Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LAURINDA GEMAS | ||
Descritores: | APELAÇÃO AUTÓNOMA RECONVENÇÃO INEPTIDÃO APERFEIÇOAMENTO CONCLUSÕES | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Sumário: | (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – Cabe recurso de apelação autónoma, ao abrigo do disposto no art. 644.º, n.º 1, al. b), do CPC, do despacho que não admitiu o pedido reconvencional, tendo o Tribunal a quo considerado (pelo menos implicitamente) que a reconvenção era inepta, por falta do respetivo pedido, nos termos do art. 186.º, n.º 2, do CPC, sendo insuscetível de aperfeiçoamento e não se conseguir aferir da conexão imposta pelo art. 266.º, n.º 2, do CPC. II – Constando das conclusões da alegação recursória a menção a uma norma jurídica e resultando claro dessa alegação e das respetivas conclusões o sentido com que, no entender do Apelante, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, é de considerar, tendo ainda em atenção o disposto no art. 5.º, n.º 3, do CPC, que seria ato inútil, logo ilícito (cf. art. 130.º do CPC), o convite ao aperfeiçoamento daquelas conclusões nos termos do art. 639.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, não havendo fundamento para atender a pretensão dos Apelados de rejeição do requerimento de interposição do recurso. III – Nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 186.º do CPC, a petição/reconvenção será inepta quando por meio dela não puder descobrir-se qual a espécie de providência que o autor/reconvinte se propõe obter do juiz, ou qual o efeito jurídico que pretende conseguir por via da ação/reconvenção. IV – Mesmo quando isso se verifique, o processo pode prosseguir, não procedendo a exceção de nulidade de todo o processo/causa reconvencional por ineptidão da petição inicial/reconvenção no caso de falta ou ininteligibilidade do pedido conforme previsto na alínea a) do n.º 2 do art. 186.º do CPC, desde que, cumprido o contraditório, dos articulados resulte percetível para todos (incluindo para o Tribunal) qual é o pedido. V – Não se pode considerar que o pedido reconvencional esteja em falta quando, na Contestação, o Réu terminou requerendo que a reconvenção seja “julgada procedente, por provada, com as legais consequências”, e, no corpo desse articulado, um tal pedido se encontra deduzido, em separado, estando a reconvenção expressamente identificada, incluindo a indicação, em determinados artigos, da pretensão daquele, como, aliás, também foi percecionado pelos Autores-reconvindos, os quais, patrocinados por ilustres advogados, vieram, na Réplica, defender-se do pedido reconvencional, tendo, além de invocarem a ineptidão da reconvenção (defesa por exceção), deduzido, à cautela, a sua defesa por impugnação. VI – Mesmo que se entendesse, numa perspetiva mais formalista e não alinhada com o princípio da prevalência da substância sobre a forma, que a reconvenção era inepta por falta do pedido, não se justifica, tendo em atenção o disposto no art. 186.º, n.º 3, do CPC, julgar procedente a arguição de nulidade, quando, ouvido o Réu-Apelante, fica cabalmente identificado o pedido reconvencional, pelo que se impõe, no presente recurso, determinar que os autos prossigam a sua tramitação, incluindo quanto à reconvenção, se a tanto nada mais obstar, sendo questão nova aferir da verificação dos pressupostos previstos no art. 266.º, n.º 2, do CPC. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados I - RELATÓRIO A …, Réu na ação declarativa contra si intentada por B … e C …, interpôs o presente recurso de apelação do despacho que não admitiu a reconvenção deduzida pelo mesmo. Na Petição Inicial, apresentada em 20-04-2021, os Autores formularam o seguinte pedido: a) Ser reconhecido que o sótão do edifício sito na Rua …, n.º …, freguesia de São Mamede, concelho de Lisboa, é parte comum do mesmo edifício, sendo compropriedade de todos os condóminos, desde logo dos Autores, e que o Réu não possui qualquer direito de propriedade ou de uso exclusivo sobre o mesmo; b) Ser reconhecido o direito dos Autores a aceder ao sótão do edifício sito na Rua …, n.º …, freguesia de São Mamede, concelho de Lisboa, parte comum do mesmo, sendo o Réu condenado a observar tal direito; c) Ser o Réu condenado a retirar do sótão do edifício sito na Rua …, n.º …, freguesia de São Mamede, concelho de Lisboa, o cilindro para aquecimento de água que no mesmo abusivamente colocou, bem como ser o Réu condenado a abster-se da prática de qualquer futura conduta sobre a referida área comum do edifício; d) Ser o Réu condenado a retirar dos anúncios de alienação da sua fração autónoma a referência ao sótão do edifício sito na Rua …, n.º …, freguesia de São Mamede, concelho de Lisboa, como sua parte integrante ou de uso exclusivo, bem como a, de futuro, não publicar ou permitir a publicação de anúncios de alienação da sua fração autónoma que possuam a mesma ou análoga referência; e) Ser o Réu condenado no pagamento de sanção pecuniária compulsória de 500,00 € diários por cada dia em que incumpra os deveres a que deve ser condenado nos termos das alíneas b) a d) supra. Alegaram os Autores, para tanto e em síntese, que: - A anterior proprietária do aludido prédio, mãe dos Autores e do Réu, constituiu a propriedade horizontal sobre o prédio e doou as respetivas frações aos filhos, tendo o Autor ficado proprietário da fração … do referido prédio e a Autora proprietária da fração …, correspondente à cave e ao rés-do-chão, respetivamente; - A fração … correspondente ao 1.º andar do prédio é propriedade de A … e a fração …, correspondente ao 2.º andar do prédio, é propriedade do Réu; - O sótão ou vão do telhado não foram atribuídos a nenhuma das frações, nem sequer no tocante ao seu uso exclusivo, encontrando-se em bruto, com estrutura de telhado e toros de madeira; - O Réu acedeu a esse espaço e aí colocou um cilindro para aquecimento de água, sem autorização dos demais condóminos e arrogou-se titular desse espaço; - O Réu está a anunciar a venda da sua fração, mencionando que a mesma dispõe de um amplo sótão. Indicaram como valor da causa 60.000 €. Em 15-06-2021, o Réu apresentou Contestação, em que se defendeu por impugnação motivada, de facto e de direito, alegando, em síntese, que: - Quando foi constituída a propriedade horizontal e o Réu adquiriu a fração por doação, a mesma já possuía, como é do conhecimento dos Autores, o acesso exclusivo ao sótão e aí já estava instalado um termoacumulador de aquecimento de água, entretanto retirado; - Nunca foi colocado em causa pelos Autores que a fração do Réu tinha o acesso exclusivo ao sótão, até que a Autora idealizou construir uma nova escadaria nas partes comuns do prédio e uma abertura na parede interior do prédio para ter acesso ao sótão como espaço para arrumos, o que o Réu recusou, pelo que os Autores decidiram “iniciar uma guerra contra o Réu de que a presente ação é, tão só, mais um capítulo”; - Ao demandá-lo na presente ação, os Autores alteraram a verdade dos factos, obrigando-o a despesas, o que justifica a sua condenação como litigantes de má fé. Mais se defendeu o Réu por reconvenção, alegando, na parte intitulada “Da reconvenção”, o seguinte (sublinhado nosso): 74.