Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA REIS SILVA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA DE PESSOA SINGULAR DIVÓRCIO PARTILHA PATRIMÓNIO COMUM DÍVIDA COMUM MASSA INSOLVENTE PRODUTO DA VENDA ADMINISTRADOR COMISSÃO DE CREDORES DESPESAS | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | 1 - O Administrador da Insolvência exerce pessoalmente as competências do seu cargo devendo obter, para que possa ser coadjuvado por técnicos ou auxiliares no exercício dessas competências, a prévia concordância da Comissão de Credores ou do juiz, na inexistência desta. 2 - A necessidade de prévia concordância exclui a aprovação tácita, não relevando a ausência de reação dos credores ou do tribunal à comunicação da intervenção de técnicos ou auxiliares pelo Administrador da Insolvência. 3 – Não tendo sido solicitada a prévia concordância, mas tendo os serviços sido prestados, poderá ser admitido o seu pagamento, desde que o Administrador da Insolvência, justifique, em concreto, a não solicitação da prévia concordância e a necessidade e adequação da despesa. 4 – Em insolvência de particular, divorciado, cuja partilha não foi efetuada, em que apenas é apreendida a meação dos bens integrantes do património comum, sobre os quais incide garantia de dívida comum, mesmo quando sejam liquidados integralmente os referidos bens, com a intervenção do ex-cônjuge, apenas 50% do produto dessa venda pode ser considerada como receita da massa insolvente. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório L, apresentou-se à insolvência, que veio a ser decretada por sentença de 29/10/2014. Foram apreendidos e liquidados os bens da devedora. Foram reclamados, verificados e graduados os créditos sobre a mesma. O Sr. Administrador da Insolvência veio prestar as contas finais, nos termos do disposto nos arts. 62º e ss. do CIRE. O Digno Magistrado do Ministério Público teve vista nos autos e pronunciou-se no sentido da correção de algumas das verbas e eliminação de outras. Foi proferida sentença, tendo sido decidido: “Pelo exposto, e nos termos do artigo 62.º a 64.º, do CIRE julgo parcialmente válidas as contas da liquidação e, em consequência, aprovo como despesas da massa insolvente os valores de €565,80, o imposto de selo e comissões elencados no saldo de caixa a fls. 3 e o valor de € 40,50.” Inconformado apelou o Sr. Administrador da Insolvência, pedindo seja a sentença recorrida ser substituída por outra que aprove as contas apresentadas pelo Apelante e formulando as seguintes conclusões: A. A sentença recorrida padece de vários equívocos certamente por lapso ou desconhecimento. B. Quanto ao valor pago à Leiloeira X, Lda., é prática do signatário no exercício escrupuloso das funções que lhe são atribuídas, enquanto Administrador judicial, recorrer ao auxílio de Leiloeira para a venda do património dos Insolventes. C. Salvo melhor entendimento, entende o signatário que o auxílio de uma entidade especializada em vendas é uma mais-valia para os processos, pois, não só permite potenciar as vendas, em face da possibilidade de chegar a um maior leque de interessados - na maioria dos casos as pessoas certas em face dos bens em venda -, como assegura que os bens em venda são visitados/mostrados a qualquer dia e a qualquer hora, garantido assim atingir o maior número de interessados. D. Foi com base neste pressuposto que o signatário escolheu a X, Lda., enquanto entidade credenciada para o efeito, que tem mostrado bastante sucesso nos processos de venda que tem colaborado com o Administrador Judicial. E. Quanto ao imóvel adjudicado ao credor hipotecário, o mesmo apenas aconteceu após tentada a venda a terceiros, sendo esta a política do signatário que não faz vendas directas, até porque o processo é dos credores e não apenas do credor hipotecário. F. Independentemente do imóvel, a final, ter sido adjudicado ao Credor Hipotecário, o certo é que o mesmo teve várias visitas, para além dos vários telefonemas com pedidos de informação recebidos. G. Mais, tenha-se presente que mesmo que fosse o signatário a proceder à publicação dos anúncios de venda do mesmo também teria custos, não inferiores certamente aos suportados pela encarregada de venda contratada pelo Administrador Judicial. H. Efectivamente, o signatário não invocou o artigo 55º n.º 3 do CIRE, no entanto, previamente e expressamente, antes da venda o Administrador Judicial enviou para o processo, mandatária da insolvente, credor hipotecário e demais credores incluindo o Ministério Público, o anúncio de venda e condições de venda, onde vem expressamente identificada a encarregada de venda e respectivas condições, não acolhendo qualquer tipo de oposição ou desagrado por parte dos mesmos (Documento 1 e 2). I. Assim, porque o Apelante considerou ter dado conhecimento a todos os Credores e ao tribunal a quo das diligências para venda e porque as verbas em causa constituem dívida da Massa Insolvente, dúvidas não podem restar de que é licito ao Apelante efectuar o pagamento das mesmas a quem delas pagou em nome do Administrador Judicial, em benefício da Massa Insolvente, J. Por outro lado, concretizado que está o pagamento à leiloeira, e não tendo havido até ao momento qualquer oposição à intervenção da leiloeira, a exigência de responsabilidade ao Administrador Judicial depende da instauração de uma ação declarativa por qualquer interessado em invalidar o ato de contratação da leiloeira e subsequente pagamento de remuneração/honorários. K. Como se refere na sentença apenas em vista o Digníssimo Procurador do Ministério Público, pronunciou-se desfavoravelmente à aprovação das contas apresentadas pelo Apelante com o fundamente no disposto no artigo 55.º, n.