Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO FERNANDES DA SILVA | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO CONTRADIÇÃO ÓNUS DA PROVA ANULABILIDADE NEGÓCIO JURÍDICO FORMAÇÃO DO CONTRATO BOA-FÉ | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil): I. Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna. II. Não é possível existir contradição entre um facto provado e um facto não provado, sendo que da não prova de um facto não decorre a prova do seu contrário e cumpre não confundir a não prova de um facto com a prova de um facto negativo. III. O erro constitui uma falsa perceção da realidade por parte do sujeito. IV. O erro-vício afeta a formação da vontade negocial, sendo que nos termos dos artigos 247.º e 251.º do CCivil a sua relevância pressupõe que (i) a desconformidade entre a vontade negocial e a realidade respeite a elemento essencial do negócio do ponto de vista do declarante e que (ii) tal essencialidade seja conhecida do declaratário ou, pelo menos, que este tivesse o dever de não a ignorar. V. O ónus da prova dos factos integradores de tais pressupostos incumbe àquele que suscita a anulabilidade do negócio por erro-vício. VI. Na formação do contrato, os contraentes devem proceder com correção, lealdade, honestidade, de forma correta e adequada à situação, salvaguardando-se, assim, a boa-fé contratual. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO. A A., A …, LDA., intentou processo comum de declaração contra os RR., B …, SA., e C …, CRL, pedindo que se declare: «a) A anulação parcial do contrato de compra e venda celebrado em 28 de Fevereiro de 2019 entre as ora Rés, mediante a redução da cláusula relativa ao preço convencionado, devendo, por conseguinte, o valor da aquisição ser reduzido de €115.000,00 (cento e quinze mil euros) para o montante de € 70.000,00 (setenta mil euros); b) A anulação parcial do contrato de locação financeira imobiliária celebrado em 28 de Fevereiro de 2019 entre a Autora e a Ré, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, mediante a redução do valor de financiamento de €115.000,00 (cento e cinco mil euros) para € 70.000,00 (setenta mil euros), com a consequente e proporcional redução das rendas mensais a liquidar, c) A restituição à Autora quer do diferencial do IMT por si já liquidado, quer do valor correspondente ao diferencial das rendas mensais já liquidadas e o valor resultante da referida redução até à data em que venha a ser proferida decisão com trânsito em julgado, acrescida dos respectivos juros de mora»; Como fundamento do seu pedido, a A. alegou, em suma, que no dia 28.02.2019 a R. B … S.A., vendeu à R. CAIXA, pelo preço de €115.000,00, a fração autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao primeiro andar direito, do prédio urbano sito na Rua …, n.º … e …-…, Avenida …, n.º … e Rua …, n.º …, freguesia de Penha de França, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número … da mesma freguesia e inscrito na matriz da freguesia do Areeiro sob o artigo …, tendo então a R. CAIXA declarado que o referido imóvel destinava-se a ser dado em locação financeira à A., o que sucedeu através de um intitulado contrato de locação financeira imobiliário, celebrado na mesma data, entre a R. CAIXA e a A. Referiu também que após tal data contratou a D …, LDA., para executar obras na referida fração, tendo, entretanto, tomado conhecimento por aquela Sociedade que o imóvel tinha a área de 97,71m2 e não os 137,95m2 indicados na caderneta predial, na certidão da Conservatória do Registo Predial e no relatório de avaliação elaborado a pedido da R. CAIXA, sendo que a área indicada em tais documentos constituiu elemento essencial para a A. proceder ao referido negócio. A A. mencionou igualmente que da apontada diferença de áreas decorre um prejuízo significativo para a A. por i) ela ficar impossibilitada de usufruir e dispor de um imóvel com a área que pretendia, ii) em caso de eventual venda ou arrendamento do imóvel em causa, este ter um valor comercial substancialmente inferior e iii) a definição e pagamento do montante do financiamento do imóvel ter sido calculado de acordo com a área errada do imóvel, o que se traduz em custos acrescidos para a A. A R. CAIXA arguiu a exceção de caducidade da ação, a sua ilegitimidade e a incompetência material do Tribunal quanto ao pedido de restituição do diferencial de IMT liquidado em acréscimo, impugnando no mais a factualidade integradora da causa de pedir da A., termos em que concluiu pela procedência das suscitadas exceções e em todo o caso pela improcedência da ação e condenação da A. como litigante de má-fé em multa que o Tribunal considere adequada, não inferior a 5 UC’s, e em indemnização à Ré CAIXA no valor de €5.000,00. A R. B … S.A., arguiu igualmente a exceção de caducidade da ação e impugnou, no essencial, a factualidade alegada pela A., concluindo pela procedência daquela exceção e pela improcedência da ação. A A. respondeu às exceções e ao pedido da sua condenação como litigante de má-fé, sustentando a respetiva improcedência. As partes juntaram diversos documentos e indicaram prova pessoal. Foi realizada a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as arguidas exceções de incompetência e ilegitimidade passiva e relegou para final o conhecimento da suscitada exceção de caducidade, foi identificou o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova. Realizou-se uma perícia e foi junto aos autos o respetivo relatório. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com sessões em 07.06.2023, de manhã e de tarde. Em 25.03.2024 o Juízo Central Cível de Lisboa proferiu sentença que decidiu: «a) julgar improcedente a invocada excepção de caducidade do direito da autora. b) julgar a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver as rés dos pedidos contra si formulados». Inconformada com tal decisão, dela recorreu a A., tendo apresentado as seguintes conclusões: «A) O presente recurso tem como objeto: a. impugnação da decisão no que refere à matéria de facto dada como provada nos pontos RR), SS) dos factos dados como provados, no que respeita à REDAÇÃO dos mesmos, devendo os mesmos ser alterados, passando a ter a seguinte redação: i. “RR) O contacto efectuado pela Autora junto da Ré CCCAM foi apenas para solicitar a celebração de um contrato de locação financeira imobiliária para aquisição daquele Imóvel específico, pelo preço acordado de €115.000 (cento e quinze mil euros). ii. SS) A avaliação efectuada pela Ré CCCAM ao Imóvel apenas serviu para verificar se o valor de mercado do bem, permitia um financiamento nas condições solicitadas pela Autora.” b. Impugnação da decisão no que refere à matéria de facto dada como não provada nos seguintes pontos dos factos não provados: “- A referida fracção autónoma foi adquirida pela A …, Lda. aqui A., no pressuposto de que a área indicada nos documentos relativos ao imóvel, no relatório de avaliação elaborado a pedido da C … CRL e, ainda, na comercialização do imóvel era de 137,95 m2, isto porque, essa dimensão era essencial para que a A … Lda. pudesse aí instalar o seu escritório e os seus serviços administrativos. - Quer o preço liquidado pela C … CRL, à B …, S.A., quer o financiamento efectuado pela sociedade Autora junto da C … CRL, teve por base à área constante do relatório de avaliação efectuado pela C …CRL, financiamento esse que foi calculado para uma fracção autónoma com uma área de 137,95m2. - Ao ser confrontado perante esta situação, em 22 de Maio de 2019, o legal representante da A … Lda. interpelou a C … CRL, sobre esta questão, sem que até à presente data, tenha recebido qualquer resposta. - Tal desconformidade de áreas era do total desconhecimento da aqui A. aquando da celebração do contrato de locação financeira. - Sendo do conhecimento inequívoco, pelo menos, do proprietário do imóvel, conforme se pode comprovar pelo certificado energético que foi apresentado à ora 1ª Ré, C … CRL, na data da celebração da escritura de compra e venda. - Só naquela data, aquando da elaboração do projecto de adaptação, isto é, em Maio de 2019, e após medição, é que a aqui Autora se apercebeu da desconformidade das áreas existentes. - Era imprescindível/essencial para a actividade a desenvolver no imóvel, que o mesmo tivesse a área constante da caderneta predial e da certidão da CRP. - A ora Autora só aceitou proceder à liquidação do valor acordado no âmbito do contrato de locação financeira, porque partiu do pressuposto que a área do imóvel era aquela que constava dos documentos que lhe foram apresentados e das informações que lhe foram prestadas pelas Rés. - A Ré B …, S.A., tinha plena consciência desta divergência de áreas, nada tendo referido quer à autora quer à 2ª ré. - A Ré Locadora não teve o cuidado de aferir e concretizar a medição efectiva da área do imóvel, fazendo com que a aqui A. procedesse à celebração do Contrato de Locação Financeira com base em pressupostos errados sobre as características essenciais do imóvel, características essas que eram fundamentais e essenciais para que aquela pudesse desenvolver a actividade e fim pretendido para o imóvel em causa- - A autora não teria adquirido o imóvel referido se soubesse que o mesmo não tinha a área suposta. - As rés não podiam desconhecer que a autora só procedeu à contratação do financiamento pelos valores constantes do contrato de locação financeira porque partiu do pressuposto de que a aérea do imóvel era a que constava dos documentos. - As rés sabiam, ou deviam saber, que a área do imóvel era essencial para que a autora exercesse a sua actividade nos termos pretendido. - Caso a autora tivesse conhecimento da discrepância das áreas teria optado por celebrar o negócio, mas por um preço substancialmente inferior e directamente proporcional à real e efectiva da fracção autónoma. - Considerando a área da fracção, 97,71 m2, o valor de mercado desta não seria superior a 70.000,00euros.” c. Julgar totalmente improcedente a presente ação. B) Assim, deveriam ter sido dados e como provados todos os factos dados como não provados, os factos provados em SS) e RR) deveriam ter uma redação diferente (eliminando a expressão “apenas”) e ainda deveria ter sido julgada totalmente procedente a ação por provada. C) Sendo certo, que no mínimo existe uma clara e notória contradição, não podendo o Tribunal a quo dar como provado alguns factos e dar como não provados outros, em clara contradição. D) Os seguintes factos considerados como não provados, estão em completa contradição com os factos considerados provados em P), Q) e R): - A referida fracção autónoma foi adquirida pela A … Lda., aqui A., no pressuposto de que a área indicada nos documentos relativos ao imóvel, no relatório de avaliação elaborado a pedido da C … CRL, e, ainda, na comercialização do imóvel era de 137,95 m2, isto porque, essa dimensão era essencial para que a A … Lda. pudesse aí instalar o seu escritório e os seus serviços administrativos. - Quer o preço liquidado pela C … CRL, à B …, S.A., quer o financiamento efectuado pela sociedade Autora junto da C … CRL, teve por base à área constante do relatório de avaliação efectuado pela C … CRL, financiamento esse que foi calculado para uma fracção autónoma com uma área de 137,95m2. E) O seguinte facto considerado como não provado, está em completa contradição com os factos considerados provados em LL), M) e N): - Tal desconformidade de áreas era do total desconhecimento da aqui A. aquando da celebração do contrato de locação financeira. F) Igualmente, o facto considerado não provado que a seguir se transcreve, deve ser considerado provado, também pela prova testemunhal, depoimento de F …- de 00:04:30:13 a 00:06:34:21: -Sendo do conhecimento inequívoco, pelo menos, do proprietário do imóvel, conforme se pode comprovar pelo certificado energético que foi apresentado à ora 1ª Ré, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo na data da celebração da escritura de compra e venda;. G) Ainda, os seguintes factos considerados como não provados, estão em completa contradição com os factos considerados provados em GG) e NN): - Era imprescindível/essencial para a actividade a desenvolver no imóvel, que o mesmo tivesse a área constante da caderneta predial e da certidão da CRP. - A ora Autora só aceitou proceder à liquidação do valor acordado no âmbito do contrato de locação financeira, porque partiu do pressuposto que a área do imóvel era aquela que constava dos documentos que lhe foram apresentados e das informações que lhe foram prestadas pelas Rés. H) Todos os restantes factos considerados como não provados, deverão ser considerados provados pelo depoimento do legal representante da Autora, pelo depoimento das testemunhas E …, F …, G … e H …, bem como, pelos documentos juntos aos autos, por presunção legal, por contradição com os factos considerados provados ou por presunção judicial. I) Entende ainda o Banco Recorrente que houve uma errada interpretação e aplicação do Direito, entre eles os artigos 247º, 251º, 350º e 351º todos do Código Civil, quer, também, por erro na interpretação da prova produzida em Audiência de Julgamento e demais existentes nos autos. J) Tudo com base das Declarações de parte do legal representante da Autora, recorrente, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 07.06.2023, com relevo para este recurso de 00:03:23:19 a 00:03:23:17, 00:10:36:24 a 00:11:26:04, 00:08:01:02 a 00:10:15:12, 00:19:26:10 a 00:20:3:04. K) Com base nos depoimentos das testemunhas: - E …, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 07.06.2023, com relevo para este recurso 00:01:20:06 a 00:11:14:01, em especial, 00:02:48:03/00:04:08:19/00:05:04:22/00:10:23:22/00:10:47:17 -F …, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 07.06.2023, com relevo para este recurso 00:01:13:02 a 00:11:14:18, em especial, 00:06:00:20/00:06:04:02/00:06:34:23 -G …, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 07.06.2023, com relevo para este recurso 00:01:52:02 a 00:09:05:09, e especial, 00:05:00:10/00:05:49:05/00:06:10:23/00:04:28:20 -H …, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 07.06.2023, com relevo para este recurso 00:00:42:04 a 00:11:13:13, em especial, 00:04:15:10/00:04:38:24/00:04:55:01/00:09:20:14/00:09:46:14 L) Com base na prova documental composta pelos documentos: - 12 documentos juntos com a Petição Inicial; -Documento n.