º O imóvel do Autor sempre teve um acesso exclusivo ao sótão do prédio mediante uma abertura no teto da cozinha, servida por uma tampa em madeira e uma escada de madeira desdobrável. 75.º Desde a construção do prédio que existe a referida abertura de acesso ao sótão com a respetiva escada de acesso. 76.º Nunca existiu, nem existe, qualquer outro acesso ao sótão através das partes comuns ou nos restantes apartamentos. 77.º Para que os Autores tenham acesso ao sótão seria necessário a construção de uma nova escadaria nas partes comuns e uma abertura na parede interior do prédio, cujo exequibilidade ou legalidade não se encontra demonstrada. 78.º Quando foi constituída a propriedade horizontal e o Ré adquiriu, por doação, a fração, a mesma já possuía o acesso exclusivo ao sótão. 79.º O acesso exclusivo ao sótão nunca foi colocado em causa pelos Autores ou por quem quer que seja. 80.º O Réu tem utilizado o sótão para arrumos e nunca fez qualquer uso abusivo do mesmo. 81.º Deve entender-se que, não constando do título constitutivo da propriedade horizontal que o sótão se encontra afetado ao uso exclusivo da fração dos réus, pode ilidir-se a presunção estabelecida na alínea e) do nº 2 do artigo 1421º. 82.º O sótão esteve afetado em exclusivo ao imóvel do Réu, apenas com esta tendo comunicação, e, por conseguinte, deve considerar-se que foi ilidida a presunção estabelecida na alínea e) do nº 2 do artigo 1421º. 83.º A afetação material do sótão à fração do réu, existindo à data da construção do prédio e da constituição da propriedade horizontal, afasta-o do âmbito das coisas comuns. 84.º Pelo exposto, deve ser considerada ilidida a presunção de que o sótão é parte comum. 85.º Deve, por isso, ser reconhecido que o sótão faz parte da fração do Réu. 86.º Se assim não se considerar, sempre deve reconhecer-se que sótão é uma parte comum do uso exclusivo da fração do Réu. 87.º Acresce que, para além de imputar ao Réu “uma abertura ilegal na sua fracção autónoma, de modo a aí instalar um cilindro de aquecimento de água”, os Autores também o acusam de “ilegítima apropriação” e de procurar “fraudar” terceiros. 88.º Tendo contactado terceiros imputando ao Autor tais condutas. 89.º Sem qualquer fundamento de facto ou direito, perante o Tribunal e terceiros, os Autores imputam ao Réu condutas manifestamente ilegais e criminais. 90.º Tais imputações constituem uma manifesta ofensa ao crédito e bom nome do Réu. 91.º Os Autores incorreram em responsabilidade civil extra-contratual e, consequentemente, constituíram-se na obrigação de indemnizar os danos daí resultantes. 92.º Estipula o artigo 483.º do código civil que “aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a protege interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. 93.º No caso em apreço, encontram-se cumpridos todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos. 94.º Autores praticaram um acto voluntário e ilícito. 95.º O facto em causa é ilícito pois com a sua conduta os Autores ofenderam o bom nome e o crédito da Réu, bem como o seu património. 96.º Existe um nexo de imputação do facto ao lesante (culpa), tendo os Autores atuado com dolo. 97.º Verifica-se nexo de causalidade (na vertente de facto e na vertente jurídica) entre o facto e os danos. 98.º O Réu é uma pessoa considerada no meio social em que vive e reputada como pessoa séria. 99.º Com exceção dos Autores, é por todos tido como moral e socialmente irrepreensível. 100.º O Réu sentiu-se vexado, humilhado e ofendido na sua honra e consideração pelas acusações dos Autores. 101.º Os Autores sabem que as suas acusações são aptas a ofender a honra e consideração, Réu. 102.º O Réu tem direito ao seu bom nome, honra e consideração. 103.º Os quais foram gravemente afetados pelos Autores. 104.º Há danos de natureza não patrimonial quando se verifica uma ofensa de bens de carácter imaterial, ou seja, desprovidos de conteúdo económico, insuscetíveis, verdadeiramente de avaliação económica, nomeadamente, a integridade física, a saúde, a dor, a correção estética, a liberdade, a honra, a reputação. 105.º Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados – art. 484 CC. 106.º Os actos praticados pelos Autores causaram ao Réu danos não patrimoniais indemnizáveis, computando-se para seu ressarcimento em quantia nunca inferior a € 5.000,00, mas que poderá ser superior se o comportamento dos Autores se mantiver. 107.º O comportamento dos Autores causa ainda danos patrimoniais ao Réu, nomeadamente pela difusão da acusação de que pretende “fraudar” terceiros numa futura venda do imóvel. 108.º No entanto, não existem ainda elementos suficientes para fixar o montante dos prejuízos patrimoniais. 107.º Deverá, assim, nesta parte, ocorrer a condenação genérica dos autores, nos termos do art. 609º n.º 2 do CPC e a liquidação dos valores ser apurada em sede de incidente de liquidação, apresentado no processo de declaração (art.s 358º, 359º e 360º do C.P.C.)”. Terminou o Réu, formulando, a final, a seguinte pretensão: a) a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências. b) Serem os Autores condenados como litigantes de má-fé com as legais consequências; c) Ser a reconvenção julgada procedente, por provada, com as legais consequências. Indicou como valor da reconvenção 30.000,01 € (com a sua Contestação juntou comprovativo de pagamento de taxa de justiça no montante de 459 €). Em 07-07-2021, os Autores apresentaram Réplica em que, no que ora importa, vieram defender que deve ser “Liminarmente indeferida a tutela reconvencional do R. por se verificar exceção dilatória insuprível de inexistência/incognoscibilidade do pedido reconvencional”. Alegaram, em síntese, que a reconvenção é inepta, nos termos do art. 186.º, n.º 2, al. a), do CPC, acrescentando que: “23. A Reconvenção (de pedido inexistente, sublinhamos) carece em absoluto de qualquer fundamento, quer de facto, quer de Direito, sendo apresentada uma versão inverídica da factualidade juridicamente relevante. 24. Não corresponde à verdade o alegado nos arts. 74.º a 80.º, 82.º a 86.º, 89.º a 91.º, 93.º a 101.º, 103.º, 106.º, 107.º, 108.º e 107.º 9 da Contestação com Reconvenção pelo que desde já são estes arts. impugnados, visando-se a produção de todos os efeitos legais associados à mesma impugnação. 25. Relativamente aos arts. 81.º, 87.º, 88.º, 92.º, 102.º, 104.º e 105.