.
G.–E consequentemente decidiram proceder à comunicação da denúncia do contrato de promessa de compra e venda, como última forma de tentar levar a Construtora a pronunciar-se sobre o assunto.
H.–Tendo, no entanto, recebido como única resposta a do ilustre mandatário da Construtora, informando que teriam 15 dias para abandonar a fração.
I.–Os Autores afirmavam que desacreditados com a C…, e porque verificaram que nada mais havia a fazer, abandonaram a fração.
J.–Tendo procedido à entrega do imóvel devoluto à Ré aos 15/01/2003, tendo com isso perdido bonificações do empréstimo à habitação que haviam solicitado, no valor de Euros 9.002,40.

II)
Na sentença proferida foram dados como provados os seguintes factos:
1.–No dia 5 de Fevereiro de 2002, o Autor (com conhecimento e acordo da Autora) e a ré subscreveram o acordo escrito que consta a fls. 19 a 21 em que esta declarou prometer vender aos autores e o autor declarou que ele e a esposa, a ora autora, prometiam comprar, a fração autónoma correspondente ao ...º direito do prédio sito na Urbanização …, O____, pelo preço de 99.759,58 euros (alínea A dos Factos Assentes).
2.–Por documento escrito de 5 de Fevereiro de 2002, que consta a fls 24, os autores comprometeram-se a entregar à ré, na data da escritura, a quantia de 74.819,68 euros, a título do remanescente do preço.
3.–Por transferência bancária, foi entregue à ré a quantia de 29.927,87 euros a título de sinal (alínea C) dos Factos Assentes).
4.–A ré entregou aos autores aos 05/02/2002 a chave do imóvel referido em A), para lá habitarem até à data da escritura, tendo os autores passado a aí habitar (alínea D) dos Factos Assentes).
5.–Foi elaborado pelo Engenheiro A… o relatório que consta a fls. 46 e 47, relativo à fracção referida em A), tendo sido efectuada uma vistoria à mesma fracção pela Câmara Municipal, cujo auto consta a fls. 50 (alínea E) dos Factos Assentes).
6.–Em 18/10/02 foi emitido o Alvará de Licença de Utilização relativo à fracção referida em A) (alínea f) dos Factos Assentes).
7.–Por carta de 9 de Dezembro de 2002, cuja cópia consta a fls. 71, os autores comunicaram à ré que “nos termos do artigo 916 do Código Civil venho apresentar a denúncia do contrato, informando que pretendo ser restituído do sinal em dobro” (alínea G) dos Factos Assentes).
8.– A ré, através do seu mandatário, respondeu com uma carta de 23/12/02, cuja cópia consta a fls. 52, comunicando que “ao denunciarem o contrato, sem motivo bastante, perdem todo o sinal entregue … deixou de existir o fundamento que sustentava a presença de V. Exas. no andar, pelo que deverão até ao próximo dia 15 de Janeiro de 2003 entregar as chaves … do andar que ocupam … concede o prazo até ao referido dia 15 de Janeiro para manifestarem por escrito, que pretendem cumprir o contrato-promessa e se prontificam a colaborar diligentemente para no mais curto prazo de tempo, se efectuar a escritura de compra e venda acordada” (alínea H) dos Factos Assentes).
9.– Os autores entregaram a fracção à ré no dia 15 de Janeiro de 2003, tendo habitado a mesma cerca de 10 meses (alínea I) dos Factos Assentes);
10.–Como forma de caução os autores entregaram ainda à ré um cheque de 9.975,96 euros (resposta ao artigo 1. da Base Instrutória).
11.–Após começarem a habitar a fracção, os autores verificaram que a arrecadação que lhe foi atribuída como pertencente àquela fracção não era a que inicialmente havia sido mostrada, sendo muito mais pequena, tendo, no entanto, aceitado a situação (resposta ao artigo 3. da Base Instrutória);
12.–Com o início das chuvas, os autores verificaram que começava a haver infiltrações na fracção (resposta ao artigo 3. da Base Instrutória).
13.–Com as chuvas, as paredes de todas as assoalhadas ficaram todas húmidas, tendo em alguns sítios pingado (resposta ao artigo 5.º da Base Instrutória).
14.–Os autores tinham na altura uma criança de oito meses que não podia dormir no seu quarto devido a este estar completamente húmido, a pingar (resposta ao artigo 6.º da Base Instrutória).
15.–Durante o tempo em que lá habitaram, os autores contactaram a ré no fim de esta reparar as infiltrações (resposta ao artigo 7.º da Base Instrutória).
16.–Ao entregarem o imóvel à ré, os autores perderam as bonificações de 9.002,40 euros (resposta ao artigo 9.º da Base Instrutória).
17.–Os autores entregaram à ré um cheque de 9.975,96 euros para ser depositado no dia da escritura (resposta ao artigo 12. da Base Instutória).
18.–A ré comunicou aos autores que as obras só podiam ser efectuadas com o tempo seco (resposta ao artigo 19. da Base Instrutória) – demonstrativo do interesse sério por parte da Construtora no solucionamento do assunto.
19.–A ré já procedeu a obras de isolamento geral do prédio (resposta ao artigo 24. da Base Instrutória).
20.–A Câmara Municipal procedeu a nova vistoria em que considerou corrigidas as anomalias apontadas à fracção negociada pelos autores (resposta ao artigo 25. Da Base Instrutória).
21.–A fracção em A) é composta 4 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho, 1 vestiário, 1 despensa, 1 arrecadação e 1 parqueamento (resposta ao artigo 35. da Base Instrutória).”

Da contestação da ré Seguradoras Unidas provou-se o seguinte:

III)
4-A “S…, S.A.”, Ré, segura nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional celebrado com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro) e designado Apólice n.º 0002.....9, o risco decorrente de ação ou omissão, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão.

IV)
5-A Apólice de Seguro de Responsabilidade Civil profissional em questão foi celebrada pela Ordem dos Advogados, o Tomador do Seguro, tendo como beneficiários todos os Advogados com inscrição em vigor na mesma.

V)
6-Nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe PERÍODO DE COBERTURA, a apólice em causa vigora pelo período de 24 meses, com data de início de 01.01.2012 às 00h e vencimento às 00h de 01.01.2014.

VI)
7-De acordo com o Ponto 7 das Condições Particulares da apólice ora em análise:
A seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o Segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo Segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice.

VII)
8-Nos termos do Ponto 12 do Artigo 1º das Condições Especiais da Apólice em causa, considera-se como Reclamação:

Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este à SEGURADORA, de que possa:
i)- Derivar eventual responsabilidade abrangida pela APÓLICE,
ii)-Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou,
iii)-Fazer funcionar as coberturas da APÓLICE. (…).

VIII)
16–A Apólice subscrita pela Interveniente tem como limite de indemnização o capital total de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) por sinistro.

IX)
17–Tendo sido fixada uma franquia no montante global de € 5.000,00 (cinco mil euros por sinistro, franquia essa que fica a cargo do Segurado R. Dr. N…

X)–18- Nos termos do artigo 3º das Condições Especiais da Apólice 000......9 estabelece-se que ficam excluídas da cobertura da presente APÓLICE as RECLAMAÇÕES:
a)-Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do SEGURADO à Data de Início do PERÍODO DE SEGURO, e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar RECLAMAÇÃO.

XI)
19– Nos termos do Artigo 10º n.º1 das Condições da Apólice em análise:
O SEGURADO, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8º das Condições Especiais, deverá comunicar ao Corretor ou à SEGURADORA, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer RECLAMAÇÃO efectuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação.

Da contestação do réu N… provou-se o seguinte:
XII)
A A vendeu a fração em causa em 2006 a NA… e seu marido NN…, com quem era casada em regime de comunhão de bens adquiridos, pelo preço de € 150.000,00.

Da contestação da ré M… provou-se o seguinte:
XIII)
21.º
Entre a 3.º Ré e a Ordem dos Advogados foi celebrado um contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do ramo de responsabilidade civil, titulado pela Apólice n.º 6..........58.

XIV)
22.º–
O Contrato de Seguro em causa foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com início às 00:00 horas do dia 01.01.2014 e termo às 00:00 horas do dia 01.01.2015, tendo sido renovado para os períodos de seguro correspondentes às anuidades de 2015, 2016 e 2017.

XV)
23.º–
Com termo no dia 01.01.2018, às 00:00 horas.

XVI)
24.º–
Através do referido Contrato de Seguro a Ré segura a “Responsabilidade Civil Profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual (…)”, com um limite de € 150.000,00 por sinistro.

XVII)
25.º
“Mediante o pagamento do prémio, e sujeitos aos termos e condições da apólice, a presente tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro (…)”.

XVIII)
26.º
Das Condições Particulares do contrato de seguro celebrados com a Ré, no que ao âmbito temporal de aplicação diz respeito, resulta que:
“O Segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice e sem qualquer limitação temporal da retroatividade.”

XIX)
27.º
E, bem assim que:
“uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente apólice, o segurador não será obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato (…)”.

XX)
28.º
Mais resulta que:
“Para os fins supra indicados, entende-se por reclamação a primeira das seguintes comunicações:
a)-Notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer ação perante os tribunais;
b)-Notificação oficial do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, de uma reclamação administrativa ou investigação oficial, com origem ou fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, que haja produzido um dano indemnizável à luz da apólice;
c)-Por outra via, entende-se por reclamação, qualquer facto ou circunstância concreta, conhecida prima facie pelo tomador do seguro ou segurado, da qual resulte notificação oficial ao segurador, que possa razoavelmente determinar ulterior formulação de um pedido de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.”

XXI)
29.º
Da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” do contrato de seguro ora junto resulta que constitui “Reclamação” «Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice;» bem assim como «Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo segurado e notificada oficiosamente por este ao segurador, de que possa:
i)-Derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice;
ii)-Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou
iii)-Fazer funcionar as coberturas da apólice.».

XXII)
42.º
Nos termos acordados através do Contrato de Seguro “O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível:
a)-Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
b)-Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
c)-Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.”

XXIII)
43.º
Acresce que, “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:
a)-Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…)”,

XXIV)
44.º
“O segurado, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8.º desta Condição Especial, deverá comunicar ao corretor ou ao segurador, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação”.

