Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19754/22.7T8SNT-A.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PRAZO PARA PRONÚNCIA
DECISÃO DEFINITIVA
USO INDEVIDO DE INJUNÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO DE EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Nos termos do art.º 23º da Lei do Apoio Judiciário, se o requerente do apoio judiciário devidamente notificado para efeitos de audiência prévia, não se pronunciar no prazo que lhe for concedido, a proposta de decisão converte-se em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação.
2- E tratando-se de decisão definitiva sem que haja lugar a nova notificação, essa não notificação não integra fundamento para os embargos à execução, previsto no art.º 14º-A nº 2, al. a) do DL 269/98, por não constituir uma excepção dilatória de conhecimento oficioso nem uso indevido do procedimento de injunção.
3- As alterações introduzidas por força do art.º 7º da Lei 117/2019, de 13/09, ao DL 269/98, e ao art.º 857º do CPC, na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional nº 264/2015, visaram essencialmente a superação do juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional sobre as anteriores normas do nº 1 do art.º 857º do CPC, relativas aos fundamentos de oposição à execução baseada no requerimento de injunção.
4- O uso indevido do procedimento de injunção ocorre no caso de o respectivo pedidonão se ajustar ao seu valorou finalidadenos termos previstos no art.º 7º do diploma anexo ao DL 269/98: cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a 15.000€, bem como as obrigações emergentes de contratos decorrentes de transações comerciais de valor superior àquele e sem limite máximo nos termos do DL 32/2003, de 17/02, na sua redacção actual.
5- No que toca ao conhecimento oficioso de excepções peremptórias, rege o artº 579º do CPC. São excepções peremptórias de que o tribunal pode conhecer oficiosamente, portanto sem necessidade de invocação pelo requerido, por exemplo a nulidade do contrato, ou de cláusulas contratuais gerais, o abuso de direito, a caducidade em matéria excluída da disponibilidade das partes.
6- A invocação, em sede de embargos à execução, de (alegadamente) não ser devida a totalidade da quantia exequenda ou a falta de interpelação admonitória a que se refere o art.º 808º do CC, não consubstancia matéria de excepção dilatória de conhecimento oficioso e, por isso, não se enquadra na previsão do art.º 14º-A nº 2, al. d) do diploma anexo ao DL 269/98.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.

S1-Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, que lhe move N Solutions, Lda, veio a executada, Segurança, Lda, deduzir oposição à execução, mediante embargos, requerendo a respectiva procedência e a extinção da execução.
Alegou, em síntese, que até ao presente não teve oportunidade de apresentar a sua defesa relativamente à factura que fundamentou a injunção e a presente execução, porque foi notificada do requerimento de injunção em 21/01/2022, em 05/02/2022 solicitou à Segurança Social apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e nomeação de patrono; em 04/04/2022 a Segurança Social notificou a ora embargante para em 10 dias apresentar documentos relativos à sua situação de insuficiência económica; o gerente da ora embargante não reclamou essa notificação, o que terminou com o indeferimento do apoio judiciário a 21/04/2022, vindo a ser aposta a fórmula executória na injunção.
Quanto aos factos relativos à emissão da factura que estão na base da injunção e consequente condenação no respectivo pagamento, alega que foi subcontratada pela Prc… para realizar trabalhos com vista à instalação de sistema videovigilância para as bilheteiras das estações da linha de Sintra, Azambuja e Algarve; por sua vez, a ora embargante subcontratou a N Solutions, Lda; porém a embargada não prestou pontualmente os serviços tendo sido a embargante quem teve de fornecer materiais no valor de 4 160€ mais IVA; além disso, pagou 3.500€ pelo preço de um veículo automóvel para a embargante e facultou cartões Galp Frota no valor de 900€, acordando ambas proceder a acerto de contas a final. A embargante foi ainda forçada a concluir serviços no valor de 4.000€.
A embargada tem conhecimento destas circunstâncias e, por isso, deduziu pretensão que sabia não ter fundamento; pelo que litiga de má-fé, devendo ser condenada em multa e em indemnização não inferior a 3.000€.
Requereu ainda a suspensão da execução, nos termos do art.º 733º nº 1, al. c) do CPC.

2- Por despacho de 16/01/2023, foi decidido:
Decisão:
Em face de todo o exposto, indefiro liminarmente a presente oposição à execução mediante embargos de executado.
Custas pela executada/opoente.”