º 1 junto com a Contestação; -Laudo de Perícia junto aos autos. M) Andou mal o Tribunal a quo ao considerar que a Autora não logrou fazer prova do erro que alega, nem que as destinatárias da declaração conheciam ou não devia ignorar a essencialidade do elemento sobre que recaiu o erro, a ter existido. N) Pois da prova produzidas nos autos resulta algo diferente. O) Acresce que o Tribunal a quo erradamente, e no seguimento da matéria de facto elencada, veio ainda a considerar que os “As declarações de parte são sempre declarações interessadas e quando não confirmadas por outros meios de prova, não são relevantes, o que se verificou no caso concreto, sendo que no demais ou reportaram a documentos não impugnados ou a depoimentos de testemunhas, sendo estes depoimentos e não aquelas declarações que relevaram. Relativamente à matéria factual não provada nesta lide, a sua desconsideração adveio, no essencial, da ausência de meios de prova suficientes passíveis de a corroborar com um mínimo de plausibilidade, ser conclusiva e de direito, meramente impugnatória e argumentativa ou ainda irrelevante para a decisão.”. P) O que é desprovido de verdade e resulta dos autos, conforme se demonstrará. Q) A verdade é que o legal representante da Autora prestou o seu depoimento de uma forma isenta, congruente e credível, a acrescer ao facto de grande parte das suas declarações serem congruentes com os documentos juntos aos autos pela Autora e pelas Rés, bem como, pelo depoimento das testemunhas E …, F …, G … e H …. R) Pelo que, no conjunto da prova produzida e de acordo com as regras da experiência comum, as suas declarações servem para dar como provados todos os factos dados como não provados, bem como, alterar a redação dos pontos SS) e RR) dos factos dados como provados para a seguinte: RR) O contacto efectuado pela Autora junto da Ré CCCAM foi para solicitar a celebração de um contrato de locação financeira imobiliária para aquisição daquele Imóvel específico, pelo preço acordado de €115.000 (cento e quinze mil euros). SS) A avaliação efectuada pela Ré CCCAM ao Imóvel serviu para verificar se o valor de mercado do bem, permitia um financiamento nas condições solicitadas pela Autora. S) E … declarou com razão de ciência, de forma clara, objetiva e totalmente imparcial, congruente e credível, pelo que no conjunto da prova produzida e de acordo com as regras da experiência comum, o depoimento desta testemunha serve para dar como provados todos os factos dados como não provados, bem como, alterar a redação dos pontos SS) e RR) dos fatos dados como provados para a seguinte (00:02:48:03/00:04:08:19/00:05:04:22/00:10:23:22/00:10:47:17): RR) O contacto efectuado pela Autora junto da Ré CCCAM foi para solicitar a celebração de um contrato de locação financeira imobiliária para aquisição daquele Imóvel específico, pelo preço acordado de €115.000 (cento e quinze mil euros). SS) A avaliação efectuada pela Ré CCCAM ao Imóvel serviu para verificar se o valor de mercado do bem, permitia um financiamento nas condições solicitadas pela Autora. T) A testemunha F … afirmou claramente que a ré Caixa Credito quando veio a adquirir a fração, dada em locação financeira, tinha conhecimento do certificado energético, que mencionava a área real da fração. U) Certamente por ter esse conhecimento, não poderá considerar-se como não provado, como o fez o tribunal a quo o seguinte facto: “- Sendo do conhecimento inequívoco, pelo menos, do proprietário do imóvel, conforme se pode comprovar pelo certificado energético que foi apresentado à ora 1ª Ré, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo na data da celebração da escritura de compra e venda;.” V) Também resulta claro do depoimento da testemunha F … que o Banco locador teve conhecimento da área real do imóvel, e não a que constava do anúncio de venda e das certidões, porquanto tinha em seu poder o certificado energético (que mencionada a área correta) cf. transcrição que se segue: “00:05:51:04 - 00:06:00:18 Advogada: E tem ideia se este certificado energético foi enviado ao cliente ou ao banco em data anterior? Foi só nesta altura? 00:06:00:20 - 00:06:02:11 Advogada: Em data anterior a? 00:06:02:13 - 00:06:04:00 F …: À escritura. 00:06:04:02 - 00:06:34:21 F …: Em data anterior à escritura terá sido sempre, para instruir o processo, porque isto tem de ser enviado. Da mesma maneira que o contrato. Quando, quando há um contrato promessa. Pode não existir contrato, mas mesmo que não exista contrato, é sempre reunida toda a comunicação e enviada para (...). Não me recordo em que datas é que terá sido enviado. É impossível lembrar, até porque há intervenção do banco e sendo um leasing, o banco também ter que ter conhecimento de todas. 00:06:34:23 - 00:06:42:13 F …: Nem aprova a operação se não estiver reunida toda a documentação para o efeito. 00:06:42:15 - 00:06:54:18 Advogada: Portanto, não sabe se, se quando o imóvel foi colocado à venda se confirmaram as áreas? se não confirmaram as áreas? Se houve aqui alguma informação relativamente a... 00:06:54:20 - 00:06:55:17 F …: Não. “ W) Resultando claro, igualmente do depoimento da testemunha G …, que o mesmo deverá ser valorado por forma a dar-se como provado o ponto seguinte dos factos não provados: “- Só naquela data, aquando da elaboração do projecto de adaptação, isto é, em Maio de 2019, e após medição, é que a aqui Autora se apercebeu da desconformidade das áreas existentes.” X) O depoimento da testemunha H … serve para alterar a redação dos factos dados como provados nos pontos RR) e SS), e, ainda, para dar como provados os factos dados como não provados. Y) A Testemunha H …, pese embora tenha afirmado não se recordar deste caso concreto, afirmou também que os avaliadores vão conhecer o local: 00:09:20:14 - 00:09:46:12 Advogada: (...) sabe se estes avaliadores, que normalmente vão ao local, se medem os imóveis? Ou que documentos é que lhe foram fornecidos, neste caso concreto? Tem essa indicação? 00:09:46:14 - 00:11:13:13 H …: Sim, eles (impercetível) certidões prediais e das cadernetas. E depois eventualmente a visita ao local. Eu não sei (...) Z) E, assim, se confirma que a Ré Caixa Agrícola solicitou a realização de uma avaliação da fração autónoma, para aferir se o valor de financiamento solicitado pelo cliente está conforme a avaliação realizada. AA) E não apenas para verificar o seu valor de mercado. Pelo que, deve ser alterada a redação do facto SS) dos factos considerados como provados e retirar a expressão “foi apenas”, conforme transcrição: 00:04:38:24 - 00:04:54:24 Advogada: Sim, Sra. É falado aqui nestes autos, e está junto ao processo, um relatório de avaliação, efetuado por uma empresa da Caixa. Não é a própria Caixa, mas uma empresa do grupo. Para que serve essa avaliação? 00:04:55:01 - 00:05:37:18 H …: Dá-nos o valor que aquele imóvel potencialmente tem no mercado e de alguma forma, sabemos qual é a cobertura que temos para o financiamento. Se não estamos a comprar um imóvel que, de facto, não tem o valor que o cliente quer atribuir, ou eventualmente negociou. Mas por qualquer motivo a avaliação pode vir dizer “não esse imóvel não vale isso”. Vale mais ou vale menos. BB) Para além do mais, também a redação do facto RR) dos factos considerados como provados dever ser alterado e retirar a expressão “foi apenas”, pois a Autora solicitou um financiamento à Ré Caixa Agrícola, que teve os trâmites de apreciação internos, conforme transcrição que segue: 00:04:15:10 - 00:04:38:21 Advogada: (...) que atividade é que, entretanto, a Caixa desenvolve? Para finalizar o financiamento? H …: Depois é preparado os contratos. Há uma primeira fase, que é a análise financeira. Não é propriamente a minha área. E depois aprovada que esteja a operação, é formalizada, dra. É produzido os contratos, ir à escritura, fazer a aquisição do imóvel e subscrever os contratos de locação e começar a locação a partir daí. CC) Além do que, o documento – “Laudo de Perícia” serve para dar como provado o último ponto dos factos dados como não provados, com a seguinte redação: -Considerando a área efetiva do imóvel, 97,71 m2, o preço do referido imóvel, em fevereiro de 2019, seria de € 81.455,00. DD) Sendo certo, que no mínimo existe uma clara e notória contradição nos factos considerados como provados na douta sentença recorrida e nos factos dados como não provados. Senão vejamos, EE) Os seguintes factos considerados como não provados, estão em completa contradição com os factos considerados provados em P), Q) e R): - A referida fracção autónoma foi adquirida pela A … Lda., aqui A., no pressuposto de que a área indicada nos documentos relativos ao imóvel, no relatório de avaliação elaborado a pedido da C … CRL, e, ainda, na comercialização do imóvel era de 137,95 m2, isto porque, essa dimensão era essencial para que a A … Lda. pudesse aí instalar o seu escritório e os seus serviços administrativos. - Quer o preço liquidado pela C … CRL, à B …, S.A., quer o financiamento efectuado pela sociedade Autora junto da C … CRL, teve por base à área constante do relatório de avaliação efectuado pela C … CRL, financiamento esse que foi calculado para uma fracção autónoma com uma área de 137,95m2. FF) O seguinte facto considerado como não provados, está em completa contradição com os factos considerados provados em LL), M) e N): - Tal desconformidade de áreas era do total desconhecimento da aqui A. aquando da celebração do contrato de locação financeira. GG) O facto considerado não provado que a seguir se transcreve, deve ser considerado provado, também pela prova testemunhal, depoimento de F … - de 00:04:30:13 a 00:06:34:21: -Sendo do conhecimento inequívoco, pelo menos, do proprietário do imóvel, conforme se pode comprovar pelo certificado energético que foi apresentado à ora 1ª Ré, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo na data da celebração da escritura de compra e venda;. HH) Os seguintes factos considerados como não provados na douta sentença recorrida, estão em completa contradição com os factos considerados provados em GG) e NN): - Era imprescindível/essencial para a actividade a desenvolver no imóvel, que o mesmo tivesse a área constante da caderneta predial e da certidão da CRP. - A ora Autora só aceitou proceder à liquidação do valor acordado no âmbito do contrato de locação financeira, porque partiu do pressuposto que a área do imóvel era aquela que constava dos documentos que lhe foram apresentados e das informações que lhe foram prestadas pelas Rés. II) Todos os restantes factos considerados como não provados, deverão ser considerados provados pelo depoimento do legal representante da Autora, pelo depoimento das testemunhas E …, F …, G … e H …, bem como, pelos documentos juntos aos autos, por presunção legal, por contradição com os factos considerados provados ou por presunção judicial. JJ) E não podia, por outro lado, o Tribunal a quo ignorar que houve por parte das Rés a violação do dever de informação e do princípio da boa-fé. KK) Na verdade, a ré B … era proprietária da fração autónoma em apreço e decidiu colocá-la à venda, pelo valor de € 119.700,00, referindo a área de 138m2 (factos provados A), B) e C)). LL) Pelo que, a ré B … S.A. não podia desconhecer que a Autora, recorrente, ou qualquer interessado na compra da fração, teria em conta a área publicitada. Mais, MM) A ré B … S.A., apesar de ter na sua posse o certificado energético