XXV)
45.º
Comunicação essa que, “(…) dirigida ao corretor ou ao segurador ou seus representantes (…)”, deverá chegar ao conhecimento do segurador no prazo máximo e improrrogável de 8 dias.

XXVI)
73.º
Através do contrato de Seguro contratado junto da Ré foi, também, acordada a franquia de € 5.000,00 por sinistro.

XXVII)
74.º
“Franquia” é a «Importância que, em caso de sinistro, fica a cargo do segurado e cujo montante está estipulado nas Condições particulares.”.

Da contestação da ré XL... provou-se o seguinte:

XXVIII)
Entre a Ré XL... e a Ordem dos Advogados foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional para o ano de 2018.
XXIX)
2.–Com data de início a 01.01.2018, foi celebrado um contrato de seguro responsabilidade civil profissional entre a ora Ré XL... e a Ordem dos Advogados, titulado pela apólice de seguro n.º ES0001....EO..A.
XXX)
3.–Este contrato de seguro teve início às 00H00 de dia 01.01.2018 e termo às 00H00 de dia 01.01.2019,
XXXI)
4.–Tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes correspondentes aos anos civis de 2019 e 2020.
XXXII)
5.–Através destes contratos esta R. Seguradora assumiu, perante o Tomador de Seguro – Ordem dos Advogados a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade de advocacia, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor).
XXXIII)
6.–Nos termos destes contratos de seguro, esta R. Seguradora garante a responsabilidade decorrente do “Exercício da advocacia, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados. A presente apólice de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional é celebrada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 104.º do Estatuto da Ordem dos Advogados. (…)”.
XXXIV)
7.–Através dos contratos de seguro celebrados com a Ordem dos Advogados, esta R. Seguradora garante o capital seguro de € 150.000,00 por sinistro, prevendo-se a aplicação de uma franquia contratual a cargo dos segurados, cujo valor ascende à quantia de € 5.000,00 por sinistro.

XXXV)
8.–Nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais dos contratos de seguro em apreço “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:
a)-Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”.

XXXVI)
10.–Encontrando-se o âmbito de cobertura temporal das referidas apólices delimitado nos termos previstos no artigo 4.º das Condições Especiais, será a referida apólice de seguro “competente exclusivamente para as reclamações que sejam pela primeira vez apresentadas no âmbito da presente apólice:
a)-Contra o segurado e notificados ao segurador;
b)-Contra o segurador em exercício de ação direta;
c)-Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, com fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado, após a data retroativa”.
XXXVII)
11.–Desde que os factos ou circunstâncias passíveis de gerar a responsabilização civil do segurado, não sejam pelo mesmo conhecidas (pré-conhecidas) em data anterior à data de início do período seguro (alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais das apólices).
*

Factos não provados
Para além daqueles que se referiram como sendo não provados dos alegados pela autora na p. i., consideramos que do articulado de aperfeiçoamento da autora e das contestações dos réus o que se provou é o que seria relevante para a causa, na medida em que, para além dos factos indicados como provados dessas peças processuais, a restante matéria é meramente valorativa e de impugnação (nesta parte só as contestações, obviamente).”.
*

4.2.–Da modificabilidade da decisão de facto

Conforme decorre do que deixamos acima exarado, o recorrente N… veio primordialmente impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Defende o recorrente que o tribunal de 1ª instância julgou, por omissão, de forma inadequada a matéria de facto, deixando de dar como provado o facto de que J… foi gerente da autora a partir de 2007, facto este que resultou demonstrado da prova produzida e que integra uma plausível solução de direito para a presente causa na vertente do requisito do dever de indemnizar quanto aos danos sofridos pela autora ou, sem conceder, pelo menos, quanto ao seu montante.
Mais refere a esse propósito que ficou provado que a autora vendeu a fracção autónoma que foi o objecto directo da acção [nº 1944/04.6TCLRS] subjacente ao presente processo pelo montante de € 150.000,00, em 2006; tendo essa venda ocorrido antes de J… gerir a recorrida e que esse facto nunca comunicado ao recorrente.
Vejamos.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está expressamente consagrada e regulada no código de processo civil actualmente vigente, nomeadamente nos seus art.ºs 640º e 662º.
Nos termos do disposto no art.º 662º, nº 1, do NCPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Todavia, é jurisprudência pacífica que a Relação não deve reapreciar a matéria de facto se a alteração pretendida não tiver qualquer relevância jurídica, isto é, se for inócua para a decisão da causa, se for insusceptível de fundamentar a sua alteração, sob pena de levar a cabo uma actividade processual inútil que, por isso, lhe está vedada pela lei (art.º 130º do NCPC).
Neste sentido, afirma-se o seguinte no ac. da RC, de 16.02.2017 (processo nº 52/12.0TBMBR.C1, disponível em www.dgsi.pt): «Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente».
No mesmo sentido, afirma-se no ac. da RG, de 11.11.2021 (processo nº 671/20.1T8BGC.G1 e acessível in www.dgsi.pt) que «[n]ão se deve proceder à reapreciação da matéria de facto quando a alteração nos termos pretendidos pelos Recorrentes, tendo em conta as específicas circunstâncias em causa, não tenha qualquer relevância jurídica, sob pena de, assim não sendo, se estarem a praticar atos inúteis, que a lei não permite.».
Ainda no mesmo sentido se pronunciou este Tribunal da Relação de Lisboa, no seu ac. de 26.09.2019 (processo nº 144/15.4T8MTJ.L1-2 e também acessível in www.dgsi.pt).
Também o STJ sufraga esta jurisprudência, afirmando o seguinte no seu ac. de 14.07.2021 (processo nº 65/18.9T8EPS.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt): «Se o facto que se pretende impugnar for irrelevante para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis, não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto, pois o resultado a que se chegar (provado ou não provado) é sempre o mesmo: absolutamente inócuo. O mesmo é dizer que só se justifica que a Relação faça uso dos poderes de controlo da matéria de facto da 1ª instância quando essa actividade da Relação recaia sobre factos que tenham interesse para a decisão da causa, ut artº 130º do CPC. Quando assim não ocorre, a Relação deve abster-se de apreciar tal impugnação.».
É, precisamente, o que ocorre no caso vertente, pois, não se vislumbra a relevância para a discussão do dever de indemnizar e/ou do valor indemnizatório a atribuir à autora, a data em que o actual gerente da autora passou a exercer tais funções, nem o recorrente o esclarece cabalmente.
Com efeito, para além de tal facto – data em que o aludido J… passou a gerir a recorrida - não ter sido alegado pelo réu na sua contestação (como o próprio o reconhece nas suas motivações de recurso), da demonstração de tal (simples) factualidade não se pode extrair, como o réu parece entender, que não lhe foi dado, enquanto mandatário da autora, conhecimento da venda do imóvel na pendência da acção anterior, nem muito menos que a falta de conhecimento de tal circunstância afectou o curso da referida acção anterior.
Note-se que da factualidade apurada no aludido processo nº 1944/04.6TCLRS ressalta que o incumprimento do contrato promessa de compra e venda que tinha como objecto o dito imóvel nada teve que ver com a venda deste a terceiros, a qual foi realizada apenas em 2006, ou seja, cerca de três anos após as partes outorgantes terem colocado termo ao contrato promessa.
De todo o modo, o tribunal a quo não deixou de dar como provada nestes autos a alegada realização da venda posterior da fracção autónoma objecto do contrato promessa discutido naqueloutra acção e o preço nela declarado, nada obstando a que o tribunal ad quem analise, em sede própria, as eventuais implicações de tal factualidade no apuramento do dever de indemnizar e na quantificação dos danos sofridos pela autora, como melhor decorrerá da exposição subsequente.
Ante todo o exposto, a alteração pretendida é absolutamente irrelevante para a decisão a proferir nestes autos, pelo que se indefere a impugnação deduzida à decisão da matéria de facto.
*