3- Inconformada a executada/embargante interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I. O presente recurso vem interposto da decisão, proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, que, mediante despacho liminar, considerou inadmissível a oposição à execução deduzida pela ora recorrente, com os fundamentos nela vertidos.
Assim porque,
Analisada criticamente a oposição deduzida pela executada e os fundamentos em que a mesma alicerça a sua defesa concluímos que os mesmos não se enquadram em nenhuma das previsões elencadas no referido normativo legal, a saber: a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção; c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas; d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na
oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.
II. Decidiu o tribunal a quo aplicar o efeito preclusivo cominatório da falta de oposição ao requerimento de injunção, previsto pelo n.º 1 do art.º 14.º A do anexo ao DL n.º 38/2003, de 8 de Março, alterado pela Lei 117/2019 de 13/09, por considerar que não foram alegados quaisquer dos fundamentos previstos no n.º 2 da norma predita, nem do art.º 729.º do C.P.C. que permitiriam a oposição por embargos baseada em requerimento de injunção ao qual não foi deduzida oposição.
III. Para tanto, considerou que quanto ao primeiro segmento da oposição por embargos da embargante, ora recorrente, dedicado à vicissitude ocorrida no procedimento de injunção, referente à decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário, que a mesma, por se tratar de um procedimento autónomo, é alheia e irrelevante para o processo de execução.
IV. Porém, apesar da autonomia do procedimento de proteção jurídica em relação à causa a que respeite, a ora recorrente demonstrou que não foi efetivamente notificada da decisão efetiva.
V. A ora recorrente, procedeu ainda à junção do ofício da segurança social, o qual se limita a informar o procedimento de injunção que a proposta de decisão foi notificada à requerente do pedido, contudo, sem que tenha sido junto pelos serviços da segurança social no referido procedimento, qualquer documento comprovativo de envio à requerente de apoio judiciário, por carta registada, do mencionado ofício para exercício de audição prévia datado de 22/03/2022.
VI. Apesar do disposto no art.º 23.º a Lei 34/2004 de 29/07, competia aos serviços da segurança social que apreciaram o pedido de proteção jurídica, notificar a requerente do resultado desta mesma apreciação, mormente, mediante carta registada, dirigida para a sua sede social indicada no formulário do pedido, em cumprimento do previsto pelo (art.º 112º, n.º 1, al. a), do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex-vi do art.º 37º da LAJ), o que não o fizeram.
VII. Razão pela qual considera a ora recorrente que a referida falta de notificação da decisão efetiva que recaiu sobre o seu pedido de proteção jurídica, ao integrar um dos fundamentos deduzidos na sua oposição por embargos, corresponde à previsão elencada na al. a) do n.º 2 do art. 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, por traduzir uma exceção dilatória de conhecimento oficioso.
VIII. Por outro lado, o douto tribunal a quo, sustentou a sua decisão, essencialmente, acompanhando o entendimento perfilhado pelo Ac. TRP de 18.11.2021 relatado por Deolinda Varão, segundo o qual se afirma que “ Com as alterações efetuadas pela Lei nº 117/2009, de 13.9 foi superada a inconstitucionalidade da norma do art. 857º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, deixando de ter razão de ser a jurisprudência constitucional que a declarara quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual fora aposta fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art.º 20º, nº 1 da Constituição da República a [AC. do TC nº 274/15, de 12.5]”.
IX. O douto tribunal a quo, salvo o devido respeito, menos acertadamente, considera que o juízo positivo de inconstitucionalidade da norma do art.º 857.º, n.º 1 do C.P.C. foi superado pela alteração legislativa efetuada Lei n.º 117/2019 de 13.09.
X. Em súmula, partilham ambos os tribunais, a quo, e aquele cujo acórdão se transcreve na sua decisão recorrida (TRP de 18.11.2021 relatado por Deolinda Varão), do entendimento que a referida alteração legislativa, que incidiu igualmente sob o anexo DL n.º 269/98, de 01/09, veio colmatar a anterior omissão da advertência prévia do efeito preclusivo dos meios de oposição à pretensão do credor no âmbito da execução ulteriormente instaurada, e que estaria apontada pela jurisprudência constitucional, como sendo um dos fatores de incompatibilidade com o principio da proibição da indefesa, consagrado no art.º 20.º, n.º1 da constituição, atendendo que, o art.º 13.º do anexo ao diploma supramencionado, passando a consagrar a obrigatoriedade da notificação do requerimento indicar “o prazo para a oposição e a respetiva forma de contagem, bem a preclusão resultante da falta de tempestiva dedução de oposição, nos termos previstos no artigo 14.º-A;. (negrito nosso).
XI. Porém, considera a ora recorrente que, quer um, quer outro tribunal, não cuidaram de interpretar a norma alterada em harmonia com o juízo positivo de inconstitucionalidade, quanto à particular diferença entre os dois regimes, o referente ao cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes das relações de particulares entre si ou com empresas, e o regime próprio do relacionamento exclusivo entre empresas.