º 3 do CIRE, nos termos do qual o Administrador Judicial pode ser coadjuvado por terceiros remunerados, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do Juiz. L. Como atrás se demonstrou não foi apenas o credor hipotecário mas também os demais credores e o próprio Tribunal a quo quem não reagiu contra a intervenção da Leiloeira X, sendo que o podiam ter feito quando lhes foi dado conhecimento do anúncio da venda, contendo a modalidade da venda, demais condições e a identificação daquela leiloeira como encarregada da venda. M. Ora, nos termos do artigo 58.º do CIRE “o administrador de insolvência exerce a sua actividade sob a fiscalização do juiz que pode, a todo o tempo, exigir-lhe informações sobre qualquer assunto ou a apresentação de um relatório da actividade desenvolvida e do estado da administração e da liquidação.” N. Mas, também não se pronunciaram desfavoravelmente às contas apresentadas na oportunidade do n.º 1 do artigo 64 do CIRE, pelo que não se verifica o interesse dos mesmos numa eventual impugnação judicial. O. Pelo que, salvo melhor entendimento, terá de se considerar ultrapassada a questão de não autorização do juiz para a contratação pelo Recorrente da Leiloeira. P. Isto porque no âmbito do CIRE inexiste a faculdade de impugnação dos atos do administrador (ao contrário do art. 136º, do CPEREF), e não terá o legislador pretendido que os resultados da atuação do administrador sejam postos em causa com sanções como a nulidade ou a ineficácia – vide a este propósito o Ac. do TRL, de 27.11.2014, proc. 2503/12.5 TBPDL-O-L1-2, relatado pela desembargadora Teresa Albuquerque, in www.dgsi.pt. O Ministério Público respondeu ao recurso, defendendo o seu não provimento e formulando as seguintes conclusões: 1 – O Administrador da Insolvência veio apresentar como despesas o valor cobrado por uma leiloeira por o ter coadjuvado na venda dos bens. 2 – Tal coadjuvação carece legalmente de autorização expressa dos credores em Assembleia de Credores, ou do Juiz, o que não ocorreu. 3 – As funções exercidas pela leiloeira poderiam ter sido exercidas pelo Administrador de Insolvência. 4 - Por tudo o exposto, resulta à evidência que o recurso interposto pelo Administrador de Insolvência não deve proceder e, por via disso, a sentença recorrida ser confirmada nesta parte. 5 - No incidente de prestação de contas o Ministério Público age em nome próprio na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei, enquanto defensor da legalidade, litigando, por isso, com isenção subjectiva de custas, a coberto disposto no art.º 4.º, n.º 1.º, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais. Igualmente inconformado apelou o Digno Magistrado do Ministério Público, pedindo seja a sentença proferida pelo tribunal “a quo” revogada e substituída por outra que julgue parcialmente válidas as receitas apuradas para a massa na proporção de metade, por serem esses os bens que foram apreendidos no processo e formulando as seguintes conclusões: 1- Considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa com a venda dos bens apreendidos e é em função do resultado dessa liquidação que mais tarde será calculada a remuneração variável a arbitrar ao sr. AI. 2 - No processo foi declarada a insolvência de Luísa Maria Meireles David Teixeira e apreendidos apenas os direitos da insolvente às meações sobre dois imóveis, na proporção de metade. 3 - Pelo que deverá considerar-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa, na proporção de metade, por ser esse o valor correspondente às meações dos imóveis que a insolvente era titular e que foram efectivamente apreendidas no processo. 4 - A decisão do Tribunal “a quo” proferida no apenso de prestação de contas, ao sustentar que o valor apurado para a massa será o correspondente ao da totalidade da venda dos imóveis, na prática, acaba por condicionar os ulteriores termos processuais e por beneficiar o sr. AI, fixando um valor superior aos dos bens efectivamente apreendidos para a massa e com base no qual será posteriormente calculado o valor da remuneração variável, violando o disposto no art.º 60.º do CIRE, e no art.º 23.º, n.ºs 2.º e 4.º do Estatuto dos Administradores Judiciais, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26/02. 5 - Pelo que deve a sentença proferida pelo tribunal “a quo” ser revogada e substituída por outra que julgue parcialmente válidas as receitas apuradas para a massa na proporção de metade, por serem esses os bens que foram apreendidos no processo 6- No âmbito do apenso de prestação de contas, o Ministério Público age em nome próprio na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei, enquanto defensor da legalidade, litigando, por isso, com isenção subjectiva de custas, a coberto disposto no art.º 4.º, n.º 1.º, alínea a), do RCP. Não foram apresentadas contra-alegações quanto a este recurso. Ambos os recursos foram admitidos por despachos de 15/06/2020 (ref.ª 144867492) e de 09/07/2020 (ref.ª 145188333). Cumpre apreciar. * 2. Objeto do recurso Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma. Consideradas as conclusões acima transcritas são as seguintes as questões a decidir: - aprovação de despesas com a atividade de leiloeira contratada pelo Administrador da Insolvência sem a concordância da comissão de credores ou do tribunal; - montante de receitas a considerar em prestação de contas de processo de insolvência em que foram apreendidos e liquidados os direitos à meação sobre determinados bens. * Assinala-se que, pese embora o Sr. Administrador da Insolvência tenho junto, com o respetivo requerimento de interposição de recurso, dois documentos, não há que analisar a verificação dos requisitos de junção dos mesmos (art. 651º do CPC), porquanto se tratam de cópias de documentos previamente juntos aos autos pelo Administrador da Insolvência, especificamente via correio eletrónico em 01/07/2015 e em 23/07/2015 e que deram início ao apenso C (Liquidação). * 3. Fundamentos de facto: Resultam dos termos dos autos, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos: 1 - L, divorciada, foi declarada insolvente por sentença de 29/10/14, transitada em julgado. 