da fração autónoma em causa, que mencionava uma área total inferior, não informou a Autora, recorrente, como deveria, dessa área. NN) Violando, claramente o dever de informação que lhe competia perante a Autora, recorrente, enquanto vendedora da fração autónoma em causa. OO) Sendo certo que, a decisão da Autora comprar a fração autónoma fundamentou-se na informação prestada pela ré B … S.A., através da imobiliária, quanto à área e nos documentos e fotos que lhe foram entregues pelas mesmas. PP) Conforme resulta do facto provado F), bem como do depoimento do legal representante da Autora, recorrente, as negociações encetadas pela Autora, recorrente, basearam-se nos documentos que lhe foram facultados pela ré B … S.A. e na visita realizada ao imóvel, pelo legal representante da Autora, recorrente, conforme resulta dos factos provados em N). QQ) Por outro lado, resulta dos factos provados em O), P), Q) e R), que tendo a ré B … S.A. solicitado a realização do relatório de avaliação, tinha o dever de confirmar o teor do mesmo e se as informações que constavam do relatório correspondiam ou não à verdade e à área publicitada. RR) Pois, conforme resulta do facto considerado provado LL), a fração autónoma não tem a área que foi publicitada, 137,95m2, mas apenas 97,71m2. SS) De facto, cabia à Ré B … S.A., na qualidade de vendedora e à Ré Caixa Agrícola, na qualidade de locadora, aferirem e confirmarem se o bem imóvel que estava a ser vendido tinha as características que constavam dos documentos (certidão predial e matricial). TT) O que não fizeram! Limitaram-se a aceitar o que constava dos documentos! UU) Quando deveriam ter confirmado toda a informação, conforme lhes competia. VV) Importa referir que, as rés sabiam que a Autora comprou a fração autónoma para ser afeta à sua actividade, ver factos provados em BB, i) e ii) e presunção judicial de senso comum, face ao teor do anúncio de venda. WW) Pelo que, não se percebe como pode o douto tribunal dar como provado o facto BB) dos factos provados e dar como não provados os seguintes factos considerados não provados: “- A referida fracção autónoma foi adquirida pela A … Lda., aqui A., no pressuposto de que a área indicada nos documentos relativos ao imóvel, no relatório de avaliação elaborado a pedido da C … CRL, e, ainda, na comercialização do imóvel era de 137,95 m2, isto porque, essa dimensão era essencial para que a A … Lda. pudesse aí instalar o seu escritório e os seus serviços administrativos. - Quer o preço liquidado pela C … CRL, à B …, S.A., quer o financiamento efectuado pela sociedade Autora junto da C … CRL, teve por base à área constante do relatório de avaliação efectuado pela C … CRL, financiamento esse que foi calculado para uma fracção autónoma com uma área de 137,95m2. “. XX) Não poderia o Tribunal a quo desvalorizar tal factualidade, nem considerá-la como não provada, como fez, atenta a pertinência da mesma. YY) A verdade, conforme resulta do factos considerados provados em BB), v) e vi), é que a Autora comprou a fração autónoma para usá-la para na sua actividade comercial. E as rés sabiam desse facto. Tendo ficado escrito no próprio contrato de locação financeira. ZZ) Devendo ser considerados provados os factos considerados como não provados na douta sentença recorrida. AAA) Acresce que, à luz da presunção judicial, que é admissível em processo civil e traduz-se em o tribunal, partindo de um facto certo, inferir, por dedução lógica, um facto desconhecido. BBB) Quer isto dizer, que o douto tribunal a quo ao considerar provados os factos em BB), teria, igualmente, de considerar provados os seguintes factos: “- A referida fracção autónoma foi adquirida pela A … Lda., aqui A., no pressuposto de que a área indicada nos documentos relativos ao imóvel, no relatório de avaliação elaborado a pedido da C … CRL, e, ainda, na comercialização do imóvel era de 137,95 m2, isto porque, essa dimensão era essencial para que a A … Lda. pudesse aí instalar o seu escritório e os seus serviços administrativos. - Quer o preço liquidado pela C … CRL, à B …, S.A., quer o financiamento efectuado pela sociedade Autora junto da C … CRL, teve por base à área constante do relatório de avaliação efectuado pela C … CRL, financiamento esse que foi calculado para uma fracção autónoma com uma área de 137,95m2. “. CCC) Acresce que, o facto considerado provado em HH), vem demonstrar os deveres da Ré Caixa Agrícola para com a Autora, recorrente, nomeadamente, o dever de confirmar toda a conformidade da fração autónoma. O que não fez! DDD) Quanto aos factos considerados provados pelo douto tribunal a quo em LL) e MM) demonstram a essencialidade do negócio e que a área da fração autónoma era essencial para a Autora, recorrente, desenvolver a sua actividade. EEE) Por outro lado, o douto tribunal a quo ao considerar como não provado que “- A referida fracção autónoma foi adquirida pela A … Lda., aqui A., no pressuposto de que a área indicada nos documentos relativos ao imóvel, no relatório de avaliação elaborado a pedido da C … CRL, e, ainda, na comercialização do imóvel era de 137,95 m2, isto porque, essa dimensão era essencial para que a A … Lda. pudesse aí instalar o seu escritório e os seus serviços administrativos”, está em clara contradição com o facto considerado provado em BB). FFF) Igualmente, ao considerar como provado que “Quer o preço liquidado pela C … CRL, à B …, S.A., quer o financiamento efectuado pela sociedade Autora junto da C … CRL, teve por base à área constante do relatório de avaliação efectuado pela C … CRL, financiamento esse que foi calculado para uma fracção autónoma com uma área de 137,95m2.”, está em contradição com os factos considerados provados em P), Q) e R). GGG) Temos ainda o facto considerado não provado “- Tal desconformidade de áreas era do total desconhecimento da aqui A. aquando da celebração do contrato de locação financeira. “, que se mostra em contradição com os factos considerados provados em LL), M) e N). HHH) Quanto ao facto considerado não provado na douta sentença recorrida: ”- Sendo do conhecimento inequívoco, pelo menos, do proprietário do imóvel, conforme se pode comprovar pelo certificado energético que foi apresentado à ora 1ª Ré, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo na data da celebração da escritura de compra e venda;”, o mesmo deverá ser considerado provado, porquanto resulta do documento 1 junto com a contestação da Ré Caixa Agrícola. III) O facto considerado não provado: “Só naquela data, aquando da elaboração do projecto de adaptação, isto é, em Maio de 2019, e após medição, é que a aqui Autora se apercebeu da desconformidade das áreas existentes. “, deverá ser considerado provado, pois está em contradição com o facto considerado provado em LL). JJJ) Ainda, quanto ao facto considerado não provado “Era imprescindível/essencial para a actividade a desenvolver no imóvel, que o mesmo tivesse a área constante da caderneta predial e da certidão da CRP.”, deverá ser considerado provado por via da presunção judicial dos factos considerados provados em GG) e NN). KKK) O facto considerado não provado “A ora Autora só aceitou proceder à liquidação do valor acordado no âmbito do contrato de locação financeira, porque partiu do pressuposto que a área do imóvel era aquela que constava dos documentos que lhe foram apresentados e das informações que lhe foram prestadas pelas Rés.”, deverá ser considerado provado, pois está em contradição com o facto considerado provado em GG). LLL) Quanto ao facto considerado não provado ”A Ré B …, S.A., tinha plena consciência desta divergência de áreas, nada tendo referido quer à autora quer à 2ª ré.”, deve ser considerado provado porquanto resulta do documento junto aos autos denominado Certificado Energético. MMM) Importa referir que o facto considerado não provado “- A Ré Locadora não teve o cuidado de aferir e concretizar a medição efectiva da área do imóvel, fazendo com que a aqui A. procedesse à celebração do Contrato de Locação Financeira com base em pressupostos errados sobre as características essenciais do imóvel, características essas que eram fundamentais e essenciais para que aquela pudesse desenvolver a actividade e fim pretendido para o imóvel em causa.”, deve ser considerado como provado porquanto a Ré sabia, através dos documentos juntos aos autos. NNN) Os factos considerados como não provados ” - A autora não teria adquirido o imóvel referido se soubesse que o mesmo não tinha a área suposta.” e “ As rés não podiam desconhecer que a autora só procedeu à contratação do financiamento pelos valores constantes do contrato de locação financeira porque partiu do pressuposto de que a aérea do imóvel era a que constava dos documentos.”, devem ser considerados provados, uma vez que, a Ré Caixa Agrícola tinha o dever de confirmar toda a informação relativa à fração autónoma, incluindo a área da mesma. O que não fez! OOO) “- As rés sabiam, ou deviam saber, que a área do imóvel era essencial para que a autora exercesse a sua actividade nos termos pretendido.” Apesar de tal facto ter sido considerado como não provado pelo douto tribunal a quo, deverá ser considerado como provado. Na verdade, as rés conheciam, ou não podem deixar de conhecer, qual era a finalidade da compra da fração autónoma pela Autora, ora recorrente. Aliás, consta do próprio contrato de locação financeira o uso da fração. PPP) Mais, se a venda da fração foi publicitada com determinada área, deverá presumir-se que a Autora, recorrente, a quer comprar, igualmente, pela sua área. QQQ) A declaração negocial é composta por dois elementos: a vontade e a declaração. RRR) Pelo que, para haver uma declaração negocial, que leve à constituição de um contrato, tem que haver um comportamento declarativo, ou seja um comportamento que, visto de fora, apareça como significativo de uma vontade negocial. SSS) Partindo para o caso em apreço, é evidente a existência de um vício na formação da vontade que, obviamente, tem relevância no domínio da contratualização que ora nos ocupa. TTT) Também aqui, obviamente, a vontade dos outorgantes tem de ser livre e esclarecida, entendida como estando as partes na totalidade do conhecimento de todas as características essenciais do negócio. UUU) Portanto, se a vontade não se formou de forma e livre, ela estará viciada e, nessa medida, o vício que fere a vontade, concomitantemente, ferirá também a declaração negocial. VVV) Interessa-nos, neste caso concreto ao erro vício, entendido como um erro na formulação da vontade, que, in casu, consiste numa concreta divergência entre a vontade das partes e a declaração que foi efecivamente propugnada. WWW) Dentro do erro, de facto, a situação que mais frequentemente ocorre é atinente ao designado erro-vício, que nos ensinamentos do Prof. MANUEL DE ANDRADE caracteriza como: “[o] erro-vício consiste na ignorância (falta de representação exata) ou numa falsa ideia (representação inexata), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstancia de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu”. XXX) No caso em apreço, estaremos, obviamente, perante o erro sobre o objecto do negócio, cfr. previsto no artigo 251.º do CC. YYY) Quanto às qualidades de um objeto, a maioria da jurisprudência tem entendido nesse sentido: ZZZ) O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 15-05-2012, Processo n.º 5223/05.3TBOER.L1.S1, Relator António Joaquim Piçarra, em que se consigna o seguinte: “I - A vontade negocial deve ser livre, esclarecida, ponderada e formada de um modo julgado normal e são. II - O erro-vício ou erro-motivo, que se traduz num erro na formação da vontade e do processo de decisão, existe quando ocorre uma falsa representação da realidade ou a ignorância de circunstâncias de facto ou de direito que intervieram nos motivos da declaração negocial, de modo que, se o declarante tivesse perfeito conhecimento das circunstâncias falsas ou inexactamente representadas, não teria realizado o negócio ou tê-lo-ia realizado em termos diferentes. III - É relevante saber se o erro foi factor determinante da declaração negocial emitida –essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro – e se o destinatário da declaração conhecia ou devia conhecer essa essencialidade. IV - A demonstração dos factos integradores da essencialidade e respectiva cognoscibilidade, por constituírem requisitos de relevância do erro e fundamento da anulabilidade do negócio (arts. 251.º e 247.º, ambos do CC), constitui ónus de quem invoca o erro (art.º 342.º, n.º 1, do CC) 2) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto – Proc. nº 296/09.2TBVRL.P2 de 13/06/2013; disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/- /71E6BA53753F17FD80257B9C003E03AE), o qual refere expressamente: “ I - O erro como vício na formação da vontade, também chamado erro-vício ou erro motivo, consiste na ignorância ou falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou interveio nos motivos da declaração negocial. II - O erro sobre o objecto do negócio torna este anulável nos termos dos artigos 251.