XII. De acordo com a perspetiva oposta à posição maioritariamente sufragada no Acórdão n.º 388/2013, deverá ser atribuído um sentido e um alcance diferenciados consoante o requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória tenha sido obtido no âmbito de um procedimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 euros, de acordo com o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, e publicado em anexo, ou haja resultado de um procedimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, e, ulteriormente, pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, que revogou parcialmente o primeiro.
XIII. O juízo de inconstitucionalidade que incidiu sobre a norma contida no artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, no tocante o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, na sua redação atual, não teve como fundamento primordial a omissão da advertência da cominação do efeito preclusivo da falta de oposição no procedimento injuntivo, desde logo, pelo facto do conhecimento de tal efeito já ser exigível a estes operadores económicos, atenta a condição profissional em que intervém.
XIV. Outrossim, prosseguiu o entendimento constitucional no sentido de adequar a necessária diferenciação das relações de particulares entre si e com empresas e as transações, exclusivamente, entre empresas, que desenvolvem atividade económica ou profissional autónoma, à modelação adotada pelo ordenamento processual civil assente no princípio segundo o qual a complexidade inerente às formas de processo admitidas é diretamente proporcional ao valor da causa.
XV. E, por assim ser, considerou que os efeitos cominatórios serão tão ou mais atendíveis quanto menos expressivo for o valor da obrigação em dívida e, por consequência, o possível impacto da solução adotada sobre a situação da pessoa contra a qual é instaurado o procedimento, de forma a que não comprometa, desproporcionalmente, o princípio do contraditório e as garantias de defesa.
XVI. Nessa medida, considera a ora recorrente que o tribunal a quo andou menos acertadamente, ao interpretar o art.º 857.º, n.º 1 no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória”, aos previstos pelo art.º 729.º e aos que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual, ainda que a obrigação seja decorrente de transações comerciais entre empresas e independentemente do valor da causa.
Sem prescindir,
XVII. A ora recorrente considera também que os fundamentos da sua oposição por embargos, são, ainda assim, suscetíveis de integrar, a previsão normativa da alínea a) e d) do n.º 2 do art.º 14.º A, que se reportam ao uso indevido do procedimento de injunção e a qualquer exceção perentória que pudesse ter sido invocada na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.
XVIII. Posto que, a recorrente alegou que a recorrida promove a cobrança da totalidade de uma fatura que sabe e não pode alegar desconhecer, não ser devida, nesse montante, atendendo ao necessário conhecimento da confissão efetuada pelo seu anterior gerente, utilizando, contudo, um procedimento extrajudicial, simplificado, que clama por fundamentação sucinta dos factos, e que se limita à mera identificação do documento contabilístico (fatura), e ainda,
XIX. Por não ter sido efetuada a interpelação admonitória, necessária para converter a mora em eventual incumprimento da obrigação, prevista no art.º 808.º do Código Civil.
XX. Podendo, salvo melhor entendimento, ser acolhida e admitida uma interpretação mais ampla, no sentido do “uso indevido do procedimento de injunção”, poder reportar-se a casos de uso abusivo e/ou censurável do procedimento.
XXI. Por último, os factos que consubstanciam a fundamentação dos embargos da ora recorrente, correspondem a matéria de natureza substantiva, que se prende, desde logo, com a inexistência do crédito invocado e, é suscetível de configurar uma exceção perentória que poderia ser invocada em sede de oposição à injunção.
XXII. Trata-se igualmente de matéria que o tribunal pode conhecer oficiosamente, uma vez que a conduta do atual gerente da recorrida, que não detinha o controlo da sociedade à data da relação material controvertida, é violadora do princípio da confiança das partes contratantes e atentatória das exigências da boa-fé objectiva.
XXIII. São ainda igualmente do conhecimento oficioso do tribunal, na medida em que foi alegado que toda a relação material controvertida terá ocorrido durante a gerência de JMV, entretanto falecido e, a presente cobrança de dívida está a ser efetuada pelo novo gerente da embargada, NSD, factos que constam da certidão permanente comercial da ora recorrida.
XXIV. Dívida que, como já anteriormente referido, é ainda inexistente, uma vez que a recorrida não ultrapassou a eventual mora, convertendo-a em incumprimento definitivo, através da interpelação admonitória prevista no art.º 808.º do Código Civil.
XXV. Pelo que, no caso sub judice, está preenchido o requisito previsto na alínea d) do n.º 2 do art.º 14.º A, “qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente”.
Nestes termos, deve ser revogada a decisão recorrida, por ter interpretado e aplicado incorretamente a previsão do art. 857.º do C.P.C., no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, às previsões nela constantes, por não considerar que oposição por embargos integra fundamentos que se enquadram na previsão da al. d) do art.º 14.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual, e ainda, que se por tratar de uma obrigação decorrente de uma transação comercial, nos termos do DL. n.º 62/2013, de 10/05, não lhe pode ser aplicável tal limitação de contraditório em ulterior execução, proferindo-se douto Acórdão que, contemplando as conclusões aqui elaboradas.

