Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
31801/21.5YIPRT.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
FORMA ESCRITA
NULIDADE
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1-A circunstância de um contrato de mediação imobiliária ser nulo, por inobservância da forma escrita, nos termos do artº 16º do RJAMI, não significa que a empresa de mediação, caso tenha angariado interessado que concretizou o negócio pretendido pelos clientes, não tenha direito à remuneração do seu serviço.
2-E essa remuneração/ compensação deve equivaler ao valor da remuneração acordado verbalmente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.
1-PW, Lda instaurou procedimento de injunção contra PFN, pedindo:
-A condenação do requerido a pagar-lhe 6 918,75€, a crescida de juros de mora no valor de 163,53€ de juros de mora e, 102€ de taxa de justiça.
Alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade prestou ao réu serviços de mediação imobiliária angariando interessado na compra de imóvel de que o requerido era comproprietário, venda essa que se concretizou. Na sequência da prestação dos serviços, emitiu facturas ao réu e à outra comproprietária vendedora, na proporção de 50% para cada um, com o valor de 6 918,75€, com vencimento a 05/12/2020; o réu não pagou.
2- Citado, o réu deduziu oposição.
Invoca que não existiu qualquer contrato reduzido a escrito, pelo que o contrato é nulo.
Impugna que a requerente lhe tenha prestado qualquer serviço de mediação imobiliária e diz que quem contratou os serviços da mediadora foi a sua ex-companheira e comproprietária do imóvel e que ele desconhece os termos do acordo que tenha sido feito.
Mais invoca a caducidade do contrato desde 17/01/2020.
3- Notificada para o efeito, a requerente pronunciou-se sobre as excepções deduzidas, pugnando pelas respectivas improcedências.
4- Realizada audiência final, com data de 20/12/2021, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
IV - DECISÃO
Nesta conformidade, em conformidade com os fundamentos expostos.
1. Declaro a nulidade do contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Autora PW, Lda. e o Réu PFN e, em consequência,
2. Condeno o Réu a pagar à Autora a quantia de €5625,00 (cinco mil, seiscentos e vinte e cinco euros), acrescida dos juros de mora vencidos e que se vierem a vencer, calculados à taxa legal supletiva para juros civis, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
3. Absolvo o Réu do demais peticionado contra si pela Autora.
Custas a cargo do Réu e da Autora na proporção dos respetivos decaimentos que se fixam em 80% para o Réu e 20% para a Autora – artigo 527.º do CPC.
Fixo à ação o valor de €7.082,28 – artigo 296.º, 297.º e 306.º, n.º 2 do CPC.”
5- Inconformado com a sentença, dela interpôs o réu recurso de apelação, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
a) Entende o Recorrente, salvo o devido respeito por opinião diversa, que mal andou o Meritíssimo Juiz “a quo” ao julgar parcialmente procedente o pedido formulado pela Recorrida e, em consequência, decidir-se pela condenação do Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 5.625,00 (cinco mil, seiscentos e vinte e cinco euros), acrescida dos juros de mora vencidos e que se vierem a vencer, calculados à taxa legal supletiva para juros civis, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
b) O Recorrente, não se conforma com a decisão do Tribunal a quo.
c) A causa de pedir consiste, assim, no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, participantes, portanto, da relação material controvertida invocada, no caso, pela Autora no seu requerimento de injunção, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, a pretensão por si deduzida em juízo.
d) Logo, a relação de causa e efeito entre pedido processual e facto jurídico outra coisa não quer dizer que não seja que a causa petendi é a causa da procedência do pedido, ou seja, encontrando-se a configuração do pedido na exclusiva disponibilidade da Autora, é imperativamente a partir deste que aquela causa tem de ser delineada.
e) Sustentou a Autora, crê-se que a título de causa de pedir – que: “No âmbito do exercício da respetiva atividade comercia de mediação imobiliária, a Requerente prestou serviços de mediação imobiliária ao Requerido, tendo publicitado para venda o imóvel, de que o mesmo é comproprietário, sito na Rua …, na Aroeira, intermediando várias propostas de interessados até à aceitação de uma das propostas por parte do Requerido (conforme email de 21/1/2020) e da co-proprietária.”
f) Nisto, e só nisto, consiste a causa de pedir que serve de pedido que formula na injunção, no sentido de o Réu ser devedor da fatura FT 2020/13, no valor de € 6.918,75, IVA incluído.
g) Competia, evidentemente, à Autora a alegação e prova dos factos constitutivos do seu alegado direito.
h) No entanto, não logrou provar a existência de um contrato de mediação imobiliária reduzido a escrito como se exige nos termos do art. 16º do RJAMI, sob pena de nulidade.
i) Nulidade que foi invocada pelo Réu na sua oposição à injunção e que foi confirmada pela Sentença em crise.