º e 247.º do Código Civil. “ 3) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – Proc. nº 219/11.9TVLSB.L1.S1 de 13-01-2015 (…): “XIV - Existe erro sobre a base do negócio quando, no momento da formação da vontade de contratar, da assumpção da decisão de celebrar um contrato e da sua conclusão formal ou consensual, ocorre um desvio relevante, substancial e essencial, entre o querido e o contratado, de forma que a parte contraente, se tivesse obtido uma correcta formação da sua vontade não teria celebrado o contrato ou, pelo menos, não o teria concluído da forma em que acabou por o ser. XV - Tal erro não se verifica se resultar da factualidade provada que a recorrente teve a percepção correcta e adequada dos termos negociais em que o contrato (negócio) estava delineado, certo que no momento em que o concluiu sabia das suas condições e da forma como se iria concretizar: no momento em que celebrou o negócio de aquisição do terreno, o recorrente tinha e estava na posse de todos os elementos que lhe permitiam contratar e fê-lo com a consciência total do que estava a adquirir.(…)” 4) Acórdão do STJ de 15/05/2008, Proc. nº 08B332, Relator Lopes do Rego,(disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/A5D83B1F551E7DFE80257EBC005805AC): “1. O locatário tem, no âmbito da locação financeira, legitimidade para exercer contra o vendedor todos os direitos relativos ao bem locado, incluindo o direito de resolução do contrato de compra e venda, nomeadamente no caso do bem não satisfizer as características que haviam sido exigidas pelo locatário e garantidas pelo vendedor à data do contrato de compra e venda e que eram essenciais ao fim a que o bem se destinava. 2. É analogicamente aplicável o regime, estabelecido para a locação financeira no art. 13º do DL 149/95, à relação contratual, atípica e complexa, caracterizada pela celebração de contrato de ALD de certo veículo, prevendo as partes a opção de compra do mesmo pelo locatário no termo do contrato, por preço fixado, - e aderindo o locador, chamado a intervir na acção que visava reconhecer a eficácia da resolução extrajudicial, aos articulados apresentados pelo Autor.” AAAA) Conforme se referiu supra, no caso em apreço é perfeitamente evidente que, a Autora, recorrente, não teria adquirido a fração autónoma melhor identificada nos autos, se soubesse que a mesma não detinha a área suposta, na medida em que, não possuía as qualidades necessárias por si pretendidas, ou, teria procedido à sua aquisição mediante outras contrapartidas, como também, BBBB) Ora, os Réus não podem desconhecer que, a Autora só procedeu à contratação do financiamento pelos valores constantes do contrato de locação financeira já junto aos presentes autos, porque partiu do pressuposto que a área do imóvel era a que constava dos referidos documentos, pois caso contrário, não teria manifestado o seu interesse pelo negócio nos termos em que foi celebrado, ou, teria mantido o interesse mas por um valor substancialmente inferior ao contratualizado. CCCC) Da mesma forma é forçoso concluir que os Réus sabiam (ou deviam saber) da essencialidade para o comprador e locatário, ora Autora, recorrente, do elemento sobre que incidiu o erro, i.e. a área do imóvel que era essencial, nos termos expostos supra, para que a Autora pudesse desenvolver a sua atividade nos moldes pretendidos e, ainda, de que a mesma jamais iria celebrar o contrato de locação financeira pelo valor constante do mesmo, caso tivesse conhecimento da área real e efetiva da fração. DDDD) Assim, nos termos e para os efeitos dos artigos 251.º, 247.º do CC, e com fundamento em erro vício, na sua modalidade de erro sobre o objecto do negócio, deveria o douto tribunal a quo ter declarado a anulabilidade parcial do contrato de compra e venda de 28 de Fevereiro de 2019 (cfr. Doc. 6 já junto à petição inicial), assim como do subsequente contrato de locação financeira imobiliária (cfr. Doc. 8 já junto à petição inicial), quer no que se refere, concretamente, e nos termos expostos supra, à cláusula do preço, quer quanto à cláusula do financiamento. EEEE) No caso em apreço, estamos perante um erro essencial parcial sobre o objeto do negócio, em que a discrepância entre a vontade conjetural e a vontade negocial se traduz numa redução de elementos quantitativos do negócio, devendo, por conseguinte, verificar-se uma anulação parcial do negócio, nos termos do disposto no art. 292º do C.C. FFFF) Resultou efetivamente provado que, não só, existiu um erro, por parte da Autora, recorrente, quanto ao objeto do negócio e, que esse erro foi determinante para a celebração quer da escritura de compra e venda pelo preço aí convencionado, quer para a celebração do contrato de locação financeira imobiliária pelo valor do financiamento aprovado, como também, GGGG) Que o referido erro foi induzido quer pela promitente vendedora, quer pela entidade locadora, ora Rés, isto porque, em face das informações que lhe foram transmitidas e dos documentos que lhe foram enviados, a Autora não tinha quaisquer motivos para desconfiar de que aquela fração autónoma não tinha efetivamente à área constante dos referidos documentos e, por isso encontrou-se na disponibilidade de contrair o financiamento pelos valores constantes do contrato de locação financeira. HHHH) Decorre do disposto no artigo 292.º do Código Civil, que “a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”. IIII) Abrindo, por isso, porta à possibilidade de redução do negócio na parte que não se encontre contaminada pelo erro exposto e abordado no segmento supra. JJJJ) Nesse sentido, veja-se os seguintes Acórdãos: a. Ac. do STJ de 25-03-2009, referente ao processo 09B0551, com o Relator Alberto Sobrinho, “1. No erro-motivo ou erro-vício há uma situação de conformidade entre a vontade real e a declarada, mas em que esta se formou sob erro do declarante. Ocorre uma falta de representação exacta ou uma representação inexacta do declarante sobre circunstância decisiva na formação da sua vontade, de modo que se conhecesse o verdadeiro estado de coisas não teria querido o negócio, ou, pelo menos, não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu. O erro tanto pode abranger todo o negócio, situação que se verifica quando o negócio não teria sido celebrado sem a sua ocorrência, como respeitar apenas a uma parte do negócio, ou seja, sem ele onegócio não teria sido celebrado nos precisos termos em que o foi. Este erro incidental, situação retratada na última situação, apenas se reporta aos termos em que a declaração foi feita e não afecta a declaração na sua totalidade. Apenas será anulável a parte viciada da declaração, a não ser que não seja possível operar a redução em conformidade com o disposto no art. 292º C.Civil. 2. Ao fundamentarem a redução do preço em erro-vício incidental sobre a área do lote de terreno adquirido, o que está aqui em causa é apenas a área do lote, que se vai reflectir na tipologia de edificação a nele construir, o que não contende com a natureza intrínseca do próprio terreno. Terá que ser, portanto, sob o regime do erro que a questão da invocada caducidade terá que ser apreciada e não na perspectivado art. art. 890º, nº 1 C.Civil em que os recorrentes a colocam, que se reporta a elementos substanciais da própria coisa em si.” b. Ac. do STJ de 16-01-2014, referente ao processo 296/09.2TBVRL.P2.S1, com o Relator Oliveira Vasconcelos, “2. Estando provado que por escritura pública os réus declararam vender aos autores um prédio rústico com a área de 1.000 m2, quando na realidade uma parcela desse prédio vendido, com a área de 537 m2, não pertencia ao réus, uma vez que só lhe pertencia uma parcela com a área de 463 m2 e que os autores estavam convencidos, ao outorgarem na referida escritura, que o prédio que compravam abrangia aquela parcela de 537 m2, por os réus vendedores assim o terem afirmado perante si, tendo até procedido à sua entrega aos autores, temos manifestamente aqui duas situações: - Por parte dos réus, uma venda de um bem parcialmente alheio, uma vez que, não lhe pertencendo parte do bem vendido, careciam de legitimidade para vender esta parte; - Por parte dos autores, uma compra com erro sobre o objeto do negócio, uma vez que estavam convencidos que a compra e venda abrangia a área do prédio referida na escritura. 3. Estando perante uma hipótese de invalidade parcial, há que se aplicar o regime do artigo 292º do Código Civil, em que se determina que o negócio só será totalmente nulo se se puder concluir que ele não teria sido celebrado sem a parte viciada. 4. Caso, porém se admita a redução do negócio, haverá que se proceder a uma limitação da aplicação desse regime à parte viciada, mantendo-se, porém vigente o negócio quanto à parte válida, com uma redução do respectivo preço, redução essa que se opera através de uma diminuição da quantia devida na exata medida em que não se verificou o efeito translativo.” KKKK) Assim, quer o preço liquidado no âmbito do contrato de compra e venda (€115.000,00), quer o valor do financiamento aprovado no âmbito do Contrato de Locação Financeira Imobiliária (€125.459,40), com as consequentes prestações a regularizar durante o decurso do prazo do contrato, partiram do pressuposto que a área bruta privativa seria de 137,95 m2, LLLL) Ou seja, o preço acordado e definido entre as partes para o referido imóvel (preço esse que teve em consideração o deficiente estado de conservação do imóvel), foi calculado tendo por base a área bruta privativa de 137,95 m². MMMM) Sendo que, conforme resulta dos factos provados na douta sentença recorrida, a verdadeira área em questão do imóvel é de 97,71 m2, existindo, portanto, uma diferença de 40,24 m2, NNNN) Dessa forma, o valor de mercado do imóvel jamais seria superior a € 81.455,00, conforme se pode comprovar pelo Laudo de Perícia junto aos autos. OOOO) Sendo assim, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 292º do Código Civil, ora se requer que possa ser dado provimento à anulação parcial da escritura de compra e venda celebrada entre as Rés, com a consequente redução do preço estipulado, fixando-se, por conseguinte, a aquisição da referida fração autónoma no valor de €81.455,00 (oitenta e um mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros), bem como, PPPP) Se proceda igualmente à redução parcial do contrato de locação financeira imobiliária, no que respeita ao valor do financiamento, reduzindo-se o mesmo para o montante de €81.455,00 (oitenta e um mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros), com a consequente e proporcional redução das rendas mensais, QQQQ) Na verdade, toda a prova produzida nos autos leva o tribunal a decidir pela procedência da ação, ao contrário do que aconteceu na douta sentença recorrida. Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exªs, deverá ser o presente recurso julgado provado e procedente, e, em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-se por outra que venha a julgar a presente ação procedente por provada, condenando os réus no pedido formulado pela Autora. Assim se fará a acostumada Justiça!» As RR contra-alegaram, sustentando a manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir. II. OBJETO DO RECURSO. Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação. Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela A./Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a dilucidar, nos presentes autos está em causa apreciar e decidir: · Da impugnação da decisão de facto; · Do erro-vício. Assim. III. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO. 1. Segundo o disposto no artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPCivil, «1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes». Ou seja, sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna. Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, páginas 163 e 169, o legislador optou «por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente», sendo que as exigências decorrentes do apontado regime legal «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)». 2. No caso vertente. A Recorrente observou os indicados ónus de impugnação da matéria de facto, pelo que cumpre conhecer do recurso da decisão de facto. Nesse âmbito e dada a extensão e natureza do objeto do recurso, este Tribunal da Relação de Lisboa procedeu à análise de todos os documentos juntos aos autos pelas partes, bem como à audição integral da prova pessoal produzida em julgamento realizado em 07.06.2023, com sessões de manhã e de tarde, assim como considerou o relatório do exame pericial constante dos autos, integrando todos esses elementos probatórios em função da lógica e das regras da experiência comum. 