4.3.–Do preenchimento dos pressupostos da obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade contratual e, mais especificamente, no âmbito de contrato de mandato forense
Conforme decorre igualmente do acima exposto, o réu N…, no respectivo recurso (ao qual aderiu a ré XL...) pretende ser absolvido do pedido por entender não estarem preenchidos, no caso, os pressupostos da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar, inexistindo fundamento para ser fixada uma indemnização pelo dano da “perda de chance”.
Vejamos.
Nos presentes autos, veio a autora, invocando o incumprimento do contrato de mandato celebrado com o réu, advogado, pedir a condenação deste no pagamento de uma indemnização pelos danos decorrentes da sua conduta negligente, por não ter interposto atempadamente recurso da sentença proferida no processo nº 1944/04.6TCLRS (fundando a responsabilidade solidária das rés seguradoras nos contratos de responsabilidade civil profissional celebrado por estas).
O problema da responsabilidade civil do advogado, por incumprimento do contrato de mandato, levanta diversas questões, as quais devem ser analisadas, não só à luz das disposições do Código Civil (v.g. art.º 798º e seguintes), mas também das normas reguladoras da sua profissão (Estatuto da Ordem dos Advogados – aprovado pela Lei nº 145/2015, de 09.09, e à data dos factos pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26.01).
Porém, nenhuma dúvida nos suscita que o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de mandato, por negligência ou imperícia, é susceptível de gerar de responsabilidade civil para o advogado.
Por isso mesmo, dizemos nós, se previa e prevê no Estatuto da Ordem dos Advogados a obrigatoriedade para os advogados de celebrar um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional [cfr. art.º 99º, do EOA vigente à data dos factos e art.º 104º, do EOA actualmente em vigor].
Com efeito, quer a doutrina (cfr., entre outros Cunha Gonçalves, Tratado de direito civil: em comentário ao código civil português, vol. XII, p. 762; Moitinho de Almeida, “Responsabilidade civil dos advogados, p. 8 e 15 e seguintes; António Arnaut, Iniciação à advocacia, p. 170; José Lebre de Freitas, Estudos sobre direito civil e processo civil, vol. II, p. 694), quer a jurisprudência (cfr., entre outros, os acs. do STJ de 17.06.2006, processo 06A2773; de 29.04.2010, processo nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1 e de 28.09.2010, processo nº 171/2002.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt), admitem que a violação de normas deontológicas representa um facto ilícito, pelo que, desde que verificados os demais requisitos da responsabilidade civil acima enunciados, o advogado constitui-se na obrigação de indemnizar os particulares por ele patrocinados.
A discussão na doutrina centra-se, antes, na caracterização da responsabilidade civil do advogado como contratual ou extracontratual.
Na verdade, o regime de responsabilidade profissional dos advogados apresenta determinadas particularidades, impostas, desde logo, pelo interesse público da profissão e do papel do advogado como elemento indispensável na administração da justiça, conforme decorre igualmente do Estatuto da Ordem dos Advogados e, consequentemente, pelo conjunto de deveres e princípios deontológicas que regulamentam o seu comportamento público e profissional.
Tratam-se de normas deontológicas que, como refere Carneiro da Frada (in “Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil”, Coimbra, Almedina, 2007, p. 338), desempenham a função de “modelação e afinamento de exigências de comportamento”, através da especificação dos deveres a observar pelos advogados no exercício da sua profissão, sob pena de incorrerem em responsabilidade, e que, segundo Orlando Guedes da Costa (in, “Direito Profissional do Advogado: Noções elementares”, 7ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, p. 401), assumem-se como deveres de ordem pública, pelo que a sua imperatividade decorre também do disposto no art.º 280º do CC.
Daí não podermos deixar de enfrentar a questão de saber em que tipo de responsabilidade incorre o advogado que, em virtude do incumprimento de uma ou mais normas deontológicas, lesa interesses do seu cliente.
E a este respeito tem-se formado, no seio da doutrina portuguesa, três teses.
Assim, enquanto António Arnault defende que a responsabilidade civil do advogado para com o cliente tem natureza extracontratual, pois «sendo a advocacia uma actividade de eminente interesse público, a responsabilidade civil decorrente do seu exercício só pode resultar da infracção de deveres deontológicos estabelecidos, justamente, em nome daquele interesse» (in obra citada, p. 169 e seguintes), Moitinho de Almeida defende a tese da responsabilidade mista ou do concurso da responsabilidade contratual e extracontratual, referindo que «se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advém do exercício do contrato de mandato (ou inominado) que firmou com o constituinte, tacitamente ou mediante procuração, incorre em responsabilidade contratual para com ele; se o advogado praticou facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, já a sua responsabilidade civil para com o mesmo constituinte é extracontratual ou aquiliana. Em grande parte dos casos, porém, a responsabilidade civil do advogado para com o cliente é, simultaneamente, contratual e extracontratual», podendo o lesado optar pela invocação de uma ou de outra (in obra citada, p. 13 e 14, citando Yves Avri, “La responsabilité de l’avocat”, nº 3, p. 2) que entende que a responsabilidade civil do advogado é sempre a contratual em relação aos clientes, sendo extracontratual em relação a terceiros.)
Diferentemente, outra corrente, na qual se incluem Lebre de Freitas, (ob e loc. citados), Orlando Guedes da Costa (ob. citada, p. 694), Abel Laureano (in “O cliente e a independência do advogado”, reimpressão, Lisboa, Quid Juris? – Sociedade Editora Ld.ª, 2000, p. 61) e Vitor Manuel Furtado Sousa (in “A responsabilidade civil dos advogados pela violação de normas deontológicas”, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Dissertação de Mestrado em Direito – Ciências Jurídicas Privatísticas, Porto julho de 2014, acessível in https://repositorio-aberto.up.pt, p. 43 e seguintes) entende que a responsabilidade civil do advogado pela violação das normas deontológicas no âmbito da relação advogado-cliente impostas pelo EOA, tem natureza contratual na medida em que estamos perante normas imperativas, que integram o contrato de mandato forense e que, nas palavras deste último autor, “conformam o próprio dever de prestar”, constituindo uma limitação à liberdade contratual dos particulares contemplada no art.º 405º do CC.
De sublinhar, porém, que para Vítor Manuel Furtado Sousa (ob. citada, p. 44 e seguintes, seguidor da tese defendida por Adela Serra Rodríguez (in “La Responsabilidade civil del Abogado”, 2ª edição, p. 260, por ele citado na referida dissertação de Mestrado), os deveres impostos pelas normas deontológicas constituem uma série de deveres acessórios que se integram no dever estrito da prestação principal, implicando uma ampliação desta e assegurando uma maior tutela do cliente.
Mas, embora defendendo, neste âmbito, a natureza obrigacional da responsabilidade civil do advogado, não deixa de fazer a distinção entre a «responsabilidade decorrente do inadimplemento da prestação principal (como poderá ser exemplo o caso da obrigação de contestar uma ação judicial - (…) – intentar uma petição inicial antes de ocorrer a prescrição do direito do cliente, representar o cliente em juízo, etc.) da responsabilidade decorrente do inadimplemento de deveres acessórios que conformam a própria prestação principal, ou seja, das normas deontológicas dos advogados».
De realçar que nesta linha de pensamento já se havia afirmado, no ac. do STJ, de 29.04.2010 (processo nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1) que «a responsabilidade do advogado para com o cliente é contratual desde que o ilícito se traduza no incumprimento do, especifica ou genericamente clausulado (aqui incluindo os deveres colaterais deontológicos), no mandato forense, só sendo extra contratual se o ilícito consistir em conduta violadora de outros deveres - ou normas legais – não precisamente contratuais», entendimento que se perfilha, por se considerar mais consentâneo com o papel desempenhado pelas normas deontológicas, e sem prejuízo de se entender, ainda em consonância com este mesmo acórdão, que «a responsabilidade do advogado para com terceiros é sempre extracontratual».
No mesmo sentido, pode ainda ver-se os acs. do STJ, de 17.06.2006, processo 06A2773 e de16.02.2016, relatado por Gabriel Catarino, estando ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
Ante todo o ora exposto, podemos concluir que existindo uma relação contratual estabelecida entre o profissional e o cliente, a responsabilidade daquele, derivada do incumprimento negligente das obrigações do contrato de mandato, assume natureza contratual.
É certo que os pressupostos da responsabilidade civil contratual não se distinguem dos requisitos da responsabilidade extra-contratual (como sejam: o facto voluntário do agente; a ilicitude; a imputação subjectiva; o dano e a imputação objectiva).
Porém, sobreleva uma diferença essencial entre os dois tipos de responsabilidade:
na responsabilidade extracontratual incumbe ao lesado o ónus de provar todos os referidos pressupostos consagrados no nº 1 do art.º 483º, do CC, entre eles a culpa do autor da lesão, nos termos dos art.ºs 487º, nº 1 e 342º, nº 1, ambos daquele Código, salvo existindo presunção especial de culpa, já que a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, só existe nos casos especificados na lei - v. nº 2 do art.º 483º do CC;
na responsabilidade contratual, a culpa do lesante presume-se, conforme decorre do nº 1, do art.º 799º, do CC.
No caso concreto, não vem questionado que tenha sido efectivamente celebrado entre o réu advogado e a autora um contrato de mandato, tal como reconhecido na decisão recorrida e tal como resulta evidenciado nos autos em face dos factos apurados, pelo que, a primeira conclusão a retirar, é que estamos perante um caso de responsabilidade civil contratual.
O mandato, tal como se extrai do disposto no art.º 1157º do CC, é o contrato pelo qual uma das partes (o mandatário) se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (o mandante), sendo o mandado uma das modalidades do contrato de prestação de serviços (art.º 1155º do CC).
O mandato forense regula-se pelo referido art.º 1157º e seguintes do CC, mas também, como vimos, pelo Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei nº 145/2015, de 09.09, e à data dos factos pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26.01) sendo necessariamente um mandato com procuração (cfr. art.º 43º do NCPC, ex-art.º 35º, do CPC).
A especificidade do mandato forense é a de que os actos a praticar são actos no processo (art.º 44º, nº 1 do NCPC, ex-art.º 36º, do CPC). E como aquele se sustenta em procuração, o mandato é, aqui também, representativo (art.º 262º nº 1 do CC).
As obrigações do mandatário estão previstas no art.º 1161º do CC que o mandatário é obrigado: a praticar os actos compreendidos no mandato segundo as instruções do mandante (alínea a), a prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão (alínea b), a comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se não o tiver executado, a razão por que assim procedeu (alínea c), a prestar contas findo o mandato ou quando o mandante as exigir (alínea d) e a entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato (alínea e).
Relacionadas com estas obrigações podemos ainda aludir às que decorrem do Estatuto da Ordem dos Advogados e que se reportam concretamente às obrigações do advogado para com o seu cliente designadamente as previstas no art.º 95º (da Lei nº 15/2005, de 26.01, em vigor à data da prática dos factos; correspondendo ao actual art.º 100º da Lei nº 145/2015, de 09.09) que dispõe que nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado: dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário [alínea a)], estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade [alínea b)], aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa [alínea c)], não celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objecto das questões confiadas [alínea d)] e não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas [alínea e)].
Deste modo, e em geral, o advogado, pelo contrato de mandato, fica adstrito a desenvolver com adequadas diligência e perícia uma determinada actividade jurídica, sem contudo ficar vinculado à obtenção de um certo resultado, daí que se considere que a sua prestação constitui (fundamentalmente) uma obrigação de meios, e não de resultado, como aliás, muito bem se frisou na decisão recorrida.
Mas tal não significa que o advogado não deva, na relação contratual que o une ao cliente, executar a actividade para a qual contrataram os seus serviços, orientado para proteger os interesses do seu cliente e alcançar determinado resultado, embora não esteja vinculado à obtenção deste resultado.
Nos casos em que o advogado é contratado para desenvolver uma actividade jurídica, devendo executar determinadas actividades processuais, o seu comportamento omissivo, por vezes, faz precludir a possibilidade de o cliente fazer valer os seus direitos perante um órgão jurisdicional.
Na maioria destes casos, a omissão deve ser qualificada como negligente, por traduzir desde logo uma evidente violação das regras de bem agir exigidos a um profissional.
Por sua vez, a execução negligente pelo advogado da prestação contratualmente assumida, ao não adequar o seu comportamento aos cânones de perícia e diligência profissional exigíveis, determina igualmente o incumprimento obrigacional, que poderá causar danos de diversa natureza ao cliente.
Importa, porém, estabelecer a relação de causalidade entre a conduta omissiva do advogado e os danos alegadamente sofridos pelo cliente, tarefa sempre complexa.
Na verdade, uma vez assente que o advogado não cumpriu as suas obrigações profissionais, importa estabelecer a relação de causalidade (material) entre os danos e a conduta negligente e, seguidamente, determinar quais os danos juridicamente relevantes, ou seja, os que se encontram numa relação de causalidade adequada com o evento.
Dito isto; é inequívoco para o caso concreto dos autos, que a autora logrou provar factos – como lhe incumbia, nos termos do art.º 342º, nº 1, do CC - que demonstram a falta de cumprimento do dever jurídico a que o réu advogado estava vinculado de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão.
Com efeito, não podemos deixar de concordar com o entendimento preconizado pelo ac. desta Relação de 7.05.2020, relatado por Ana Azeredo Coelho, disponível in www.dgsi.pt quando diz: “A prática de um acto processual fora do prazo legal ou a utilização de um meio processual desadequado, fazendo soçobrar a pretensão de interposição de recurso, constituem indubitavelmente uma violação destes específicos deveres do advogado e das normas que os consagram.”.
Ou seja, a autora recorrida logrou demonstrar a prática de um facto ilícito – apresentação tardia do recurso da sentença proferida no processo nº 1944/04.6TCLRS.
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Mas terá o aludido mandatário agido com culpa?
O réu advogado, ora recorrente, vem defender que não.
Vejamos, então, tendo em consideração que era ao predito réu quem incumbia a prova de ter agido sem culpa (cfr. art.º 350º, nºs 1 e 2, do CC).
Como já salientamos é pacifico que, no exercício do patrocínio forense, o advogado apesar de não se obrigar a um resultado concreto, obriga-se a utilizar com diligência e cuidado os seus conhecimentos técnico-jurídicos através dos meios que considere ajustados ao caso e aos interesses do respectivo cliente.
Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços; violados os deveres de conduta que deontologicamente se mostram adequados ao caso ocorre ilícito gerador da obrigação de indemnizar.
Não podemos deixar de insistir para efeitos de apreciação do grau de diligência e cuidado utilizado em concreto que a actividade (em abstracto) do advogado transcende a simples delimitação conceptual de profissão ganhando, como tivemos ocasião de referir, estatuto de interesse e ordem pública uma vez que no seu exercício, que constitui um verdadeiro munus publico constitucional (art.º 208º da Constituição da Republica), não se visa apenas a tutela directa dos interesses privados do mandante mas, frequentemente, interesses da sociedade em geral ou sejam interesses públicos ou de natureza e ordem pública; desta constatação resulta que ao advogado não é apenas exigível a diligência do homem médio (nº 2 do art.º 487º do CC) já que lhe é imposto especial rigor na investigação, actualização e aplicação dos conhecimentos da sua profissão, sem contudo podermos aplicar critérios de avaliação de rigor excessivo que não tomem em conta o grau de subjectividade interpretativa sempre existente quer no aconselhamento jurídico quer na aplicação do direito – como refere Moitinho de Almeida (Responsabilidade Civil dos Advogados – Coimbra Editora, 1985) “sendo o direito uma ciência especulativa não pode exigir-se ao advogado que ele tenha de seguir o mesmo critério que o do juiz que elaborou a decisão.”.
Sobre esta mesma questão escreveu Orlando Guedes da Costa - “O Direito Profissional do Advogado – 2ª edição – Almedina, 2004” – que apesar dos deveres profissionais imporem particulares exigências em termos de preparação, actualização e rigorosa ponderação das soluções mais adequadas a cada caso concreto, um advogado não poderá ser responsabilizado pela perda de uma acção se tratou com zelo a questão, se agiu com a diligencia exigível a qualquer advogado médio.
Colocada a questão nos termos gerais acima referidos, não poderemos deixar de ter em conta que, por recurso aos precedentes, se pode constatar que de uma forma quase unânime a jurisprudência do STJ (vide, especialmente os acs. de 9.12.2014, 5.02.2013, 4.12.2012, 28.09.2010, 12.06.2007, todos disponíveis in www.dgsi.pt) vem entendendo que a quebra dos deveres profissionais do Advogado enquanto facto gerador de responsabilidade civil terá que decorrer da falta de diligência na abordagem da questão a tratar, falta de diligencia que deve ser passível de censura na medida em que constitua um erro profissional indesculpável.
Mas como brilhantemente se esclarece no ac. RP de 12.05.2015 que aborda uma situação em tudo semelhante à dos autos (apresentação tardia de recurso), relatado por Vieira e Cunha e disponível in www.dgsi.pt: “Nesta linha de pensamento, se não se pode exigir do advogado que seja capaz de acertar com o concreto entendimento judicial das questões que lhe são confiadas, não menos certo é que revela agir com culpa, quando, a uma luz segura, omite por completo intentar o procedimento judicial aconselhável, quer tal se venha a traduzir na omissão do recurso ou na omissão da acção.” (o sublinhado é nosso).
Analisando novamente os factos provados, conclui-se que entre a autora e o réu N... foi efectivamente celebrado um contrato de mandato, por via do qual este (mandatário) se obrigou para com aquela (mandante) a realizar no seu interesse actos jurídicos, designadamente para o representar no processo nº 1944/04.6TCLRS, na qual aquela era demandada por CN... e mulher O..., assumindo pois o mandato natureza de mandato forense.
Mais resulta assente que a ora autora, na aludida acção, foi condenada a pagar aos mencionados CN... e mulher O... a quantia de € 59.885,74.
Por outro lado, é igualmente incontroverso que o réu, mandatado pela autora para a representar no referido processo nº 1944/04.6TCLRS, no qual esta era ré, não obstante ter apresentado um requerimento de interposição de recurso da sentença proferida naqueles autos acompanhado das respectivas alegações, fê-lo de forma extemporânea, por não ter atentado ao regime legal de recursos em vigor, não tendo o aludido recurso sido admitido e apreciado.
Assim sendo e como muito bem se decidiu na sentença recorrida, “[o]lhando para o caso concreto à luz destas regras, não existe qualquer dúvida de que o 1º réu errou, cometendo uma falha profissional por negligência, ao não atentar ao regime legal que regulava o recurso na situação dos autos em causa. Aplicou o novo regime legal e apresentou o recurso no prazo de 30 dias, quando o regime aplicável era o anterior, em que o recurso deveria ter sido interposto por requerimento no prazo de 10 dias. Tal resulta de forma inequívoca da decisão proferida que não admitiu o recurso.
A autora provou, pois, que houve insucesso na ação, consubstanciado na impossibilidade de apreciação da decisão condenatória pelo Tribunal da Relação, e provou também os factos demonstrativos de que o 1º réu não usou dos meios técnico-jurídicos adequados ao caso concreto e que estavam ao seu alcance, decorrentes do regime processual aplicável e impostos pelas respetivas regras profissionais estatutárias e deontológicas. O 1º réu não atuou de forma diligente, não agiu de forma a defender os interesses legítimos do cliente, violando o disposto no artº 92º/2 do EOA (em vigor à data dos factos).”.
A conduta do 1º réu traduz, nesta medida, um facto ilícito e culposo - já que o 1º réu não actuou, seguramente, com a diligência devida ao inviabilizar a pretensão recursória da autora -, salientando-se, no que concerne à culpa, que esta se presume e que o 1º réu não logrou ilidir essa presunção.
*