º da Contestação com Reconvenção afigura-se consubstanciarem tais artigos matéria de direito e/ou conclusões, pelo que se revela desnecessária a sua expressa impugnação, 26. A verdade dos factos é aquela que consta da Petição Inicial, 27. Sendo a versão avançada pelo R. uma fábula sem qualquer suporte factual e jurídico.” Em 16-08-2021, vieram os Autores, no apenso A, deduzir incidente de habilitação de adquirente de D … e E …, alegando que estes celebraram com o Réu, em 05-07-2021, escritura pública de compra e venda da fração autónoma designada pela letra …, pelo que devem ser habilitados na posição de Réus, em substituição do primitivo Réu. Em 28-03-2022, foi proferida sentença que julgou procedente o incidente, a qual foi revogada por acórdão da Relação de Lisboa de 21-06-2022, que determinou, em substituição, que os autos aguardassem a decisão a proferir no processo principal quanto à admissibilidade da reconvenção. Em 20-06-2023, foi realizada audiência prévia, em que, conforme consta da respetiva ata, após se ter frustrado a tentativa de conciliação das partes (“pelas razões invocadas já nos respectivos articulados”), foi proferido o Despacho (recorrido) que não admitiu o pedido reconvencional, mais tendo sido determinado que, após trânsito em julgado dessa decisão, fosse aberta conclusão no apenso A para ser decidido o incidente de habilitação de adquirente, de modo a que, uma vez decidido tal incidente, fosse proferido despacho saneador. Quanto ao pedido reconvencional, o despacho (recorrido) tem o seguinte teor (sublinhado nosso): «Da Inadmissibilidade do Pedido Reconvencional Em sede da contestação deduzida, o Réu A …, veio deduzir pedido reconvencional nos seguintes termos: - No pedido com que termina a Contestação, refere “Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve: a) a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências. b) Serem os Autores condenados como litigantes de má-fé com as legais consequências; c) Ser a reconvenção ser julgada procedente, por provada, com as legais consequências”. Por sua vez, em sede do respetivo articulado alega que: “Deve, por isso, ser reconhecido que o sótão faz parte da fração do Réu” (artigo 85.º), que “Se assim não se considerar, sempre deve reconhecer-se que sótão é uma parte comum do uso exclusivo da fração do Réu” (artigo 86.º) e que, como lhe são imputadas condutas “manifestamente ilegais e criminais” (artigo 89.º), tendo ele direito ao seu crédito bom nome, os “Autores incorreram em responsabilidade civil extracontratual e, consequentemente, constituíram-se na obrigação de indemnizar os danos daí resultantes” (artigo 91.º), “encontram-se cumpridos todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos” (artigo 93.º) e tendo-se sentido “vexado, humilhado e ofendido na sua honra e consideração” (artigo 100.º), lhe foram causados “danos não patrimoniais indemnizáveis, computando-se para seu ressarcimento quantia nunca inferior a € 5.000,00, mas que poderá ser superior se o comportamento dos Autores se mantiver” (artigo 106.º); - os Autores, em sede de Réplica, vieram defender a não admissão da Reconvenção (aliás, com sólida argumentação). Por sua vez, em sede de réplica, os Autores pugnaram pela ineptidão do pedido reconvencional em causa, nos termos aí constantes. Sendo consensual, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que a reconvenção configura uma contra - ação do Réu contra o Autor, representando uma ação distinta que se entrecruza com a que o Autor intentou. Como referem LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE “constituindo a reconvenção um pedido do réu contra o autor (...) a fundamentação, de facto e de direito, e a formulação do pedido devem obedecer à disciplina da petição inicial, o que implica a remissão para as alíneas d) e e) do art. 552.º, n.º 1” – vide Código de Processo Civil Anotado, Volume II – artigos 362.º a 626.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 602. Por sua vez, prevê o n.º 2, do artigo 266.º, do Código de Processo Civil, fatores de conexão entre o objeto da ação e o da reconvenção que a tornam admissível, designadamente: “a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.” É processualmente exigível que o pedido reconvencional tenha conexão com a ação, razão pela qual a lei impõe que o pedido do réu tenha de emergir do facto que serve de fundamento à ação ou à defesa (ou qualquer outro dos referidos fatores de conexão). A aferição de tal conexão pressupõe a dedução do pedido reconvencional, tal como se impõe para o pedido principal deduzido em sede da petição inicial - art. 552.º, n.º 1, alínea e), do CPC. A verdade é que o Tribunal não consegue aferir da conexão legalmente imposta como pressuposto de admissibilidade, se o pedido reconvencional não foi deduzido. Efetivamente, afigura-se-nos que a mera menção a que a “reconvenção seja julgada procedente, por provada, com as legais consequências”, equivale a uma falta de pedido e, consequentemente, o que não existe é insuscetível de aperfeiçoamento – art. 186.º, n.º 2, do CPC. Pelo exposto, não admito o pedido reconvencional deduzido pelo Réu A …. Custas a cargo do Réu. Notifique.» O Réu, inconformado com esta decisão, interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (que se reproduzem): A) Na sua reconvenção o Réu alegou que: I - “Deve, por isso, ser reconhecido que o sótão faz parte da fração do Réu” (artigo 85.º); II - “Se assim não se considerar, sempre deve reconhecer-se que sótão é uma parte comum do uso exclusivo da fração do Réu” (artigo 86.º); III- “Autores incorreram em responsabilidade civil extracontratual e, consequentemente, constituíram-se na obrigação de indemnizar os danos daí resultantes” “danos não patrimoniais indemnizáveis, computando-se para seu ressarcimento quantia nunca inferior a € 5.000,00, mas que poderá ser superior se o comportamento dos Autores se mantiver” (artigo 106.º); B) É, assim, manifestamente percetível que a reconvenção tem como pedidos: ser reconhecido que o sótão faz parte da fração do Réu, se assim não se considerar (subsidiário), sempre deve reconhecer-se que sótão é uma parte comum do uso exclusivo da fração do Réu e a condenação dos Autores na obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais indemnizáveis causados, computando-se para seu ressarcimento quantia nunca inferior a € 5.000,00; C) O Tribunal a quo, no seu douto saneador, conseguiu identificar todos os referidos pedidos; D) A posição do Tribunal a quo é demasiado formalista e redutora, considerando que não estando os concretos pedidos na conclusão do articulado estamos perante “uma falta de pedido”; E) Resulta claro do articulado apresentado pelo Réu a exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamentos à reconvenção e a formulação do pedido; F) Nada obsta que o pedido possa também ser expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos pretendidos; G) Não se encontra alguma previsão legal no sentido de que o pedido deva constar da conclusão do articulado e que, nomeadamente, não possa - se devidamente formulado e autonomizado - constar da própria narração (não dispositiva) de tal peça; H) No caso dos presentes autos, a pretensão reconvencional foi, efetivamente, formulada pelo réu apenas sucedendo que, formalmente, não foi inserido, no final de tal articulado, com autonomia, o pedido correspondente; I) O pedido reconvencional é explicito e foi formulado de forma nítida e óbvia.; J) Por outro lado, a admissibilidade da reconvenção pressupõe uma conexão objetiva entre as duas acções, o que ocorre, manifestamente, no caso dos autos; K) O pedido reconvencional do Réu emerge tem fundamento em parte da mesma causa de pedir que o pedido dos Autores e também nos factos jurídicos que servem de fundamento à defesa pois faz nascer uma questão prejudicial em relação à causa principal, ou seja, produz “efeito útil defensivo” capaz de extinguir o pedido dos autores; L) Através do pedido reconvencional, o Réu pretende obter, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico pretendido pelos autores (reconhecimento da propriedade ou uso exclusivo do sótão); M) Estão, assim, preenchidos os fatores de conexão previstos nas al. a) e c) do referido 274.