2 – Na sentença referida em “1” não foi nomeada comissão de credores. 3 – A declaração de insolvência foi registada, em 09/03/2015, sobre a meação das seguintes frações autónomas, conforme certidões juntas em 11-02-2016, no apenso A (apreensão), que aqui se dão por integralmente reproduzidas: - Designada pela letra B do prédio urbano descrito na Conservatória dos Registo Predial de T sob o nº …, correspondente ao lado direito de moradia de rés-do-chão e primeiro andar; e - Designada pela letra C do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de T sob o nº …., correspondente a cave, rés-do-chão e primeiro andar. 4 – Em assembleia de credores não foi tomada qualquer deliberação contrária ou impeditiva da venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, conforme ata de 17 de dezembro de 2014, contante dos autos principais cujo teor aqui se dá por reproduzido. 5 – O Administrador da Insolvência apresentou nos autos, em 01/07/2015 e em 23/07/2015, uma proposta de condições gerais formulada pela X, Lda e comprovativo da publicação de anúncio de venda dos bens referidos em “3”, do qual consta a identificação da mesma, conforme mensagens de correio eletrónico juntas nas datas referidas ao apenso C (liquidação). 6 – Por escritura pública celebrada em 29 de julho de 2016, conforme certidão junta em 02-08-2016 no apenso C (liquidação), que aqui se dá por integralmente reproduzida, o Administrador da Insolvência e M, ex-cônjuge da insolvente, declararam vender a Z, SA, Sucursal em Portugal: - pelo preço de € 113.040,00, a fração autónoma designada pela letra B, correspondente ao lado direito da moradia de rés-do-chão e primeiro andar do prédio urbano descrito na CRP de T sob o nº … da freguesia de A; - pelo preço de € 82.620,00, a fração autónoma designado pela letra C, correspondente à cave, rés-do-chão e primeiro andar, do prédio urbano descrito na CRP de T sob o nº … da freguesia de A. 7 – Mais consta da referida escritura que a compradora depositou a quantia de € 39.132,00, correspondente a 20% do preço de aquisição, ficando dispensada, enquanto credora hipotecária do pagamento do remanescente do preço. 8 – A liquidação do ativo foi declarada encerrada por decisão de 26/02/2019, conforme ref.ª nº 140279378, da mesma data, proferida no apenso C (liquidação). 9 – Em 16/07/2019 foi transferida para a massa insolvente de M, ex-cônjuge da insolvente, entretanto também declarado insolvente, a quantia de € 17.277,58, correspondente a metade da quantia referida em “7”, deduzida de despesas, conforme documento nº5, junto com o requerimento feito em 12-02-2020 aos autos principais. 10 – Por requerimento apresentado em 01/09/2016, o Administrador da Insolvência veio juntar prestação de contas nos termos do art. 62º do CIRE, com o seguinte teor, conforme requerimento inicial que aqui se dá por reproduzido: Prestação de Contas pelo Administrador Judicial (Artigo 62º CIRE) 1 - Saldo de Caixa Fluxos conta bancária - Conta N.° xxxx - Banco)
Despesas de liquidação
Documento 8: Extrato bancário atualizado. 11 – Cumprido o disposto no art. 64º do CIRE veio o Ministério Público pronunciar-se, nos seguintes termos: “De harmonia com o disposto no art.º 62.º, n.º 3.º, do CIRE, “As contas são elaboradas em forma de conta corrente, com um resumo de toda a receita e despesa a retratar sucintamente a situação da massa insolvente, e devem ser acompanhadas de todos os documentos comprovativos, devidamente numerados, indicando-se nas diferentes verbas os números dos documentos que lhes correspondem”. Os n.ºs 1, 5 e 9 do artigo 29.º, da Lei n.º 22/2013, de 26.02 determinam o seguinte: "1- Sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 52.º e do n.º 7 do artigo 55.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador de insolvência e o reembolso das despesas são suportadas pela massa insolvente, salvo o disposto no artigo seguinte." A prestação de contas tem por “objecto o apuramento das receitas obtidas e das despesas realizada por quem administra bens alheios” – artigo 941.º, do Código de Processo Civil. Tais actos do administrador são apreciados nas contas finais a que o administrador está obrigado a prestar, e julgadas pelo tribunal – cfr. art.ºs 62.º n.º 1 e n.º 3, e 64.º, n.º 2, do CIRE. Cabe, agora, apreciar em função das normas legais aplicáveis se os valores apresentados, quer no tocante às receitas relacionadas, quer quanto às despesas relacionadas, e entre estas, determinar as que devem ser suportadas pela massa insolvente e as que devem suportados pelo Sr. AI. No que diz respeito às receitas, o sr. AI veio documentar o produto da venda de todos os imóveis apreendidos para a massa. E relaciona o valor de € 39.132,00 correspondente a 20% da totalidade da venda dos dois imóveis adjudicados ao credor hipotecário. Porém, no caso dos autos, foi apenas declarada insolvente L e foram apreendidos os seus direitos às meações dos imóveis vendidos. Significa isto, portanto, que o valor da massa apenas corresponderá a 20% do valor das duas meações que detinha sobre os imóveis apreendidos, a saber : € 19.566,00 (assim calculados: € 195,660,00 : 2 = € 97.830,00 x 20%) Pelo que nesta parte a conta deve ser reformulada. Termos em que se promove. Já no que diz respeito às despesas, o sr. AI relacionou as seguintes: - € 209,50 de despesas suportados directamente pelo sr. AI; e - € 4.576,83 de despesas suportadas por uma leiloeira que coadjuvou o sr. AI na venda dos direitos apreendidos para a massa. No que diz respeito às despesas suportadas pelo sr. AI, promovo que as mesmas sejam compensadas pelo valor da provisão legal para despesas. Termos em que se promove. O Sr. AI vem relacionar a verba de € 4.576,83 para pagamento de serviços prestados por uma leiloeira, entidade coadjuvante do sr. AI. Ora, a contratação de uma leiloeira para auxiliar o sr. AI na venda dos bens apreendidos não foi previamente autorizada pelo Tribunal, conforme determina o art.