Porém, como vimos, a obrigação de indemnizar com fundamento em responsabilidade contratual exige também a ocorrência de um dano/prejuízo, assim como a existência de nexo de causalidade adequada entre o dano e a conduta ilícita de incumprimento.
No caso, o 1º réu veio defender no seu recurso que a autora não sofreu qualquer dano, bem como não se verificar nexo de causalidade entre a sua omissão ao não apresentar atempadamente o recurso e o dano alegadamente sofrido por aquela e, por isso inexistir fundamento para ser fixada uma indemnização pelo dano da “perda de chance”.
A questão que importa agora aqui apreciar é, pois, a da existência de nexo de causalidade e da verificação do dano pela “perda de chance”.
Ora, o conceito jurídico de causalidade, excluída que está a causalidade puramente naturalística, é e foi objecto de diversas abordagens e teorias sempre com vista a encontrar o conceito de causa apropriado à realização dos objectivos específicos do direito e, mais concretamente, tendo-se em vista os princípios que inspiram a responsabilidade civil (cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, p. 515).
O legislador português consagrou no art.º 563º, do CC a denominada tese da causalidade adequada, a saber, considera-se causa de um prejuízo a condição que, em abstracto, se mostra adequada a produzi-lo. Assim, deverá entender-se, no primeiro domínio [factos ilícitos], que o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais (autor e ob. cit., p. 391).
Por outro lado, a exigência de que o dano indemnizável seja um prejuízo certo não exclui a consideração na doutrina e na jurisprudência de situações em que o dano efectivo e final não é passível de determinação senão probabilística, considerações que têm vindo a ser tratadas e desenvolvidas sob a denominação geral das teorias da “perda de chance”.
A “perda de chance” ou “perda de oportunidade” não se encontra enquadrada de forma directa no nosso ordenamento jurídico e a sua aplicação não tem vindo a ser uma questão pacífica nem na doutrina e nem na jurisprudência nacionais. No entanto, tem vindo a ganhar consistência o reconhecimento da existência da responsabilidade civil, e consequentemente a obrigação de indemnizar em decorrência da perda de uma oportunidade.
“A perspectiva, probabilidade ou expectativa de obter um determinado resultado, torna possível, desde que tenham sido accionados meios susceptíveis de o poder conseguir, a configuração de uma situação de perda ou de oportunidade de ganho de um benefício”, exigindo-se para o efeito um juízo de probabilidade/possibilidade de ganho da oportunidade perdida que quando inverosímil afastará tal pretensão indemnizatória (cfr. o já supra citado ac. do STJ de 16.02.2016).
Conforme se escreve no ac. da RG de 28.09.2017 (relatado por Maria de Fátima Andrade e também disponível em www.dgsi.pt) “o ordenamento jurídico-civil nacional tutela o dano conhecido pela «perda de chance» ou de oportunidade, que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, como aconteceu, no caso concreto, com a omissão do R., que privou o A. da «chance» de obter um resultado favorável, isto é, de conseguir a condenação da empresa vendedora do veículo na acção de indemnização. A teoria da «perda de chance» ou da oportunidade distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, isto é, o lesante responde apenas na proporção e na medida em que foi autor do ilícito, traduzindo uma solução equilibrada que pretende conformar-se com uma sensibilidade jurídica a que repugna a desoneração do agente danoso por dificuldades probatórias, mas, também, que não comina a reparação da totalidade do dano que, eventualmente, não cometeu.
(…) Quando o mandatário judicial constituído, por negligência, não propõe a acção antes de o direito do mandante prescrever, ou não contesta a acção, no prazo devido, ou não apresenta, atempadamente, o requerimento de produção de prova, conduzindo a que os factos alegados pela contraparte sejam considerados confessados ou à não demonstração dos factos que fundamentavam o pedido, ou não interpõe recurso da decisão que foi desfavorável ao seu cliente, impossibilita, com a sua omissão, que a pretensão da respectiva parte seja sujeita a apreciação jurisdicional, ou à sua reapreciação, em sede de recurso, comprometendo a oportunidade de sucesso do processo judicial em causa. Sendo a vitória judicial, sempre de natureza incerta, e tendo toda a causa um resultado aleatório, o autor não pode afirmar que a acção judicial, onde ocorreu semelhante omissão do seu mandatário, teria sido, sem ela, julgada, total ou parcialmente, procedente muito embora com a mesma haja ficado, irremediavelmente, comprometida e, através dela, a obtenção do benefício subordinado que se mostrava inerente ao êxito do procedimento judicial.”.
A este propósito importa ainda aqui concitar o ainda recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 2/2022, proferido pelo STJ a 5.06.2021, processo 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A), o qual fixou jurisprudência nos seguintes termos: “o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.