j) Perante isto, à luz do objeto da ação, ou seja, do pedido formulado pela Autora – pagamento da Fatura FT 2020/13 – a ação não poderia deixar ser julgada parcialmente procedente, como foi, com a condenação do Réu ao pagamento de uma compensação à Autora no valor de € 5.625,00 pelos serviços de mediação prestados.
k) Deve, pois, anular-se, por vício de ultra petita, a sentença recorrida, uma vez que o juiz invoca, como razão de decidir, uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que as partes, por via da ação, puseram na base das suas conclusões.
l) Ao decidir-se pela consequência da nulidade do contrato de mediação imobiliária celebrado com a Autora, o Juiz a quo está a conhecer de questão que não podia tomar conhecimento.
m) A Autora jamais prestou serviços de mediação imobiliária ao Réu.
n) Tendo sido através do e-mail recebido pelo Recorrido no dia 17 de julho de 2019, que este tomou conhecimento que SF, sua ex-companheira, havia “negociado” mediação imobiliária com o Sr. PV (e não com a ora Recorrida), para venda do imóvel dos autos.
o) Até então, tudo era desconhecido para o Recorrente, não tendo este feito parte dessa negociação nem concordado com ela.
p) De resto, foi também o Sr. PV, sabendo da intenção do Recorrente em comprar a quota parte da SF, quem enviou ao Recorrente o seu projecto para a casa da Aroeira, para que pudesse ser o Recorrente a desenvolvê-lo caso ficasse com a casa para si.
q) A Recorrida arroga ter prestado serviços de mediação imobiliária ao Recorrente, porém, em momento algum invoca a celebração com este de um qualquer contrato de mediação imobiliária, pois nunca nenhum contrato de mediação imobiliária foi celebrado entre a Recorrida e o Recorrente.
r) Em audiência de julgamento, nunca nenhuma das testemunhas, SF e PV, conseguiu ser clara e coerente no seu depoimento, muito menos assertiva nas respostas que dava, para que o Tribunal pudesse fixar a sua convicção naqueles relatos.
s) Antes pelo contrário, os depoimentos mostram-se sempre contraditórios e imprecisos.
t) Ficou nítido que foi a testemunha SF quem “negociou”, à revelia do Réu, a mediação do imóvel com a testemunha PV.
u) E também ficou claro que o fez, por PV ser uma pessoa de sua relação pessoal, com a qual já havia “negociado” outras mediações de imóveis e até, indicado a clientes seus.
v) É certo, que o Réu não se opôs ao início das negociações nos termos propostos, mas também não aderiu a qualquer contrato de mediação imobiliária, que, de um momento para o outro, também mudou os seus respetivos termos.
w) Naturalmente, o Réu entendeu que quanto a este eventual contrato de mediação imobiliária não tinha de pronunciar-se, porque não era parte da relação jurídica em causa. A ele foi, era e é totalmente alheio.
x) Ora, mal andou o Tribunal a quo ao considerar como provados que “(…) através do seu agente imobiliário PV, prestou serviços de mediação imobiliária ao Réu, com o acordo deste (…)” e “O Réu concordou com a obrigação de proceder ao pagamento da comissão da Autora, devida como contrapartida pela prestação dos serviços de mediação imobiliária, nos termos propostos pela Autora”.
y) Pois que, é inquestionável o desconhecimento do Réu à celebração de qualquer contrato de mediação com a Autora e, consequentemente, a sua oposição ao mesmo.
z) Não existe qualquer contrato de mediação imobiliária que tenha por parte o ora
Recorrente, porquanto a sua existência tem apenas por intervenientes PV e SF, que nunca agiu a coberto de qualquer instrumento de representação que vinculasse o Réu.
aa) A existir contrato de mediação imobiliária, repita-se, este foi celebrado apenas entre a Autora na pessoa de PV (desconsiderando a cobrança que este tentou fazer a título pessoal) e a testemunha SF.
bb) E, o Recorrente só dele veio a conhecer mais tarde, quando solicitou a PV elementos sobre o mesmo.
cc) O Recorrente não negociou qualquer mediação imobiliária com PV ou qualquer sociedade de mediação imobiliária.
dd) E, assim, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, nenhum valor respeitante a eventual contrato de mediação imobiliária é devido pelo Recorrente.
ee) Pois não se pode retirar, concluir ou julgar ter sido parte na celebração do contrato de mediação imobiliária que se alvitra ter sido a fonte da obrigação / prestação dos serviços que a Autora arroga ter realizado, porém, jamais ao Réu.
ff) O ora Recorrente não negociou qualquer contrato de mediação imobiliária, não é parte dessa relação jurídica e, por isso, a Autora não prestou ao Réu qualquer serviço que haja sido contratado.