º 55.º, n.º 3.º, do CIRE. Por outro lado, a norma do art.º 55.º, n.º 3.º, do CIRE, deve ser conjugada com o disposto no art.º 161º, n.º 1 do CIRE, que disciplina os actos que, mostrando-se especialmente decisivos ou relevantes pela sua dimensão na massa ou na situação dos credores, necessitam da prévia consulta da comissão de credores ou do juiz. A contratação dos serviços de uma leiloeira para proceder à venda dos bens da massa mediante o pagamento de um preço – acto esse que pode e deve ser pessoalmente praticado pelo sr. AI -, não pode nem deve ser imputado à massa. Impunha-se, de resto, que o sr. AI solicitasse prévia autorização para a contratação da leiloeira, apresentando as razões para essa contratação e risco monetário envolvido. Como refere o recente Acórdão da Relação de Évora de 11-05-2017, disponível em www.dgsi.pt.: “O art.º 55.º, n.º 3, CIRE, tem o seguinte teor: «O administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por écnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão». Como escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda, o CIRE «leva a ideia da pessoalidade do cargo ao ponto de rejeitar o recurso ao auxílio de terceiros e do insolvente (…) quando não haja prévia autorização da comissão de credores» (CIRE Anotado, 3.ª ed., Quid Juris, Lisboa, 2015, p. 55). E o caráter prévia da autorização significa só que ela só pode ser concedida antes de se recorrer ao auxílio de outrem. Não é possível, neste caso, falar em autorização tácita ou aprovação tácita; ela tem de ser expressa, porque tem de ser pedida, analisada e decidida. O simples silêncio dos credores ao longo das diligências realizadas, e uma vez que no caso não foi constituída comissão de credores, não pode ter o significado que a recorrente lhe atribui. Cada um dos credores pode, muito legitimamente, ter partido do princípio que a autorização existia porque autorizada foi pelo juiz.” E de harmonia com esta fundamentação, o mencionado Acórdão conclui: “A recorrente agiu sem autorização do juiz quando esta era obrigatória; e havia de ter sido pedida ainda antes de contratar qualquer auxiliar. O juiz pode não autorizar tal intervenção com fundamento, precisamente, no valor alto do preço dos serviços; a autorização não é uma mera formalidade burocrática. Ao agir de maneira diferente da imposta por lei, fê-lo à sua responsabilidade pelo que não pode fundamentar a sua pretensão num ilícito que ela mesmo praticou. É este o princípio geral da responsabilidade.” Considerando, assim, que a contratação da leiloeira para efectuar a venda dos bens apreendidos não foi previamente autorizada pelo Tribunal e sufragando a orientação vertida neste acórdão, o Ministério Público sustenta que o seu custo não pode ser imputado à massa insolvente. Termos em que se promove. Finalmente, determina o art.º 29.º, n.º 9.º, do EAJ, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26/02, que “Nos casos em que a administração da massa insolvente ou a liquidação fiquem a cargo do administrador da insolvência e a massa insolvente tenha liquidez, os montantes referidos nos números anteriores são directamente retirados por este da massa.” Ora, no caso em apreço, a liquidação da massa ficou a cargo do sr. AI e esta possui liquidez. Por outro lado, resulta do processo principal, que o IGFEJ terá adiantado ao sr. AI a verba de € 1.480,00, correspondente ao pagamento da 1ª prestação da RF e respectivo IVA, e ao pagamento da 1ª prestação da provisão legal para despesas (4-12-2014). Uma vez que o sr. AI não relacionou as verbas que lhe são devidas a título de pagamento da 2ª prestação da RF e respectivo IVA, e da 2ª prestação da provisão legal para despesas, promovo que o sr. AI seja notificado para documentar nos autos o respectivo pagamento/recebimento.” 12 – Em 17/06/2019 (ref.ª 141535891), o tribunal proferiu a seguinte decisão: “* I. Relatório Nos presentes autos de insolvência em que foi declarada Insolvente L, apresentou o Sr. Administrador da Insolvência as contas da insolvência, nos termos do artigo 62.º, do CIRE. Cumpridas as formalidades de notificação, os credores não deduziram oposição. Em vista o Ministério Público emitiu parecer quanto à prestação de contas, pronunciando-se no sentido da sua aprovação, excepto quanto ao valor das despesas com a leiloeira. * Analisadas as contas e respectivos documentos de suporte verificamos que da adjudicação dos imóveis resultou para a massa o valor de €195 660,00. Como despesas temos o valor de €4 582,81, sendo €4 576,83 corresponde ao pagamento de uma factura de uma leiloeira, por serviços prestados. Da factura resulta que o valor de € 460,00 corresponde a fechaduras. * II. Saneamento O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. O processo é o próprio e não enferma de nulidade total. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas. Inexistem nulidades, outras excepções ou quaisquer questões prévias de que importe conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa. * III. Fundamentação Dispõe o artigo 62.º n.