Da fundamentação de tal acórdão consta o seguinte:

«Em face de tal incerteza sobre qual seria, sem as faltas dos advogados, o resultado dos processos, quer a doutrina, quer a jurisprudência, começaram por ir no sentido de recusar o ressarcimento do dano da perda de chance (da perda da oportunidade de ganhar um processo): para haver obrigação de indemnizar – argumentava-se e ainda se argumenta – o dano a ressarcir tem que ser certo, o que não acontece na perda de chance, que tem como característica essencial haver uma incerteza, também no futuro, sobre a existência do dano, na medida em que não é possível determinar com segurança qual seria a situação hipotética do lesado que existiria caso não se tivesse verificado o evento lesivo; por outro lado – argumentava-se e ainda se argumenta – tal incerteza também não permite que se possa dizer que existe nexo causal entre o facto lesivo (no caso, a falta do advogado) e o resultado final desfavorável do processo (não se pode dizer que sem o facto lesivo o resultado final desfavorável não teria ocorrido).
[…]
Argumentos que conduziam a que um mandatário que não agisse com a devida diligência (que não intentou a ação, que não a contestou, que não apresentou o rol ou que não apresentou recurso) escapasse à responsabilidade e – é o aspeto que perturba o “sentido de justiça” – com o fundamento em se desconhecer (ser incerto) qual teria sido o desenrolar e o desfecho normal do processo caso ele tivesse tido o comportamento devido, sendo que foi exatamente a circunstância de ele ter tido tal comportamento indevido (a sua conduta ilícita) que impediu o desenrolar e o desfecho normal que determina a incerteza que agora se invoca para recusar o ressarcimento da perda de chance. Justamente por isto – para repor a justiça – foram-se desenhando abordagens tendentes a evitar que tais eventos lesivos escapem, de todo, às malhas da responsabilidade civil, não obstante a incerteza sobre o que teria acontecido (depois de tais eventos lesivos).
[…]
Sendo que o que aqui tem relevo – e é o gérmen da contradição jurisprudencial que suscita a presente uniformização – é saber se toda e qualquer perda de chance pode/ deve ser reconhecida como um dano indemnizável ou se só uma perda de chance consistente e séria configura um dano (por perda de chance) indemnizável.
[…]
Para um dano ser indemnizável, exige-se, concorda-se, que o mesmo seja certo e não meramente eventual, porém, observa-se, a certeza de que se fala e que deve ser exigida não é matemática ou absoluta, mas apenas uma certeza relativa, que se deve contentar com uma  expetativa razoável. Se, como é o caso, em razão do comportamento indevido dum mandatário, o desenrolar e o desfecho normal dum processo não aconteceu e nem alguma vez acontecerá, não pode exigir-se que o dano decorrente de tal comportamento indevido seja objeto de uma certeza absoluta, ou seja, a certeza sobre a realidade hipotética do que não chegou a verificar-se tem sempre que se situar no domínio das probabilidades (das certezas relativas).
[…]
Mas não há outro modo de sair da “aparente contradição” que o dano da perda de chance coloca: não pode afirmar-se, por um lado, com certeza absoluta, qual seria o resultado dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar ou que se desenrolou de modo “anormal” (com o argumento de que todo o processo judicial tem um ineliminável e irredutível elemento de incerteza sobre o seu resultado), mas, por outro lado, demonstrando o lesado que se encontrava em situação fáctico-jurídica idónea a um resultado favorável do processo, fica-se com a certeza de que, caso se não tivesse verificado o evento lesivo, o lesado não teria perdido a esperança de vir a obter um ganho (ou evitar uma perda).
É a esta última certeza que o tribunal não pode fechar os olhos – há que reconhecer a “complexidade do real” e procurar, nos limites da ordem jurídica, uma resposta que seja normativamente congruente e que evite a manutenção de zonas francas de irresponsabilidade – tendo que a considerar como tutelada pelo direito e indemnizável de acordo com os princípios e regras do nosso atual direito de responsabilidade civil, ou seja, respeitando quer a finalidade essencialmente ressarcitória/ reparatória da indemnização civil quer a proibição do enriquecimento do lesado à custa do lesante.
[…]
Não se ignora que tal apuramento – tal “julgamento dentro do julgamento” – nem sempre será fácil, havendo casos em que, traduzindo-se (como no Acórdão recorrido) a falta do mandatário na não interposição de recurso de apelação, poderá ser relativamente acessível averiguar, com elevada probabilidade, o desfecho que o processo teria tido sem tal falta do mandatário; e havendo casos em que, traduzindo-se (como no Acórdão fundamento) a falta na não apresentação tempestiva do requerimento probatório, será bem menos acessível estabelecer o desfecho que o processo (dependente de prova que não foi produzida) teria tido sem a falta do advogado.
Tanto mais que, repete-se, no incidental “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose póstuma que é, o que se pretende alcançar é a prova da decisão hipotética que o processo teria tido sem a falta do mandatário (tendo em vista reconstruir a situação hipotética que, sem tal falta, existiria), ou seja, o tribunal da ação de indemnização deve adotar a perspetiva do tribunal que teria que decidir o processo e não exatamente o seu prisma de decisão, uma vez que, insiste-se, o que está verdadeiramente em causa, em termos de configuração jurídica, é a reconstituição do curso hipotético dos acontecimentos sem o evento/ facto lesivo (reconstituição de que a decisão hipotética do processo, na perspetiva do tribunal que teria decidido o processo, é instrumental).».
E foi este o entendimento plasmado na decisão recorrida, o qual não pode deixar de merecer o nosso acolhimento.
Com efeito, na douta sentença recorrida, tal ponderação salta à vista, tendo fundamentado a chance de êxito do recurso interposto pelo réu fora de prazo, considerando e analisando os fundamentos invocadas nas concretas alegações de recurso apresentadas com o dito requerimento de recurso.
Veja-se que, no caso o ilícito contratual praticado não foi, muito concretamente, a omissão da apresentação de alegações de recurso, que, essas, constam do processo – foi antes a apresentação do requerimento de interposição de recurso (que veio para o processo acompanhado das alegações) junto fora de prazo. O facto negligente do advogado foi o ter deixado decorrer o prazo para recurso, não o facto de não ter elaborado o respectivo requerimento e alegações.
“A oportunidade perdida deve ser avaliada o mais possível com referência ao caso concreto, estando o juiz obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado” (cfr. ac. STJ de 4.07.2013, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, in www.dgsi.pt).

Com efeito, na decisão recorrida poder ler-se:
«Transpondo estas orientações doutrinais e jurisprudenciais para o caso em apreço, temos assente, conforme exposto supra, que o réu atuou ilicitamente e que essa conduta causou danos à autora. Estamos agora na parte relativa ao dano decorrente da denominada “perda de chance”. No caso concreto qual era essa “chance”? Era a de ver apreciado o recurso que foi instaurado da sentença condenatória. Numa situação destas, em que já existe uma sentença e se gorou a possibilidade de recurso, como fazer o referido “julgamento dentro do julgamento” de modo a realizar uma apreciação/representação que, em termos de probabilidade, permita perspetivar o que teria sido decidido no processo em sede recursiva? A questão, no caso em apreço, não passa por analisar a matéria de facto, uma vez que o recurso instaurado não visava a reapreciação dessa matéria. Trava-se de um recurso restrito à matéria de direito. Ora, nesta situação, o que consideramos que deve ser a tarefa a realizar é a de, em face da matéria de facto, e tendo em atenção a questão fundamental de direito suscitada, apreciar a jurisprudência que já existe nos tribunais superiores para apurar se a pretensão recursiva tinha alguma hipótese de procedência. Em nenhuma outra vertente a questão pode ser enquadrada. A alternativa seria considerar que, nos casos em que o recurso se restringe à matéria de direito, nunca existe a possibilidade de pretensão indemnizatória fundada na perda de chance, o que se afigura errado e não tem qualquer sustentáculo nem na doutrina, nem na jurisprudência. A questão de direito é tão importante e determinante como a de facto, sendo que, ademais, o recurso para a mais alta instância judicial, o Supremo Tribunal de Justiça, está restrito à matéria de direito. E é exatamente porque podem existir decisões erradas quanto ao direito, que os recursos em geral existem e, em particular, o recurso para o STJ. Daí que para ponderação da perda de chance se tenha sempre de considerar também o enquadramento jurídico dado à questão fundamental de direito que constitui o thema decidendum da causa.
Como se constata da matéria de facto dada como provada na sentença, a questão fundamental a decidir era a seguinte: em face de defeitos da coisa, no caso uma fração autónoma construída pela ré (aqui autora), que era objeto de um contrato promessa de compra e venda, quais as consequências da resolução desse contrato por causa desses defeitos.