4- A exequente/embargada contra-alegou, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
I. Não é de acolher o Recurso apresentado pela Recorrente, visto que, não merece censura a Decisão do Tribunal a quo que indeferiu liminarmente a oposição à execução mediante embargos de executado.
II. Conforme indicado na Decisão daquele Tribunal: “Analisada criticamente a oposição deduzida pela executada e os fundamentos em que a mesma alicerça a sua defesa concluímos que os mesmos não se enquadram em nenhuma das previsões elencadas no referido normativo legal, a saber: a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção; c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas; d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.
III. Ora, o que pretende a Recorrente com os embargos é opor-se ao procedimento de injunção que teve por base o título executivo dos autos, isto porque, refere aquela que construiu a sua oposição com base em 2 segmentos, um relativo à vicissitude ocorrida no
procedimento de injunção e outro relativo à impugnação da matéria factual explanada no requerimento de injunção.
IV. Relativamente ao 1.º segmento indica a Recorrente (no seu ponto 4.) que o Tribunal considerou irrelevante todo o circunstancialismo por si carreado, todavia, não é verdade, pois a Decisão recorrida, debruçou-se de forma crítica, tendo decidido bem.
V. Aliás, as vicissitudes que ocorreram no procedimento de injunção, principalmente as que são relativas ao apoio judiciário e seus efeitos são alheias ao processo de execução.
VI. Foi a Recorrente notificada do procedimento de injunção e das consequências legais quanto à decisão de se opor ou não à injunção em causa, como é por si admitido no seu ponto 5.
VII. No seu ponto 6. refere a Recorrente que manifestou a sua vontade de deduzir oposição à injunção, pela junção aos autos de documento comprovativo de pedido de apoio judiciário, todavia, tal carece de veracidade, porquanto, o simples acto de juntar aquele documento não indica que pretendia opor-se, nem existe outro documento junto que o refira expressamente.
VIII. O que almejou a Recorrente (vide o seu ponto 7.) é que o prazo se considerasse interrompido e que o procedimento ficasse parado durante largos meses, como aconteceu.
IX. Refere ainda a Recorrente (no seu ponto 8.) que foi notificada pela Segurança Social, por correio postal com registo simples, para entregar documentação comprovativa da alegada situação de insuficiência económica, contudo, indica também (nos seus pontos 9.
a 11.) que não reclamou o recebimento daquela comunicação, o que levou a que a decisão se tornasse definitiva, tendo apenas tomado conhecimento desta pela presente via processual.
X. Ora, dir-se-á que a Recorrente tomou conhecimento de todas as cartas, missivas e correspondência ao longo do procedimento de injunção e até dos presentes autos, mas não teve conhecimento da carta enviada pela Segurança Social.
XI. Aquela carta foi remetida por correio postal com registo simples, pelo que, apenas por sua inércia não a recebeu, pois não a levantou junto dos CTT.
XII. Mais, a Recorrente sabia que tinha um pedido pendente na Segurança Social, logo tinha de ter sido diligente, a fim de acompanhar e saber em que fase o mesmo estava.
XIII. Não colhe a argumentação efectuada de que tenha ficado largos meses sem “saber” que não tinha recebido resposta da Segurança Social e considerou tal facto absolutamente normal, tendo em conta a cominação do art.º 23.º da Lei n.º 34/2004, de que a proposta de
decisão converter-se-ia em decisão definitiva, sem haver lugar a nova notificação.
XIV. Isto porque, a Recorrente sabia que tinha recebido aquela correspondência e quis foi nada fazer, pois tinha também conhecimento que não se encontrava em situação de insuficiência económica.
XV. Indica a Recorrente (no seu ponto 14.) que os serviços da Segurança Social não informaram o procedimento de injunção que aquela tinha sido notificada para exercer a sua audição prévia, porém, tal não é verdade, pois, em 4/04/22 o Balcão Nacional de
Injunções oficiou o Instituto da Segurança Social, tendo este respondido em 11/04/22, a informar que o processo se encontrava em fase de instrução, tendo sido enviado ofício de audiência prévia solicitando elementos em 18/03/22.
XVI. Depois, informou o Instituto o Balcão Nacional de Injunções que o pedido tinha sido indeferido.
XVII. Ora, pretende a Recorrente fazer alteração ao regime fixado na Lei n.º 34/2004, ao exigir que competia aqueles serviços notificarem-na do resultado dessa apreciação por carta registada, invocando o art.º 112.º, n.º 1, al. a) do CPA, aplicável ex vi art.º 37.º da LAJ, todavia, como bem sabe tal notificação não está prevista – vide art.º 23.º da Lei n.º 34/2004.
XVIII. Dir-se-á que, se a Recorrente se sentia prejudicada teria de ter recorrido para as instâncias competentes e não deduzir oposição à execução mediante embargos numa tentativa de contestar o procedimento de injunção que há muito se extinguiu.