º do CPC. N) O despacho saneador deveria ter admitido o pedido reconvencional formulado pelo Autor. Foi apresentada alegação de resposta, em que os Autores concluíram nos seguintes termos: A. O douto Despacho Judicial não merece qualquer censura, inexistindo incorreta aplicação doDireito ao caso sub judice. B. Existe, e de forma clarividente, inobservância das regras legais aplicáveis à alegação e formulação de conclusões em sede de impugnação da matéria de direito por parte do Recorrente, bem como errónea interpretação do Direito por parte do mesmo. C. O Recurso promovido não pode ser admitido porquanto a decisão judicial proferida é insuscetível de Recurso de Apelação autónomo, nos termos do disposto no art. 644.º, n.ºs 1 e 2, a contrario, e 3, do Código de Processo Civil. D. A decisão judicial proferida limitou-se a não admitir o pedido reconvencional, por entender que a aferição da conexão entre o pedido reconvencional e a ação pressupõe a dedução do pedido reconvencional, o qual não foi deduzido. E. O Recorrente interpôs Recurso de Apelação nos termos do disposto no art. 644.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, sem que seja esse o caso dos presentes autos, porquanto (i) a decisão judicial recorrida não se pronunciou sobre o mérito da Reconvenção; (ii) não julgou verificadas qualquer uma das irregularidades taxativamente elencadas nos art. 277.º e 278.º do Código de Processo Civil, conducentes, respetivamente, à extinção ou à absolvição da instância; e (iii) não se pronunciou sobre qualquer absolvição da instância, sendo certo que é ontologicamente impossível existir absolvição da instância dos Autores Reconvindos quanto a algum ou alguns dos pedidos, por serem os mesmos inexistentes. Por outra via (e por mero dever de patrocínio), F. Em sede de Conclusões – e, aliás, também em sede de Alegações – o Recorrente não indicou as normas jurídicas putativamente violadas, nem, tão pouco, o sentido com que, no seu entender, as normas que constituiriam fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e/ou aplicadas pelo Tribunal a quo. G. O Recorrente incumpriu os ónus de especificação, que sobre o mesmo recaiam devendo, por esse motivo, e sem mais, ser convidado a completar as conclusões contidas nas Alegações de Recurso, sendo o Recurso de Apelação liminarmente rejeitado caso o Recorrente não dê cumprimento a tal convite de aperfeiçoamento – cfr. o art. 639.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil; na Doutrina, ABRANTES GERALDES; e, na Jurisprudência, os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 06.06.2018 (RELATOR: FERREIRA PINTO) e de 27.10.2016 (RELATOR: RIBEIRO CARDOSO). Ainda sem prescindir, H. É evidente a inexistência de qualquer pedido (reconvencional) formulado pelo Recorrente na Reconvenção, o qual se mostra, aliás, absolutamente incognoscível, sendo o próprio Recorrente a confessar, em sede de conclusões, que “não foi inserido, no final de tal articulado, com autonomia, o pedido correspondente” – cfr. a alínea H), das Conclusões inseridas nas Alegações de Recurso, Ref.ª CITIUS …, de 01.09.2023, bem como os arts. 583.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil; na Doutrina, PEREIRA RODRIGUES e LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE; e, na Jurisprudência, o ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.11.2007 (RELATOR: EZAGUY MARTINS) e o ac. do Tribunal da Relação de Évora de 31.01.2019 (RELATOR: JOSÉ MANUEL BARATA). I. Consoante impolutamente considerado pelo Tribunal a quo, “é processualmente exigível que o pedido reconvencional tenha conexão com a ação, razão pela qual a lei impõe que o pedido do réu tenha de emergir do facto que serve de fundamento à ação ou à defesa (ou qualquer outro dos referidos fatores de conexão). A aferição de tal conexão pressupõe a dedução do pedido reconvencional, tal como se impõe para o pedido principal deduzido em sede da petição inicial - art. 552.º, n.º 1, alínea e), do CPC. A verdade é que o Tribunal não consegue aferir da conexão legalmente imposta como pressuposto de admissibilidade, se o pedido reconvencional não foi deduzido. Efetivamente, afigura-se-nos que a mera menção a que a “reconvenção seja julgada procedente, por provada, com as legais consequências”, equivale a uma falta de pedido e, consequentemente, o que não existe é insuscetível de aperfeiçoamento – art. 186.º, n.º 2, do CPC” – a Ata de Audiência Prévia, Ref.ª CITIUS …, de 20.06.2023 J. O Recurso de Apelação apresentado carece assim de qualquer fundamento jurídico, pelo que, subsidiariamente, deve ser confirmado o douto Despacho Judicial recorrido. Terminaram os Apelados defendendo que deve: a) Ser liminarmente rejeitado o Recurso de Apelação apresentado pelo Recorrente, por juridicamente inadmissível; Caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever de patrocínio e enquanto hipótese de raciocínio se concebe, b) Ser o Recorrente convidado a completar as conclusões contidas nas Alegações de Recurso por si apresentadas, mediante a especificação, quer das normas jurídicas violadas, quer do sentido com que, no entender do Recorrente, essas normas deviam ter sido interpretadas e aplicadas pelo Tribunal a quo, sendo o Recurso de Apelação liminarmente rejeitado caso o Recorrente não dê cumprimento a tal convite de aperfeiçoamento; Subsidiariamente ainda, c) Ser negado provimento a tal Recurso, antes se confirmando o douto Despacho Judicial proferido pelo Tribunal a quo, por não merecer qualquer censura. Em 28-11-2023, foi proferido pelo Tribunal recorrido despacho de admissão do recurso que, no que ora importa, tem o seguinte teor: “Previamente e face à questão invocada pelos AA/Recorridos no sentido de não ser juridicamente admissível recurso autónoma da decisão que não admitiu a reconvenção, deixa-se consignado que, sem prejuízo de melhor entendimento pelo Venerando Tribunal da Relação, a nosso ver, a situação é efectivamente subsumível no disposto no art. 644º nº 1 al. b) do C.P.C.. Com efeito, o despacho recorrido insere-se no âmbito do saneamento do processo e não deixa de implicar absolvição da instância dos Autores relativamente ao pedido reconvencional do Réu, assimilando-se à absolvição da instância do Réu relativamente a qualquer pedido dos AA, textualmente prevista no preceito. A “inadmissibilidade” (da reconvenção) não é mais do que uma forma de extinção da instância reconvencional equiparada à absolvição da instância. Neste sentido vide o douto acórdão do S.T.J. de 11/07/2019 (proferido no processo nº 14561/16.9T8SNT-A.L1.S1 in www.dgsi.pt), que decidiu no sentido de que o despacho de rejeição da reconvenção se enquadra na previsão do nº 1 al. b) do art. 644º do C.P.C., razão pela qual dele não poderia ser interposto recurso a final. Assim, o recurso é legal, tempestivo, e os Recorrentes encontram-se dotados de legitimidade para tal, pelo que, admito o recurso interposto, o qual é de apelação, a subir em separado e com efeito devolutivo (cfr. arts. 629º, 631º nº1, 637º, 638º, 644º nº 1 al. b), 645º nº2, e 647º nºs 1 e 4, do C.P.C.). Notifique.” Após distribuição dos autos de recurso de apelação (apenso B) neste Tribunal da Relação de Lisboa (em 24-05-2024), foi cumprido o disposto no art. 655.