Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
132/22.4YUSTR.L1-PICRS
Relator: PAULA POTT
Descritores: COMUNICAÇÕES
RÁDIO
CONTRAORDENAÇÃO CONTINUADA
CONCURSO
SUSPENSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: SENTENÇA PARCIALMENTE REVOGADA
Sumário: Contraordenações do sector das comunicações – Disponibilização de equipamento de rádio no mercado – Contraordenação continuada como alternativa ao concurso de contraordenações – Regime subsidiário – Falta dos pressupostos da contraordenação continuada – Medida concreta da coima única do concurso – Suspensão da execução da totalidade coima – Artigo 46.º do DL 57/2017 – Artigo 31.º Lei 99/2009 –  Directiva 2014/53 – Artigo 30.º n.º 2 do Código Penal – Artigo 402.º -A do Código dos Valores Mobiliários – Artigos 19.º, 20.º e 32.º do Regime Geral das Contraordenações.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

Sentença recorrida
1. A recorrente, veio interpor o presente recurso da sentença proferida em 6.10.2022, com a referência citius 374636, pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), que julgou parcialmente procedente o recurso de impugnação judicial interposto pela arguida/recorrente, da decisão condenatória da ANACOM e decidiu:
“A) Julgar improcedentes as nulidades, questões prévias, incidentais e/ou inconstitucionalidades suscitadas pela Recorrente;
B) Absolver a Recorrente da prática da contra-ordenação prevista na alínea h) do n.º 3 do artigo 46.º, por violação da alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º, punível nos termos do disposto na alínea d) n.º 6 do artigo 46.º, e ainda no n.º 2 do artigo 48.º, todos do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de Junho (RED), e no artigo 4.º da Lei n.º 99/2009, de 04 de Setembro (RQCOSC), relativa aos equipamentos de rádio da marca ASUS, modelo RT-12+B1;
C) Condenar a Recorrente pela prática da contra-ordenação prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 46.º, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º, punível nos termos do disposto na alínea d) do n.º 5 e no n.º 7 do artigo 46.º, e ainda no n.º 2 do artigo 48.º, todos do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de Junho (RED) e no artigo 4.º da Lei n.º 99/2009, de 04 de Setembro (RQCOSC), relativa ao equipamento de rádio da marca WESTERN DIGITAL, modelo E6B, na coima que fixo em € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros);
D) Condenar a Recorrente pela prática da contra-ordenação prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 46.º, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º, punível nos termos do disposto na alínea d) do n.º 5 e no n.º 7 do artigo 46.º, e ainda no n.º 2 do artigo 48.º, todos do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de Junho (RED), e no artigo 4.º da Lei n.º 99/2009, de 04 de Setembro (RQCOSC), relativa aos 24 equipamentos de rádio da marca ASUS, modelo RT-12+B1, na coima de € 2.900,00 (dois mil e novecentos euros);
E) Condenar a Recorrente pela prática da contra-ordenação prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 46.º, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º, punível nos termos do disposto na alínea d) do n.º 5 e no n.º 7 do artigo 46.º, e ainda no n.º 2 do artigo 48.º, todos do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de Junho (RED), e no artigo 4.º da Lei n.º 99/2009, de 04 de Setembro (RQCOSC), relativa aos equipamentos de rádio da marca NGS, modelo SPARK BT, na coima de € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros);
F) Condenar a Recorrente pela prática da contra-ordenação prevista na alínea h) do n.º 3 do artigo 46.º, por violação da alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º, punível nos termos do disposto na alínea d) n.º 6 do artigo 46.º, e ainda no n.º 2 do artigo 48.º, todos do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de Junho (RED), e no artigo 4.º da Lei n.º 99/2009, de 04 de Setembro (RQCOSC), relativa aos equipamentos de rádio da marca WESTERN DIGITAL, modelo E6B, na coima de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros);
G) Condenar a Recorrente pela prática da contra-ordenação prevista na alínea h) do n.º 3 do artigo 46.º, por violação da alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º, punível nos termos do disposto na alínea d) n.º 6 do artigo 46.º, e ainda no n.º 2 do artigo 48.º, todos do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de Junho (RED), e no artigo 4.º da Lei n.º 99/2009, de 04 de Setembro (RQCOSC), relativa aos equipamentos de rádio da marca NGS, modelo SPARK BT, na coima de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros);
H) Operar ao cúmulo jurídico das coimas singulares fixadas supra e condenar a Recorrente na coima única conjunta no valor de € 12.950,00 (doze mil, novecentos e cinquenta euros);
I) Suspender parcialmente a coima única cominada, suspensão essa no valor de € 8.650,00 (oito mil, seiscentos e cinquenta euros), pelo período de dois anos e sob a condição da Recorrente enviar, à ANACOM, os seguintes elementos, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado desta sentença:
- a lista de normas harmonizadas, os relatórios de ensaios de segurança, a explicação da conformidade dos referidos sistemas com as condições de utilização do espectro radioeléctrico em pelo menos um Estado-Membro da União Europeia e a explicação da inclusão ou não de informações nas respectivas embalagens, relativos aos equipamentos de rádio relativa aos equipamentos de rádio da marca WESTERN DIGITAL, modelo E6B;
¾ as especificações técnicas, o diagrama de blocos, os relatórios de ensaios de rádio, de compatibilidade electromagnética e de protecção à saúde, a explicação da conformidade dos referidos sistemas com as condições de utilização do espectro radioeléctrico em pelo menos um Estado-Membro da União Europeia e a explicação da inclusão ou não de informações nas respectivas embalagens, relativas aos equipamentos de rádio da marca NGS, modelo SPARK BT;
J) Julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida referente às custas fixadas na fase administrativa, decidindo que no valor das custas administrativas deverá ser expurgado, nos termos do n.º 4 e do n.º 6, a contrario, do artigo 35.º da Lei n.º 99/2009, de 04 de Setembro (RQCOSC), o valor que diz respeito à certidão solicitada pela Recorrente e a esta disponibilizada na fase administrativa do processo;
K) Julgar no mais improcedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente.”
Alegações da recorrente
2. No recurso, a recorrente/arguida, conclui pedindo o seguinte:
“(...) ser a Sentença recorrida parcialmente revogada e substituída por outra que:
1. Reconheça a aplicação aos presentes autos de uma única infração continuada, ou, quando muito, de duas infrações continuadas (uma por cada ilícito contraordenacional efetivamente em causa), reduza a coima aplicada em conformidade e determine a sua suspensão na totalidade; ou
2. Subsidiariamente,   determine a redução proporcional da coima única aplicada à Recorrente, em percentagem nunca inferior a 15%, em consonância com a absolvição de uma das contraordenações e a redução das coimas singulares aplicadas, em cumprimento do princípio da proibição da reformatio in pejus (artigo 72.º-A do RGCO e 32.º, n.º 10, da Constituição).”
3. Na motivação a recorrente invoca, em síntese, fundamentos que agrupa como se segue:
Erro de direito sobre os pressupostos da contraordenação continuada
- As cinco contraordenações pelas quais o Tribunal a quo condenou a recorrente reportam-se à verificação de apenas dois tipos de ilícito contraordenacionais distintos, um deles preenchido três vezes e o outro preenchido duas vezes, previstos, respetivamente, na alínea b) do n.º 2 e na alínea h), do n.º 3, do artigo 46.º, do Decreto-Lei n.º 57/2017, de 9 de Junho;
- A sentença recorrida incorreu em erro de direito quando afastou a aplicação da figura da contraordenação continuada;
- Ambos os tipos de ilícito têm por objectivo a protecção do mesmo bem jurídico, a saber, a proteção dos consumidores e dos utilizadores em geral, como resulta do artigo 4.º do DL 57/2017 de 9 de Junho e do artigo 3.º da Directiva 2014/53/UE;
- As condutas imputadas à arguida/recorrente, foram executadas de forma essencialmente homogénea, através da comercialização de equipamentos sem instruções e informações de segurança e mediante envio intempestivo da documentação técnica solicitada pela ANACOM;
- Tais condutas tiveram lugar no quadro da solicitação da mesma situação exterior, a saber, a circunstância de a arguida ter confiado que os equipamentos em causa vinham acompanhados da documentação exigível, obrigação que é imposta aos fornecedores, a que acresceu a crença de ter remetido à ANACOM toda a informação solicitada na sequência da informação recebida dos fornecedores;
- Devido ao caracter axiologicamente neutro das contraordenações, não é de exigir a solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa, como requisito da aplicação da figura da contraordenação continuada, como exige a parte final do n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal (CP) para o crime continuado;
- Para haver contraordenação continuada também não é necessário que os dois ilícitos protejam o mesmo bem jurídico;
- O artigo 402.º-A do Código dos Valores Mobiliários prevê a figura da contraordenação simultânea ou sucessiva com traços da contraordenação continuada, pelo que, seja por força da figura da infracção simultânea ou sucessiva, seja apenas por força do disposto no artigo 30.º do CP, a figura da contraordenação continuada deve ser subsidiariamente aplicada, ex vi artigo 32.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO);
Violação da proibição da reformatio in pejus
- A sentença recorrida violou a proibição da reformatio in pejus constante do artigo 72.º-A n.º 1 do RGCO pois, apesar de absolver a arguida de uma das seis contraordenações por que fora condenada pela ANACOM e de ter reduzido o montante de três coimas concretas, manteve, em cúmulo jurídico, a coima única de 12 950,00 euros;
- O que resulta numa agravação da coima única aplicada e numa violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º da CRP, aplicável ex vi artigos 2.º e 32.º da CRP;
- A sentença recorrida deve ser substituída por outra que reduza a coima aplicada e determine a sua suspensão na totalidade ao abrigo do disposto no artigo 31.º da Lei 99/2009 e do princípio da legalidade, uma vez que os fundamentos em que Tribunal a quo sustentou a não suspensão da execução da totalidade da coima – o facto de o número de contraordenações em causa não resultar de mera pluriocasionalidade e a ausência de qualquer tipo de sinal de arrependimento – não se verificam.