3. Em sede de recurso da decisão de facto, a Recorrente sufragou, em suma, entendimento no sentido de que: (i) os factos provados RR e SS devem ser alterados; (ii) os factos provados P, Q e R estão em contradição com alguns dos factos não provados; (iii) os factos provados LL, M e N estão em contradição com factualidade dada como não provada; (iv) os factos provados GG e NN estão em contradição com factos considerados não provados; (v) os factos provados LL e MM estão em contradição com facto considerado não provado; (vi) os factos não provados sejam dados como provados. Vejamos. 3.1. Da alteração dos factos provados RR) e SS). (Conclusões A, B, R, S e X a BB das alegações de recurso). O Tribunal recorrido deu aí como provado que; «RR) O contacto efetuado pela Autora junto da Ré CCCAM foi apenas para solicitar a celebração de um contrato de locação financeira imobiliária para aquisição daquele Imóvel específico, pelo preço acordado de €115.000 (cento e quinze mil euros); SS) A avaliação efetuada pela Ré CCCAM ao Imóvel apenas serviu para verificar se o valor de mercado do bem, permitia um financiamento nas condições solicitadas pela Autora». (Negrito da autoria dos aqui subscritores). A Recorrente pretende que se elimine daqueles factos provados a palavra «apenas». Ora tal não tem correspondência com a prova pessoal produzida. Do confronto da mesma, nomeadamente a partir das declarações de parte da A., aqui Recorrente, e do depoimento das testemunhas O … e H …, funcionários da R. CAIXA, resulta evidente que a intervenção desta circunscreveu-se à celebração do contrato de locação financeira imobiliária, o qual se fundou numa prévia avaliação do imóvel por forma a apurar o valor de mercado do mesmo imóvel e, assim, se salvaguardar que o financiamento concedido fosse compatível com o valor de mercado do imóvel. É isso que resulta dos indicados factos RR e SS: a avaliação serviu apenas para apurar se o valor de mercado do imóvel permitia o financiamento pretendido pela A., sendo que satisfeita tal condição procedeu-se depois à celebração do contrato, não tendo tido R. CAIXA qualquer intervenção quanto à escolha do imóvel e negociação do preço da compra e venda do mesmo em causa nos autos. As transcrições da Recorrente na matéria corroboram um tal entendimento. Improcede, pois, nesta parte o recurso. 3.2. Da contradição entre factos provados e não provados. Preliminarmente importa referir que inexiste contradição propriamente dita, em termos de pura lógica formal, entre um facto provado e um facto não provado, pois deste não decorre a prova de qualquer factualidade, designadamente a prova do contrário. Por outro lado, a não prova de um facto não se confunde com a prova de um facto negativo. Como refere Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, edição 2019, página 409, «a conclusão negativa acerca de um determinado ponto temático probatório apenas significa não se ter provado esse ponto, não que se tenha provado o facto contrário, tudo se passando como se aquele facto não tivesse sido sequer alegado (articulado). Daí não poder, em tal hipótese, haver colisão, deficiência ou obscuridade entre decisões parcelares positivas e negativas». Admite-se, contudo, que ocorram situações de alguma inutilidade, superfluidade, desnecessidade, na indicação de factualidade dada como não provada em função da matéria de facto dada como provada, justificando a eliminação daquela perante esta, sendo designadamente nessa vertente que se dilucidará do recurso quanto à alegada contradição entre factos provados e não provados. 3.2.1 Dos factos provados P, Q e R e não provados. (Conclusões C, D, DD, EE e FFF das alegações de recurso). O Tribunal recorrido deu como provado na matéria o seguinte: «P) No referido Relatório [relativo ao imóvel, elaborado por empresa contratada pela R. CAIXA] consta, designadamente do ponto 5 da declaração do Imóvel é que “durante a nossa visita inspeccionámos visualmente o imóvel na data mencionada no relatório. A documentação fornecida para a realização desta avaliação é a indicada no respectivo anexo”; Q) E a documentação fornecida foi a caderneta predial e a certidão permanente – fls. 34 verso; R) Do Relatório de Avaliação consta, ainda, expressamente que não foi nem estimada nem considerada qualquer área diversa da que consta dos elementos de identificação do imóvel». Alega a Recorrente que tais factos são contraditórios com os seguintes factos dados como não provados: «- A referida fração autónoma foi adquirida pela A … Lda., aqui A., no pressuposto de que a área indicada nos documentos relativos ao imóvel, no relatório de avaliação elaborado a pedido da C … CRL, e, ainda, na comercialização do imóvel era de 137,95 m2, isto porque, essa dimensão era essencial para que a A … Lda. pudesse aí instalar o seu escritório e os seus serviços administrativos»; «- Quer o preço liquidado pela C … CRL, à B …, S.A., quer o financiamento efetuado pela sociedade Autora junto da C … CRL, teve por base à área constante do relatório de avaliação efetuado pela C … CRL, financiamento esse que foi calculado para uma fração autónoma com uma área de 137,95m2». Conforme referido, sendo certa a impossibilidade de contradição, não se vislumbra in casu sequer qualquer inutilidade quanto aos aludidos factos dados como não provados em função dos referidos como provados. Por um lado, nos indicados factos provados nada se refere quanto aos pressupostos negociais da A., nem quanto a aspetos que esta reputava como essenciais no negócio em causa. Por outro lado, se é certo que no financiamento da R. C … CRL, foi considerado o relatório de avaliação, considerou-se naquele o valor global da avaliação e não propriamente à concreta área do imóvel nele indicado. Improcede, pois, também neste domínio a pretensão da Recorrente. 3.2.2. Dos factos provados LL, M e N e não provado. (Conclusões C, E, DD, FF e GGG das alegações de recurso). Como tal, o Tribunal recorrido deu como provado que: «M) A Autora comunicou à “M … Lda.”, na data de 4 de janeiro de 2019, que a aquisição do imóvel seria efetuada com recurso ao Leasing Imobiliário através da C …, CRL»; «N) Na sequência de diligências destinadas à aquisição da fração em causa, o legal representante da autora deslocou-se uma vez à referida fração autónoma, a fim de verificar o estado de conservação em que a mesma se encontrava, tendo constatado que, a mesma necessitava de várias obras de conservação e manutenção, encontrando-se num estado de degradação acentuado, contudo, não obstante tal circunstância, manteve o interesse na concretização do negócio»; «LL) Em meados de Abril de 2019 e no decurso das deslocações que foram realizadas pela sociedade empreiteira à fração autónoma, com vista à preparação e definição dos trabalhos, ao procederem à medição da área do imóvel, constataram que a mesma era apenas de 97,71m2 e não de 137,95m2». Alega a Recorrente que tais factos são contraditórios com o seguinte facto dado como não provado: «Tal desconformidade de áreas [entre a constante do relatório de avaliação e a indicada pela D … LDA, sociedade empreiteira] era do total desconhecimento da aqui A. aquando da celebração do contrato de locação financeira». Não havendo a alegada contradição, também aqui importa consignar que a factualidade não provada em causa não se mostra desnecessária face à apontada factualidade provada. Nenhum dos indicados factos provados se refere ao (des)conhecimento da A. da área do imóvel, matéria dada como não provada, inexistindo, assim, qualquer superfluidade dessa matéria na situação vertente. Improcede, assim, igualmente nesta sede a pretensão da Recorrente. 3.2.3. Dos factos provados GG e NN e não provados. (Conclusões C, G, DD, HH e KKK das alegações de recurso). O Tribunal recorrido deu como provado que: «GG) A autora iniciou negociações com as mediadoras para aquisição da fração autónoma por esta corresponder exatamente àquilo que era por si pretendido para satisfação das necessidades da sua empresa»; «NN) Após medição referida em LL) é que a aqui Autora se apercebeu da desconformidade das áreas existentes»; A Recorrente alega que tais factos são contraditórios com os seguintes factos dados como não provados: «- Era imprescindível/essencial para a atividade a desenvolver no imóvel, que o mesmo tivesse a área constante da caderneta predial e da certidão da CRP»; «- A ora Autora só aceitou proceder à liquidação do valor acordado no âmbito do contrato de locação financeira, porque partiu do pressuposto que a área do imóvel era aquela que constava dos documentos que lhe foram apresentados e das informações que lhe foram prestadas pelas Rés». Na impossibilidade de contradição, conforme referido, também aqui afigura-se que a factualidade dada como não provada não se revela supérflua. A factualidade não provada refere-se à área do imóvel como elemento essencial do negócio para a A. e pressuposto do mesmo para ela, ao passo que a factualidade provada respeita ao momento em que a A. tomou conhecimento da desconformidade de áreas, sendo que do ponto de vista lógico nada obsta que em momento anterior tenha entendido de realizar tal negócio, por ele satisfazer os seus interesses, desconsiderando em absoluto a efetiva área do imóvel. Improcede, deste modo, mais uma vez a pretensão da Recorrente. 3.2.4. Dos factos provados BB, CC e LL e não provado. (Conclusões EEE e III das alegações de recurso). O Tribunal recorrido deu como provado na matéria em causa que: «BB) No âmbito do referido Contrato de Locação Financeira Imobiliária ficou contratualmente estabelecido e definido entre as partes, o seguinte: (i) O imóvel objecto do contrato de locação financeira imobiliária destinava-se e seria afeto à atividade da sociedade locatária (cfr. cláusula 2ª das Condições Particulares); (ii) O valor global do contrato é de €125.459,40 (cento e vinte e cinco mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e quarenta cêntimos) correspondendo o valor da aquisição a €115.000,00 (cento e quinze mil euros), o valor de €9.259,41 (nove mil duzentos e cinquenta e nove euros e quarenta e um cêntimos) ao IMT e a importância de € 1.199,99 (mil cento e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos) a provisão para encargos notariais e registos (cfr. cláusula 3ª das Condições Particulares); (iii) O prazo da locação financeira é de 180 (cento e oitenta meses) e o valor das rendas mensais a liquidar seria o seguinte: uma 1ª prestação no montante de €10.459,40 (dez mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e quarenta cêntimos) e as 2ª a 180º prestações no montante de €731,60 (setecentos e trinta e um euros e sessenta cêntimos) – (cfr. cláusulas, 4º, 5 e 6 das Condições Particulares); (iv) O valor residual do contrato corresponde a €2.509,20 (dois mil quinhentos e nove euros e vinte cêntimos), correspondendo o preço de venda a final a esse montante (cfr. cláusula 7ª das Condições Particulares); (v) Por exigência do vendedor e a solicitação do locatário, ficou consignado na escritura de compra e venda que o locador adquiriu o imóvel supra referido, no estado e condições em que atualmente se encontra, situação esta que é do seu perfeito conhecimento e por si aceite, não podendo, por este facto, vir a invocar vícios ou a falta de qualidade do imóvel, nem exigir a reparação ou substituição do mesmo, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 913º e seguintes do Código Civil, reconhecendo ainda que o preço acordado para a transmissão do imóvel já reflete o seu atual estado de conservação (cfr. cláusula 19ª das Condições Particulares e nº 2 da Cláusula 1ª das Condições Gerais); (vi) Com a celebração do presente contrato, o locatário entra na posse do imóvel locado podendo usá-lo para os fins previstos (nº 3 da Cláusula 1ª das Condições Gerais). Dispondo o n.º 2 da cláusula 1.