Sobre essa questão verifica-se que existe efetivamente jurisprudência, incluindo do STJ. Este Alto Tribunal, no acórdão de 02.12.2013 [proferido no procº nº 157/07.0TBOER.L1.S1 (in www.dgsi.pt)], decidiu o seguinte, assim sumariado:
I-O regime previsto pelo art. 442.º do CC prevê uma forma de indemnização pré-definida do promitente a quem é imputável o incumprimento do contrato-promessa, tendo havido sinal passado e na falta da convenção em contrário.
II-Com a definição do montante indemnizatório nos termos do art. 442.º do CC dispensa-se tanto a prova de que o promitente não faltoso sofreu efectivamente prejuízos, como se exclui, ainda, o ressarcimento de prejuízos que excedam a indemnização encontrada.
III-No feixe das obrigações que incidem sobre o promitente-vendedor de uma fracção (incluindo esta arrecadação e locais de estacionamento) não se incluem – ainda que acessoriamente – aquelas que integram o contrato definitivo, como sejam as de construir e vender um bem com as qualidades, características e aptidões conformes com o contrato.
IV-Caso o contrato definitivo tivesse sido celebrado e a fracção lhe tivesse sido entregue, poderia o comprador: (a)- invocar os defeitos e exigir a sua reparação; se esta não fosse efectuada (b)- pedir a sua anulação; (c)- exigir a substituição da coisa; (d)- obter uma indemnização ou redução do preço; (e)- resolver o contrato, com fundamento em incumprimento.
V-Não se entenderia que, para reagir contra defeitos da coisa, que a promitente-vendedora entregou, se aplicasse o regime previsto no art. 442.º do CC – com a consequente restituição do sinal em dobro –, ficando desta forma, igualmente, afastado o direito de retenção previsto na al. f) do n.º 1 do art. 755.º do CC.
VI-Não obstante, a falta de eliminação dos defeitos da fracção constitui causa legítima da recusa do autor em celebrar o contrato definitivo, bem como fundamento da resolução do contrato-promessa, atenta a estreita ligação entre este e o correspondente contrato de compra e venda.
VII-Não se podem ter como «despesas feitas por causa da fracção», para efeitos de atribuição de direito de retenção, a restituição em singelo do sinal pago pelo autor, do IMT, do custo de avaliação e constituição de dossier para financiamento da aquisição, uma vez que entre estes créditos que o autor detém e a fracção entregue não ocorre a relação – conexão directa e material – que fundamenta esse direito de retenção.
VIII-Tendo cessado – por via da resolução do contrato-promessa – a causa que legitimava a detenção do imóvel por parte do promitente-comprador e não gozando este de direito de retenção, tem o réu (promitente-vendedor) direito a ser indemnizado pelo montante equivalente à renda de uma fracção com as características da fracção dos presentes autos e com a localização da mesma, visto que a resolução do contrato tem eficácia retroactiva, com a inerente restituição de tudo o que tiver sido prestado”.

Na fundamentação disse-se o seguinte:

6.Como se viu, o recorrente sustenta que o incumprimento da ré é ainda o incumprimento de obrigações decorrentes do próprio contrato-promessa, dada a sua complexidade, e entendida essa complexidade à luz das exigências do princípio da boa fé. Qualifica o “dever de concluir a construção do andar e vendê-lo de acordo com as especificidades e características que ajustou com o recorrente” e como uma obrigação acessória decorrente do contrato-promessa; e sustenta que é aplicável ao incumprimento definitivo do contrato-promessa, decorrente da sua violação, nas condições que descreve, “o regime sancionatório previsto no artº 442º, nº 2 do CCivil”, sob pena de se estar a dar “um verdadeiro prémio ao infractor”.
Estão em causa defeitos da fracção prometida vender (incluindo nesta expressão os estacionamentos e a arrecadação),
Ambas as instâncias entenderam que a fracção a que os autos respeitam (repete-se, aqui incluindo a arrecadação e os locais de estacionamento) apresentava defeitos cuja relevância permitiria recorrer ao regime da venda de bens defeituosos ou ao cumprimento defeituoso da prestação devida; e que as obrigações violadas (de construir e vender um bem com as qualidades, características e aptidões conformes com o contrato) não se situam “no sinalagma específico do contrato-promessa” (expressão utilizada no acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Setembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 122/07.7TCGMR.G1.S1 e nos outros nele citados, os acórdãos de de 2 de Maio de 2003 e de 27 de Novembro de 2007, www.dgsi.pt, procs. nºs 03A1232 e 07A3717, respectivamente), mas sim do contrato prometido; o que, no caso concreto, é exacto.
Não se trata, na verdade, de obrigações acessórias, incluídas no feixe de obrigações que incidem sobre o promitente vendedor e portanto integradas no conteúdo específico do contrato-promessa; esta construção do recorrente desconsidera a ligação existente entre o contrato-promessa e o contrato definitivo, de que aquele é preliminar, que coexiste com a autonomia de ambos os contratos. Não é correcto transformar as obrigações que integram o contrato querido a final – o contrato definitivo – em meros vínculos acessórios… do dever de celebrar o contrato definitivo, de cujo conteúdo, na realidade, fazem parte.
O regime previsto pelo artigo 442º do Código Civil, aliás objecto de sucessivas alterações introduzidas com o objectivo de proteger o adquirente contra o incumprimento, pelo promitente vendedor, do dever de celebrar o contrato definitivo (cfr. preâmbulos do Decreto-Lei nº 236/80, de 18 de Julho e do Decreto-Lei nº 379/86, de 11 de Novembro), prevê uma forma de indemnização pré-definida do promitente a quem é imputável o incumprimento do contrato-promessa, tendo havido sinal passado e na falta de convenção em contrário (nºs 1 e 4); para o cálculo releva a circunstância de se tratar de incumprimento do promitente-alienante e ter havido tradição da coisa a que respeita o contrato-definitivo, em antecipação dos efeitos deste último. Recorde-se que, no caso, vem provado que a ré marcou mais de uma vez a realização da escritura, tendo as instâncias salientado que não incumpriu a obrigação que especificamente lhe incumbia, de celebrar o contrato definitivo; e que entregou a fracção, em antecipação do cumprimento da compra e venda, três dias antes da data marcada para o efeito.
Com aquela definição do montante indemnizatório, como se sabe, tanto se dispensa a prova de que o promitente não faltoso sofreu efectivamente prejuízos, como se exclui o ressarcimento de prejuízos que excedam a indemnização encontrada (salvo acordo em diferente sentido)cfr., nomeadamente, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 22 de Março de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 3121/06.2TVLSB.E1.S1 ou de 31 de Janeiro de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 1358/08.9TBILH.C1.S1.
7.No caso dos autos, se tivesse sido celebrado o contrato de compra e venda da fracção e esta tivesse então sido entregue, o autor ver-se-ia confrontado com o regime da venda de bens defeituosos (artigo 913º e segs. do Código Civil) ou do cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda (incumprimento – artigo 798º e segs. do mesmo Código Civil).
Invocando os defeitos e exigindo a sua reparação, como aqui fez o autor, se esta não fosse efectuada, caber-lhe ia então o direito de anular o contrato, de exigir a substituição da coisa, se possível, de obter uma indemnização ou de redução do preço; ou poderia ainda resolver o contrato, com fundamento em incumprimento.
Seguindo a via da anulação ou da resolução, veria destruído retroactivamente o contrato, em termos aliás semelhantes (cfr. artigos 289º e 433º do Código Civil); e teria que demonstrar os prejuízos sofridos para o efeito de ser indemnizado. Em termos práticos, ser-lhe ia devolvido o sinal que prestou e ser-lhe-ia arbitrada a indemnização pelos prejuízos demonstrados.
Não se entenderia facilmente que se lhe aplicasse um regime diferente – o previsto no artigo 442º do Código Civil – para reagir contra defeitos da coisa que, em antecipação do cumprimento de uma obrigação decorrente do contrato de compra e venda, a promitente vendedora lhe entregou (imediatamente antes da primeira data marcada para a escritura correspondente).
Diferentemente, tem plena justificação a aplicação do regime que guiaria a resolução, por incumprimento, do contrato de compra e venda; aplicação que, aliás, se filia literalmente no disposto no nº 1 do artigo 410º do Código Civil (aplicação do regime relativo “ao contrato prometido”) – cfr. neste mesmo sentido o acórdão de 29 de Junho de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 258/2002.G1.S1, que em situação semelhante à dos autos decidiu que se não pode aplicar ao promitente vendedor “a sanção própria do incumprimento do contrato-promessa, a restituição do sinal em dobro”, mas antes as regras atinentes à venda de coisa defeituosa.”
Recorde-se, todavia, que está definitivamente assente, no caso presente, a eficácia da resolução oposta pelo recorrente; não cabe, portanto, discorrer sobre se os defeitos identificados pelas instâncias justificavam ou não a resolução do contrato-promessa.
Sempre se observa que a ligação entre os dois contratos (contrato-promessa e correspondente contrato de compra e venda) explica que as instâncias tenham entendido que a falta de eliminação dos defeitos era causa de legítima recusa do autor em celebrar o contrato definitivo e, simultaneamente, de resolução do contrato-promessa com fundamento em incumprimento definitivo, nos termos já vistos”.

Como se constata, num caso em tudo idêntico aquele que se discutia na ação nº 1944/04.6TCLRS, o STJ considerou que o promitente comprador que resolveu o contrato com fundamento nos defeitos da coisa não tinha direito a receber o sinal em dobro e nem sequer tinha direito de retenção para garantir a devolução do sinal em singelo.