XIX. Acompanha-se o Tribunal a quo quando indica que, “As vicissitudes ocorridas no âmbito do procedimento de injunção, no que ao pedido de apoio judiciário e seus efeitos concerne, são alheias ao processo de execução, na medida em que, como a própria executada/opoente refere, a notificação dos serviços da Segurança Social de 04.04.2022 (…) não foi rececionada pela executada (…)“em consequência, o expediente [sido] devolvido e, produzi[dos] os efeitos da predita notificação nos termos do art.º 249.º, n.º do CPC”, falta que lhe é imputável.”
XX. Vem a este título a Recorrente (nos seus pontos 17. a 19.) referir que ainda estaria em tempo de impugnar a decisão administrativa de indeferimento, não obstante, voltou, por inércia sua, a nada fazer.
XXI. Acrescentou o Tribunal recorrido que, “(…) a executada/opoente não alegou nem demonstrou ter impugnado a decisão da segurança social – comunicada ao procedimento injuntivo, sendo que juntou procuração a esse mesmo procedimento em 29.12.2022, sem que tivesse, também aí, suscitado qualquer questão.”
XXII. Pelo que, não merece acolhimento a tese da Recorrente de que as vicissitudes que invocou correspondem ao estabelecido no art. 14.º-A, n.º 2, al. a) do Decreto-Lei n.º 269/98, não se tratando de qualquer excepção dilatória de conhecimento oficioso.
XXIII. Refere a Recorrente que a decisão recorrida acompanhou essencialmente o entendimento perfilhado no Ac. TRP de 18.11.2021 e que no seu entender o juízo de inconstitucionalidade não foi superado no caso sub judice.
XXIV. Tece para o efeito, argumentos e interpretações, designadamente, ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 269/98, que, salvo o devido respeito, não têm suporte legal, doutrinal ou jurisprudencial, no que se refere ao facto de entender que parte do regime previsto naquele Diploma é aplicável também às transacções comerciais e outra parte será apenas aplicável às relações comerciais entre consumidores.
XXV. Concluindo (no seu ponto 46.) pela necessária manutenção do juízo de desconformidade constitucional da norma constante no art. 857.º do CPC quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos da oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual foi aposta fórmula executória, ainda que respeite a situações integradas no âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 62/2013.
XXVI. De frisar que, foi responsabilidade da Recorrente não ter realizado oposição ao procedimento de injunção e não tem correspondência nas situações que se pretende acautelar.
XXVII. Contrariamente ao indicado por aquela nos seus pontos 47. a 54., não existiu uma excepção peremptória que fosse invocável na oposição e de que o Tribunal pudesse conhecer oficiosamente.
XXVIII. A Recorrente conformou-se com a decisão proferida pela Segurança Social e desta não recorreu, não existindo qualquer irregularidade no procedimento de injunção, no qual foi aposta a respectiva fórmula executória.
XXIX. Conforme é referido no despacho do Tribunal a quo, “(..) tendo cessado a interrupção do prazo por força da comunicação da decisão de indeferimento do apoio judiciário e decorrido, novamente, o prazo para apresentação da defesa sem que a executada se tivesse pronunciado, foi aposta força executiva em 18.08.2022 ao requerimento de injunção que deu entrada no Balcão Nacional de Injunções em 10.12.2021, tendo-se formado validamente o título executivo.
XXX. “Mostram-se, assim, irrelevantes para estes autos as referidas vicissitudes, relativamente às quais, nos procedimentos que lhes são próprios, a executada, ora opoente, não reagiu.”
XXXI. E refere também aquele Tribunal que, “No caso dos autos, a exequente deu à execução um requerimento de injunção entregue no Balcão Nacional de Injunções em 10.12.2021e ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça em 18.08.2022, após a sociedade executada, aí requerida, ter sido pessoalmente notificada com a seguinte advertência:
O que acontece se não fizer nada no prazo de 15 dias
Se não pagar nem responder dentro do prazo:
• Não poderá dizer mais tarde por que motivos considera não ter a obrigação de pagar o valor que é exigido, com exceção dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro.
• O pedido de injunção vai ser suficiente para haver uma ação executiva em tribunal. Por causa dessa ação executiva contra si, os seus bens ou rendimentos podem vir a ser penhorados para pagar o valor que lhe é exigido.”
XXXII. Destarte, ao invés do invocado pela Recorrente (no seu ponto 55.), nos presentes autos não está preenchido o requisito estatuído no art.º 14.ºA, n.º 2, al. d), na medida em que, não foi invocada por aquela qualquer excepção peremptória que teria sido possível invocar na oposição e que o tribunal pudesse conhecer oficiosamente.
XXXIII. Pelo que, não merece qualquer reparo a decisão em apreço de que a oposição deduzida pela Recorrente é legalmente inadmissível, tendo sido indeferida liminarmente.
Nestes termos e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas. Venerandos Desembargadores, não deve o recurso merecer provimento e, em consequência, ser considerado improcedente e, em consequência, deverá manter-se a decisão recorrida.