º 3 do CIRE que: “As contas são elaboradas em forma de conta corrente, com um resumo de toda a receita e despesa a retratar sucintamente a situação da massa insolvente, e devem ser acompanhadas de todos os documentos comprovativos, devidamente numerados, indicando-se nas diferentes verbas os números dos documentos que lhes correspondem”. Do exame efectuado às contas apresentadas pelo Administrador da Insolvência, entendemos que estas se mostram deduzidas pela forma legal e vêm acompanhadas da indicação dos documentos justificativos conforme resulta do preceito supra citado, não se mostrando necessária a produção de qualquer prova adicional – n.º 2 do artigo 64.º, in fine do CIRE). Cabendo apreciar em função das normas legais aplicáveis se os valores apresentados devem ser suportados pela massa insolvente, nos termos em que são reclamados na conta apresentada pelo Sr. Administrador. Os n.ºs 1, 5 e 9 do artigo 29.º, da Lei n.º 22/2013, de 26.02 têm o seguinte teor: "1- Sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 52.º e do n.º 7 do artigo 55.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador de insolvência e o reembolso das despesas são suportadas pela massa insolvente, salvo o disposto no artigo seguinte. 5- A remuneração variável relativa ao produto da liquidação da massa insolvente é paga a final, vencendo-se na data de encerramento do processo. 9- Nos casos em que a administração da massa insolvente ou a liquidação fiquem a cargo do administrador de insolvência e a massa insolvente tenha liquidez, os montantes referidos nos números anteriores são directamente retirados por este da massa". Tais actos do administrador são depois apreciados, nas contas finais a que o administrador está obrigado, contas estas previstas no artigo 62.º n.º 1 e n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e julgamento de contas previsto no artigo 64.º, n.º 2 do mesmo código. O artigo 55.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas dispõe sob a epígrafe “Funções e seu exercício”, em concreto no n.º 3, o seguinte: «O administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão.» A realização as diligências de liquidação cabe ao Sr. Administrador que para tal é remunerado com um valor fixo e outro variável, em função do valor apurado. A contratação de auxílio para desempenhar as funções do Administrador Judicial redunda numa duplicação com custos muito significativos para os devedores e credores, estes últimos vêem o activo para satisfação dos seus créditos reduzido com o aumento das dívidas da massa e aos devedores é dificultada a possibilidade de diminuírem as suas responsabilidades com o património liquidado. Acresce que a contratação de uma leiloeira nos autos não foi autorizada e tal carecia de autorização. Assim e acolhendo a jurisprudência do Acórdão de 3410/10.1T2SNT-E.L1.S1, do Supremo Tribunal de Justiça, in www.dgsi.pt, os custos da contratação da leiloeira correm por conta do Sr. Administrador. Termos em que não se aprova como despesa da massa o valor de €4 011,03 correspondente aos serviços da leiloeira. E, aprovo como despesas a suportar pela massa o valor de €565,80, o imposto de selo e comissões elencados no saldo de caixa e o valor de € 40,50. * IV. Decisão Pelo exposto, e nos termos do artigo 62.º a 64.º, do CIRE julgo parcialmente válidas as contas da liquidação e, em consequência, aprovo como despesas da massa insolvente os valores de €565,80, o imposto de selo e comissões elencados no saldo de caixa a fls. 3 e o valor de € 40,50. Custas a cargo da massa insolvente – artigos 303.º e 304.º, do CIRE. Registe e notifique. *” * 4 – Fundamentos do recurso: 4.1. Despesas com a atividade de leiloeira contratada pelo Administrador da Insolvência sem a concordância da comissão de credores ou do tribunal (recurso interposto pelo Administrador da Insolvência): O Administrador da Insolvência encontra-se obrigado a, dado caber nas suas funções a administração de bens e interesses alheios, uma vez finda a respetiva atividade, prestar contas da mesma (arts. 62º e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), sem prejuízo do disposto no art. 61º (informação trimestral sucinta sobre o estado da administração e liquidação) e da prestação de contas sempre que o juiz o determine. A prestação de contas consubstancia-se no registo, em forma de conta-corrente, das despesas e receitas, realizado pelo Sr. Administrador da Insolvência de forma a retratar sucintamente a situação da massa insolvente (art. 62º nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). Como escrevem João Labareda e Carvalho Fernandes[1], trata-se do momento processual em que se avalia “a correção das operações realizadas pelo administrador, bem como a eficiência da respetiva atividade, tendo por matriz referencial a prossecução dos interesses a satisfazer no processo.” E, como referido pelos mesmos autores[2], é também o momento do controlo de determinados atos do administrador que ele pode decidir unilateralmente, como o reembolso de despesas. “É fundamentalmente através da prestação de contas que se pode agora sindicar a razoabilidade das despesas efetuadas pelo administrador e a cujo reembolso ele tem direito de acordo com o art. 60º nº1 (…).” No caso presente o Administrador da Insolvência veio prestar contas – as contas finais nos termos do art. 62º nº1 do CIRE (como se retira do teor do requerimento por si apresentado, dado por reproduzido no ponto 10 dos fundamentos de facto) – em 01/09/2016, ou seja, após a celebração da escritura conjunta de compra e venda do bem do dissolvido casal que a insolvente integrava. Fê-lo de forma prematura, a nosso ver, já que sucederam outros factos relevantes depois dessa data, mas sem prejuízo para a tramitação