Também a Relação de Lisboa, no acórdão de 19.02.2015 [proferido no procº nº 7437/11.8TBSXL. L1-2 (in www.dgsi.pt)] e em situação idêntica, julgou parcialmente procedente o recurso, condenando apenas na devolução do sinal em singelo, com a seguinte fundamentação, assim sumariada:
I– Situando-se o incumprimento definitivo do contrato promessa que implicou a respectiva resolução em obrigações exteriores ao sinalagma específico desse contrato - que resulta das obrigações principais e típicas que o integram referentes à celebração da escritura de compra e venda – antes se situando no sinalagma próprio do contrato prometido, as consequências dessa resolução terão de advir do regime geral dos contratos – arts 801º/2, 433º e 289º CC - excluindo-se a aplicabilidade do regime da indemnização pré-definida do art 442º CC.
II– É o que sucede quando o promitente-comprador, após a assinatura do contrato promessa, passou a residir no prédio urbano prometido vender, vindo a constatar que o mesmo apresentava defeitos que pela sua gravidade e urgência impediam que o imóvel realizasse os fins a que se destinava e, não obstante ter solicitado do promitente vendedor as reparações necessárias, este não as efectuou, antes ignorou a situação em que aquele se encontrava, quadro em que se configura como objectiva a perda de interesse deste na realização do contrato prometido.
III– Nestas situações entende-se que não se deverá aplicar o regime da compra e venda de coisas defeituosas, mas o regime geral do incumprimento dos contratos.
IV È que a solução a que conduz o regime dos arts 913º e ss CC, não é o da resolução do contrato, mas o da sua anulabilidade (em última análise, por erro essencial nas qualidades da coisa, ex vi do art 905º, para que remete o 913º, e dos arts 251º e 247º, todos do CC) o que dificilmente se compatibilizaria com a resolução do contrato promessa normalmente pedida neste tipo de acções, além de que dificilmente se poderia aceitar que o promitente-comprador na pendência da “traditio” de imóvel se visse constrangido, perante defeitos deste, aos prazos de denuncia e de caducidade do arts 916º e 917/1ª parte CC”.

Aplicando a doutrina ínsita nos acórdãos mencionados, temos que, com toda a probabilidade, a decisão condenatória da autora seria, pelo menos, parcialmente revogada, condenando-se a aqui autora ao pagamento unicamente do sinal em singelo.
Mas consideramos também que dos acórdãos resulta a admissibilidade da resolução do contrato por parte dos promitentes compradores, e daí que se tenha de concluir pela inexistência de probabilidade de obtenção de vencimento total do recurso.
Assim, pelo critério do “julgamento dentro do julgamento” consideramos de uma enorme probabilidade, que situamos nos 90%, o ganho de causa por parte da autora (ré recorrente naqueles autos) de obter parcial ganho de causa. O montante em que a autora foi condenada correspondente ao dobro do sinal ascende a 29.927,87€. A aqui autora foi condenada a pagar a quantia de 59.855,74€, tendo, na sequência da ação executiva que foi instaurada, acabado por pagar a quantia de 67.232,54€. Se fosse condenada em quantia inferior, também pagaria menos juros de mora e menos custas, pelo que o prejuízo não se resume só à quantia de 29.927,87€.
Deste modo, consideramos que todos os pressupostos da indemnização pelo dano de perda de chance estão verificados no caso concreto, nomeadamente a violação dos deveres do réu como mandatário forense da autora, a frustração de um elevadamente provável resultado favorável, em termos parciais, do recurso instaurado, existindo um evidente nexo de causalidade entre a conduta do réu e a frustração do resultado da demanda, pois a conduta deste, consubstanciada na interposição extemporânea do recurso, é idónea à verificação daquele resultado. ».
Concordamos por isso, em face dos elementos que constam dos autos, mormente em face da matéria de facto provada, com o entendimento do tribunal a quo que considerou que se não fosse a falta de diligência do réu – ao apresentar de forma extemporânea o recurso da sentença proferida no processo nº 1944/04.6TCLRS, inviabilizando a apreciação do mesmo -, a autora poderia, pelo menos, não ter sido condenada a pagar aos autores daquela acção na restituição do sinal em dobro, mas apenas no valor em singelo, podendo ver discutida a questão que então se colocava: “em face de defeitos da coisa, no caso uma fração autónoma construída pela ré (aqui autora), que era objeto de um contrato promessa de compra e venda, quais as consequências da resolução desse contrato por causa desses defeitos.”.
E não é verdade, como veio dizer agora o réu N... que estava vedado ao tribunal de recurso conhecer de tal questão, caso o recurso da sentença tivesse sido interposto em tempo, por se tratar de questão nova.

Na verdade e conforme o próprio réu, agora recorrente, salienta na contestação apresentada nestes autos o seguinte:
«39.
No entanto, o 1º R encontrou um segmento na douta sentença proferida no processo que entendeu merecer a apreciação do tribunal de apelo e que tem a ver com a conclusão técnico-jurídica de que as avarias e defeitos que se provaram deviam ser tidos como fundamento da perda do interesse na celebração do contrato de promessa dado à acção.
40.
No parecer do 1º R a questão os aludidos defeitos e avarias que a fracção evidenciava por si só não preenchiam os pressupostos de um direito de resolução do contrato de promessa de compra e venda que aliás estava instrumentalizado de forma manifestamente insuficiente.
(…)
199.
O tribunal que julgou o processo 1944/04.6TCSNT fez o seguinte enunciado:A questão é, pois, a de saber se podemos considerar, por um lado, existir mora da A., e por outro lado, se se verifica a referida perda de interesse do credor na prestação, em face daquela mora.
(…)
203.
No recurso seria posta em crise a conclusão de que a existência de anomalias, maxime, infiltrações, insalubridades e outras varias na fracção não fariam os autores perder, objectivamente, o interesse na celebração do contrato de compra e venda prometido.
204.
A sentença de que se iria recorrer também analisou este ramo da questão.
205.
Escreveu o tribunal que:
E por último saliente-se que foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.11.2005 (Processo nº 8966/2005-6, in http://www.dgsi.pt/) que se o vendedor não cumpre a obrigação de reparação ou substituição da coisa, nada impede que o comprador alegue que perdeu interesse na prestação, ou lance mão da interpelação admonitória, assim lhe sendo facultada a resolução do contrato (arts. 432º, 801º, 802º e 808º do CC).”» (o sublinhado é nosso).

Ou seja, tal questão de direito já tinha sido objecto de discussão na sentença proferida no âmbito do processo nº 1944/04.6TCLRS, pelo que podia e deveria ter sido reapreciada pelo tribunal superior no respectivo recurso que foi interposto daquela decisão, caso não fosse a conduta negligente do réu.
Podemos então afirmar que da falta de apresentação atempada do aludido recurso pelo réu advogado, em representação da sua cliente naqueloutro processo judicial, emerge efectivamente um dano o qual “corresponde à impossibilidade de apreciação jurisdicional da pretensão jurídica, uma desvantagem jurídica, impossível de determinar, dado o desconhecimento da materialização dessa desvantagem jurídica. Essa impossibilidade, porém, não deve obstar à indemnização, porquanto tal desvantagem jurídica sempre representa um dano, traduzido na perda de chance ou de oportunidade, por efeito de comportamento culposo” (cfr. ac. do STJ de 30.03.2017, disponível em www.dgsi.pt).
Por outro lado, e novamente aderindo a tudo o que deixou explanado na decisão recorrida quanto à jurisprudência conhecida sobre a aludida questão de direito, que nos escusamos de repetir por desnecessidade, não podemos concordar igualmente com o réu quando nas suas alegações defende que em face da factualidade provada o recurso apresentado não teria qualquer hipótese de êxito.
Em face do exposto decorre que entendemos demonstrados nos autos não só o dano, como o nexo de causalidade entre este e a omissão do réu advogado.
*

Uma vez assente que da actuação do réu e da sua omissão resulta a obrigação de indemnizar a autora, importa fixar o seu quantum.
Ora, estando em causa a “perda de chance” ou de oportunidade o quantum indemnizatório deve ser apurado e fixado considerando a probabilidade de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida.
Por outro lado, o que está aqui em causa (o dano a ser indemnizado) não é verdadeiramente o dano final mas o dano que constitui a perda de chance, pelo que a reparação do dano deve ser medida tendo por base a chance perdida, não sendo igual à vantagem que se procurava ou ao prejuízo que se pretendia evitar, e muito menos podendo ser superior a estes.
Trata-se de uma situação em que “não se pode afirmar, com absoluta segurança, que o conteúdo da decisão judicial teria sido distinto, caso não tivesse interferido o aludido facto ilícito, nomeadamente, porque tal dependia ainda do modo como o juiz aprecia determinados factos, interpreta as normas jurídicas pertinentes e procede à subsunção daquela factualidade ao Direito aplicável, mas em que já se sabe, por outro lado, com certeza suficiente, que a vítima perdeu uma oportunidade de obter essa decisão favorável” (ac. da RG de 28.09.2017, já citado).
Trata-se assim de conceder uma indemnização quando fique demonstrado que as probabilidades de obter uma vantagem ou de obviar a um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, pelo que não podendo estabelecer-se com certeza o grau de probabilidade da amplitude do êxito da acção ou da defesa e nem tão pouco afastar a sua improcedência, pois quem demanda ou é demandado tem sempre de contar com um resultado incerto, deverá fixar-se o seu quantum em função da maior ou menor probabilidade de vencimento e com base na equidade.
Foram também estes os pressupostos inerentes à fixação do montante indemnizatório constante da decisão recorrida, no valor de € 27.500,00. Nesta foi considerado, e bem, partindo do valor da condenação no processo nº 1944/04.6TCLRS, o grau de probabilidade de evitamento do prejuízo traduzindo-o num valor percentual (90% da quantia sobre a qual a autora poderia ter sido absolvida), tendo ainda ponderado o que a autoria poderia ter pago a menos de juros e de custas.