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II-FUNDAMENTAÇÃO.

1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (art.ºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
- Se há fundamento para revogar decisão de indeferimento liminar dos embargos por:
i)- Não ter sido notificada à embargante, no procedimento de injunção, a decisão final de indeferimento do apoio judiciário;
ii)- Deficiente interpretação do art.º 857º do CPC e do artº 14º-A do Diploma Anexo ao DL 269/98;
iii)- Que os fundamentos invocados nos embargos podem constituir a alegação de uso indevido do procedimento de injunção;
iv)- Que os fundamentos invocados na petição de embargos constituem matéria de excepção peremptória de conhecimento oficioso.

Vejamos.
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2- Matéria de Facto.

Para além da matéria de facto que resulta do Relatório supra, que aqui se considera sem necessidade de voltar a reproduzir, acrescentam-se os seguintes pontos de factos invocados pela embargante na sua petição de embargos:
1.º A ora Embargante, não poderia deixar de iniciar a presente oposição, sem antes demonstrar que não teve, até ao presente, possibilidade de apresentar a sua defesa quanto aos factos que subjazem à emissão da fatura por parte da Exequente e, que fundamentou o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória.
2.º A aqui Embargante, foi notificada a 21.01.2022, do requerimento de injunção apresentado pela Embargada, através do qual foi peticionado o pagamento de uma pretensa dívida no valor de €22.921,91, com os seguintes fundamentos:
“1- A Requerente no exercício do seu comércio forneceu à Requerida, a pedido desta, os bens e serviços constantes da Factura infra descriminada, não tendo a Requerida, apesar de os receber como bons, pago os mesmos na data de vencimento daquela, a qual lhe foi atempadamente apresentada para o efeito.
2- Factura N.º FT M/116, emitida em 30/09/2020 e vencida em 30/09/2020, respeitante a: trabalhos realizados de acordo com a nossa Proposta de Orçamento PC-09-2010, de 26-02-2020 (Instalação de maciços e passagem de cabos para câmaras de vigilância no Parque Material Circulante da CP Algueirão), no valor de €21.015,68. Encontra-se em dívida o montante de €21.015,68, ao qual acresce €1.753,23, à taxa de juro comercial de 7,00% de 01.10.2020 a 10.12.2021.
3- Assim sendo, o montante em dívida na presente data ascende a €22.768,91.”
Cfr. transcrição dos fundamentos indicados pela ora Embargada no seu requerimento de injunção.
3.º Sucede que a Embargante, em virtude da situação de debilidade económica sentida à data, decorrente da redução de serviços durante o período pandémico, pediu a 05.02.2022, à Segurança Social, a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e ainda de nomeação de patrono.
4.º Interrompendo-se, consequentemente, o prazo de que dispunha para responder ao BNI, indicando os motivos impediam a sua obrigação de pagamento.
5.º No dia 04.04.2022, a Embargante foi notificada pela Segurança Social para, no prazo de 10 dias, proceder à junção dos documentos comprovativos da alegada insuficiência económica.
6.º Porém, o gerente de facto da Embargante, RT, efetivo responsável pela atividade da empresa, por se encontrar ausente da morada correspondente à sede da sociedade, não reclamou o recebimento da referida notificação.
7.º Em consequência, o expediente foi devolvido e, produziram-se os efeitos da predita notificação nos termos do art.º 249.º, n.º do CPC.
8.º O que culminou, a 21.04.2022, com a decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário efetuado pela Embargante.
9.º Assim, desconhecendo a Embargante que tinha sido notificada em sede de audiência prévia para instruir o seu pedido, não teve igualmente conhecimento da decisão definitiva de indeferimento do seu pedido de concessão de APJ, uma vez que, na falta de resposta, a proposta de decisão converte-se em decisão definitiva, sem haja lugar a nova comunicação.
10.º Pelo que, até à data da citação da presente execução, a Embargante aguardava por decisão da Segurança Social quanto ao seu pedido de concessão de APJ e, estaria convicta da interrupção do prazo de apresentação de resposta ao requerimento injuntivo.
11.º O que significa dizer que só nesta fase processual poderá apresentar a sua defesa quanto aos factos que constituem a relação material controvertida subjacente à emissão da fatura tal como configurados pela Embargada, propondo-se doravante a demonstrar que a dívida exequenda não lhe é exigível.” 
***
3- A Questão Enunciada: Se há fundamento para revogar decisão de indeferimento liminar dos embargos.

3.1- Por não ter sido notificada à embargante, no procedimento de injunção, a decisão final de indeferimento do apoio judiciário.

Segundo a embargante/recorrente não foi notificada da decisão definitiva do procedimento de apoio judiciário e, entende, não obstante o artº 23º da Lei 34/2004, os serviços da Segurança Social deviam tê-la notificada da decisão final de indeferimento nos termos do art.º 112º, al. a) do Código de Processo Administrativo.
E diz que essa falta de notificação integra o fundamento de embargos previsto no art.º 14º-A nº 2, al. a) do DL 269/98, por se traduzir numa excepção dilatória de conhecimento oficioso.
Será assim?
Em primeiro lugar cumpre salientar que como a própria recorrente reconhece na petição de embargos, não procedeu ao levantamento da carta de notificação, remetida pela Segurança Social, para juntar documentos sobre a sua alegada insuficiência económica e que, como ela própria menciona também nesse requerimento de petição de embargos, a falta de resposta a essa audição prévia determinada pela Segurança Social, torna definitiva a decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário.
Vejamos o que determina o artº 23º da Lei 34/2004, de 27/09, com as diversas alterações (Lei do Apoio Judiciário), com epígrafe “Audiência prévia”:
1 - A audiência prévia do requerente de protecção jurídica tem obrigatoriamente lugar, por escrito, nos casos em que está proposta uma decisão de indeferimento, total ou parcial, do pedido formulado, nos termos do Código do Procedimento Administrativo.
2 - Se o requerente de protecção jurídica, devidamente notificado para efeitos de audiência prévia, não se pronunciar no prazo que lhe for concedido, a proposta de decisão converte-se em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação.
3 – (…)”
Pois bem, este preceito está em consonância com o que é estabelecido no art.º 121º nº 1 do Código de Processo Administrativo (CPA) que determina, com epígrafe “Audiência prévia”:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 124.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.”
Ou seja, a audiência prévia, por escrito, ao requerente de apoio judiciário tem lugar quando o serviço da Segurança Social, a quem compete decidir sobre a pretensão de concessão de apoio judiciário, se prepara para indeferir total ou parcialmente esse pedido.
Por sua vez, o nº 2 daquele art.º 23º da Lei do Apoio Judiciário, determina que a proposta de decisão se converte em decisão definitiva sem que haja lugar a nova notificação, se o requerente do apoio judiciário, devidamente notificado para essa audiência prévia, não se pronunciar no prazo que lhe foi concedido.
Como refere Salvador da Costa (Apoio Judiciário, 10ª edição, 2022, pág. 80) “A solução prevista neste normativo conforma-se com a urgência que caracteriza este procedimento e não infringe o princípio da informação nem o do procedimento equitativo, porque o interessado é notificado com a cominação da referida cominação.
De resto, nos termos do art.º 86º nº 1 do CPA, é de 10 dias o prazo para os interessados apresentarem a resposta no âmbito da audiência prévia, o qual, conforme disposto nas alíneas a), b) e c) do seu art.º 87º começa a correr sem qualquer formalidade, nele não se incluindo o dia da notificação e se suspende aos sábados, domingos e feriados.
Por outro lado, acresce que nos termos gerais do art.º 249º nº 2 do CPC, a notificação efectuada por carta registada remetida para a sede da notificanda não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, presumindo-se a notificação feita no terceiro dia posterior ao do envio da carta ou no dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Daqui decorre que, à luz do que dispõe o referido art.º 23º da Lei do Apoio Judiciário, a decisão da Segurança Social tornou-se definitiva sem necessidade de nova notificação do indeferimento do pedido de apoio judiciário.
Acrescente-se que, no caso dos autos, o embargante/recorrente nem sequer alegou que impugnou junto do processo de injunção, aquela decisão da Segurança Social.