º do CPC, tendo o Apelante apresentado requerimento em que defendeu que cabe recurso de apelação autónoma contra a decisão que não admitiu o pedido reconvencional, argumentando designadamente que: «que cabe recurso de apelação autónoma contra a referida, nos termos do artigo 644º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, não se aplicando o regime geral consignado no artigo 644º, nº 3, do Código de Processo Civil. 3.º Neste sentido, veja-se, a título de exemplo: “O despacho de rejeição da reconvenção, enquadra-se na previsão do nº 1 al. b) do art,º 644º do CPC” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 11-07-2019, processo 14561/16.9T8SNT-A.L1.S1, www.dgsi.pt “O segmento do despacho saneador que absolva o autor da instância reconvencional pode ser objecto de recurso de apelação autónomo, dentro dos prazos gerais do art. 638.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 10-12-2020, processo 3707/17.0YLPRT.L1.S1, www.dgsi.pt 4.º O despacho de indeferimento liminar do pedido reconvencional é um despacho materialmente final, para os efeitos do nº 1 do artigo 644º, cabendo-lhe recurso de apelação imediata nos prazos gerais do artigo 638 nº 1 (Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume II, Almedina, Julho 2018, a página 301) 5.º Caso não tivesse sido apresentado recurso, já não seria possível conhecer do mérito desse despacho em sede de eventual apreciação do recurso interposto contra a decisão final, por já ter transitado em julgado». Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC). Além da questão prévia da admissibilidade do recurso, a única questão a decidir é a de saber se a reconvenção não devia ter sido rejeitada, por não ser inepta, em virtude da falta de pedido. Questão prévia Os Autores-apelados defendem, em síntese, que: o Recurso não pode ser admitido porque a decisão proferida é insuscetível de apelação autónoma, nos termos do disposto no art. 644.º, n.ºs 1 e 2, a contrario, e 3, do CPC; em sede de Conclusões, o Apelante não indicou as normas jurídicas putativamente violadas, nem, tão pouco, o sentido com que, no seu entender, as normas que constituiriam fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e/ou aplicadas pelo Tribunal a quo, pelo que deve ser convidado a completar as conclusões contidas na Alegação de Recurso, sendo o Recurso de Apelação liminarmente rejeitado caso não dê cumprimento a tal convite. O Apelante, por sua vez, sustenta que o recurso é admissível, pois está em causa uma decisão subsumível na previsão do art. 644.º, n.º 1, al. b), do CPC. No despacho em apreço, o Tribunal recorrido considerou (pelo menos implicitamente) que a reconvenção era inepta, devido à falta de pedido, nos termos do art. 186.º, n.º 2, do CPC, decidindo não admitir o pedido reconvencional, por ser insuscetível de aperfeiçoamento e não se conseguir aferir da conexão legalmente imposta. Vejamos. Preceitua o art. 644.º, n.º 1, do CPC que cabe recurso de apelação: “a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente; b)Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.” É sabido que a reconvenção configura uma contra-ação do réu contra o autor, por virtude da qual o objeto do litígio se expande, adquirindo um conteúdo novo, mas que, ainda assim, deverá estar em conexão do ponto de vista substantivo e ser compatível no plano processual com a ação intentada pelo autor, em conformidade com o disposto no art. 266.º do CPC. Se tais requisitos não estiverem verificados, a reconvenção, pura e simplesmente, não é admitida, mas rejeitada, o que constitui uma causa de extinção da instância reconvencional - cf. art. 277.º, al. a), do CPC -, que pode mesmo ser qualificada como uma exceção dilatória inominada ou atípica (neste sentido, veja-se, por exemplo, o acórdão da Relação de Lisboa de 28-03-2023, no proc. n.º 11430/21.4T8LSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do ponto 2 do respetivo sumário: “A dedução de reconvenção sem que se mostre verificado qualquer um dos requisitos, processuais ou substantivos, a que está sujeita, configura uma exceção dilatória atípica ou inominada, que determina a absolvição do autor da instância reconvencional.”). Independentemente da (in)verificação dos requisitos da reconvenção, pode acontecer que se verifique a falta de algum pressuposto processual, com a procedência de exceção dilatória, conducente à absolvição do autor-reconvindo da instância reconvencional - cf. artigos 277.º, al. a), 576.º, n.º 2, e 577.º do CPC. Em nosso entender, para efeitos de admissibilidade do recurso, uma decisão de rejeição da reconvenção equivale a uma absolvição da instância reconvencional decorrente da procedência de uma exceção dilatória nominada, reconduzindo-se à previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 644.º do CPC. Nesta linha de pensamento, disponíveis em www.dgsi.pt, destacamos, a título exemplificativo: - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-07-2019, proferido no proc. n.º 14561/16.9T8SNT-A.L1.S1: “O despacho de rejeição da reconvenção, enquadra-se na previsão do nº 1 al. b) do art,º 644º do CPC”; - o acórdão da Relação de Lisboa de 23-05-2024, proferido no proc. n.º 1120/22.6T8SCR-A.L1-6, em cujo sumário se refere precisamente que: «I. A “reconvenção” não se enquadra no conceito de articulado inscrito na previsão da norma que confere a possibilidade de recurso autónomo tal como se encontra previsto na alínea d) do nº 2 do art.º 644º, dado inexistir peça processual nominada de reconvenção, sendo esta, tão somente, pedido deduzido normalmente no articulado “contestação”. II. A possibilidade de recurso do despacho de rejeição da reconvenção, enquadra-se na previsão do n.º 1 alínea b) do artigo 644.º do CPC, pois apesar de o texto legal enunciar apenas o despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos, não poderá deixar de abarcar outras formas de extinção da instância, neste caso reconvencional. III. Com efeito, não havendo despacho de indeferimento liminar da reconvenção, uma decisão que rejeite a reconvenção, por inadmissibilidade, impedindo, assim, que seja conhecida de fundo, só pode equivaler à absolvição da instância.» De referir que este acórdão tem um voto de vencido, em que não deixa de ser reconhecida a admissibilidade da apelação autónoma, mas ao abrigo do art. 644.