Respostas dos recorridos
4. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal de primeira instância respondeu, pugnando pela improcedência do recurso com excepção do valor da coima única que, segundo defende, deve ser reduzido, em síntese, pelos seguintes fundamentos:
Inaplicabilidade da figura da contraordenação continuada neste sector sancionatório
- O DL 57/2017 de 9 de Junho transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva 2014/53/EU (Diretiva RED ou “Radio Equipment Directive”);
- O objetivo dessa Diretiva, constante do considerando (72), é «assegurar que os equipamentos de rádio disponibilizados no mercado cumpram requisitos que proporcionam um elevado nível de proteção da saúde, de segurança, um nível adequado de compatibilidade eletromagnética, uma utilização eficaz e eficiente do espetro de radiofrequências, de forma a evitar as interferências nocivas, garantindo ao mesmo tempo o funcionamento adequado do mercado interno»;
- De acordo com o artigo 1.º -h) do DL 57/2017 que transpõe o artigo 2.º n.º 1-a) da Directiva 2014/53/EU, é por referência às anomalias e incidentes verificados em cada equipamento que se afere a conduta dos operadores do mercado e o número de deveres violados;
- Existem obstáculos à aplicação subsidiária, no domínio das contraordenações, da figura da continuação criminosa consagrada no artigo 30.º do CP, ainda que essa aplicação fosse feita com as necessárias adaptações;
- Um desses obstáculos é a violação do princípio da legalidade previsto no artigo 3.º n.º 2 da CRP, por falta de fundamento normativo, em particular, por falta de disposição expressa ou de remissão, na Lei 99/2009 (que aprova o Regime Quadro das Contraordenações do Sector das Comunicações), para o artigo 402.º -A do Código de Valores Mobiliários, que seria necessária por se tratar de um sector sancionatório diferente, assim como por falta de disposição expressa no RGCO;
- Outro obstáculo à aplicação da figura da contraordenação continuada resulta do facto de, no domínio das contraordenações, a figura da continuação ter por justificação evitar o risco de aplicação de coimas desproporcionalmente elevadas (eg. quando o cúmulo das coimas é material) risco que não se verifica no sistema legal português que prevê o cúmulo jurídico das coimas e o máximo para a medida abstracta do concurso que consta do artigo 19.º do RGCO;
Redução da coima única e suspensão da totalidade da coima única
- No que diz respeito à redução da coima única, merece provimento o recurso pois, atenta a absolvição da arguida por uma das contraordenações em concurso e a diminuição de uma parte das coimas concretas aplicadas, a coima única deve ser menor;
- Já no que diz respeito à suspensão da execução da totalidade da coima única, não se verificam todos os pressupostos do artigo 31.º da Lei 99/2009 dos quais depende a suspensão da execução da totalidade da coima, pelos motivos indicados na sentença recorrida.
5. A ANACOM/recorrida respondeu alegando e concluindo, em síntese:
Falta de pressupostos da infracção continuada
- Cada um dos dois tipos de ilícito em crise foi violado várias vezes pela arguida sem que se verifiquem razões endógenas que levassem à prática das infracções e justifiquem o seu tratamento como uma só contraordenação continuada ou como duas contraordenações continuadas;
- Os interesses tutelados por cada um dos dois tipos de ilícito em causa são diversos e os tipos não estão em relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção nem entre eles existe concurso aparente;
- A figura da infracção simultânea ou sucessiva não se aplica às contraordenações do sector das contraordenações aqui em causa;
- A figura da infração simultânea e sucessiva é incompatível com os ilícitos praticados em violação da alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º do DL 57/2017 porque se tratou do não envio, após solicitação da ANACOM, de todos os elementos da documentação técnica relativos a dois diferentes modelos, o que exclui a hipótese de se tratar de um procedimento diário de trabalho;
Determinação da coima única e suspensão da sua execução
- A coima única não deve ser reduzida na razão directa da redução das coimas parcelares nela incluídas, não existindo, por isso, violação da proibição da reformatio in pejus;
- A decisão de não suspender a totalidade da coima única não merece censura uma vez que o Tribunal a quo levou em conta outros factores além dos apontados pela arguida.
Admissão do recurso na segunda instância
6. Na segunda instância, o digno magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser mantida a decisão recorrida, com excepção do montante da coima única, o qual deve ser fixado em valor inferior.
7. A arguida/recorrente, em resposta ao parecer do digno magistrado do Ministério Público, pugnou pela aplicação da figura da contraordenação continuada, pela redução da coima única e pela suspensão da sua execução na totalidade

8. Admitido o recurso, mantido o seu efeito e corridos os vistos, cumpre decidir.
Delimitação do âmbito do recurso
9. São as seguintes, as questões relevantes para a decisão do recurso:
A. Contraordenação continuada
B. Medida da coima única e suspensão da sua execução
Nota preliminar:
10. Na enunciação dos factos provados e não provados, que se segue, este Tribunal mantém, entre parêntesis, a numeração que lhes foi dada na sentença recorrida para facilitar a leitura e as remissões.
Factos provados constantes da decisão recorrida
Do equipamento de rádio da marca WESTERN DIGITAL, modelo E6B, com o número de série WXC1AC66K870:
11. (1) Em 06.07.2018, a recorrente vendeu à WORTEN – EQUIPAMENTOS PARA O LAR, SA, um equipamento de rádio da marca WESTERN DIGITAL, modelo E6B, com o número de série WXC1AC66K870.
12. (2) Esse equipamento foi importado para a União Europeia pela sociedade alemã WESTERN DIGITAL DEUTSCHLAND GmbH.
13. (3) O fabrico dos sistemas de equipamentos de rádio da marca WESTERN DIGITAL, modelo E6B, iniciou-se em data não anterior a 27.04.2016.
14. (4) O equipamento de rádio da marca WESTERN DIGITAL, modelo E6B, com o número de série WXC1AC66K870, que foi apreendido nas instalações da WORTEN – EQUIPAMENTOS PARA O LAR, SA, sitas em Loures, não se encontrava acompanhado de informações de segurança e o manual de instruções consistia na imagem que se mostra inserta nestes autos a fls. 2332 (ref.ª do processo electrónico 369751), que aqui se considera integralmente reproduzida.
15. (5) Em 10.10.2018, a ANACOM solicitou à recorrente o envio dos manuais de utilização e técnicos, bem como da declaração de conformidade CE e documentação técnica, relativos a esses sistemas, concedendo-lhe prazo para o efeito até 29.10.2018, nos termos do Ofício com a ref. ANACOM-S017215/2018, de 10 de Outubro, de fls. 38-39 dos autos que se considera integralmente reproduzido.
16. (6) A recorrente não enviou até 29.10.2018 a documentação técnica relativa aos sistemas de equipamentos de rádio da marca WESTERN DIGITAL, modelo E6B.
17. (7) Em 31.10.2018, foram enviados à ANACOM as instruções para o utilizador e as especificações técnicas, mantendo-se em falta as fotografias ou ilustrações que apresentem a disposição interna, os desenhos de projecto e fabrico, os esquemas eléctricos, o diagrama de blocos, a lista de componentes, a lista de normas harmonizadas, os relatórios de ensaio de rádio, de compatibilidade electromagnética, de segurança e de protecção à saúde, a explicação da conformidade dos referidos sistemas com as condições de utilização do espectro radioeléctrico em pelo menos um Estado-Membro da União Europeia e a explicação da inclusão ou não de informações nas respectivas embalagens, bem como cópia da declaração UE de conformidade.
18. (8) A ANACOM voltou a solicitar a informação em falta à recorrente mediante carta de 23.09.2019.
19. (9) Em 08.10.2019 (pela recorrente) e em 09.10.2019 (pela Worten), foram enviados à ANACOM as fotografias ou ilustrações que apresentem a disposição interna, os desenhos de projecto e fabrico, os esquemas eléctricos, o diagrama de blocos, a lista de componentes, os relatórios de ensaios de rádio, de compatibilidade electromagnética e de protecção à saúde, bem como cópia da declaração UE de conformidade, mantendo-se em falta a lista de normas harmonizadas, os relatórios de ensaios de segurança, a explicação da conformidade dos referidos sistemas com as condições de utilização do espectro radioeléctrico em pelo menos um Estado-Membro da União Europeia e a explicação da inclusão ou não de informações nas respectivas embalagens.
20. (10) Em 15.10.2018, a recorrente enviou um e-mail à WESTERN DIGITAL a solicitar o envio da documentação técnica até 24.10.2018, tendo em vista o cumprimento do prazo inicialmente fixado pela ANACOM.
21. (11) Na sequência desse e-mail, a recorrente foi insistindo com o pedido de envio dos documentos técnicos solicitados dentro do mencionado prazo, tendo enviado sucessivos e-mails, relativamente a alguns dos quais não recebeu sequer resposta.
22. (12) Nunca chegou a receber, aquando desses pedidos, toda a informação solicitada da WESTERN DIGITAL, o que a impossibilitou de enviar à ANACOM a documentação técnica no primeiro prazo determinado para o efeito.
23. (13) A determinada altura, na referida sequência de mensagens de correio electrónico, chegou a ser invocado pela WESTERN DIGITAL que a impossibilidade de facultar certos documentos solicitados se devia a “segredo comercial”.
24. (14) Mais tarde, na sequência da solicitação da documentação técnica por parte da ANACOM em 23.09.2019, nova troca de e-mails teve lugar entre a ARGUIDA e a WESTERN DIGITAL, em que a primeira solicitou o envio da documentação técnica em falta solicitada pela ANACOM.
25. (15) Desta vez já não foi levantada nenhuma objecção por parte da WESTERN DIGITAL em facultar os referidos documentos, tendo estes sido remetidos à ARGUIDA por e-mail de 08.10.2019, e tendo esta, posteriormente, reenviado o mesmo à ANACOM também em 08.10.2019, conforme facto provado n.º 9.
Do equipamento de rádio da marca ASUS, modelo RT-12+B1:
26. (16) Em 19.09.2018, a arguida vendeu à J... & FILHOS, LDA., 24 equipamentos de rádio da marca ASUS, modelo RT-12+B1.
27. (17) Esses equipamentos foram importados para a União Europeia pela sociedade alemã ASUS COMPUTER GmbH.
28. (18) O fabrico dos equipamentos de rádio da marca ASUS, modelo RT-N12+B1, iniciou-se em data não anterior a 17.02.2014.