Por outro lado, tratando-se de decisão definitiva da Segurança Social e não tendo ela, como vimos, segundo a lei, de proceder a nova notificação ao requerente do apoio judiciário, não integra essa situação, contrariamente ao que a apelante pretende, fundamento para os embargos à execução previsto no art.º 14º-A nº 2, al. a) do DL 269/98, por não se traduzir numa excepção dilatória de conhecimento oficioso.
Recordemos o que determina o art.º 14º-A do DL 269/98, com epígrafe “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição”:
1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos nºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.”
Na verdade, decorre do disposto no prémio do nº 2 e do corpo da alínea a), que a referida preclusão não abrange a alegação do uso indevido do procedimento de injunção nem a ocorrência de outras excepções dilatórias de conhecimento oficioso.
O uso indevido do procedimento de injunção ocorre nos casos de o respectivo pedido não se ajustar ao seu valor ou finalidade e, cujos efeitos são os previstos no art.º 11º nº 1, al. h) e 14º nº 3 do diploma anexo ao DL 269/98: recusa do requerimento de injunção, ou recusa de aposição de fórmula executória.
Por outro lado, são excepções dilatórias de conhecimento oficioso, face ao que dispõem os artºs 549º nº 1, as que constam da conjugação dos artºs 577º e 578º do CPC. Recorde-se que as excepções dilatórias decorrem do não cumprimento de determinados requisitos ou pressupostos processuais cuja verificação se mostra necessária para que o tribunal aprecie o mérito da causa e, determinam a absolvição do réu da instância (art.º 576º nº 2 do CPC).
Ora, mesmo que se considerasse que ocorreu omissão de notificação da decisão da Segurança Social sobre a pretensão de apoio judiciário – o que já vimos não ocorreu - essa omissão, não consubstanciaria uma excepção dilatória, mas uma eventual nulidade processual que deveria ter sido arguida oportunamente junto daquele processo de injunção.
Em suma, não há fundamento para revogar a decisão de indeferimento liminar dos embargos à execução com fundamento na alegada falta de notificação na injunção do indeferimento do pedido de apoio judiciário.

3.2- A revogação da decisão de indeferimento liminar da petição de embargos, por deficiente interpretação do art.º 857º do CPC e do art.º 14º-A do Diploma Anexo ao DL 269/98.
Entende o apelante que a 1ª instância decidiu “menos acertadamente” o indeferimento liminar baseando-se, essencialmente, no acórdão TRP, de 18/11/2021 (Deolinda Varão) que considera que com as alterações efectuadas pela Lei 117/2009, de 13/09, ficou superada a inconstitucionalidade do art.º 857º nº 1 do CPC, limitando os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, aos previstos pelo art.º 729º e aos que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual, ainda que a obrigação seja decorrente de transações comerciais entre empresas e independentemente do valor da causa (conclusões VII a XVI).
Será assim?
A doutrina tem-se pronunciado sobre as alterações introduzidas ao DL 269/98, concretamente art.º 14-A e ao art.º 857º do CPC, por força do art.º 7º da Lei 117/2019, de 13/09, na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional nº 264/2015, referindo que essa alteração “…visou essencialmente a superação do juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional sobre as anteriores normas do nº 1 do art.º 857º do CPC, atinentes aos fundamentos de oposição à execução baseada no requerimento de injunção.” (Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 8ª edição, 2021, pág. 124).
Também Geraldes/Pimenta/Sousa (CPC anotado, Vol. II, pág. 287 e seg.) referem “Da nova redacção do nº 1, introduzida pela Lei 117/19, de 13/09, também aditado pela mesma Lei, além do suprimento das questões de inconstitucionalidade, resultou a clarificação do regime de fundamentos de embargos de executado (remetendo para o disposto no artº 729º), no confronto com a cominação associada à falta de oposição no procedimento de injunção (estabelecendo ressalvas à preclusão decorrente da revelia fixada no nº 1 do artº 14-A)
Teixeira de Sousa (Blog do IPPC, Jurisprudência 2022 (175), consultado a 04/05/2023) em comentário ao acórdão do TRE, de 15/09/2022 (Isabel de Matos Peixoto Imaginário) que contém o seguinte sumário “A petição de embargos de executado deve ser liminarmente indeferida se nela vem invocado como fundamento da oposição o pagamento da quantia exequenda em data anterior à apresentação do requerimento de injunção.”, referiu: “O acórdão reflecte a nova fisionomia dada ao procedimento de injunção introduzida pela L 117/2019, de 13/9. Essa nova fisionomia dignificou o procedimento de injunção e, acima de tudo, acabou com uma incompreensível dicotomia até aí existente na ordem jurídica portuguesa:
-Numa injunção decretada segundo as regras internas portuguesas, podia não operar uma regra da preclusão dos meios de defesa;
-Numa injunção de pagamento europeia, decretada (mesmo em Portugal) ao abrigo do disposto no Reg. 1896/2006, operava necessariamente uma regra de preclusão desses meios.”
Ora, determina o art.º 857º nº 1, na redacção dada pela Lei 117/2019, de 13/09, que se a execução se fundar em requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula executória – designadamente por falta de oposição à injunção – para além dos fundamentos previstos no art.º 729º - ou seja, os fundamentos reservados à oposição à execução de sentença – com as devidas adaptações, o executado pode ainda invocar nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludido nos termos do art.º 14º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a 15 000€, aprovado pelo DL 269/98, de 01/09, bem como as obrigações decorrentes de contratos envolventes de transações comerciais de valor superior àquele e sem limite máximo nos termos do DL 32/2003, de 17/02, na sua redacção actual.
Ora bem, o art.º 14º-A, do DL 269/98, na redacção da Lei 117/2019, com epígrafe “Efeito cominatório da falta de dedução de oposição” determina:
1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.
Quer dizer, da conjugação do actual art.º 857º nº 1 com o art.º 729º e com o art.º 14º-A do DL 269/98 resulta que o executado com base em procedimento de injunção com aposição de fórmula executória pode deduzir embargos à execução com os seguintes fundamentos:
- a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
- b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
- c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.” (art.º 729º). E,
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.”
Do que se expôs, somos a concluir que a 1ª instância não efectuou uma deficiente interpretação do art.º 857º do CPC e do art.º 14º-A do Diploma Anexo ao DL 269/98.