º, n.º 2, al. d), do CPC, afirmando-se que: “O art.º 266º nº 1 do CPC estatui: «O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.». Portanto, a reconvenção não é um pedido, mas sim um articulado ou parte do articulado contestação em que é deduzido um pedido, o pedido reconvencional. O nº 5 desse artigo prevê a absolvição da instância quanto ao pedido reconvencional, mas em caso em que a reconvenção é admissível. Assim, entendo que é de 15 dias o prazo para interpor o recurso da decisão que não admite/rejeita a reconvenção, nos termos do art.º 644º nº 2 al. d) - 2ª parte) do CPC.” Ou seja, a admissibilidade de apelação autónoma da decisão de rejeição da reconvenção é incontestada, apenas se discutindo se ao caso se aplica a alínea b) do n.º 1 do art. 644.º do CPC ou a alínea d) do n.º 2 do mesmo artigo. Assim, não assiste razão aos Apelantes quando pugnam pela inadmissibilidade do recurso. Quanto ao mais invocado, importa ter presente o disposto no art. 639.º, n.ºs 1 e 3, do CPC: “1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. 3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.” Ora, na conclusão M da alegação de recurso é feita menção a uma norma jurídica (percebendo-se que se pretendia indicar o art. 266.º do CPC, o qual corresponde ao art. 274.º do anterior CPC) e resulta claro da alegação e das conclusões o sentido com que, no entender do Apelante, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas. Por isso, e tendo ainda presente o disposto no art. 5.º, n.º 3, do CPC, considera-se que seria ato inútil, logo ilícito, o convite ao aperfeiçoamento daquelas conclusões (cf. art. 130.º do CPC). Assim, conclui-se pela admissibilidade do recurso. Da ineptidão da reconvenção O Tribunal recorrido decidiu não admitir a reconvenção, fundamentando essa decisão, não na falta dos requisitos previstos no art. 266.º do CPC, mas antes na circunstância de não conseguir aferir da verificação dos mesmos por estar em falta o pedido, o que se reconduz à previsão do art. 186.º do CPC (a ineptidão da reconvenção invocada na Réplica); com efeito, refere-se no despacho recorrido que a «mera menção a que a “reconvenção seja julgada procedente, por provada, com as legais consequências”, equivale a uma falta de pedido e, consequentemente, o que não existe é insuscetível de aperfeiçoamento – art. 186.º, n.º 2, do CPC». O Apelante discorda deste entendimento, defendendo, em síntese, que: nada obsta que o pedido possa também ser expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos pretendidos; a pretensão reconvencional foi formulada pelo réu apenas sucedendo que, formalmente, não foi inserido, no final de tal articulado, com autonomia, o pedido correspondente; o pedido reconvencional é explícito e foi formulado de forma nítida e óbvia; estão preenchidos os fatores de conexão previstos na lei, pelo que o despacho saneador deveria ter admitido o pedido reconvencional. Os Apelados sustentam que a decisão recorrida é acertada. Vejamos. É sabido que a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial constitui uma exceção dilatória nominada, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição dos réus da instância - cf. artigos 186.º, 196.º, 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, al. b), todos do CPC. Assim, idêntica solução jurídica vale para a reconvenção, pelo que, a ser inepta a reconvenção, deveria ter sido proferida decisão de absolvição dos autores-reconvindos da instância reconvencional, atenta a verificação da exceção dilatória de nulidade de toda a causa reconvencional. No presente recurso não cumpre apreciar se estão ou não verificados os requisitos do art. 266.º do CPC (questão nova), mas apenas se a reconvenção é ou não inepta por falta do pedido. Importa, pois, ter presente o disposto no art. 186.º, n.ºs 1, 2, al. a), e 3, do CPC que, sob a epígrafe “Ineptidão da petição inicial”, tem o seguinte teor: “1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial. 2 - Diz-se inepta a petição: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; (…) 3 - Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.” De forma sintética, e tendo presente o disposto nos artigos 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, al. d), e 581.º, n.º 3 e 4, do CPC, podemos dizer que o pedido corresponde ao efeito jurídico que o autor pretende obter, tendo, nas palavras ainda atuais de Alberto dos Reis (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 1945, pág. 381), “o valor e o significado duma conclusão”. Lembramos também a explicação de Alberto dos Reis, na obra citada, págs. 360-362, na anotação ao art. 193.º do Código então vigente (atual art. 186.º), que, nesta parte, mantém plena atualidade. A propósito da ineptidão por “desconhecimento do pedido”, afirmava que: “O artigo 480.º [equivalente hoje ao art. 552.º] começa por definir a função da petição inicial. A petição chama-se inicial, porque dá começo à instância (arts. 480.º e 267.º); serve fundamentalmente para o autor expor os fundamentos e o objecto da sua pretensão. Por isso é que, ao mencionar os requisitos a que há-de satisfazer a petição inicial, o artigo 480.º exige que o autor: 4.º Exponha, com a maior clareza e concisão, os factos e as razões de direito sobre que assentam as conclusões; 5.º Formule o pedido com toda a precisão. Estes preceitos têm a sua sanção no artigo 193.º Não vá, porém, inferir-se daqui que a inobservância rigorosa e textual do que está determinado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 480.º produz sempre a ineptidão da petição. O que se lê nos números citados corresponde a um modelo, a um figurino abstracto, cuja imitação se recomenda a quem haja de propor uma acção; mas a petição não é inepta pelo facto de não atingir a perfeição definida no artigo 480.º (…) Depois de exigir que o autor formule o pedido com toda a precisão, o artigo 480.º esclarece no § 2.º, que o pedido deve ser formulado de modo que não haja dúvidas sobre o efeito jurídico, declarativo ou constitutivo, que se pretende obter; e se a ação for de condenação, acrescenta-se, há-de especificar-se a prestação que o réu tem de satisfazer. Em boa técnica jurídica uma coisa é a pretensão do autor, outra o pedido. A pretensão dirige-se ao réu; o pedido dirige-se ao tribunal. Aquele é um elemento da relação jurídica substancial; este um elemento da relação jurídica processual. A pretensão exprime o direito que o autor se arroga contra o réu; o pedido traduz-se na providência que o autor solicita ao tribunal. É claro que a pretensão repercute-se naturalmente no pedido; a espécie de providência que o autor vai pedir ao tribunal deve ser, logicamente, o reflexo da pretensão que se arroga contra o réu. (…) De maneira que o pedido consiste, em última análise, no efeito jurídico que o autor se propõe obter com a acção (art. 480.