29. (19) O equipamento de rádio da marca ASUS, modelo RT-12+B1, com o número de série J3 J3IO1P000832, que foi apreendido em 26.11.2018 nas instalações da J... & FILHOS, LDA., sitas em Relva:
19.1 não se encontrava acompanhado de informações de segurança para os utilizadores;
19.2 a documentação técnica respectiva não incluía fotografias ou ilustrações, desenhos de projecto e fabrico, esquemas eléctricos, diagrama de blocos, lista de componentes, relatórios de ensaios de rádio, de compatibilidade electromagnética e de protecção à saúde, nem a explicação da conformidade dos referidos sistemas com as condições de utilização do espectro radioeléctrico em pelo menos um Estado-Membro da União Europeia, nem, ainda, a explicação da inclusão ou não de informações nas respectivas embalagens;
30. (20) Em 19.03.2019, a ANACOM solicitou à recorrente o envio dos manuais de utilização e técnicos, bem como da declaração de conformidade CE e documentação técnica, relativos a esses sistemas, tendo sido concedido prazo para o efeito até 08.04.2019, conforme o Ofício com a ref. ANACOM-S004416/2019, de 19 de Março, de fls. 211-212, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo sido enviados elementos da documentação técnica àquela Autoridade em 26.03.2019 e em 08.04.2019.
31. (21) Em 24.06.2020, a ANACOM voltou a solicitar a documentação que se mostrava ainda em falta.
32. (22) Em 05.07.2020 e em 17.07.2020, foram enviados à ANACOM todos os elementos da documentação técnica, relativa aos equipamentos de rádio da marca ASUS, modelo RT-12+B1, que não haviam sido enviados anteriormente.
Do equipamento de rádio da marca NGS, modelo SPARK BT:
33. (23) Em 11.01.2018, a arguida vendeu à STAPLES PORTUGAL – EQUIPAMENTO DE ESCRITÓRIO, SA, equipamentos de rádio da marca NGS, modelo SPARK BT.
34. (24) Esses equipamentos haviam sido adquiridos à sociedade espanhola LURBE GRUP, AS.
35. (25) O fabrico dos equipamentos de rádio da marca NGS, modelo SPARK BT, iniciou-se em data não anterior a 29.05.2018.
36. (26) O equipamento de rádio da marca NGS, modelo SPARK BT, com o número de série 70701131, que foi, em 30.11.2018, recolhido pela ANACOM nas instalações da STAPLES PORTUGAL – EQUIPAMENTO DE ESCRITÓRIO, SA, sitas em Setúbal:
26.1 não se encontrava acompanhado de informações de segurança para o utilizador;
26.2 a documentação técnica respectiva não incluía fotografias ou ilustrações que apresentem a disposição interna, os desenhos de projecto e fabrico, os esquemas eléctricos, as especificações técnicas, o diagrama de blocos, a lista de componentes, os relatórios de ensaios de rádio, de compatibilidade electromagnética, de segurança e de protecção à saúde, a explicação da conformidade dos referidos sistemas com as condições de utilização do espectro radioeléctrico em pelo menos um Estado Membro da União Europeia e a explicação da inclusão ou não de informações nas respectivas embalagens.
37. (27) Em 27.03.2019, a ANACOM solicitou à Arguida o envio dos manuais de utilização e técnicos, bem como da declaração de conformidade CE e documentação técnica, relativos a esses sistemas, tendo sido concedido prazo para efeito até 12.04.2019, conforme Ofício com a ref. ANACOM-S004660/2019, de 27 de Março, de fls. 1523-1524, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo sido enviados elementos da documentação técnica àquela autoridade em 10.04.2019 e em 12.04.2019.
38. (28) Em 20.05.2020, a ANACOM voltou a solicitar à recorrente que enviasse os elementos em falta.
39. (29) Em 05.06.2020, foram enviados à ANACOM, pela Lurbe Grup S.A., fotografias ou ilustrações que apresentem a disposição interna, os desenhos de projecto e fabrico, os esquemas eléctricos, a lista de componentes e os relatórios de ensaios de segurança, mantendo-se em falta as especificações técnicas, o diagrama de blocos, os relatórios de ensaios de rádio, de compatibilidade electromagnética e de protecção à saúde, a explicação da conformidade dos referidos sistemas com as condições de utilização do espectro radioeléctrico em pelo menos um Estado-Membro da União Europeia e a explicação da inclusão ou não de informações nas respectivas embalagens.
40. (30) Foi transmitido à ARGUIDA, pela sua fornecedora LURBE GRUP, S.A., a informação de que esta havia remetido, em 05.06.2020, um e-mail à ANACOM com toda a documentação solicitada, e-mail esse que foi remetido à ARGUIDA para seu conhecimento, razão pela qual a ARGUIDA enviou, de seguida, um e-mail à Autoridade Administrativa em 12.06.2020 a dar nota de ter tido conhecimento de tal informação, referindo que não iria enviar a documentação para evitar a respectiva duplicação.
41. (31) A ARGUIDA tinha anteriormente transmitido à fornecedora LURBE GRUP, S.A., [qual] a documentação técnica que lhe havia sido solicitada pela ANACOM, para efeitos de, à semelhança do sucedido com a WESTERN DIGITAL, ser a mesma facultada para posterior envio à ANACOM, tendo a ARGUIDA insistido, também aqui, por várias vezes, com o envio da mesma dentro do prazo fixado, tendo dado conhecimento de tal prazo à LURBE GRUP, S.A..
Factos comuns
42. (32) A falta de manuais de instruções, bem como a falta de informações de segurança, implica que muitos consumidores não possam compreender parte ou totalidade dos documentos que acompanhem os equipamentos de rádio, comprometendo nomeadamente a sua devida e segura utilização.
43. (33) A falta da documentação técnica legalmente exigida, bem como o não envio da declaração de conformidade e a ausência de indicação sobre a potência máxima de radiofrequência transmitida nas faixas de frequência em que um equipamento de rádio funciona, dificulta a fiscalização da conformidade dos equipamentos com as normas relativas à protecção da saúde e à compatibilidade electromagnética aplicáveis e, assim, lesa consideravelmente não só as possibilidades de verificação completa dos equipamentos pela ANACOM, como também, e primordialmente, a garantia dos utilizadores na qualidade dos aparelhos e o seu direito à informação.
44. (34) Ao actuar como actuou, a Recorrente não teve o cuidado de verificar, como podia e era capaz, se a integralidade dos equipamentos constantes dos sistemas que comercializava respeitavam todos os requisitos legalmente exigidos, nomeadamente, se os equipamentos de rádio da marca WESTERN DIGITAL, modelo E6B, se encontravam acompanhados de instruções e informações de segurança [(1) Esta parte extrai-se da decisão administrativa no seu todo e não apenas da parte que diz respeito aos “factos provados”, o que deve ser considerado pelo tribunal, já que não compromete a defesa da Recorrente, que mostrou ter pleno conhecimento sobre a integralidade da factualidade imputada, nos termos já analisados] para o utilizador e se os equipamentos de rádio da marca ASUS, modelo RT-12+B1, e da marca NGS, modelo SPARK BT, se encontravam acompanhados de informações de segurança para os utilizadores, não chegando sequer a colocar a possibilidade de poder violar as normas que determinam aquela verificação [(2) Esta última parte indefere-se da decisão administrativa no seu todo, não constando da mesma qualquer tipo de alegação no sentido de estar em causa uma negligencia consciente. A introdução da expressão, não implica qualquer alteração do critério essencial de valoração do interesse, sendo que a Recorrente não fica defraudada no direito de defesa. Com efeito, esta vinha acusada da prática de contra-ordenações a título negligente, o que integra a negligência consciente e inconsciente e que era do seu conhecimento. No caso, a referida modificação constituiu apenas uma explicitação, que fez reverter a situação à negligência inconsciente, sendo uma forma integrante da manifestação do mesmo tipo legal, com a condenação da Recorrente pelas mesmas contra-ordenações, não havendo, por isso, necessidade de comunicação da alteração, para efeitos do n.º 1 do artigo 358.º do CPP, ex vi do n.º 1 do artigo 41.º do RGCO – neste sentido vide acórdão do STJ de 13.07.2011, processo n.º 1659/07.3GTABF.S1, in www.dgsi.pt].
45. (35) Ao actuar como actuou, a  Recorrente não teve o cuidado, como podia e era capaz, de enviar à ANACOM, nos prazos estabelecidos para o efeito, as documentações técnicas completas relativas aos equipamentos de rádio da marca WESTERN DIGITAL, modelo E6B, da marca ASUS, modelo RT-12+B1 e da marca NGS, modelo SPARK BT, não chegando sequer a colocar a possibilidade de poder violar as normas que determinam aquela obrigação [(3) Idem].
Outros factos
46. (36) No ano de 2020, a recorrente obteve um volume de negócios de 319 415 485,72 euros, um balanço total de 161 465 479,28 euros e um resultado líquido de 7 288 807,17 euros, tendo tido ao seu serviço um número médio de 197 trabalhadores.
47. (37) A recorrente tem em “stock” os produtos informáticos que comercializa, na prossecução do seu escopo social de comercialização de equipamento informático e de tecnologia de informação, estando os mesmos devidamente embalados e prontos a serem revendidos aos comerciantes retalhistas.
48. (38) A recorrente revende os equipamentos adquiridos a outros vendedores sem abrir as respectivas embalagens.
49. (39) Ainda assim, a recorrente utiliza um procedimento de averiguação interna, destinado a fiscalizar, por amostragem aleatória, os equipamentos de rádio que disponibiliza no mercado e, nomeadamente, aferir se se encontram ou não acompanhados das instruções e informações de segurança em língua portuguesa.
50. (40) Este sistema consiste na verificação aleatória de uma única unidade de cada modelo de equipamento de rádio que arRecorrente comercializa (não verificando, porém, lote a lote, desse modelo), o que tem ajudado a prevenir, desde a sua implementação (em 2013), situações de comercialização de equipamentos que apresentem desconformidades com a lei.
51. (41) A recorrente apenas comercializa modelos de equipamentos de rádio que passem pelo referido procedimento de averiguação interna e que, na decorrência desse procedimento se revelem munidos da documentação legalmente exigível, o que sucedeu no vertente caso, embora se desconheça se os equipamentos pertenciam ao primeiro lote comercializado (único lote verificado aleatoriamente, nos preditos termos).
52. (42) Se a recorrente abrisse todas as unidades dos produtos que vende para verificar a inclusão de instruções e informações de segurança, essas unidades passariam a ter o selo de embalagem violado e nenhum retalhista, cliente da Recorrente, aceitaria comprá-los nessa situação.