ª das Condições Gerais que: CC) “(…) O Imóvel é adquirido pelo Locador desocupado e livre de quaisquer ónus e encargos, por expressa solicitação e negociação do Locatário, reconhecendo este que o mesmo possui as características necessárias e adequadas à sua utilização para os fins pretendido, pelo que assume, plenamente, a responsabilidade da sua escolha, não respondendo o locador pelos vícios do Bem Locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato.”»; «LL) Em meados de Abril de 2019 e no decurso das deslocações que foram realizadas pela sociedade empreiteira à fração autónoma, com vista à preparação e definição dos trabalhos, ao procederem à medição da área do imóvel, constataram que a mesma era apenas de 97,71m2 e não de 137,95m2». Da decisão recorrida consta como não provado que: «- A referida fração autónoma foi adquirida pela A … Lda., aqui A., no pressuposto de que a área indicada nos documentos relativos ao imóvel, no relatório de avaliação elaborado a pedido da C … CRL, e, ainda, na comercialização do imóvel era de 137,95 m2, isto porque, essa dimensão era essencial para que a A … Lda. pudesse aí instalar o seu escritório e os seus serviços administrativos»; «Só naquela data, aquando da elaboração do projeto de adaptação, isto é, em Maio de 2019, e após medição, é que a aqui Autora se apercebeu da desconformidade das áreas existentes». Conforme referido, pela sua própria natureza, inexiste qualquer contradição entre factos provados e não provados. Os factos provados BB e CC referem-se a matéria substancialmente diversa daquela primeira factualidade dada como não provada: ali considera-se os termos do contrato de locação financeira imobiliária, ao passo que aqui alude-se a «pressuposto» negocial e à «dimensão» do imóvel como elemento «essencial» do negócio. Diversamente, o facto provado NN e o outro indicado facto dado como não provado referem-se à mesma realidade, pois respeitam ao momento em que a A. teve conhecimento da discrepância de áreas: aquele indica que tal sucedeu após «meados de abril de 2019», tendo o Tribunal recorrido dado como não provado que tal conhecimento da A. tenha sucedido «só (…) em maio de 2019», no que não se vislumbra qualquer elemento desmedido na matéria, sendo que a factualidade em causa tinha relevância designadamente para conhecimento da exceção perentória de caducidade do direito da A. Nesta sede, improcede, assim, também o recurso. 3.3. Dos factos não provados. (Conclusões A, B, F, H, J a Z, CC, GG, II, KK a PP, VV a BBB, HHH, JJJ, LLL, MMM a PPP das alegações de recurso). Nesta sede, a Recorrente entende que os factos não provados deveriam ter sido dados como provados. Ora, o Tribunal recorrido deu como não provado que: «[1.] - A referida fração autónoma foi adquirida pela A … Lda., aqui A., no pressuposto de que a área indicada nos documentos relativos ao imóvel, no relatório de avaliação elaborado a pedido da C … CRL, e, ainda, na comercialização do imóvel era de 137,95 m2, isto porque, essa dimensão era essencial para que a A … Lda. pudesse aí instalar o seu escritório e os seus serviços administrativos; [2.] - Quer o preço liquidado pela C … CRL, à B …, S.A., quer o financiamento efetuado pela sociedade Autora junto da C … CRL, teve por base à área constante do relatório de avaliação efetuado pela C … CRL, financiamento esse que foi calculado para uma fração autónoma com uma área de 137,95m2; [3.] - Ao ser confrontado perante esta situação, em 22 de maio de 2019, o legal representante da A … Lda. interpelou a C … CRL, sobre esta questão, sem que até à presente data, tenha recebido qualquer resposta; [4.] - Tal desconformidade de áreas era do total desconhecimento da aqui A. aquando da celebração do contrato de locação financeira; [5.] - Sendo do conhecimento inequívoco, pelo menos, do proprietário do imóvel, conforme se pode comprovar pelo certificado energético que foi apresentado à ora 1ª Ré, C … CRL, na data da celebração da escritura de compra e venda; [6.] - Só naquela data, aquando da elaboração do projeto de adaptação, isto é, em Maio de 2019, e após medição, é que a aqui Autora se apercebeu da desconformidade das áreas existentes; [7.] - Era imprescindível/essencial para a atividade a desenvolver no imóvel, que o mesmo tivesse a área constante da caderneta predial e da certidão da CRP; [8.] - A ora Autora só aceitou proceder à liquidação do valor acordado no âmbito do contrato de locação financeira, porque partiu do pressuposto que a área do imóvel era aquela que constava dos documentos que lhe foram apresentados e das informações que lhe foram prestadas pelas Rés; [9.] - A Ré B …, S.A., tinha plena consciência desta divergência de áreas, nada tendo referido quer à autora quer à 2ª ré; [10.] - A Ré Locadora não teve o cuidado de aferir e concretizar a medição efetiva da área do imóvel, fazendo com que a aqui A. procedesse à celebração do Contrato de Locação Financeira com base em pressupostos errados sobre as características essenciais do imóvel, características essas que eram fundamentais e essenciais para que aquela pudesse desenvolver a atividade e fim pretendido para o imóvel em causa; [11.] - A autora não teria adquirido o imóvel referido se soubesse que o mesmo não tinha a área suposta; [12.] - As rés não podiam desconhecer que a autora só procedeu à contratação do financiamento pelos valores constantes do contrato de locação financeira porque partiu do pressuposto de que a aérea do imóvel era a que constava dos documentos; [13.] - As rés sabiam, ou deviam saber, que a área do imóvel era essencial para que a autora exercesse a sua atividade nos termos pretendido; [14.] - Caso a autora tivesse conhecimento da discrepância das áreas teria optado por celebrar o negócio, mas por um preço substancialmente inferior e diretamente proporcional à real e efetiva da fração autónoma; [15.] - Considerando a área da fração, 97,71 m2, o valor de mercado desta não seria superior a 70.000,00euros». (Para facilidade expositiva, enumeram-se os factos, diversamente do que consta da decisão recorrida). Na matéria, em sede de «motivação» da decisão recorrida, com pertinência nesse domínio, consta daquela decisão que: As «(…) testemunhas E … e F …, funcionárias da empresa “M … Lda.”, a mediadora que interveio no negócio, (…)» referiram «que durante as negociações nunca foi referido a dita área [de 137,95 metros quadrados] pelo gerente da autora; nunca foi tema; não se falou disso. (…) Relativamente à matéria factual não provada nesta lide, a sua desconsideração adveio, no essencial, da ausência de meios de prova suficientes passíveis de a corroborar com um mínimo de plausibilidade, ser conclusiva e de direito, meramente impugnatória e argumentativa ou ainda irrelevante para a decisão». Por sua vez, a Recorrente entende que aquela factualidade dada como não provada deve ser considerada provada, fundamentando o seu entendimento, em suma, nas suas declarações de parte, nos depoimentos das testemunhas E …, F …, G… e H …, em documentos juntos pelas partes e no relatório pericial constante dos autos. Analisemos. Está designadamente em causa saber se para a A. a área de 137,95 m2 do imóvel em causa constituía elemento essencial da venda/financiamento a que se referem os autos e se tal era do conhecimento das RR. ou, pelo menos, se estas não deviam ignorar aquela essencialidade. Conforme referido, este Tribunal da Relação ouviu integralmente toda a prova pessoal produzida e apreciou toda a documentação junta aos autos, bem como o relatório pericial deles constante. Na ponderação conjunta de tais elementos probatórios, segundo as regras da lógica e da experiência comum, entende-se de manter a factualidade dada como não provada pelo Tribunal recorrido nos seus precisos termos. Com efeito, no pertinente à decisão de mérito da causa, apenas das declarações de parte da A. resulta que para esta a área do imóvel constituía elemento essencial do negócio e que a A. estava em erro nessa matéria aquando da celebração do negócio. Contudo, a prova testemunhal infirma tais declarações: - A testemunha E …, comercial da empresa mediadora do negócio de compra e venda, expressamente referiu que a questão da área não foi abordada nas negociações havidas com a A. quanto à compra e venda a que se referem os autos, conforme designadamente minutos 03:49 a 04:08 do respetivo depoimento; - A testemunha F …, jurista, encarregada da contratação por parte da mediadora, foi perentória em referir que a questão da área do imóvel nunca foi tema então abordado com a A., conforme designadamente minutos 02:30 a 03.05 do seu depoimento; - A testemunha I …, gerente da mediadora, referiu espontaneamente que nunca foi abordada com a A. a questão da área do imóvel, conforme designadamente minutos 03:35 a 04.00. Ou seja, se a área do imóvel era essencial para a A./Recorrente, conforme a mesma refere e o seu gerente o declarou em audiência, por certo que tal não deixaria de ser referido aquando das negociações de compra e venda do mesmo imóvel. Ora isso não sucedeu, conforme decorre claramente do depoimento das indicadas testemunhas, não podendo, pois, ter-se por provada a matéria em causa a partir tão-só das declarações de parte, mesmo a partir de presunções judiciais ou legais, conforme alegado pela Recorrente. Por outro lado, os documentos juntos pelas partes não corroboram minimamente as referidas declarações de parte. Designadamente, embora na prova pessoal produzida em audiência haja alusões ao Certificado Energético, o certo é que o mesmo não foi junto aos autos, sendo que consta referência ao mesmo em email enviado à A. em data anterior aos contratos de compra e venda e locação financeira, conforme documento n.º 1 da contestação da R. CAIXA. O Relatório de Avaliação Imobiliária junto, documento n.º 5 da petição inicial, revela-se inócuo quanto à alegada essencialidade do erro da A.: se é certo que a avaliação é feita considerando a área do imóvel como de «137,95» m2, nada se diz em matéria de erro, sendo que a avaliação concluiu que o valor do imóvel no seu «estado atual» é de «€157.500», muito superior ao valor transacionado, €115.000,00, referindo ainda tal avaliação que a prospeção de mercado feita encontrou um imóvel de idênticas características ao avaliado, com a área de 95 m2, com o valor de venda de €155.000,00, conforme facto provado S). Finalmente, quanto ao relatório pericial constante dos autos, junto aos autos em 17.08.2022, também dele nada é possível concluir quanto à essencialidade para a A. da área do imóvel transacionado, não decorrendo dele sequer que em fevereiro de 2019 tal imóvel tivesse no mercado imobiliário o valor comercial de €81.544,00. Com efeito, o valor de €81.544,00 nele indicado parte de duas premissas: (i) que a área do imóvel é de 97.71m2 e (ii) que à data o valor de mercado cifrava-se em €833,64 o metro quadrado, quantia que foi alcançada na divisão do valor transacionado pelas partes pelo número de metros quadrados considerados na transação (€115.000:137,95). Ora, se é certo que aquela primeira premissa revela-se certa, o mesmo não se diga da segunda: se o propósito era saber do valor de mercado, haveria que considerar tal e não o valor que as partes transacionaram, sendo que na matéria importa não olvidar, conforme referido e consta do referido Relatório de Avaliação Imobiliária, que a prospeção de mercado feita no âmbito daquela avaliação encontrou um imóvel de características idênticas ao transacionado nos autos com a área de 95m2, no valor de venda de €155.000,00, e concluiu por um valor de mercado de €1.114,72/metro quadrado, (€157.500:137,95), aspetos que o relatório pericial de todo em todo não considerou, limitando-se o mesmo a proceder a uma regra de três simples com uma das premissa incorreta. Do mesmo modo, tal relatório pericial não teceu qualquer consideração quanto ao valor patrimonial do imóvel em causa à data do negócio a que referem os autos, €142,452,45, conforme facto provado X), substancialmente superior ao valor da transação, limitando-se tão-só a juntar a respetiva caderneta predial urbana sem qualquer ponderação na matéria. Neste contexto, nos termos do disposto no artigo 466.º, n.º 3, do CPCivil, na apreciação livre das declarações de parte da A. e no cotejo da demais prova produzida nos autos conforme exposto, conclui-se, pois, não poderem, nem deverem, ser valoradas in casu tais declarações de parte nos termos pretendidos pela A., Recorrente. Em suma, improcede o recurso da decisão de facto da Recorrente. * * * Em função do exposto, este Tribunal da Relação de Lisboa tem, pois, como provada a seguinte factualidade: A) A B … S.A., aqui 1.ª Ré, era proprietária da fração autónoma designada pela letra …, correspondente ao primeiro andar direito, destinado a escritório, do prédio urbano sito na Rua …, nºs … e …- …, Avenida …, nº … e Rua …, nº …, da freguesia de Penha de França, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …; B) A B …, S.A. estava a proceder à comercialização do referido bem imóvel através das sociedades de mediação imobiliária, “M …, Lda.” e “N …, Lda.”; C) A referida fração autónoma encontrava-se à venda pelo montante de €119.700,00 e fazia-se referência nos anúncios publicados para comercialização do imóvel que este tinha uma área de 138m2; D) A sociedade A … Lda.., aqui A., é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objeto a atividade de exploração turística em áreas protegidas; E) A autora apresentou à ré B … S.A., uma proposta de aquisição da fração referida em A), proposta que foi aprovada pelo Conselho de Administração da ora Ré na data de 6 de dezembro de 2018, data em que a “M … Lda.” é informada dessa aprovação; F) A 10 de dezembro de 2018 iniciaram-se as conversações entre ambas as mediadoras envolvidas, tendo sido enviados os documentos do imóvel e a minuta de Contrato Promessa de Compra e Venda (CPCV) pela “Altamira” para a devida análise da “M … Lda.” - cfr documento junto a fls. 94 verso a 96 dos autos; G) A 12 de dezembro de 2018 é assinado o CPCV entre Autora e ora Ré e remetida cópia via email para tratamento da “Altamira”, tendo posteriormente sido rececionadas as vias originais, para assinatura e devolução de uma das vias, conforme CPCV junto a fls. 96 verso a 100 e cujo teor se dá por reproduzido; H) O sinal do contrato-promessa foi pago através de transferência bancária de uma conta aberta na Ré CCCAM, mas conta essa pertencente à Autora; I) Em 14 de dezembro de 2018, o gerente da Autora e seu representante legal - Dr. G … – remeteu à Dr.