do apenso, havendo apenas que valorar os factos posteriores ocorridos. A primeira questão suscitada – correspondente ao objeto do recurso interposto pelo Administrador da Insolvência – respeita ao segmento da decisão que apenas aprovou como despesas da massa insolvente os valores de €565,80, o imposto de selo e comissões elencados no saldo de caixa a fls. 3 e o valor de € 40,50, assim não aprovando a despesa de € 4.011,03 com o pagamento da leiloeira por “promoção de venda de imóveis”. O recorrente argumenta que, pese embora não tenha solicitado a prévia concordância do tribunal (na falta de comissão de credores) “previamente e expressamente, antes da venda o Administrador Judicial enviou para o processo, mandatária da insolvente, credor hipotecário e demais credores incluindo o Ministério Público, o anúncio de venda e condições de venda, onde vem expressamente identificada a encarregada de venda e respetivas condições, não acolhendo qualquer tipo de oposição ou desagrado por parte dos mesmos”. – cfr. cls. H. Acrescenta que só o Ministério Público deduziu oposição às contas o que significa a não oposição da devedora, credor hipotecário e demais credores, defendendo que a questão da não autorização pelo juiz deverá ser considerada ultrapassada. Cita o Ac. TRL de 27/11/14, em abono da sua posição. Nas contra-alegações o Ministério Público alegou que a venda dos bens da massa pode e deve ser pessoalmente praticada pelo Sr. Administrador da Insolvência, pelo que a contratação dos serviços de uma leiloeira para proceder à referida venda mediante o pagamento de um preço, sem prévia concordância nos termos do art. 55º nº3 não pode nem deve ser imputada à massa. Cita o Ac. TRE de 11/05/17 no sentido defendido. Apreciando: A alienação dos bens integrados na massa insolvente é uma das principais funções do administrador da insolvência (sempre que os autos de insolvência prossigam para liquidação), nos termos do disposto no art. 55º nº1, al. a) do CIRE. O nº2 do art. 55º prescreve como regra geral que o administrador exerce pessoalmente as competências do seu cargo, o que inclui, naturalmente, a administração e a liquidação, sendo a regra do nº3 do mesmo art. 55º um corolário desta regra: “o Código leva a ideia da pessoalidade do cargo ao ponto de rejeitar o recurso ao auxílio de terceiros e do insolvente, com ou sem remuneração, quando não haja prévia autorização da comissão de credores.”[3] Há que distinguir com precisão o âmbito de aplicação desta regra do do nº1 do art. 164º do CIRE (O administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente.). A venda em estabelecimento de leilão, tal como a venda em leilão eletrónico, é uma das modalidades de venda admitidas em processo executivo – cfr. art. 811º do CPC – e a decisão sobre qual a modalidade da venda mais adequada ao ativo concreto é sempre do Administrador da Insolvência impondo a lei uma exigência acrescida de justificação sempre que a modalidade não seja a venda em leilão eletrónico. Isto significa que, quando a modalidade escolhida seja a venda em estabelecimento de leilão, a leiloeira, que vai intervir numa das funções que o Administrador da Insolvência exerce pessoalmente, é um auxiliar em relação ao qual deve ser cumprido o nº3 do art. 55º. Neste sentido, expressamente o Ac. TRL de 27/11/2014[4]. Não é esse o caso dos autos – a julgar pela comunicação da leiloeira junta aos autos (liquidação) esta concreta leiloeira foi contratada para promoção de venda de imóveis, sendo que seria cobrada uma comissão ao comprador caso viesse a ocorrer venda por si intermediada. Assim se compreende o teor da fatura e também o facto de, na escritura pública, ter sido declarado pelas partes que na venda não havia ocorrido intervenção de estabelecimento de leilão. O que não foi aprovado como despesa foi exatamente a verba identificada como de promoção de venda de imóveis, ou seja, exatamente a correspondente à tarefa pessoal do Administrador da Insolvência de que este terá ao menos parcialmente encarregue a leiloeira. Mas mesmo que a contratação de auxílio tenha sido precedida de prévia autorização, todas as despesas inerentes são sujeitas a crivo no momento previsto no art. 62º do CIRE, desde que correspondam a despesas nos termos do art. 60º do mesmo diploma, e do art. 22º do Estatuto do Administrador Judicial (Lei nº 22/2013 de 26 de fevereiro, na sua versão atual). Quais as consequências da não obtenção de prévia autorização pelo Administrador da Insolvência em relação a auxiliares? Como se escreveu no Ac. TRG de 19/05/2016[5] “Não gera naturalmente a ineficácia dos atos praticados, mas é suscetível de equacionar a destituição e/ou a responsabilidade civil do administrador…”. E na perspetiva da aprovação das contas, afinal a que aqui nos ocupa? Esta tem sido a questão mais frequentemente tratada na jurisprudência a propósito da atividade de prestação e aprovação de contas em processo de insolvência. Um primeiro ponto parece-nos claro e tem sido objeto de tratamento praticamente unânime na jurisprudência: a necessidade de prévia concordância exclui a aprovação tácita, ou, e como se escreveu no Ac. TRE de 11/05/2017[6] “Não é possível, neste caso, falar em autorização tácita ou aprovação tácita; ela tem de ser expressa, porque tem de ser pedida, analisada e decidida.” No nosso caso concreto, inexistindo Comissão de Credores, a concordância prévia teria que ter sido solicitada ao juiz do processo, não o tendo sido. Estabelece o art. 218º do Código Civil que o silêncio vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção. Aplicando ao caso, é evidente que a lei exige uma declaração expressa e prévia, da comissão de credores ou do juiz, pelo que a “passividade” do