53. (43) A recorrente, tendo já uma relação duradoura com os seus fornecedores, também confia que os aparelhos que adquire se encontram acompanhados das respectivas instruções e informações de segurança e confiava ter cumprido com o seu dever de facultar à ANACOM toda a documentação solicitada, na sequência das informações recebidas por parte dos fornecedores.
54. (44) A Recorrente foi condenada, mediante sentenças transitadas em julgado, proferidas por este Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, nos seguintes moldes:
44.1 Mediante sentença data de 01/07/2013, transitada em 16-09-2014, proferida em sede do processo com o n.º 48/13.5YUSTR cujo dispositivo foi:
“Face ao exposto, o Tribunal decide:
a) julgar não verificadas e indeferir todas as nulidades invocadas pela Recorrente CPCDI Companhia Portuguesa Computadores Distribuição Produtos Informáticos, S.A.;
b) absolver a Recorrente CPCDI Companhia Portuguesa Computadores Distribuição Produtos Informáticos, S.A. da prática, a título doloso, das infrações previstas pelas disposições conjugadas dos (i) artºs 8º, al. b), e artº 33º, nº 1, al. c), do DL nº 192/2000 e (ii) artºs 28º, nº 3, e artº 33º, nº 1, al. m), do DL nº 192/2000, de 18 de agosto;
c) condenar a Recorrente CPCDI Companhia Portuguesa Computadores Distribuição Produtos Informáticos, S.A. pela prática da contraordenação prevista pelas disposições conjugadas dos artºs 8º, al. b), e artº 33º, nº 1, al. c) e nº 3, do DL nº 192/2000, de 18/08 e artº 4º da Lei nº 99/2009, de 04/09, fixando-se a coima em d) condenar a Recorrente CPCDI Companhia Portuguesa Computadores Distribuição Produtos Informáticos, S.A. pela prática da contraordenação prevista pelas disposições conjugadas dos artºs 28º, nº 3, e artº 33º, nº 1, al. m) e nº 3, do DL nº 192/2000, de 18/08 e artº 4º da Lei nº 99/2009, de 04/09, fixando- euros);
e) em cúmulo jurídico das coimas fixadas em c)- e d)-, condenar a Recorrente CPCDI Companhia Portuguesa Computadores Distribuição Produtos Informáticos, S.A. ao pagamento da coima única com o valor de ;
f) por ilegitimidade da Recorrente CPCDI Companhia Portuguesa Computadores Distribuição Produtos Informáticos, S.A. para formular este pedido, indeferir o pedido de devolução dos equipamentos apreendidos;
g) condenar a Recorrente CPCDI Companhia Portuguesa Computadores Distribuição Produtos Informáticos, S.A. em custas nas custas e demais encargos com o processo, fixando-se em 3,5 a taxa de justiça, ao qual acrescem as custas fixadas pela entidade administrativa na decisão recorrida.”
44.2 Mediante sentença datada de 13.07.2015, transita em 10-11-2016, proferida em sede do processo que correu termos sob o n.º 138/15.0YUSTR, cujo dispositivo foi:
“Em face de todo o exposto, julgo parcialmente procedente o recurso nos seguintes termos:
I. No que respeita às nulidades e questões prévias invocadas pela recorrente:
o Julgo verificada a nulidade insanável (nos presentes autos) da decisão impugnada no que respeita à contraordenação prevista e punida pelos arts. 1º, 2º e 4º, do Decreto-Lei nº 238/86, de 19.08, na redação que lhes foi conferida pelo DL nº 42/88, de 06.02, relativa aos aparelhos da marca HP, modelo OFFICEJET 4500 WIRELESS;
Julgo improcedentes as demais nulidades e questões prévias;
II. Condeno a arguida:
Numa coima de € 4.000,00 (…) para a contraordenação praticada em violação do preceituado na alínea b) do art. 8º do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, relativa aos aparelhos da marca NGS, modelo WIRELESS DESKTOP SET LIDE KIT;
Numa coima de três mil e trezentos euros ( ) para a contraordenação praticada em violação do preceituado na alínea b) do art. 8º do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, relativa aos aparelhos da marca TARGUS, modelo AMW56EU;
Numa coima de três mil e duzentos euros 200) para a contraordenação praticada em violação do preceituado na alínea b) do art. 8º do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, relativa aos aparelhos da marca IOMEGA, modelo ICONNECT WIRELESS DATA SATION;
Numa coima única no montante de oito mil euros (8. 000).
III. Determino a devolução à recorrente dos equipamentos da marca NGS, modelo WIRELESS DESKTOP SET LIDE KIT [(4) A sentença havia suspendido a execução da coima. Contudo, o acórdão da Relação de Lisboa de 19.11.2015 revogou, nessa parte, a sentença].
55. (45) Os autos eram compostos, até à prolação da decisão administrativa, por 2239 folhas, onde se incluía a defesa da Recorrente, que foi junta ao processo no dia 1 de Fevereiro de 2022, sendo composta por 118 folhas.
56. (46) No dia 24 de Janeiro de 2022, a Recorrente apresentou requerimento com vista à consulta do processo e à passagem das respectivas cópias, o que foi deferido, no mesmo dia, pela ANACOM, tendo a cópia sido realizada em formato digital, especificamente, em CD-ROM.
57. (47) A ANACOM decidiu o seguinte quanto a custas: “Nos termos do disposto no artigo 35.º do RQ, e tendo em conta que o presente processo de contraordenação é constituído por 2239 fls. e tendo em conta a cópia do processo solicitada, cabe ainda à arguida proceder ao pagamento de 16,3 UC (1662,60 euros – mil seiscentos e sessenta e dois euros e sessenta cêntimos) a título de custas”.
Factos não provados constantes da decisão recorrida
58. (1) O equipamento de rádio da marca WESTERN DIGITAL, modelo E6B, com o número de série WXC1AC66K870, que foi apreendido nas instalações da WORTEN – EQUIPAMENTOS PARA O LAR, SA, sitas em Loures, tal como provado, encontrava-se acompanhado do manual de instruções que se mostra inserto nestes autos a fls. 2331 (ref.ª do processo electrónico 369618), que aqui se considera integralmente reproduzido.
59. (2) O sistema a que se alude no facto provado n.º 40 consiste na verificação de mais do que uma unidade de cada modelo de equipamento de rádio.
Quadro legal relevante
60. Tem relevo para a decisão do presente recurso o seguinte quadro legal:
Directiva 2014/53 (disponibilização de equipamento de rádio no mercado)
Considerando (73)
Atendendo a que o objetivo da presente diretiva, a saber, assegurar que os equipamentos de rádio disponibilizados no mercado cumpram requisitos que proporcionam um elevado nível de proteção da saúde, de segurança, um nível adequado de compatibilidade eletromagnética, uma utilização eficaz e eficiente do espetro de radiofrequências, de forma a evitar as interferências nocivas, garantindo ao mesmo tempo o funcionamento adequado do mercado interno, não pode ser suficientemente alcançado pelos Estados-Membros mas pode, devido à sua dimensão e aos seus efeitos, ser mais bem alcançado ao nível da União, a União pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.º do Tratado da União Europeia. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no mesmo artigo, a presente diretiva não excede o necessário para atingir esse objetivo.
Lei 99/2009 de 4 de Setembro – Regime Quadro das Contraordenações do Sector das Comunicações
Artigo 4.º
Punibilidade da tentativa e da negligência
A negligência e a tentativa são sempre puníveis, sendo os limites mínimos e máximos da respectiva coima reduzidos a metade.
Artigo 5.º
Determinação da sanção aplicável
1 - A determinação da medida da coima e a decisão relativa à aplicação de sanções acessórias são feitas em função da ilicitude concreta do facto, da culpa do agente, dos benefícios obtidos com a prática da contra-ordenação e das exigências de prevenção, tendo ainda em conta a natureza singular ou colectiva do agente.
2 - Na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa das pessoas colectivas e entidades equiparadas atende-se, entre outras, às seguintes circunstâncias:
a) Ao perigo ou ao dano causados;
b) Ao carácter ocasional ou reiterado da infracção;
c) À existência de actos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infracção;
d) À existência de actos do agente destinados a, por sua iniciativa, reparar os danos ou obviar aos perigos causados pela infracção.
3 - Na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa das pessoas singulares, atende-se, além das referidas no número anterior, às seguintes circunstâncias:
a) Intenção de obter, para si ou para outrem, um benefício ilegítimo ou de causar danos;
b) Especial dever de não cometer a infracção.
4 - Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a situação económica e a conduta do agente.
Artigo 7.º
Montantes das coimas
1 - A cada escalão de gravidade das contra-ordenações corresponde uma coima cujos limites mínimo e máximo variam consoante sejam praticadas por pessoa singular ou colectiva e, neste último caso, consoante a dimensão desta.
2 - As contra-ordenações leves são puníveis com as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoa singular, coima mínima de (euro) 50 e máxima de (euro) 2500;
b) Se praticadas por microempresa, coima mínima de (euro) 100 e máxima de (euro) 5000;
c) Se praticadas por pequena empresa, coima mínima de (euro) 250 e máxima de (euro) 10 000;
d) Se praticadas por média empresa, coima mínima de (euro) 500 e máxima de (euro) 20 000;
e) Se praticadas por grande empresa, coima mínima de (euro) 1000 e máxima de (euro) 100 000.
3 - As contra-ordenações graves são puníveis com as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoa singular, coima mínima de (euro) 100 e máxima de (euro) 7500;
b) Se praticadas por microempresa, coima mínima de (euro) 200 e máxima de (euro) 10 000;
c) Se praticadas por pequena empresa, coima mínima de (euro) 500 e máxima de (euro) 25 000;
d) Se praticadas por média empresa, coima mínima de (euro) 1000 e máxima de (euro) 50 000;
e) Se praticadas por grande empresa, coima mínima de (euro) 2500 e máxima de (euro) 1 000 000.
4 - As contra-ordenações muito graves são puníveis com as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoa singular, coima mínima de (euro) 250 e máxima de (euro) 20 000;
b) Se praticadas por microempresa, coima mínima de (euro) 500 e máxima de (euro) 50 000;
c) Se praticadas por pequena empresa, coima mínima de (euro) 1250 e máxima de (euro) 150 000;
d) Se praticadas por média empresa, coima mínima de (euro) 2500 e máxima de (euro) 450 000;
e) Se praticadas por grande empresa, coima mínima de (euro) 5000 e máxima de (euro) 5 000 000.