º, § 2.º). O pedido equivale, assim, ao objecto da acção (art. 502.º, § 2.º). E como o efeito jurídico há-de obter-se através de um acto do juiz – o acto jurisdicional característico que é a decisão – segue-se que o pedido se concretiza na espécie de providência que o autor quer receber do juiz. Portanto, nos termos da alínea a) do artigo 193.º, a petição será inepta quando por meio dela não puder descobrir-se qual a espécie de providência que o autor se propõe obter do juiz, ou qual o efeito jurídico que pretende conseguir por via da acção. A espécie de ineptidão figurada na alínea a) pode apresentar-se de duas maneiras: 1.ª Falta de formulação do pedido; 2.ª Formulação obscura. O 1.º caso é raro, pois mal se compreende que alguém se apresente em juízo sem dizer o que quer. O 2.º é mais frequente. O autor formula o pedido; mas formula-o em termos tais, que não chega a perceber-se qual é o seu pensamento, qual é o efeito jurídico que se propõe obter. Voltamos a frisar que a petição não deve considerar-se inepta pelo simples facto de não satisfazer inteiramente a exigência do n.º 5 do artigo 480.º. Já observámos que os n.ºs 4.º e 5.º do artigo 480.º contêm normas ou directivas para a elaboração duma petição inicial perfeita; mas, por não ser perfeita, não se segue necessariamente que a petição seja inepta”. De salientar ainda que a exceção dilatória da nulidade do processo por ineptidão da petição inicial é, na maior parte dos casos, insanável. Porém, nos termos do n.º 3 do art. 186.º do CPC, se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do n.º 2 anterior (falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir), a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial. A este propósito, lembramos os ensinamentos de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 1.º, 4.ª edição, Almedina, págs. 380-381): “Em relação à alínea a), o n.º 3 é expresso em consignar uma situação de sanação: mesmo que o réu argua a ineptidão, a nulidade não é declarada quando se apure, após a audição do autor (em articulado seguinte ou, não havendo mais articulados, autonomamente), que interpretou convenientemente a petição inicial, a despeito da ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir (ou, mais dificilmente, da sua falta) (…) Com a supressão total da tréplica e a limitação da réplica à função de resposta à reconvenção, caducou a doutrina outrora perfilhada pelo Assento 12/94 (…)”. Também Alberto dos Reis, na obra citada, págs. 379-380, se referia à posição do réu perante uma petição inepta, referindo que a jurisprudência das cautelas aconselhava a que não se limitasse a arguir a ineptidão, para não correr o risco de ficar sem defesa se a arguição viesse a ser julgada improcedente; afirmava que o juiz não podia deferir a arguição de ineptidão sem ouvir previamente o autor, porque “pode suceder que o réu tenha dado à petição o seu verdadeiro sentido, e em tal caso não há motivo para o tribunal a considerar inepta. Se, apesar da obscuridade ou ambiguidade do pedido ou da causa de pedir, o réu pôde elaborar a sua contestação, isso quer dizer que lhe foi possível interpretar de certa maneira o pedido ou a causa de pedir; tudo está agora em saber se a interpretação dada pelo réu é exacta ou, noutros termos, se o sentido atribuído ao pedido ou à causa de pedir corresponde fielmente àquilo que o autor quis exprimir. Em caso afirmativo, o juiz deve indeferir a arguição do réu; em caso negativo, deve deferi-la. Na verdade, se, ouvido o autor, este declarar que a sua petição tem o sentido que o réu lhe atribuiu, a obscuridade ou confusão fica desfeita. O pedido ou a causa de pedir passará a ter, por acordo das partes, a significação e o alcance expresso na contestação. Se, pelo contrário, o réu tiver atribuído à petição sentido diferente do que o autor quis exprimir, a ineptidão torna-se inevitável”. Portanto, para que o processo possa prosseguir, não procedendo a exceção dilatória de nulidade de todo o processo/causa reconvencional por ineptidão da petição inicial/reconvenção no caso de falta ou ininteligibilidade do pedido conforme previsto na alínea a) do n.º 2 do art. 186.º do CPC, será sempre indispensável que, cumprido o contraditório, dos articulados (incluindo a contestação e a resposta ou réplica) resulte percetível para todos (incluindo para o Tribunal) qual é o pedido. Há agora que transpor estas considerações para o caso dos autos, atentando na Petição Inicial, tendo presente que na sua interpretação, como dos demais articulados e requerimentos das partes, são aplicáveis, por força do disposto no art. 295.º do CC, as regras da interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos artigos 236.º, n.º 1, do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado. Ora, tendo em atenção o teor da Contestação, em que a reconvenção vem expressamente identificada e deduzida separadamente, concluindo-se, a final, pela procedência da mesma, com as legais consequências, antes enunciadas, mormente nos artigos 85.º, 86.º e 106.º a 107.º (final), parece-nos, contrariamente ao que entendeu o Tribunal recorrido, que o pedido reconvencional se retira, sem dificuldade, do alegado nos mencionados artigos, estando aí enunciado. Assim, a pretensão do Réu-reconvinte é a seguinte: - Ser reconhecido que o sótão faz parte da fração do Réu e, se assim não se considerar, reconhecer-se que o sótão é uma parte comum do uso exclusivo da fração do Réu; - Serem os Autores condenados a pagarem ao Réu uma quantia nunca inferior a 5.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, bem como uma quantia a liquidar a título de indemnização por danos patrimoniais. Não podemos, pois, acompanhar a posição dos Autores-reconvindos quando vieram defender que não existia pedido reconvencional ou não era cognoscível, parecendo-nos claro, face ao teor da Contestação e da Réplica, que um tal pedido foi deduzido, e que os Autores-reconvindos, patrocinados por ilustres advogados, o identificaram (com o sentido que acima deixámos expresso), lembrando inclusivamente a falta de pagamento de taxa de justiça (ante o valor da reconvenção indicado), mais tendo, além de invocarem a ineptidão da reconvenção (defesa por exceção), deduzido, à cautela, a sua defesa por impugnação. Esta é a nossa perceção, ancorada no princípio da prevalência da substância sobre a forma. Da leitura do despacho recorrido resulta que o Tribunal recorrido também percecionou a existência do pedido reconvencional, reportando-se, de forma mais redutora, ao pedido contido nos artigos 85.º, 86.º e 106.