Ver ainda com interesse a este propósito o ac. do STJ de 19.10.2021, relatado por José Rainho, disponível in www.dgsi.pt.
Por outro lado, não pode deixar de merecer igualmente o nosso acolhimento a sentença recorrida quando expõe:
“De referir que consideramos totalmente irrelevante o facto de a autora ter procedido à venda da fração prometida vender. Obviamente que a autora a iria vender, uma vez que foi para isso mesmo que construiu o edifício onde ela se integra. O facto de a ter vendido por valor superior aquele que estava acordado no contrato promessa em questão na ação nº 1944/04.6TCLRS em nada tolhe com o prejuízo que sofreu com a condenação que lhe foi imposta na sentença, que existe sempre, independentemente da venda da fração. Por acaso o mercado tinha evoluído favoravelmente, mas podia ter evoluído desfavoravelmente, como, por exemplo, aconteceu na altura que se seguiu à crise de 2009.”.
Saliente-se que, conforme resulta de tudo o acima descrito, as partes outorgantes do contrato-promessa colocaram termo ao mesmo em Dezembro de 2002 e a ora autora só veio a vender o imóvel em 2006. Ou seja, não se antolha poder estabelecer qualquer relação entre o incumprimento contratual da autora relativamente aos demandantes da acção nº 1944/04.6TCLRS e a venda da fracção autónoma a terceiros.
Assim sendo, não se pode de forma alguma concluir que a actuação da ora autora e que motivou a resolução do contrato promessa teve quaisquer intuitos meramente especulativos, tendo apenas beneficiado das flutuações do mercado imobiliário.
Por conseguinte, também acompanhamos o tribunal a quo quando refere que a venda da fracção por valor bastante superior a terceiros é absolutamente irrelevante para a discussão que nos ocupa.
Em face de todo o exposto, improcede, pois, a apelação do réu (e da ré seguradora que ao mesmo aderiu).
*

4.4.–Do âmbito da cobertura do(s) contrato(s) de seguro

Resta-nos decidir da apelação interposta pela ré G..., SA, a qual também veio pugnar pela sua absolvição do pedido.
Veio esta recorrente defender que, ao contrário do que a sentença recorrida parece considerar, a apólice contratada pelas 2ª a 4ª rés não é uma apólice cujo funcionamento da cobertura se baseia na data da ocorrência dos factos, mas sim na data da reclamação dos mesmos, pelo que, no caso, teria de se considerar que a apólice em vigor à data da propositura da ação seria a apólice contratada com a 4ª ré (XL... Insurance), para a anuidade de 2019, e não a contratada com a ré G..., SA sem que tal implique a diminuição das garantias conferidas pela natureza obrigatória do seguro. E com razão, adianta-se.
Com efeito, a este respeito, importa considerar a matéria de facto acima transcrita e distinguir a apólice de ocorrência (em que, para fins de indemnização, o facto causador do dano ou prejuízo a terceiros deve ocorrer durante a vigência do contrato) da apólice de reclamações, também chamada “claims made” (que poderíamos traduzir como “reclamação feita”), que condiciona o pagamento da indemnização ao segurado à apresentação da “Reclamação”, mormente, no caso dos seguros em apreço, do “Pedido de Indemnização” por terceiros durante o prazo de vigência do contrato de seguro.
Neste último caso, encontra-se ainda a apólice “claims made híbrida”, que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato, na qual as partes podem convencionar que a cobertura abranja riscos anteriores à data da celebração do contrato – cfr. art.º 42º, nº 2, da Lei do Contrato de Seguro (LCS).
De salientar ainda que a validade deste tipo de cláusulas está expressamente prevista no nº 2 do art.º 139º da LCS.

Dispõe este artigo, sob a epígrafe, “Período de cobertura”:
1–Salvo convenção em contrário, a garantia cobre a responsabilidade civil do segurado por factos geradores de responsabilidade civil ocorridos no período de vigência do contrato, abrangendo os pedidos de indemnização apresentados após o termo do seguro.
2–São válidas as cláusulas que delimitem o período de cobertura, tendo em conta, nomeadamente, o facto gerador do dano, a manifestação do dano ou a sua reclamação.
3–Sendo ajustada uma cláusula de delimitação temporal da cobertura atendendo à data da reclamação, sem prejuízo do disposto em lei ou regulamento especial e não estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior, o seguro de responsabilidade civil garante o pagamento de indemnizações resultantes de eventos danosos desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato.”.
Sobre este preceito legal explica José Vasques, na “Lei do Contrato de Seguro Anotada”, 2016, 3ª edição, Almedina, p. 448-449, que não tem correspondência na legislação anterior, e que “ao contrário do que sucede com generalidade dos outros seguros de danos (art. 123.º), em que a cobertura é temporalmente delimitada (art. 37.º, n.º 2, al. e)) pelos danos sofridos pelas coisas seguras durante o período de vigência do contrato, no seguro de responsabilidade civil são configuráveis cláusulas de delimitação temporal da garantia que a circunscrevam atendendo ao momento:
a)-da prática do facto gerador da responsabilidade (action commited basis);
b)-da manifestação do dano (loss occurrence basis); ou
c)-da sua reclamação (claims made basis), independentemente de o facto gerador ter sido praticado antes do início da vigência do contrato (como resulta do n.º 3) e desde que o tomador do seguro ou o segurado não tivesse conhecimento do sinistro à data da celebração do contrato (art. 44.º, nº 2).
A lei impôs, de forma relativamente imperativa quanto aos riscos de massa (art. 13.º, e art. 5.º, n.º 4, do RJASR (…), que quando as partes tenham atendido à data da reclamação (claims made basis) para a delimitação temporal da cobertura, o segurador garantirá, no mínimo (art. 13.º, n.º 1), o pagamento de sinistros desconhecidos das partes e ocorridos durante a vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo final do contrato – se prejuízo desta extensão legal da cobertura cessar quando a questão seja regulada em lei ou regulamento especial ou quando o risco esteja coberto por um contrato de seguro posterior.
O prazo de um ano, contado do termo final do contrato de seguro, não é um prazo de prescrição do direito do lesado (que, modificando o prazo legal, sempre seria nulo – art. 300.º do CC), mas apenas uma delimitação temporal da responsabilidade do segurador, subsistindo para além dele o direito do lesado perante o responsável nos termos previstos na lei geral, sem prejuízo da prescrição, que também se aplica aos direitos do lesado contrato o segurador (art. 145.º).”.
Ainda sobre esta matéria, veja-se “A Delimitação Temporal da Cobertura da Apólice do Seguro de Responsabilidade Civil”, dissertação de Mestrado de Ângela Isabel Ramos Cunha Carvalho, orientada por José Vasques, disponível em https://repositorio.iscte-iul.pt, destacando-se a análise feita a respeito da Reclamação (“claims made basis”) nas p. 53 e seguintes.
De referir que no caso de seguro de responsabilidade civil profissional, em particular pelo exercício da advocacia, o mais normal são estas apólices “claims made basis”, sem que tal ponha em causa a natureza obrigatória de tal contrato de seguro.
Com efeito e conforme se ler no ac. do STJ de 11.07.2019, relatado por Rosa TChing, no processo nº 5388/16.9T8VNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, citado nas alegações de recurso da ré G..., SA:
«I.–O seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados tem natureza obrigatória.
II.–A norma estatutária contida no artigo 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de janeiro, tendo por finalidade a realização do interesse público de salvaguarda da posição do cliente do advogado ante uma eventual insolvabilidade deste profissional e de assegurar a efetividade do direito de indemnização do cliente/lesado perante atuação do advogado geradora de responsabilidade, consagra, no seu nº 1, a obrigatoriedade de o Advogado celebrar um contrato de seguro (individual) de responsabilidade civil profissional por forma a cobrir os riscos do exercício da sua profissão liberal de advocacia.
III.–Mas, para além deste contrato de seguro individual, consagra ainda, no seu nº 3, a existência de um seguro de grupo, igualmente obrigatório, mas com carácter supletivo. Trata-se do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional mínima de grupo celebrado pela Ordem dos Advogados, tomadora do seguro, no qual são segurados e beneficiários todos os advogados inscritos nesta Ordem e que é acionado sempre que o advogado não tenha celebrado o contrato de seguro individual previsto no nº1 do citado artigo 99º.
IV.–Dispondo o ponto 7 das Condições particulares da apólice deste contrato de seguro que: “O segurador assume a cobertura de responsabilidade civil do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início de vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, cobertas pela presente apólice, e, ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação”, estamos perante uma apólice de reclamação, também chamada “claims made”, segundo a qual o evento relevante para o acionamento do contrato durante a sua vigência, com vista ao pagamento de uma indemnização pela seguradora, é a reclamação e não o facto gerador do dano que está na sua base.».
Veja-se ainda no mesmo sentido: o ac. do STJ de 17.11.2020, relatado por Pedro Lima Gonçalves e disponível in www.dgsi.
No caso dos autos, atentando no clausulado do contrato de seguro celebrado com a ré G…, SA, impõe-se concluir estarmos perante uma apólice “claims made”, sendo que a cobertura temporal deste seguro terminou em 31.12.2013.
Entretanto, o risco em apreço foi coberto pela M…, SA e actualmente está coberto por contrato de seguro posterior celebrado entre a Ordem dos Advogados e ré XL ... Portanto, é evidente que a seguradora G…, SA não poderá ser considerada responsável pela indemnização reclamada, devendo a sentença recorrida ser revogada nesta parte.
Questão diferente é da oponibilidade das cláusulas de exclusão de cobertura por incumprimento do dever de participação ou a aplicação da franquia contratual.
Com efeito, só relativamente a estas é que o Supremo Tribunal de Justiça tem de forma unânime vindo a considerar não serem oponíveis aos lesados, atenta a natureza obrigatória do contrato de seguro de responsabilidade profissional de advogado (cfr., entre outros, os supra citados acs. do STJ de 11.07.2019 e de 17.11.2020)
Todavia, esta questão, apenas invocada nestes autos pela ré XL … no respectivo recurso, encontra-se naturalmente prejudicada (art.º 608º, nº 2, do NCPC), dado que a autora não recorreu da sentença na parte em que absolveu a ré XL… do pedido, nem sequer subordinadamente, estando, pois, o tribunal ad quem impedido de alterar a decisão proferida nessa parte, condenando a dita seguradora, não obstante dever ter sido a mesma a condenada e não a G…, SA.
*

Concluindo, tem necessariamente que improceder o recurso interposto pelo réu N… e ré XL… SE e proceder o recurso interposto pela ré G…, SA.
Por conseguinte, revoga-se a sentença recorrida na parte em que condena esta recorrente, absolvendo-a (a ré G…, SA) de tudo o contra si peticionado - inclusivamente quanto a custas -, mantendo-se no mais a sentença recorrida.
As custas dos recursos interpostos pelos réus N… e XL… SE são da responsabilidade destes recorrentes e as do recurso interposto pela ré G…, SA são da responsabilidade da autora/recorrida (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
*

IV.–Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação interposta pelos réus N… e XL … SE e procedente a apelação interposta pela ré S…, SA, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, e em consequência, decide-se absolver a ré S…, SA de tudo o contra si peticionado (incluindo quanto a custas), mantendo-se no mais a sentença recorrida.
As custas dos recursos interpostos pelos réus N… e XL … SE são da responsabilidade destes recorrentes e as do recurso interposto pela ré G…, SA são da responsabilidade da autora/recorrida.
*


Lisboa, 11.05.2023



Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Rui Manuel Pinheiro Oliveira