5 - Os actos legislativos que tipifiquem ilícitos enquadráveis no âmbito da presente lei podem estabelecer molduras contra-ordenacionais, dentro de cada um dos tipos de contra-ordenação previstos nos números anteriores, com limites mínimos superiores e limites máximos inferiores ao previsto, tendo em conta os bens jurídicos em presença.
6 - Para efeitos do presente artigo entende-se por:
a) «Microempresa», a que empregar menos de 10 trabalhadores, tiver um volume de negócios anual ou um balanço total anual que não exceda 2 milhões de euros e que cumpra o critério de independência, segundo o qual 20 /prct. ou mais do seu capital social ou dos seus direitos de voto não sejam detidos, direta ou indiretamente, por uma pequena ou um conjunto de pequenas empresas, por uma média ou um conjunto de médias empresas, ou ainda por uma grande empresa ou conjunto de grandes empresas;
b) «Pequena empresa», a que empregar menos de 50 trabalhadores, tiver um volume de negócios anual ou um balanço total anual que não exceda 10 milhões de euros e ainda aquela que, cumprindo os requisitos económicos e o número médio de trabalhadores previstos na alínea anterior, tenha 20 /prct. ou mais do seu capital social ou dos seus direitos de voto detidos, direta ou indiretamente, por uma pequena empresa ou conjunto de pequenas empresas;
c) «Média empresa», a que empregar menos de 250 trabalhadores, tiver um volume de negócios anual que não exceda 50 milhões de euros ou um balanço total anual que não exceda 43 milhões de euros e ainda aquela que, cumprindo os requisitos económicos e o número médio de trabalhadores previstos nas alíneas a) ou b), tenha 20 /prct. ou mais do seu capital social ou dos seus direitos de voto detidos, direta ou indiretamente, por uma média empresa ou conjunto de médias empresas;
d) «Grande empresa», a que empregar mais de 250 trabalhadores e tiver um volume de negócios anual que exceda 50 milhões de euros ou um balanço total anual que exceda 43 milhões de euros e ainda aquela que, cumprindo os requisitos económicos e o número médio de trabalhadores previstos nas alíneas a), b) ou c), tenha 20 /prct. ou mais do seu capital social ou dos seus direitos de voto detidos, direta ou indiretamente, por uma grande empresa ou conjunto de grandes empresas.
7 - O limiar do critério de independência definido na alínea b) do número anterior pode ser excedido nos casos seguintes:
a) Se a empresa for propriedade de sociedades públicas de investimento, sociedades de capital de risco ou investidores institucionais, desde que estes últimos não exerçam, a título individual ou conjuntamente, qualquer controlo sobre a empresa;
b) Se o capital se encontrar disperso de maneira que não seja possível determinar quem o detém e se a empresa declarar que pode legitimamente presumir que 20 /prct. ou mais do seu capital social ou dos seus direitos de voto não são detidos, directa ou indirectamente, por uma grande empresa ou conjunto de médias empresas.
Artigo 31.º
Suspensão da sanção
1 - O ICP-ANACOM pode suspender a aplicação das sanções se, atendendo à conduta do agente, anterior ou posterior à prática da infracção, e às circunstâncias desta, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da sanção realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a regularização de situações ilegais.
3 - O tempo de suspensão é fixado entre dois e cinco anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória.
4 - A suspensão não abrange custas.
5 - Decorrido o tempo de suspensão sem que o arguido tenha praticado qualquer contra-ordenação no âmbito do sector das comunicações e sem que tenha violado as obrigações que lhe hajam sido impostas, fica a condenação sem efeito, procedendo-se, no caso contrário, à execução das sanções aplicadas.
8 - Para efeitos de aplicação do n.º 6, considera-se o número médio de trabalhadores ao serviço da empresa no ano anterior ao da acusação.
9 - Para efeitos de aplicação dos n.os 6 e 7, a dimensão da empresa é apurada com base nos dados económicos referentes ao ano anterior ao da acusação, sem prejuízo de poderem ser considerados, oficiosamente ou por indicação da arguida, novos elementos de facto que conduzam à alteração da classificação inicial.
10 - No caso de não ser possível determinar a dimensão da empresa, para efeitos de aplicação do disposto nos números anteriores, aplica-se a moldura contraordenacional prevista para as médias empresas, sem prejuízo de poderem ser considerados novos elementos, nos termos previstos no número anterior.
11 - Para os efeitos previstos nos números anteriores, consideram-se equiparadas:
a) A microempresas, as pessoas colectivas de direito privado que não revistam a forma de sociedades, bem como as freguesias;
b) A pequenas empresas, os municípios e as restantes pessoas colectivas de direito público que não constituam empresas nem sejam abrangidas pela alínea anterior.
Artigo 36.º
Direito subsidiário
Às contra-ordenações previstas na presente lei, em tudo quanto nela se não encontre expressamente regulado, são subsidiariamente aplicáveis as disposições do regime que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
DL 57/2017 de 9 de Junho
Artigo 46.º [versão inicial, em vigor à data da prolação da sentença recorrida, posteriormente alterada pelo DL 87/22]
Contraordenações praticadas pelos distribuidores
1 - Constituem contraordenações leves:
a) A falta de aviso que indique que o equipamento de rádio apresentado em ação de demonstração não pode ser disponibilizado no mercado ou colocado em serviço, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 10.º
2 - Constituem contraordenações graves:
a) A disponibilização no mercado de equipamento de rádio sem marcação CE aposta no próprio equipamento, na respetiva placa de identificação ou na embalagem, ou cujas marcações CE não sejam visíveis, legíveis e indeléveis, em violação do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 14.º;
b) A disponibilização no mercado de equipamento de rádio que não se encontre acompanhado de instruções e de informações de segurança redigidas em português e em linguagem clara, compreensível e inteligível pelos consumidores e por outros utilizadores finais, em violação do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º;
c) O incumprimento de qualquer das obrigações previstas na alínea c) do n.º 2 do artigo 14.º, exceto a prevista na alínea b) do número seguinte.
3 - Constituem contraordenações muito graves:
a) A realização de demonstrações de equipamentos de rádio sem que sejam asseguradas as medidas adequadas prescritas pela ANACOM, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 10.º;
b) A disponibilização no mercado de equipamento de rádio sem que se tenha certificado de que foi fabricado de modo a que possa ser utilizado em pelo menos um dos Estados-Membros da UE sem infringir as condições de utilização do espectro radioelétrico em vigor, em violação do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 14.º;
c) A disponibilização no mercado de equipamento de rádio que não esteja conforme com os requisitos essenciais, nos termos estabelecidos na alínea d) do n.º 2 do artigo 14.º;
d) A falta de informação quer ao fabricante, quer ao importador, quer às autoridades de fiscalização do mercado de que existe um equipamento de rádio que represente um risco, em violação do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 14.º;
e) O incumprimento da obrigação de se assegurar que as condições de armazenamento ou de transporte de um equipamento de rádio sob a sua responsabilidade não prejudicam a sua conformidade com os requisitos essenciais, em violação do disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 14.º;
f) Não tomar imediatamente as medidas corretivas necessárias para colocar um equipamento de rádio em conformidade com o presente decreto-lei, para o retirar ou para o recolher, em violação do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 14.º e no n.º 7 do artigo 35.º;
g) A falta de informação às autoridades de fiscalização do mercado de que existe um equipamento de rádio que apresente um risco, bem como o não fornecimento àquelas das informações relevantes para esse efeito, em violação do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 14.º;
h) Não facultar às autoridades de fiscalização do mercado, quando estas lho pedirem fundamentadamente, toda a informação e documentação necessárias para demonstrar a conformidade do equipamento de rádio, em papel ou, preferencialmente, em suporte eletrónico, numa língua facilmente compreensível pelas autoridades, em violação do disposto na alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º;
i) A falta de cooperação com as autoridades de fiscalização do mercado em qualquer ação de eliminação dos riscos decorrentes de equipamentos de rádio por si disponibilizados no mercado, em violação do disposto na alínea j) do n.º 2 do artigo 14.º e quer no n.º 7 do artigo 35.º, quer no n.º 2 do artigo 37.º;
j) O incumprimento da obrigação de informação prevista no artigo 15.º
4 - As contraordenações leves são puníveis com as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoa singular, de (euro) 100 a (euro) 1 000;
b) Se praticadas por microempresa, de (euro) 200 a (euro) 2 000;
c) Se praticadas por pequena empresa, de (euro) 500 a (euro) 5 000;
d) Se praticadas por média empresa, de (euro) 1 000 a (euro) 10 000;
e) Se praticadas por grande empresa, de (euro) 2 500 a (euro) 25 000.
5 - As contraordenações graves são puníveis com as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoa singular, de (euro) 375 a (euro) 3 750;
b) Se praticadas por microempresa, de (euro) 500 a (euro) 5 000;
c) Se praticadas por pequena empresa, de (euro) 1 250 a (euro) 12 500;
d) Se praticadas por média empresa, de (euro) 2 500 a (euro) 25 000;
e) Se praticadas por grande empresa, de (euro) 6 500 a (euro) 65 000.
6 - As contraordenações muito graves são puníveis com as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoa singular, de (euro) 750 a (euro) 7 500;
b) Se praticadas por microempresa, de (euro) 1 000 a (euro) 10 000;
c) Se praticadas por pequena empresa, de (euro) 2 500 a (euro) 25 000;
d) Se praticadas por média empresa, de (euro) 5 000 a (euro) 50 000;
e) Se praticadas por grande empresa, de (euro) 12 500 a (euro) 125 000.
7 - Sendo praticadas as contraordenações previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 e nas alíneas a), b), c), d), e), h) e j) do n.º 3 pode ser aplicada a sanção acessória de perda a favor do Estado dos equipamentos.
Regime Geral das Contraordenações ou RGCO
Artigo 19.º
Concurso de contra-ordenações
1 - Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso.
2 - A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso.
3 - A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações.
Artigo 20.º
(Concurso de infracções)
Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação.
Artigo 32.º
(Do direito subsidiário)
Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal.
Código Penal ou CP
Artigo 30.º
Concurso de crimes e crime continuado
1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.