º da Contestação. Deveria, pois, pelo menos na audiência prévia, ter ouvido o Réu-reconvinte, no sentido de este declarar/esclarecer se a reconvenção tinha ou não esse sentido, que os Autores-reconvindos (seguramente) lhe atribuíram. Ouvido agora o Réu-Apelante, na sua alegação de recurso, este veio afirmar, em termos expressos e alinhados com o despacho recorrido, que a reconvenção tem como pedidos: ser reconhecido que o sótão faz parte da fração do Réu e, se assim não se considerar (pedido subsidiário), reconhecer-se que o sótão é uma parte comum do uso exclusivo da fração do Réu; e ainda a condenação dos Autores-reconvindos na obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais indemnizáveis causados, computando-se para seu ressarcimento quantia nunca inferior a 5.000,00 €. Ora, não temos qualquer dúvida que isto foi entendido pelos Autores, razão pela qual, tendo em atenção o disposto no referido art. 186.º, n.º 3, do CPC, mesmo que se considerasse, numa perspetiva mais formalista, que a reconvenção era inepta por falta do pedido, não pode ser julgada procedente a arguição de nulidade, pelo que se impõe revogar a decisão recorrida, determinando-se que os autos prossigam a sua tramitação, incluindo quanto à reconvenção, se a tanto nada mais obstar (designadamente no que concerne ao pagamento da taxa de justiça devida pela contestação e reconvenção, sem prejuízo também, se for caso disso, da aplicação do disposto no n.º 4 do art. 266.º do CPC). Nesta linha de pensamento, numa situação muita próxima da que nos ocupa, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 22-06-2023, proferido no proc. n.º 440/22.4T8MTA.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, de que citamos, pela sua clareza, parte do respetivo sumário, cujas considerações acompanhamos inteiramente: « I) Constituindo como que uma petição inicial “enxertada” numa ação pendente, o pedido reconvencional será inepto se se verificarem as causas que determinam a ineptidão da petição inicial, nos termos previstos no artigo 186.º do CPC, entre as quais se encontra a falta de formulação do pedido. II) O “pedido” é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, ou seja, o efeito jurídico que o autor quer obter com a ação. III) A ideia primordial no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento duma ação, à partida, viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objeto do processo, que mostre, desde logo, não ser possível um correto, coerente e unitário ato de julgamento. Secundariamente – na perspetiva das partes – o instituto permite o cabal conhecimento, por banda do réu, das razões fácticas que alicerçam o pedido do autor para, assim, poder exercer cabalmente o contraditório. É essa a razão do estatuído no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, de onde decorre que, em caso de invocação pelo réu da falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, tal invocação não será atendível se se concluir que ele, não obstante as deficiências invocadas, percebeu o feito que o demandante introduziu em juízo, estando consciente das consequências que o autor dele pretende retirar. IV) Tendo o réu na contestação invocando que realizou, e o seu pai, obras de conservação do imóvel, indispensáveis a assegurar a sua habitabilidade, pelas quais foi paga a quantia global de €10.000,00 e concluindo que “Procedendo a presente ação, o que não se admite, terá o R. direito a ser indemnizado pelo valor das obras descritas nos artigos anteriores, sem prejuízo do direito de retenção” (cfr. artigo 60.º da contestação) e que, “Em consequência formula-se o pedido reconvencional em €10,000.00 (dez mil euros)” (cfr. artigo 61.º da contestação), foi formulado pedido reconvencional de condenação da contraparte no pagamento de €10.000,00. V) A não inserção dessa pretensão no desfecho de tal peça processual não torna inepta a reconvenção, uma vez que o vício em questão tem natureza exclusivamente formal, não contendendo com a permanência ou ausência da correspondente pretensão, já expressa no articulado, nem atinando com qualquer direito tutelável da contraparte, consubstanciando uma irregularidade sanável. VI) A instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e o princípio da prevalência das decisões de mérito sobre as formais, expressa no princípio de gestão processual a que se reporta, em particular, o artigo 6.º do CPC, determinam que o juiz deva promover a regularização do articulado e, não, julgando inepta a reconvenção, sem conferir ao réu a possibilidade de suprir tal vício. VII) A ineptidão da petição inicial por falta de pedido, prevista como nulidade insanável e insuscetível de convite para correção, só deve ser decretada quando seja inequívoco que o autor não deu a conhecer o efeito jurídico pretendido. VIII) Não impondo a lei fórmulas pré-estabelecidas para a dedução do pedido, é de aceitar o articulado em que, embora a pretensão de tutela jurídica não tenha sido efetuada de acordo com a praxis do foro (no desfecho de tal articulado), o efeito jurídico pretendido com a demanda, se encontra patentemente formulado nessa peça processual. IX) De todo o modo, tendo a autora interpretado convenientemente a pretensão reconvencional, relativamente à qual esgrimiu a sua defesa, a arguição do vício de ineptidão da reconvenção por falta de pedido, não poderia, todavia, jamais, proceder, atento o facto de a previsão contida no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, a isso impedir.» Procedem, pois, em parte, as conclusões da alegação de recurso, ao qual será concedido parcial provimento, não cumprindo a este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre o mais invocado, a respeito da verificação dos requisitos da reconvenção previstos no art. 266.º, n.º 2, do CPC, uma vez que tal configura uma questão nova. Quanto à inadmissibilidade da apreciação de questões novas nos recursos, veja-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão do STJ de 23-03-2017, proferido na Revista n.º 4517/06.5TVLSB.L1.S1 - 2.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt: “Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso (art. 627.º, n.º 1, do CPC).” No mesmo sentido, destacamos a explicação de Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª edição, Almedina, pág. 119: “A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto, de em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso”. Vencidos os Autores, são responsáveis pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC). *** III - DECISÃO Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e, em sua substituição, julga-se improcedente a arguição de nulidade da reconvenção, determinando-se que, se a tanto nada mais obstar (designadamente do ponto de vista tributário), os autos prossigam a sua tramitação quanto à reconvenção, considerando que o pedido reconvencional é o seguinte: i) ser reconhecido que o sótão faz parte da fração do Réu e, subsidiariamente, se assim não se considerar, que o sótão é uma parte comum do uso exclusivo da fração do Réu; ii) a condenação dos Autores-reconvindos na obrigação de pagar ao Réu-reconvinte uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, em quantia não inferior a 5.000,00 €. Mais se decide condenar os Autores-Apelados no pagamento das custas do recurso. D.N. Lisboa, 11-07-2024 Laurinda Gemas Vaz Gomes Arlindo Crua |