ª F …, da sociedade de mediação imobiliária, a comunicação junta a fls. 85 verso em que se lê: “Bom dia, Junto envio comprovativo de transferência. Hoje segue o contrato assinado por Correio Cumprimentos, G …” Tendo a mensagem sido acompanhada pelo comprovativo de transferência bancária da Autora para a Ré B … S.A., no valor de €11.500 (onze mil e quinhentos euros); J) Para efeito de adquirir a fração autónoma referida em A) a autora apresentou, em janeiro de 2019, junto da Caixa Central – C … CRL, aqui 2.ª Ré, uma proposta para a obtenção de um financiamento com vista à celebração de um Contrato de Locação Financeira Imobiliária; L) Proposta esta que veio a ser deferida e aceite pela Caixa Central – C …., CRL; M) A Autora comunicou à “M … Lda.”, na data de 4 de janeiro de 2019, que a aquisição do imóvel seria efetuada com recurso ao Leasing Imobiliário através da C …, CRL; N) Na sequência de diligências destinadas à aquisição da fração em causa, o legal representante da autora deslocou-se uma vez à referida fração autónoma, a fim de verificar o estado de conservação em que a mesma se encontrava, tendo constatado que, a mesma necessitava de várias obras de conservação e manutenção, encontrando-se num estado de degradação acentuado, contudo, não obstante tal circunstância, manteve o interesse na concretização do negócio; O) No decurso do processo de aquisição da fração que se encontrava em curso na C … CRL, em 10 de Janeiro de 2019 foi realizado um relatório de avaliação ao imóvel por uma empresa contratada por esta entidade, mais concretamente, pelos peritos avaliadores J … e L … – cfr. documento junto a fls. 30 a 38 dos autos cujo teor se dá por reproduzido; P) No referido Relatório consta, designadamente do ponto 5 da declaração do Imóvel que “durante a nossa visita inspeccionámos visualmente o imóvel na data mencionada no relatório. A documentação fornecida para a realização desta avaliação é a indicada no respectivo anexo”; Q) E a documentação fornecida foi a caderneta predial e a certidão permanente – fls. 34 verso; R) Do Relatório de Avaliação consta, ainda, expressamente que não foi nem estimada nem considerada qualquer área diversa da que consta dos elementos de identificação do imóvel; S) A Prospeção de Mercado que consta de fls. 11/17 do Relatório de Avaliação, refere que, um Imóvel de idênticas características ao avaliado, mas com uma área de 95 m2, teria um valor de mercado de €155.000 (cento e cinquenta e cinco mil euros); T) Consta da parte final do Relatório em causa que: “Não assumimos responsabilidade por tudo o que não nos for revelado nem por ter recebido informação incompleta.” E ainda: “A presente avaliação considerou as informações fornecidas pelo Cliente ou obtidas por nós aquando das nossas diligências. O trabalho de avaliação assumiu o pressuposto de que essas informações são corretas e completas, e que não existem informações não partilhadas que possam afetar a avaliação realizada; U) Em 21 de fevereiro de 2019, a pedido da Ré CCCAM, o representante da Autora, Dr. G …, solicitou à Agência de Mediação Imobiliária, na pessoa da Dr.ª F …, vários elementos relativos ao Imóvel, entre os quais, o certificado energético, sendo que, na mesma data, a Dr.ª F … remeteu à Autora e à Ré CCCAM, o mencionado documento, conforme se verifica da troca de comunicações junta a fls. 84 verso/85. V) No dia 28 de fevereiro de 2019, no Cartório Notarial de Lisboa, situado na Rua …, …, Loja …, Lisboa, compareceram como outorgantes, a 1.ª Ré na qualidade de vendedora, e a Caixa Central – C … CRL, 2.ª Ré, na qualidade de compradora, com vista à celebração de escritura de contrato de compra e venda; X) No âmbito da referida escritura de compra e venda, a ali 1.ª Outorgante, B … S.A., vendia à ali 2.ª Outorgante, pelo preço de € 115.000,00 a fração autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao primeiro andar direito – escritório, do prédio urbano situado na Rua …, n.º … e …-…, Avenida …, n.º … e Rua …, n.º …, freguesia de Penha de França, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número mil e trinta e sete, da mesma freguesia, afeto ao regime de propriedade horizontal pela Ap. … de …/…/…1, estando a aquisição da fração registada a favor da sociedade vendedora pela Ap. … de …/…/…, encontrando-se o prédio inscrito na matriz da freguesia do Areeiro sob o artigo …, com o valor patrimonial, a referida fração, de €142.452,45; Z) Pela 2.ª Outorgante foi declarado que o imóvel objeto e melhor caracterizado na supra referida escritura se destinava a ser dado em locação financeira à sociedade A … Lda.; AA) Nessa mesma data – 28 de fevereiro de 2019 – e em ato imediatamente subsequente à celebração da escritura de compra e venda entre as ora Rés, foi celebrado entre a sociedade Autora e a ora 2ª Ré um Contrato de Locação Financeira Imobiliária, tendo por objeto a fração autónoma supra identificada; BB) No âmbito do referido Contrato de Locação Financeira Imobiliária ficou contratualmente estabelecido e definido entre as partes, o seguinte: (i) O imóvel objeto do contrato de locação financeira imobiliária destinava-se e seria afeto à atividade da sociedade locatária (cfr. cláusula 2ª das Condições Particulares); (ii) O valor global do contrato é de €125.459,40 (cento e vinte e cinco mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e quarenta cêntimos) correspondendo o valor da aquisição a €115.000,00 (cento e quinze mil euros), o valor de €9.259,41 (nove mil duzentos e cinquenta e nove euros e quarenta e um cêntimos) ao IMT e a importância de € 1.199,99 (mil cento e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos) a provisão para encargos notariais e registos (cfr. cláusula 3ª das Condições Particulares); (iii) O prazo da locação financeira é de 180 (cento e oitenta meses) e o valor das rendas mensais a liquidar seria o seguinte: uma 1ª prestação no montante de €10.459,40 (dez mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e quarenta cêntimos) e as 2ª a 180º prestações no montante de €731,60 (setecentos e trinta e um euros e sessenta cêntimos) – (cfr. cláusulas, 4º, 5 e 6 das Condições Particulares); (iv) O valor residual do contrato corresponde a €2.509,20 (dois mil quinhentos e nove euros e vinte cêntimos), correspondendo o preço de venda a final a esse montante (cfr. cláusula 7ª das Condições Particulares); (v) Por exigência do vendedor e a solicitação do locatário, ficou consignado na escritura de compra e venda que o locador adquiriu o imóvel supra referido, no estado e condições em que atualmente se encontra, situação esta que é do seu perfeito conhecimento e por si aceite, não podendo, por este facto, vir a invocar vícios ou a falta de qualidade do imóvel, nem exigir a reparação ou substituição do mesmo, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 913º e seguintes do Código Civil, reconhecendo ainda que o preço acordado para a transmissão do imóvel já reflete o seu atual estado de conservação (cfr. cláusula 19ª das Condições Particulares e nº 2 da Cláusula 1ª das Condições Gerais); (vi) Com a celebração do presente contrato, o locatário entra na posse do imóvel locado podendo usá-lo para os fins previstos (nº 3 da Cláusula 1ª das Condições Gerais). Dispondo o n.º 2 da cláusula 1.ª das Condições Gerais que: CC) “(…) O Imóvel é adquirido pelo Locador desocupado e livre de quaisquer ónus e encargos, por expressa solicitação e negociação do Locatário, reconhecendo este que o mesmo possui as características necessárias e adequadas à sua utilização para os fins pretendido, pelo que assume, plenamente, a responsabilidade da sua escolha, não respondendo o locador pelos vícios do Bem Locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato.”. DD) Em 28 de fevereiro de 2019 - data de celebração quer da escritura de compra e venda quer do contrato de locação financeira – a Autora entregou à Ré CCCAM a declaração junta a fls. 86 em que, sob o título “Declaração de dedução de sinal ao valor da primeira renda”, se lê: “Tendo a nossa sociedade “A … , Lda.” (…) entregue a título de sinal e princípio de pagamento, o valor de 11.500,00 €, à sociedade comercial anónima denominada “B …, S.A.” (…) no âmbito do contrato promessa de compra e venda relativo à fração autónoma designada pela letra “N” do prédio urbano constituído no regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.º … e …-…, Av. Eng. …, n.º … e Rua …, n.º …, freguesia de Penha de França, concelho de Lisboa (…) que constitui objeto do contrato de locação financeira imobiliária a celebrar com a CAIXA CENTRAL – C … , CRL (…), solicita-se que daquele valor de 11.500,00€: - A quantia de 1.937,99 € seja afeta/deduzida ao valor da primeira renda do contrato de locação financeira. - O remanescente no valor de 9.562,01 €, seja transferido para a nossa conta no Crédito Agrícola com o n.º ….”; EE) A caderneta predial da referida fração “N” indica, como área bruta privativa a área de “137,9500 m²”; FF) A informação predial simplificada da referida fracção “N” indica, também, como área bruta privativa a área de “137,9500 m²”; GG) A autora iniciou negociações com as mediadoras para aquisição da fração autónoma por esta corresponder exatamente àquilo que era por si pretendido para satisfação das necessidades da sua empresa; HH) A partir da aceitação pela C… CRL, a proposta feita pela autora para financiamento da aquisição da fração foram encetados todos os contactos e diligências necessárias entre esta entidade e a sociedade de mediação imobiliária com vista à entrega da documentação necessária para a avaliação do imóvel, para a aprovação do financiamento e, finalmente, para a escritura de compra e venda a celebrar entre a C … CRL, e a B …, S.A, aqui RR; II) Após a celebração do contrato de locação financeira imobiliária, atendendo a que, o imóvel necessitava de profundas obras de conservação e beneficiação com vista à sua aptidão para o exercício da atividade da A … Lda., em meados / finais de abril de 2019, esta sociedade decidiu encetar contactos com a sociedade D …, LDA., a fim de proceder à execução das obras necessárias na referida fração; JJ) E, em 14 de maio de 2019, foi celebrado entre estas duas entidades um contrato de empreitada com vista à execução dos trabalhos constantes da listagem anexa, no âmbito do qual, foi despendida a quantia de € 18.651,07 – fls 51 a 53 dos autos; LL) Em meados de Abril de 2019 e no decurso das deslocações que foram realizadas pela sociedade empreiteira à fração autónoma, com vista à preparação e definição dos trabalhos, ao procederem à medição da área do imóvel, constataram que a mesma era apenas de 97,71m2 e não de 137,95m2, MM) Após as obras de conservação necessárias realizadas no referido imóvel, concluiu-se que o espaço não era[1] suficiente para a atividade pretendida pela A … Lda.; NN) Após medição referida em LL) é que a aqui Autora se apercebeu da desconformidade das áreas existentes; OO) Por missiva datada de 13 de Setembro de 2019, dirigida à ora Ré, B …, S.A., a ora Autora veio denunciar tal situação à primitiva proprietário, encontrando-se igualmente disponível para este assunto ser resolvido de forma extrajudicial; PP) Sem qualquer resposta por parte da aqui Ré, a A. por missiva datada de 16 de outubro de 2019, veio reiterar pedido de resposta ao anteriormente solicitado, assim como sublinhar a sua disponibilidade para realização de uma reunião para discussão do presente quadro; QQ) Por comunicação datada de 18 de dezembro de 2019, a B … S.A., veio demonstrar a sua disponibilidade para se proceder à análise e tratamento do tema em questão, porém, a verdade é que, apesar de se ter proposto o agendamento de uma reunião, a mesma nunca chegou a realizar-se; RR) O contacto efetuado pela Autora junto da Ré CCCAM foi apenas para solicitar a celebração de um contrato de locação financeira imobiliária para aquisição daquele Imóvel específico, pelo preço acordado de €115.000 (cento e quinze mil euros); SS) A avaliação efetuada pela Ré CCCAM ao Imóvel apenas serviu para verificar se o valor de mercado do bem, permitia um financiamento nas condições solicitadas pela Autora; TT) O valor do financiamento teve por base o valor do Imóvel indicado pela Autora e que esta já havia acordado com a Ré B … S.A. no âmbito do CPCV celebrado, sem que a Ré CCCAM conheça ou tenha de conhecer os elementos que o determinaram. * Este Tribunal da Relação de