Código dos Valores Mobiliários
Artigo 402.º-A
Factos sucessivos ou simultâneos e unidade de infracção
1 - A realização repetida, por ação ou omissão, do mesmo tipo contraordenacional, executada de modo homogéneo ou essencialmente idêntico e no âmbito de um contexto de continuidade temporal e circunstancialismo idêntico, constitui uma só contraordenação, a que se aplica a sanção abstrata mais grave.
2 - No caso referido no número anterior, a pluralidade de condutas e as suas consequências são tidas em conta na determinação concreta da sanção.
Apreciação das questões suscitadas pelo recurso
A. Contraordenação continuada
61. O primeiro motivo de discórdia da recorrente (arguida) prende-se com a não aplicação da figura da contraordenação continuada, pelo Tribunal a quo.
62. Aeste propósito, está assente não tendo sido impugnado no presente recurso, que a conduta da arguida integrou a prática, com negligência inconsciente, de cinco contraordenações, a saber:
- Três contra-ordenações previstas e punidas pelos artigos 14.º n.º 2 - b), 46.º n.º 2 - b), n.º 5 - d) e n.º 7 e 48.º, do DL 57/2017 conjugados com o artigo 4.º da Lei 99/2009,  que consistiram em disponibilizar no mercado equipamento de rádio que não se encontrava acompanhado de instruções e de informações de segurança redigidas em português e em linguagem clara (cf. factos provados 1 a 4, 16 a 19 e 23 a 26 da sentença recorrida, acima transcritos);
§ Duas contra-ordenações previstas e punidas nos artigos 14.º n.º 2 – i), 46.º n.º 3 – h) e n.º 6 – d) e 48.º n.º 2 do DL 57/2017, conjugados com o artigo 4.º da Lei 99/2009, que consistiram em não disponibilizar a documentação técnica solicitada pela ANACOM (factos provados 20 a 22 e 27 a 31 da sentença recorrida, acima transcritos).
63. Os problemas que se colocam quanto a este segmento da discórdia serão resolvidos pela ordem seguinte: (i) saber se os factos apurados preenchem todos os requisitos legais da infracção continuada prevista no artigo 30.º n.º 2 do CP;  (ii) saber se deve ser aplicada a figura da contraordenação continuada, com recurso ao regime subsidiário previsto no artigo 30 n.º 2 do CP, ex vi artigo 32.º do RGCO, como alternativa ao concurso efectivo de infracções previsto no artigo 19.º do RGCO; (iii) saber se deve ser aplicado, por analogia, o regime da contraordenação sucessiva ou simultânea previsto no artigo 402.º - A do Código dos Valores Mobiliários.
(i) Requisitos legais da infracção continuada prevista no artigo 30.º n.º 2 do Código Penal
64. Nos termos do artigo 30.º n.º 2 do CP a contraordenação continuada consiste numa pluralidade de actos susceptíveis cada um de integrar várias vezes o mesmo tipo legal ou tipos legais diferentes mas análogos, que apresentem entre si uma conexão objectiva e subjectiva. 
65. A conexão ojectiva, na contraordenação continuada, existe quando se verificam dois reuisitos: a violção plúrima de um ou vários tipos contraordenacionais que no essencial protejam o mesmo interesse jurídico ou interesses jurídicos afins; através de condutas idênticas ou homogéneas, que formem uma unidade de contexto situacional, podendo a próximidade no tempo e no espaço ser um indício forte dessa unidade de contexto situacional.
66. A conexão subjectiva é compatível tanto com o dolo conjunto, como com o dolo continuado, como com uma pluralidade de resoluções, de modo que não fica excluída da continuação a figura dos crimes negligentes aqui em causa. O que é essencial para que se verifique a conexão subjectiva é a existência de uma relação que, de fora e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de modo diferente. Daqui decorre que a figura da infracção continuada, tal como está consagrada no direito português põe o acento tónico na unificação que, para a continuação, deriva da diminuição da culpa em nome de uma exigibilidade sensívelmente diminuida (cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3.ª Edição, Gestlegal, páginas 1193 a 1200).
67. Por força da neutralidade ética das contraordenações, no caso em análise, a culpa não se baseia numa censura ética, dirigida ao agente e à sua atitude interna, como acontece com a culpa jurídico penal, mas consiste antes numa imputação do facto à responsabilidade social do seu autor.  Entendida assim a culpa contraordenacional, também a contraordenação continuada se funda na mesma ideia substancial de diminuição da culpa do agente, em função do circunstâncialismo exógeno e, portanto, esse requisito tem de verificar-se uma vez que o intérprete e aplicador do direito, caso decida aplicar subsidiáriamente o artigo 30 n.º 2 do CP, deve fidelidade absoluta à construção legal aí consagrada (cf. Maria João Antunes, Concurso de Contraordenações, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Fasc. 3, Julho-setembro 1991,  páginas 467 e 468 e Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3.ª Edição, Gestlegal, página 1199).
68. Feito este enquadramento importa agora apreciar se da análise dos factos provados resultam a conexão ojectiva e a conexão subjectiva, necessárias à aplicação da contraordenação continuada com os contornos legalmente previstos no artigo 30.º n.º 2 do CP.
69. No que diz respeito à conexão objectiva, importa levar em conta que os tipos legais violados visam prosseguir o objectivo da Directiva 2014/53, enunciado no considerando (73) dessa directiva como se segue:  “(...) o objetivo da presente diretiva, a saber, assegurar que os equipamentos de rádio disponibilizados no mercado cumpram requisitos que proporcionam um elevado nível de proteção da saúde, de segurança, um nível adequado de compatibilidade eletromagnética, uma utilização eficaz e eficiente do espetro de radiofrequências, de forma a evitar as interferências nocivas, garantindo ao mesmo tempo o funcionamento adequado do mercado interno,(...)”.  
70. Nesse contexto, as disposições legais violadas (ainda que em conjunto com outras já citadas) foram, no essencial, o artigo 46.º n.º n.º 2 – b) e n.º 3- h) do DL 57/2017, que transpôs a Directiva 2014/53. Tais disposições legais, com vista a alcançar o objectivo mencionado no parágrafo anterior, prevêm, respectivamente, que constituem contraordenações:“A disponibilização no mercado de equipamento de rádio que não se encontre acompanhado de instruções e de informações de segurança redigidas em português e em linguagem clara, compreensível e inteligível pelos consumidores e por outros utilizadores finais, em violação do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º;” (cf. artigo 46.º n.º 2 – b) do DL 57/2017); e “Não facultar às autoridades de fiscalização do mercado, quando estas lho pedirem fundamentadamente e no prazo fixado para o efeito, toda a informação e documentação necessárias para demonstrar a conformidade do equipamento de rádio, em papel ou, preferencialmente, em suporte eletrónico, numa língua facilmente compreensível pelas autoridades, em violação do disposto na alínea i) do n.º 2 do artigo 14.º; (cf. artigo 46.º n.º 3 – h) do DL 57/2017).
71. Daqui resulta que se verifica o primeiro requisito da conexão objectiva, ou seja, os tipos contraordenacionais violados protegem o mesmo interesse jurídico ou interesses jurídicos afins, na medida em que ambos visam alcançar o objectivo enunciado no considerando (73) da Directiva 2014/53, transposta para o DL 57/2017.
72. Dos factos provados acima transcritos nos parágrafos 11 a 53, resulta que a actuação da arguida foi homogénea, pois ocorreu num periodo temporal limitado, de 2018 a 2019, e consistiu em adquirir material de rádio a fornecedores noutros Estados, com os quais mantinha um relacionamento comercial duradouro, para  disponibilizar esse material no mercado nacional, mediante a adopção de um procedimento de verificação da documentação aqui em causa por amostragem, abrindo apenas uma embalagem por modelo para verificar se tinha a documentação, de modo a não violar o selo de todas as  embalagens uma vez que os retalhistas e os consumidores se recusariam a adquirir produtos cujas embalagens não estivessem seladas.
73. Pelo que, verifica-se  o segundo requisito da conexão objectiva, ou seja a actuação da arguida foi homogénea.
74. Importa agora verificar se existe a conexão subjectiva, ou seja, se se verifica uma relação que de fora e de maneira considerável, facilitou a repetição das contraordenações aqui em causa, diminuindo sensivelmente a culpa entendida como a imputação dos factos à responsabilidade social da arguida, tal como já foi acima mencionado no parágrafo 67.
75. A este propósito, importa sublinhar que não resulta dos factos provados que a arguida tenha prosseguido a conduta contraordenacional prevista no artigo 46.º n.º 2-b) do DL 57/2017 após a intervenção da autoridade administrativa, uma vez que as três contraordenações aí previstas ocorreram em 11.1.2018 (facto provado 23 da sentença recorrida), 6.7.2018 (facto provado 1 da sentença recorrida) e 19.9.2018 (facto provado 16 da sentença recorrida), todas elas antes da primeira comunicação da ANACOM à arguida para a junção dos documentos em causa, feita em 10.10.2018 (facto provado 5 da sentença recorrida).
76. Assim, o que se apurou foi que, em resultado de condutas anteriores, pelas quais a arguida disponibilizou no mercado o material sem a documentação técnica exigida, a ANACOM fez a primeira interpelação à arguida para envio dos documentos em causa em 10.10.2018, ou seja, posteriormente à consumação das três contraordenações por disponibilização do material no mercado sem a documentação exigida; a ANACOM fez outras duas interpelações, em 19.3. 2019 (facto provado 20 da sentença recorrida) e 27.3.2019 (facto provado 27 da sentença recorrida), em resultado das quais a arguida não cumpriu o dever de juntar os documentos cuja existência não tinha verificado previamente e que só depois de notificada pela ANACOM solicitou aos respectivos fornecedores, tendo-se deparado com as dificuldades em obtê-los que se apuraram (cf. factos provados 10 a 14 e 29 a 31 da sentença recorrida). Em tais circunstâncias, a situação de facto não é análoga à do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30.1.191, que esteve na base da anotação acima mencionada no parágrafo 67 (cf. Maria João Antunes, Concurso de Contraordenações, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Fasc. 3, Julho-setembro 1991, páginas 463 a 474).