juiz (face aos factos consumados, refira-se) não tem qualquer valor declarativo que supra a omitida formalidade, não caindo no campo de aplicação do art. 218º do CC. Temos aliás que esclarecer que o douto aresto citado pelo Sr. Administrador da Insolvência nas suas alegações de recurso não se pronuncia quanto a esta questão, apontando expressamente que na 1ª instância foi entendido que a falta de prévia concordância havia sido tornada irrelevante, por nenhum dos credores se ter oposto, e que não havia sido interposto recurso desta decisão. Assim, temos por claro e certo no caso presente que a prévia concordância não foi solicitada e não foi concedida. No que toca à questão de fundo, ou seja, em sede de aprovação de contas, qual a consequência dessa omissão, sumariamente são duas as posições que vêm sendo assumidas na jurisprudência[7]: - a de não permitir a aprovação e pagamento pela massa insolvente de despesas com auxiliares não previamente aceites pela comissão de credores ou pelo juiz (quando esta não exista) – e neste sentido podemos citar os Acs. TRP de 07/02/19 e TRE de 11/05/17[8]; - a de igualmente não permitir a aprovação e pagamento, excecionando, porém, os casos em que a não solicitação de prévia concordância esteja justificada em concreto, bem como a necessidade do auxílio e o benefício para a massa e para os credores – cfr. Acs. TRL de 24/05/18[9], de 10/01/2019[10], TRP de 20/06/17[11] e TRG de 02/11/17[12] e de 19/05/2016[13]. O Ac. TRL de 27/11/2014, já citado, permitiu o pagamento das despesas considerando que o serviço tinha sido prestado, mas vinculado pelo caso julgado formado quanto à irrelevância da inexistência de prévia concordância, pelo que não se pode considerar como encarnando uma terceira posição “permissiva”. Também nós entendemos que não se pode ignorar a regra legal que exige a prévia concordância pelo que, sem questionar a validade dos atos, a verba correspondente ao pagamento a auxiliares pela prestação de serviços integrados nas funções que o Administrador da Insolvência deve desempenhar pessoalmente, sem que tenha sido obtida concordância prévia, não deve ser suportada pela massa insolvente, não podendo, em consequência, ser aprovada em sede de prestação de contas. Mas tendo os serviços sido prestados e quando o Administrador da Insolvência, nomeadamente em sede de prestação de contas, justificar a não solicitação da prévia concordância e a necessidade e adequação da despesa, poderá ser admitido o seu pagamento, por beneficiar todos os credores. No caso concreto essa justificação apenas foi feita parcial e genericamente em sede de recurso[14]. Especificamente o Administrador da Insolvência nunca adiantou qualquer justificação concreta para não ter pedido a prévia concordância e as alegações que fez indiciam que não o faz, por sistema. Assim, mesmo sendo esta a nossa posição, não podemos, no caso concreto, aprovar a despesa de €4 011,03, tal como o tribunal recorrido, pelo que, nesta parte, deve a decisão recorrida ser confirmada. * 4.2. Montante de receitas a considerar em prestação de contas de processo de insolvência em que foram apreendidos e liquidados os direitos à meação sobre determinados bens (recurso interposto pelo Ministério Público): Como já se referiu, a prestação de contas consubstancia-se no registo, em forma de conta-corrente, das despesas e receitas, realizado pelo Sr. Administrador da Insolvência de forma a retratar sucintamente a situação da massa insolvente (art. 62º nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). A segunda questão a conhecer e que corresponde ao objeto do recurso interposto pelo Ministério Público incide sobre as receitas, impugnando o recorrente a inclusão como receita, neste processo, do produto total da venda dos imóveis que eram propriedade da insolvente e do seu ex-cônjuge. Alega que no caso dos autos só foi declarada a insolvência de L e para a massa insolvente só foram apreendidos os direitos às meações da insolvente, não a totalidade dos imóveis, pelo que o valor apurado para a massa só pode ser o obtido com o produto da venda das meações da insolvente, i.e. na proporção de metade, uma vez que foram apenas esses os bens/direitos apreendidos. Mais defende que a circunstância dos imóveis terem sido vendidos em conjunto no processo apenas se compreende pelo benefício que daí resulta, já que com a venda na totalidade acaba por se obter um maior rendimento do que aquele que resultaria se a venda tivesse sido realizada em separado e confinada ao direito às meações da insolvente sobre os mesmos imóveis. E esclarece que é de evitar a consequência que advém de aqui se considerar como receita o valor global do imóvel, ou seja, uma fixação proporcional da remuneração variável. A questão a solucionar relaciona-se com aqueloutra relativa ao que deve ser apreendido em insolvência de ex-cônjuge cujo património não foi partilhado. Concretamente, essa não é matéria a tratar neste recurso. Nestes autos foi apreendido o direito à meação sobre dois imóveis que constituíam o património comum do casal que havia sido formado pela insolvente e pelo seu ex-cônjuge. Nunca foi suscitada qualquer questão sobre essa apreensão pelo que a validade desta – e dos subsequentes atos de liquidação – não vão ser apreciadas. Foi apreendida e registada a declaração de insolvência sobre a meação de dois imóveis concretos. O Administrador da Insolvência procedeu à venda da totalidade dos imóveis, conjuntamente com o ex-cônjuge da insolvente. Ou seja, os bens comuns foram vendidos pelo casal, sendo que a insolvente não interveio, mas sim o Administrador da Insolvência por ela, dada a declaração de insolvência. Porque estávamos perante um imóvel que garantia uma