Lisboa tem como não provado que: 1. A referida fração autónoma foi adquirida pela A … Lda., aqui A., no pressuposto de que a área indicada nos documentos relativos ao imóvel, no relatório de avaliação elaborado a pedido da C … CRL, e, ainda, na comercialização do imóvel era de 137,95 m2, isto porque, essa dimensão era essencial para que a A … Lda. pudesse aí instalar o seu escritório e os seus serviços administrativos; 2. Quer o preço liquidado pela C … CRL, à B …, S.A., quer o financiamento efetuado pela sociedade Autora junto da C … CRL, teve por base à área constante do relatório de avaliação efetuado pela C … CRL, financiamento esse que foi calculado para uma fração autónoma com uma área de 137,95m2; 3. Ao ser confrontado perante esta situação, em 22 de maio de 2019, o legal representante da A … Lda. interpelou a C … CRL, sobre esta questão, sem que até à presente data, tenha recebido qualquer resposta; 4. Tal desconformidade de áreas era do total desconhecimento da aqui A. aquando da celebração do contrato de locação financeira; 5. Sendo do conhecimento inequívoco, pelo menos, do proprietário do imóvel, conforme se pode comprovar pelo certificado energético que foi apresentado à ora 1ª Ré, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo na data da celebração da escritura de compra e venda; 6. Só naquela data, aquando da elaboração do projeto de adaptação, isto é, em Maio de 2019, e após medição, é que a aqui Autora se apercebeu da desconformidade das áreas existentes; 7. Era imprescindível/essencial para a atividade a desenvolver no imóvel, que o mesmo tivesse a área constante da caderneta predial e da certidão da CRP; 8. A ora Autora só aceitou proceder à liquidação do valor acordado no âmbito do contrato de locação financeira, porque partiu do pressuposto que a área do imóvel era aquela que constava dos documentos que lhe foram apresentados e das informações que lhe foram prestadas pelas Rés; 9. A Ré B …, S.A., tinha plena consciência desta divergência de áreas, nada tendo referido quer à autora quer à 2ª ré; 10. A Ré Locadora não teve o cuidado de aferir e concretizar a medição efetiva da área do imóvel, fazendo com que a aqui A. procedesse à celebração do Contrato de Locação Financeira com base em pressupostos errados sobre as características essenciais do imóvel, características essas que eram fundamentais e essenciais para que aquela pudesse desenvolver a atividade e fim pretendido para o imóvel em causa; 11. A autora não teria adquirido o imóvel referido se soubesse que o mesmo não tinha a área suposta; 12. As rés não podiam desconhecer que a autora só procedeu à contratação do financiamento pelos valores constantes do contrato de locação financeira porque partiu do pressuposto de que a aérea do imóvel era a que constava dos documentos; 13. As rés sabiam, ou deviam saber, que a área do imóvel era essencial para que a autora exercesse a sua atividade nos termos pretendido; 14. Caso a autora tivesse conhecimento da discrepância das áreas teria optado por celebrar o negócio, mas por um preço substancialmente inferior e diretamente proporcional à real e efetiva da fração autónoma; 15. Considerando a área da fração, 97,71 m2, o valor de mercado desta não seria superior a 70.000,00euros. IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. (Conclusões A, B, I, JJ, NN, OO, QQ, UU, CCC, DDD e QQQ a QQQQ das alegações de recurso). Neste domínio, invocando o disposto nos artigos 251.º e 247.º do CCivil, a A., aqui Recorrente, peticiona a anulação parcial dos negócios jurídicos de compra e venda e de locação financeira imobiliária celebrados pelas partes por erro-vício Vejamos. No que aqui releva, o artigo 251.º do CCivil dispõe que «[o] erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira (…) ao objeto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º». Segundo o disposto artigo 247.º do mesmo CCivil, «[q]uando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro». O erro constitui uma falsa perceção da realidade por parte do sujeito: entre o entendimento deste quanto a uma dada realidade e esta propriamente dita há uma desconformidade. O erro-vício afeta a formação da vontade negocial, sendo que nos termos do apontado normativo a relevância do erro pressupõe que (i) a desconformidade entre a vontade negocial e a realidade respeite a elemento essencial do negócio do ponto de vista do declarante e que (ii) tal essencialidade seja conhecida do declaratário ou, pelo menos, que este tivesse o dever de não a ignorar. Em conformidade com o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CCivil, o ónus da prova dos factos integradores de tais pressupostos incumbe àquele que suscita a anulabilidade do negócio por erro-vício. Como refere Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, edição de 2017, página 580, «[o] negócio só é anulável por erro sobre a pessoa ou sobre o objeto se esse erro for tal que sem ele a parte o não teria celebrado ou não o teria celebrado com a quele conteúdo. É esse o sentido da essencialidade a que se refere o artigo 247º (…). Mais precisamente, a essencialidade não é do erro, mas antes do elemento do negócio sobre o qual o erro incidiu. (…)». «Mas não é suficiente a essencialidade: é necessário ainda que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre o qual o erro incidiu». «A parte que errou tem, pois, o ónus de demonstrar este duplo requisito: que se não tivesse ocorrido o erro, não teria celebrado o negócio ou não o teria celebrado desse modo, e que a outra parte sabia ou não devia desconhecer que assim era». No mesmo sentido refere Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCP, edição de 2014, páginas 594, 595 e 597, «[o] erro-vício é juridicamente relevante na medida em que seja causal ou essencial à celebração do negócio, isto é, determinante para a decisão de negociar (…)». «A exigência deste requisito geral de relevância justifica-se em homenagem à proteção dos interesses da contraparte no negócio jurídico. Admitir a invalidação de um negócio jurídico fundado na deficiente ou falsa representação da realidade passada ou contemporânea da celebração do negócio sem mais requisitos seria suscetível de introduzir graves perturbações na segurança jurídica e na estabilidade dos vínculos negociais (cf. artigo 406.º, n.º 1, do CC). Nesta medida, para que o negócio possa ser invalidado, exige-se a demonstração pela parte que negociou em erro da essencialidade do elemento sobre que recaiu o seu erro. Ao sujeito que negociou em erro incumbe, pois, a prova de que, a não haver ignorância ou falsa representação da realidade, não celebraria qualquer negócio ou, pelo menos, não celebraria o negócio com aquele conteúdo ou forma. Não sendo feita a demonstração da essencialidade ou causalidade do erro, o negócio é válido e não pode ser anulado com fundamento no erro-vício». «(…) A remissão para o regime plasmado no artigo 247.º é (…) uma remissão para o requisito particular de relevância jurídica (…): assim, para além de ser essencial ou causal, exige-se que a essencialidade do elemento sobre que recaiu o desconhecimento ou falsa representação da realidade passada ou presente relativamente ao momento de formação do negócio jurídico fosse do conhecimento, por parte do declaratário ou, pelo menos, não devesse ser ignorada por este. A eficácia anulatória está, assim, dependente da demonstração, pelo declarante, do conhecimento, por parte do declaratário, ou do dever de este não ignorar a essencialidade do motivo sobre que recaiu o erro do declarante. Precise-se que o conhecimento ou a cognoscibilidade refere-se à essencialidade do motivo sobre que incidiu o erro (e já não à existência do erro)». Na síntese expressiva do acórdão de 14.03.2023 do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 5872/20.0T8VNF-A.G1.S1, «não é a existência de um qualquer erro que pode causar consequências sobre a validade do negócio jurídico». «(…) Pressupostos relevantes da verificação do erro são, a essencialidade para o declarante e, a cognoscibilidade para o declaratário». Na situação em apreço. Muito embora a A., aqui Recorrente, tenha alegado factos integradores de tais pressupostos o certo é que os mesmos não resultaram provados, conforme designadamente factos não provados 1., 5., 7. 8, 9., 10., 11., 12., 13. e 14. A partir dos factos provados, mesmo com recurso a presunções não é possível concluir que área do imóvel constituía elemento essencial na vontade de contratar da A. e tal era conhecido ou cognoscível por parte das RR. Pelo contrário, tendo o legal representante da A. se deslocado ao imóvel e examinado este em data anterior ao negócio, manifestando interesse em contratar, configura-se não ser tanto a concreta área do imóvel que estava em causa, mas antes a situação e o estado do mesmo, bem como as suas capacidades em geral para satisfazer o objeto social da A. e os seus objetivos comjunturais, conforme designadamente factos provados D, O, BB, CC e GG. Embora a A. tenha agida em erro quanto à área do imóvel, conforme facto provado NN, não ficou demonstrado que tal elemento negocial fosse essencial no negócio em causa. Por outro lado, embora na factualidade apurada se refira um certificado energético, conforme facto provado U, nada ficou demonstrado quanto aos respetivos termos, sendo que o mesmo não consta dos autos, pelo que não pode concluir que as RR. conhecessem a discrepância de áreas, sendo que a área anunciada correspondia basicamente à constante do registo predial e caderneta predial, conforme factos provados EE e FF. A esta luz, carece de qualquer fundamento a alegada violação do dever de informação por parte das RR. e, desse ponto de vista, do princípio da boa-fé por parte das mesmas. A boa-fé constitui um padrão de conduta que reclama dos contraentes deveres de cooperação e, em particular, deveres de segurança, informação e lealdade próprios do sistema. Como refere Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, edição de 2017, página 269, a referência à boa-fé «equivale a uma remissão para os valores fundamentais do sistema, presentes nas situações consideradas. Os valores em causa são mediados, como é sabido, pelos princípios da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente (…). O seu alcance é inesgotável. Analiticamente, ela origina deveres de segurança, de informação e de lealdade, como referido e em termos hoje pacíficos na jurisprudência. (…) No mesmo sentido refere Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCE, edição de 2018, páginas 1030 e 1031, «[r]eleva-se a aceção objetiva da boa-fé, enquanto norma de conduta ou critério do agir humano. (…) A diretriz proclamada titula um limite à liberdade negocial (cfr. artigo 405.º), determinando os sujeitos a atuar, na realização do direito e no cumprimento das obrigações correspondentes, de forma reta, leal e honesta, observando elevados padrões de lisura e de probidade, e em termos que contemplem o interesse da contraparte. (…)». Também no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2016, processo n.º 2683/12.0TJLSB.L1.S14654D, «[a] imposição do princípio da boa-fé como regra de conduta, abarca um conjunto de deveres que incluem, entre vários outros, os de informação, de proteção e de lealdade, que visam, no essencial, proteger a confiança (…)». «(…) A boa-fé contratual impõe uma conduta conscienciosa e honesta, uma linha de correcção e probidade, um comportamento de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade, que gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos, expressamente, no texto contratual, nomeadamente, os deveres de informação, guarda e restituição, segredo, clareza e proteção, conservação e lealdade (…), de modo a não serem alcançados resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar». Ora, levando em conta a factualidade apurada não se vislumbra que as RR. tenham in casu violado a boa-fé contratual, nomeadamente o dever de informação que o caso exigia. Concluindo, por não verificados, pois, os respetivos requisitos, carece de fundamento a pretendida anulação dos negócios jurídicos em causa e seus efeitos, por erro-vício. Em suma, improcede o recurso da A. * Quanto às custas do recurso. Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, «[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for». Ora, in casu improcede na totalidade o recurso, pelo que sendo a A./Recorrente parte vencida no recurso, as custas deste serão integralmente suportados pela A./Recorrente. V. DECISÃO. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, pelo que mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. As custas do recurso serão suportadas pela A./Recorrente. Lisboa, 10 de outubro de 2024 Paulo Fernandes da Silva João Vaz Gomes Rute Sobral [1] Da decisão não consta o termo «era», o que constitui um manifesto lapso de escrita que ora se supra, conforme artigo 249.º do CCivil: |