77. Pelo que, não se afigura que a intervenção da ANACOM tenha interrompido uma alegada situação externa que facilitava a repetição das contraordenações no que diz respeito às três contraordenações previstas no artigo 46.º n.º 2 – b) do DL 57/2017, que foram praticadas antes dessa intervenção da ANACOM. Essa interrupção apenas ocorreu posteriormente e no que respeita às contraordenações previstas no artigo 46.º n.º 3 – h) do DL 57/2017, relativamente às quais tal intervenção exclui a figura da continuação.
78. Dito isto, de um ponto de vista legal, o único elemento subjectivo da continuação é a existência de uma culpa diminuta (menor exigibilidade) em resultado de uma situação externa. Neste caso, a culpa diminuta enquanto elemento subjectivo terá de estender-se à pluralidade de contraordenações negligentes previstas no artigo 46.º n.º 2 – b) do DL 57/2017, a saber, as três contraordenações em relação às quais a intervenção da ANACOM não interrompeu a situação externa que facilitava a sua pática. Tendo em conta que a punição da contraordenação continuada pode conduzir, em certos casos, ao priveligiamento injustificado do arguido, afigura-se que o Tribunal deve ser particularmente rigoroso e exigente na apreciação dos seus pressupostos, em particular, no que diz respeito à verificação do pressuposto subectivo da continuação (cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3.ª Edição, Gestlegal páginas 1206 a 1208).
79. À luz dos critérios acima expostos, há que verificar então se existiu uma situação externa que facilitou a repetição das três contraordenações previstas no artigo 46.º n.º 2 – b) do DL 57/2017 e se essa situação facilitou de forma considerável tal repetição de modo a conduzir a uma diminuição igualmente considerável da culpa, tal como exige o artigo 30.º n.º 2 do CP.
80. Assim, em primeiro lugar importa saber se a arguida se aproveitou de uma oportunidade para praticar os factos que voltou a verificar-se e a levou a repeti-los e/ou se criou um meio apto para realizar uma contraordenação e resolveu continuar a aproveitá-lo. A este propósito apurou-se que a relação comercial duradoura que a arguida mantinha com os fornecedores sobre os quais impendia também o dever de juntar a documentação ao material fornecido, foi a oportunidade externa no contexto da qual teve lugar a repetição da conduta e que o sistema de controlo por amostragem, através da abertura de uma embalagem por modelo, foi o meio implementado pela arguida que propiciou a prática das contraordenações repetidas (cf. factos provados 40 a 43 da sentença recorrida).
81. A dificuldade consiste em saber se esta situação exterior, que se apurou, diminuiu consideravelmente a culpa da arguida, como é requerido pelo artigo 30.º n.º 2 do CP, ou seja, se tornou cada vez menos exigível que a arguida cumprisse as normas violadas. Aplicando aqui, pelos motivos já explicados, o critério exigente acima enunciado, afigura-se que não existiu diminuição da culpa da arguida que possa ser qualificada como considerável, pois tendo em conta a origem do material e o facto de os fornecedores da arguida importarem parte desse material de Estados terceiros – não vinculados pela regulamentação adoptada pela União Europeia, através da Directiva 2014/53, no sector aqui em causa (cf. factos 2, 17 e 24 da sentença recorrida) – o Tribunal julga que nessas circunstâncias, a situação externa apurada não tornou consideravelmente menos exigível que a arguida tivesse uma atitude cuidadosa no cumprimento do dever  de prever e evitar a realização dos factos tipicos que se repetiram. A este propósito é de notar que não se apurou que a arguida tenha desenvolvido uma relação duradoura ou de cumplicidade com os produtores/fornecedores situados em Estados terceiros que propiciasse consideravelmente a falta de cuidado repetida na verificação dos documentos.
82. Pelo que, embora de um ponto de vista dogmático não existam obstáculos à aplicação da figura da contraordenação continuada, o que sucede no caso em análise é que, apesar de se verificar o elemento objectivo da continuação não se verifica o seu elemento subjectivo, pelo que, não estão preenchidos todos os pressupostos exigidos pelo artigo 30.º n.º 2 do CP para que exista contraordenação continuada.
(ii) Falta de analogia substancial entre o regime primário e o regime subsidiário previsto no 30.º n.º 2 do Código Penal
83. Ainda que assim não fosse, quod non, pelos motivos a seguir expostos afigura-se que no presente caso não existe analogia substancial entre o regime primário aplicável às contraordenações do sector das comunicações aqui em litígio e o regime subsidiário previsto no artigo 30.º n.º 2 CP, quanto à infracção continuada.
84. Com efeito, importa levar em conta que as contraordenações aqui em causa, previstas no artigo 46.º do DL 57/2017, estão cobertas pelo regime das contraordenações do sector das comunicações (cf. artigo 48.º do DL 57/2017), regime sectorial que está consagrado na Lei 99/2009. Assim sendo, o regime primário do processo sancionatório aqui aplicável é o previsto na Lei 99/2002. O regime geral previsto no RGCO, embora não careça de remissão expressa para se aplicar, aplica-se às contraordenações do sector das comunicações apenas nas condições e termos de uma aplicação subsidiária, como prevê o artigo 36.º da Lei 99/2009. Por sua vez, o artigo 32.º do RGCO, prevê que as regras do CP se aplicam subsidiáriamente às contraordenações.
85. Neste contexto, a aplicação subsidiária da regra prevista no artigo 30.º n.º 2 do CP, que consagra a figura do crime continuadao, ao sector das contraordenações das comunicações aqui em causa, por força dos artigos 32.º do RGCO e 36.º da Lei 99/2009, a ter lugar, seria uma forma de colmatar um espaço vazio deixado pela regulamentação primária  prevista no regime sectorial e no regime geral das contraordenações. Ora no caso em análise, a dificuldade consiste em apurar se existe verdadeiramente uma omissão do regime primário quanto à punição da contraordenação continuada ou se a ausência de regra expressa, seja no regime sectorial primário previsto na Lei 99/2009 conjugada com o DL 57/2017, seja no regime geral primário consagrado no RGCO, tem o sentido de regular a questão.
86. A este propósito, importa considerar que a consagração legislativa da figura do crime continuado como alternativa para certas situações de concurso efectivo constitui uma opção dogmática e de politica criminal que tem por objectivos: em primeiro lugar, evitar dificuldades práticas de comprovação judicial de cada uma das realizações que integram a continuação, que ficarão assim cobertas pelo efeito do caso julgado; em segundo lugar, evitar as consequências desproporcionadas e injustas, face ao conteúdo e ao sentido do ilícito total, a que pode conduzir a punição do concurso de infracções.
87. Ora, como defende o digno magistrado do Ministério Público, no caso em análise tais dificuldades não se verificam porque o número de contraordenações cometidas é limitado e  não existe o risco de aplicação de uma coima desproporcionada, uma vez que o limite máximo da coima única do concurso previsto no artigo 19.º n.º 2 do RGCO não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso. Por tal motivo, neste caso concreto falta a analogia substancial entre os regimes primário e subsidiário, que é pressuposto da aplicação deste último (cf., para o sector da concorrência, Lei da Concorência, Comentário Conimbricense, 2.ª Edição, Almedina, páginas 281 a 283).
88. Acresce que, apesar de não existirem obstáculos dogmáticos à aplicação da figura da contraordenação continuada, desde que estivessem verificados todos os requisitos previstos no artigo 30.º n.º 2 do CP (que não estão, como já foi explicado), afigura-se que a ausência de consagração normativa da contraordenação continuada no artigo 20.º do RGCO, foi querida pelo legislador e, portanto (pelo menos em regra e sem prejuízo de casos excepcionais em que a analogia substancial o justifique), não é uma lacuna que deva ser preenchida pela aplicação analógica do artigo 30.º n.º 2 do CP, em condições, como sucede no caso em análise, em que este Tribunal constata não existir analogia substancial entre o regime primário e o subsidiário; em tais condições, é forçoso concluir que a omissão do direito primário foi uma opção de politica de ordenação social tomada pelo legislador e, portanto, a aplicação do direito subsidiário desvirtuaria a regulamentação primária, quer sectorial, quer geral, que tem primazia (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações, 2.ª Edição, Universidade Católica Editora, páginas 122 e 123).
(iii) Falta de requisitos para a aplicação analógica do regime da contraordenação sucessiva ou simultânea prevista no artigo 402.º A do Código dos Valores Mobiliários
89. Pelos motivos indicados no parágrafo anterior, aos quais acresce a falta de analogia substancial dos regimes sectoriais das contraordenações em causa e a falta de remissão expressa, seja na lei 99/2009, seja no RGCO, para o Código dos Valores Mobiliários, também não se afigura ser de aplicar analógicamente o disposto no artigo 402-A do Código dos Valores Mobiliários que prevê a punição como uma única contraordenação de factos sucessivos ou simultâneos, mediante a verificação dos elementos de conexão ai previstos, como alternativa à punição do concurso.
90. Enfim, não existindo, no caso em análise, analogia substancial entre o regime primário e o regime subsidiário previsto no CP, sendo a lacuna do regime primário quanto à regulamentação da contraordenação continuada uma opção do legislador e não existindo remissão para o regime sectorial das contraordenações previstas no Código dos Valores Mobiliários, nem analogia substancial entre os dois regimes sectoriais – o das contraordenações do sector dos valores mobiliários e o das contraordenações do sector das comunicações – afigura-se que não merece censura a sentença recorrida na parte em que optou pela punição do concurso de contraordenações.
91. Em consequência, improcede este segmento da argumentação da recorrente, devendo, manter-se a punição do concurso de contraordenações.
B. Medida da coima única e suspensão da sua execução
92. Tanto a recorrente, que a esse propósito alega ter sido violada a proibição da reformatio in pejus prevista no artigo 72.º - A do RGCO, como o digno magistrado do Ministério Publico, defendem que a coima única aplicada pelo Tribunal a quo deve ser reduzida em consequência da absolvição por uma das contraordenações e da diminuição da medida concreta de três das coimas englobadas no cúmulo.