dívida comum do casal, foi o Administrador da Insolvência que declarou que a adquirente estava dispensada do pagamento do remanescente do preço e que recebeu os 20% do mesmo relativos à venda total dos imóveis. Como resultado do procedimento adotado, não foram cancelados os ónus e encargos sobre parte dos prédios, porque, na verdade, uma das meações foi vendida pelo ex-cônjuge ao credor hipotecário e só a outra das meações foi vendida em processo de insolvência. Ou seja, não tendo sido apreendidos a totalidade dos imóveis – e não tendo sido subsequentemente citado o cônjuge para requerer a separação – foi convocado o ex-cônjuge e ele juntou-se à liquidação, sendo que, no mesmo registo, deveria ter saído da escritura com metade do preço integral, recebendo o Administrador da Insolvência 20% de metade do preço, o que, de facto, não sucedeu. Esta descrição basta para que se compreendam as consequências da posição que se adote (ou que se permita adotar) quanto à apreensão de bens imóveis propriedade de dissolvidos casais que não procederam à partilha sobre os quais incidem garantias reais acessórias de dívidas comuns. Sem qualquer influência na decisão a tomar, porque, como se disse, a apreensão foi feita e não foi por qualquer forma questionada ou impugnada, a nossa posição é a de que deve ser apreendida a totalidade dos bens e citado o ex-cônjuge para requerer a separação. Tal permite a venda da totalidade dos bens e demais tramites legais, nomeadamente o cancelamento total de ónus e encargos e o bem responderá pela dívida comum (ao ex-cônjuge, que assim não sairá prejudicado se não requerer a separação). Vejam-se neste sentido, entre muitos, os Acs. TRC de 09/05/17 e TRL de 30/06/2020[15]. No caso dos autos, tendo apenas sido apreendida a meação e sido efetuada a venda juntamente com o ex-cônjuge, a receita a considerar como receita da massa insolvente era, exatamente 50% do produto percebido então. A situação é tanto mais clara quanto, vindo posteriormente a ser decretada a insolvência do ex-cônjuge, foi transferida para o processo de insolvência do mesmo, metade do produto então existente (deduzido das despesas efetuadas, que se reportaram ao total efetivamente recebido). Essa operação, patente nos autos, deveria ter determinado uma correção na prestação de contas, que não foi feita (e que provavelmente, embora pelo lado da despesa, determinaria a desnecessidade deste recurso), mas que pode e deve agora ser considerada. Pese embora não devessem ter sido, os 20% da totalidade do preço das vendas foram recebidas pelo Administrador da Insolvência e houve despesas proporcionais a esse recebimento (por exemplo, o imposto de selo). Daí que não se alterarão as despesas havidas (exceção feita à resultante da improcedência do recurso do Sr. Administrador da Insolvência), em proporção, por se terem trado de despesas reais e suportadas, prevalecendo a lógica de conta corrente que a lei impõe à prestação de contas. O recurso é, assim, procedente, devendo ser aprovadas como receitas apenas as correspondentes a 50% de € 39.132,00 designado como “20% Adjudicação Verba 1 - Matriz xxx e Verba 2 - Matriz xxx - Credor hipotecário -, S.A.” * Improcede integralmente o recurso interposto pelo Sr. Administrador da Insolvência e procede integralmente o recurso interposto pelo Ministério Público. * As custas na presente instância recursiva devem ser suportadas pelo recorrente que ficou vencido, ou seja, o Administrador da Insolvência, na proporção de 50% – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil. * 5. Decisão Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em: a) julgar integralmente improcedente a apelação interposta pelo Sr. Administrador da Insolvência, decidindo-se manter a decisão recorrida na parte em que apenas aprovou como despesas da massa insolvente os valores de €565,80, o imposto de selo e comissões elencados no saldo de caixa a fls. 3 e o valor de € 40,50; b) julgar integralmente procedente a apelação interposta pelo Ministério Público, decidindo-se alterar a decisão recorrida determinando a aprovação, a título de receitas, de 50% do valor de € 39.132,00 designado como “20% Adjudicação Verba 1 - Matriz xxx e Verba 2 - Matriz xxx - Credor hipotecário -, S.A.” Custas na presente instância recursiva pelo recorrente Administrador da Insolvência, na proporção de 50%. Notifique. * Lisboa, 22 de setembro de 2020 Fátima Reis Silva Vera Antunes Amélia Sofia Rebelo _______________________________________________________ [1] Em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado,3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pg. 361. [2] Loal citado na nota anterior, pg. 358. [3] João Labareda e Carvalho Fernandes, obra citada, pg. 331. [4] Relatora Teresa Albuquerque, disponível em www.dgsi.pt. [5] Relator Heitor Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt. [6] Relator Paulo Amaral, disponível no mesmo local. [7] Todos os acórdãos citados disponíveis em www.dgsi.pt. [8] Relatores Amaral Ferreira e Paulo Amaral [9] Relator Manuel Rodrigues. [10] Relator António Valente. [11] Relatora Anabela Dias da Silva. [12] Relator Carvalho Guerra. [13] Relator Heitor Gonçalves. [14] “…o auxílio de uma entidade especializada em vendas é uma mais-valia para os processos, pois, não só permite potenciar as vendas, em face da possibilidade de chegar a um maior leque de interessados - na maioria dos casos as pessoas certas em face dos bens em venda -, como assegura que os bens em venda são visitados/mostrados a qualquer dia e a qualquer hora, garantido assim atingir o maior número de interessados…” [15] Relatoras Maria João Areias e Maria Adelaide Domingos, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. |