3.3- Revogação da decisão, por os fundamentos invocados nos embargos poderem constituir a alegação de uso indevido do procedimento de injunção.

Entende a apelante que os fundamentos que invocou na petição de embargos são susceptíveis de integrar uma situação de uso indevido do procedimento de injunção, porque a exequente promoveu o pagamento da totalidade da factura usando um procedimento extrajudicial simplificado que clama por fundamentação sucinta dos factos e se limita à mera identificação do documento contabilístico.
Será assim?
Analisando o requerimento de injunção, de resto junto aos autos de embargos pelo executado/embargante/apelante, consta dele:

O uso indevido do procedimento de injunção ocorre no caso de o respectivo pedido não se ajustar ao seu valor ou finalidade (Salvador da Costa, A Injunção…cit., pág. 127).
Ora bem, do teor daquele requerimento decorre que o procedimento de injunção deduzido se insere na previsão do art.º 7º do diploma anexo ao DL 269/98: “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.”
Além disso, observa o que é determinado pelo 10º do mesmo diploma legal, designadamente nas als. d) e e) do seu nº 2: “d) Expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão; e) Formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas;”
Ou seja, e sem necessidade de outros considerandos, resta concluir que não vislumbramos que tenha havido um uso indevido do procedimento de injunção.

3.4- Revogação da decisão de indeferimento liminar da petição de embargos por os fundamentos invocados na petição de embargos constituem matéria de excepção peremptória de conhecimento oficioso.

Defende o apelante que atendendo aos fundamentos que invocou na petição de embargos, são susceptíveis de integrar uma situação de excepção peremptória de conhecimento oficioso porque invocou que o apelado requereu o pagamento da totalidade da factura quando sabe que não é devido e, que além disso, o requerente da injunção não procedeu à interpelação admonitória do art.º 808º do CC; e que, por isso, a inexistência do crédito invocado constitui uma excepção peremptória de conhecimento oficioso.
Será assim?
Vimos que o artº 14º-A nº 2, al. d) do diploma anexo ao DL 269/98, afasta o efeito preclusivo da falta de oposição à injunção determinando:
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) (…);
b) (…);
c) (…);
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.”
No que toca ao conhecimento das excepções peremptórias, estabelece o artº 579º do CPC que “O tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade dos interessados.”
São excepções peremptórias de que o tribunal pode conhecer oficiosamente, portanto sem necessidade de invocação pelo requerido, por exemplo, a nulidade do contrato (artºs 280º e 286º do CC), ou de cláusulas contratuais gerais, o abuso de direito, a caducidade em matéria excluída da disponibilidade das partes (artº 333º nº 1) (Cf. Salvador da Costa, A Injunção…, cit., pág. 129; Geraldes/Pimenta/Sousa, CPC anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 683).
No caso dos autos, salvo o devido respeito, nenhuma da matéria de excepção invocada no requerimento inicial de embargos à execução constitui matéria de excepção peremptória de conhecimento oficioso.
Tanto basta para se concluir que não há fundamento para revogar a decisão de indeferimento liminar dos embargos à execução com base na alegação de excepções peremptórias de conhecimento oficioso.

Em suma: o recurso improcede.

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III-DECISÃO.

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, em consequência, mantém a decisão impugnada.

Custas no recurso, pela apelante, na vertente de custas de parte (as custas na vertente das taxas de justiça mostram-se previamente pagas e não foram praticados actos susceptíveis de tributação como encargos).

Lisboa, 11/05/2023
Adeodato Brotas
Vera Antunes
Jorge Almeida Esteves