93. Com efeito, as medidas concretas das coimas aplicadas ao concurso de infracções, que aqui não são impugnadas, foram as seguintes:
- 2700 euros por uma contraordenação negligente prevista e punida no artigo 46 n.º 2 – b) e n.º 5-d) do DL 57/2017 e no artigo 4.º da Lei 99/2009 (equipamento da marca Western digital);
- 2900 euros por uma contraordenação negligente prevista e punida no artigo 46 n.º 2 – b) e n.º 5-d) do DL 57/2017 e no artigo 4.º da Lei 99/2009 (vinte e quatro equipamentos da marca Asus);
- 2700 euros por uma contraordenação negligente prevista e punida no artigo 46 n.º 2 – b) e n.º 5-d) do DL 57/2017 e no artigo 4.º da Lei 99/2009 (equipamento da marca NGS modelo Spark BT);
- 4500 euros por uma contraordenação negligente prevista e punida no artigo 46 n.º3 – h) e n.º 6-d) do DL 57/2017 e no artigo 4.º da Lei 99/2009 (equipamento da marca Western Digital);
- 4500 euros por uma contraordenação negligente prevista e punida no artigo 46 n.º3 – h) e n.º 6-d) do DL 57/2017 e no artigo 4.º da Lei 99/2009 (equipamento da marca NGS, modelo Spark BT).
94. Em cúmulo jurídico, à luz dos critérios previstos no artigo 19.º do RGCO, aplicável por força do artigo 36.º da Lei 99/2009, a medida abstracta da coima única do concurso de contraordenações tem por limite minimo 4500 euros (a coima concreta mais elevada) e por limite máximo 17 300 euros (a soma das coimas concretas aplicadas que não pode exceder e neste caso não excede, o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso, ou seja, o dobro de 25 000 euros – cf. artigo 46.º n.º 3-h) e n.º 6 – d) do DL 57/2017 e artigos 4.º e 7.º da Lei 99/2009).
95. Dito isto, o Tribunal a quo absolveu a arguida de uma medida de admoestação e diminuiu a medida concreta de três coimas que integravam a moldura do concurso. Porém, aplicou a mesma coima única que já havia sido aplicada pela ANACOM, no valor de 12 500 euros. Ora, apesar de a coima única aplicada pelo Tribunal de primeira instância não ter sido mais grave em termos absolutos, o certo é que em termos relativos, a coima única fixada pelo Tribunal a quo, prejudicou a arguida pelo facto de não ter levado em conta na avaliação global da ilicitude e da culpa do conjunto das contraordenações, a diminuição desses factores operada em relação a três delas. Assim, na falta de prova de que a situação económica da arguida melhorou (cf. artigo 72.º-A n.º 2 do RGCO) e tendo o recurso sido interposto somente pela arguida, afigura-se que a coima única fixada pelo Tribunal recorrido é contrária ao objectivo prosseguido pelo princípio da reformatio in pejus consagrado no artigo 72.º - A n.º 1 do RGCO, aplicável ex vi artigo 36.º da Lei 99/2009.
96. Pelo que, tem razão a arguida quando defende que a coima única deve ser fixada em valor inferior a 12 500 euros.
97. Na determinação da coima única o Tribunal procede à avaliação global da ilicitude e da culpa do conjunto das contraordenações em concurso não podendo valorar segunda vez a situação económica da arguida, o benefício económico que retirou ou os outros factores previstos no artigo 5.º da Lei 99/2009 que já serviram para a fixação de cada uma das coimas concretas (cf. Augusto Silva Dias, Contra-Ordenações, Almedina, página 143).
98. Assim, apreciando o conjunto dos factos, trata-se aqui de cinco contraordenações negligentes de mera actividade, três das quais resultam da disposibilização de equipamento sem a documentação exigida e outras duas da falta de envio à ANACOM da documentação exigida quanto aos mesmos equipamentos que haviam sido colocados no mercado, identidade essa que atenua a ilicitude global dos factos. Dos factos provados resulta ainda que a arguida contactou os vários fornecedores, após a intervenção da ANACOM, com vista à obtenção da documentação em falta dentro do prazo, o que, embora não tenha sido suficiente para impedir a consumação das contraordenações, globalmente diminui o grau de censura.
99. Pelo que, afigura-se adequado fixar a coima única em 10 000 euros.
100. A ANACOM suspendeu parcialmente a coima única, mediante a condição da arguida demonstrar o cumprimento dos deveres em falta em determinado prazo, suspensão parcial que o Tribunal a quo manteve por força do princípio da proibição da reformatio em pejus previsto no artigo 72.º -A n.º1 do RGCO apesar de ter julgado que não se verificam quaisquer pressupostos da suspensão da execução da coima.
101. A arguida pugna pela suspensão da execução da coima na sua totalidade, alegando que o artigo 31.º da Lei 99/2009 não prevê a possibilidade da suspensão parcial da execução da coima mas apenas a suspensão total dessa execução. Pelo que, a decisão de suspender parcialmente a execução da coima viola o princípio da legalidade.
102. Com efeito, o artigo 31.º da Lei 99/2009 não prevê, neste sector das contraordenações, a possibilidade de suspensão parcial da execução da coima. Em consequência, tendo a ANACOM decidido que se verificam os pressupostos da suspensão da execuão da coima, que aqui não estão em causa nem foram objecto objecto de recurso, a suspensão deve abranger a totalidade da coima única aplicada como prevê o artigo 31.º da Lei 99/2009.
103. No mais, mantêm-se as condições e prazo da suspensão da execução da coima já fixados, que não foram objecto do presente recurso.
Em síntese
104. Embora de um ponto de vista dogmático não existam obstáculos à aplicação da figura da contraordenação continuada, no caso em análise, apesar de se verificar o elemento objectivo da continuação relativamente às três contraordenações previstas no arigo 46.º n.º 2-b) do DL 57/2017, não se verifica o elemento subjectivo, pelo que, não estão preenchidos todos os pressupostos legais exigidos pelo artigo 30.º n.º 2 do CP para que exista contraordenação continuada.
105. Ainda que assim não fosse, quod non, não existe, neste caso, analogia substancial entre o regime primário aplicável às contraordenações do sector das comunicações aqui em causa e o regime subsidiário do crime continuado previsto no artigo 30.º n.º 2 do CP.
106. A consagração legislativa da figura do crime continuado como alternativa para certas situações de concurso efectivo constitui uma opção dogmática e de politica criminal que tem por objectivos: em primeiro lugar, evitar dificuldades práticas de comprovação judicial de cada uma das realizações que integram a continuação, que ficarão assim cobertas pelo efeito do caso julgado; em segundo lugar, evitar as consequências desproporcionadas e injustas, face ao conteúdo e ao sentido do ilícito total, a que pode conduzir a punição do concurso de infracções.
107. No caso em análise, tais dificuldades não se verificam porque o número de contraordenações cometidas é limitado e não existe o risco de aplicação de uma coima desproporcionada, uma vez que o limite máximo da coima única previsto no artigo 19.º n.º 2 do RGCO não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso.
108. A ausência de consagração normativa da contraordenação continuada no artigo 20.º do RGCO foi querida pelo legislador e, portanto, não é uma lacuna que deva ser preenchida pela aplicação analógica automática do artigo 30.º n.º 2 do CP em casos, como o dos presentes autos, em que não se verificam as dificuldades que estiveram na base da consagração legal da figura do crime continuado.
109. Não existindo remissão do regime primário aplicável – o regime geral previsto no RGCO e o regime sectorial previsto na Lei 99/2009 e no DL 57/2017 – para o regime sectorial das contraordenações previstas no Código dos Valores Mobiliários, nem analogia substancial entre os dois regimes sectoriais – o das contraordenações do sector das comunicações e o das contraordenações do sector dos valores mobiliários – afigura-se não ser de aplicar aqui o artigo 402.º -A do Código dos Valores Mobiliários, que prevê a punição da contraordenação sucessiva ou simultânea.
110. Na falta de prova de que a situação económica da arguida melhorou (cf. artigo 72.º-A n.º 2 do RGCO) e tendo o recurso sido interposto somente pela arguida, afigura-se que a coima única fixada pelo Tribunal recorrido é contrária ao objectivo prosseguido pelo princípio da reformatio in pejus consagrado no artigo 72.º - A n.º 1 do RGCO, aplicável ex vi artigo 36.º da Lei 99/2009, na medida em que, tendo diminuido as medidas concretas das coimas singulares aplicadas a três das contraordenações em concurso, manteve o montante da coima única não levando em conta a diminuição da ilicitude e da culpa quanto a três delas na ponderação conjunta da ilicitude e da culpa das cinco contraordenações.
111. O artigo 31.º da Lei 99/2009 não prevê, neste sector das contraordenações, a possibilidade de suspensão parcial da execução da coima. Em consequência, tendo a ANACOM decidido que se verificam os pressupostos da suspensão da execuão da coima, que aqui não são objecto de recurso, a suspensão deve abranger a totalidade da coima única aplicada.
112. Pelo que, procede parcialmente o recurso, devendo a coima única ser reduzida para 10 000 euros e a sua execução ser suspensa na totalidade, mantendo-se em tudo o mais a decisão recorrida.

Decisão
Acordam as juízes que compõem a presente secção em julgar parcialmente procedente o recurso e, em conformidade:
I. Revogar parcialmente a sentença recorrida mencionada no parágrafo 1 deste acórdão e substituir as alínes H e I da parte decisória por outra decisão que condena a arguida na coima única do concurso de 10 000 euros (dez mil euros) cuja execução fica suspensa na totalidade, pelo período de dois anos e sob a condição de a arguida enviar, à ANACOM, os seguintes elementos, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado deste acórdão
- a lista de normas harmonizadas, os relatórios de ensaios de segurança, a explicação da conformidade dos referidos sistemas com as condições de utilização do espectro radioeléctrico em pelo menos um Estado-Membro da União Europeia e a explicação da inclusão ou não de informações nas respectivas embalagens, relativos aos equipamentos de rádio da marca WESTERN DIGITAL, modelo E6B;
- as especificações técnicas, o diagrama de blocos, os relatórios de ensaios de rádio, de compatibilidade electromagnética e de protecção à saúde, a explicação da conformidade dos referidos sistemas com as condições de utilização do espectro radioeléctrico em pelo menos um Estado-Membro da União Europeia e a explicação da inclusão ou não de informações nas respectivas embalagens, relativas aos equipamentos de rádio da marca NGS, modelo SPARK BT.
II. Manter, no mais, a decisão recorrida mencionada no parágrafo 1 deste acórdão.
III. Isentar a arguida das custas do presente recurso – cf. artigo 513.º n.º 1 do Código de Processo Penal aplicável ex vi artigo 74.º n.º 4 do RGCO e 36.º da Lei 99/2009.

Lisboa, 10 de Maio de 2023
Paula Pott
Eleonora Viegas
Ana Mónica Pavão