gg) A exigir o pagamento pela comissão dos serviços de mediação prestados, a Autora, ora Recorrida, deverá fazê-lo apenas a SF, pois foi com esta que celebrou o contrato de mediação imobiliária.
hh) E neste sentido, tem legitimidade para, nessa qualidade, celebrar um contrato de mediação imobiliária, o comproprietário do imóvel, sem que essa circunstância possa comprometer a sua validade.
ii) Com efeito, aquele comproprietário ao subscrever o contrato de mediação com a mediadora, o qual, como decorre da definição legal, tem por objeto (a mera) realização de diligências no sentido de conseguir um interessado para um determinado negócio, limita-se a praticar um ato de gestão (e não de disposição ou oneração) da coisa comum, exercendo, nessa medida, os direitos que assistem aos comproprietários, ex vi art. 1403º do CC.
jj) E se atua por si só, só ele tem de arcar com a retribuição à mediadora.
kk) Efetivamente, se o comproprietário o faz por si só, apenas ele fica adstrito ao cumprimento das obrigações emergentes daquele contrato maxime do pagamento da remuneração ali prevista.
ll) Nestes termos, tendo o contrato de mediação imobiliária sido celebrado apenas com um dos comproprietários do imóvel, a Sra. SF, ainda que verbalmente e, assim, ferido de vício de forma, a compensação devida pela prestação dos serviços prestados pela Autora deverá ser suportada apenas pela comproprietária que celebrou o referido contrato.
mm) Ou seja, apenas a comproprietária SF é responsável pelo pagamento à Autora a título de remuneração pela atividade de mediação imobiliária exercida.
nn) Nada sendo devido pelo ora Recorrente à Autora.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V.EXAS. SE DIGNAREM SUPRIR, DEVE O PRESENTE RECURSO MERECER ADEQUADO PROVIMENTO, E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVERÁ A SENTENÇA EM CRISE SER DECLARADA NULA OU, QUANDO ASSIM SE NÃO ENTENDA, SER SUBSTITUIDA A DOUTA SENTENÇA A QUO, POR OUTRA QUE ABSOLVA O RÉU DA TOTALIDADE DO PEDIDO FORMULADO PELA AUTORA.
6- A autora contra-alegou, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
A. Foi interposta apelação da douta sentença de fls., que julgou parcialmente procedente o pedido formulado contra o Apelante, condenando-o no pagamento da quantia de 5.625,00€ acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
B. É fundamento do presente recurso de apelação a nulidade da sentença e o vício de forma do contrato de mediação de imobiliária.
C. A Requerente prestou ao Requerido, serviços de mediação imobiliária, promovendo a venda de um imóvel de que era comproprietário, juntamente com a sua ex- companheira SF e conseguindo compradores.
D. O Requerido aceitou de forma tácita esses serviços, nomeadamente através da extensa troca de emails com a empresa de mediação e na concordância expressa para que se avançasse com as negociações após ser informado do valor da comissão que teria de pagar.
E. Em Outubro de 2020 é outorgado o Documento Particular de Compra e Venda onde o Apelante declara ter havido intervenção da empresa de mediação imobiliária PW, Lda – a Requerente.
F. Posteriormente, o Requerido, recusou-se a pagar os serviços de que usufruiu.
G. Da prova junta aos autos e dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento resulta, que o Requerido aceitou de forma tácita a prestação de serviços por parte da Requerente, ainda que não exista contrato escrito.
H. Sendo certo que a não redução do contrato de mediação imobiliária a escrito tem como consequência a sua nulidade, esta não era causa de pedir, nem exime o Apelante de efectuar o pagamento.
I. A causa de pedir consiste na relação material existente entre Requerente e Requerido: a prestação de serviços de mediação imobiliária.
J. A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem entendido que tendo existido prestação de serviços imobiliários, ainda que sem contrato escrito, esse vício não pode servir para que a parte que beneficiou dos serviços não os pague.
K. É legítimo à Requerente exigir a retribuição dos serviços prestados
L. Aliás, a invocação do vício de forma após obter o benefício dos serviços prestados tem sido considerado com uma situação abusiva de direito.
M. A decisão proferida pelo Tribunal a quo, ao condenar o Requerido a pagar os serviços de que beneficiou bem interpretou todo o espirito da lei e os princípios de honestidade e boa fé negocial que deverão pautar o comportamento de todos os interveniente.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, considerar o presente recurso totalmente improcedente e a douta sentença do Tribunal a quo confirmada.
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II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- A invocada nulidade da sentença;
b)- A Impugnação da Matéria de Facto;
c)- A revogação da sentença, com absolvição do réu do pedido por:
i)- Ausência de qualquer acordo entre o réu e a autora para a prestação dos serviços de mediação imobiliária;
ii)-Nulidade do contrato por falta de forma.
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2- Fundamentação de Facto.
É a seguinte a matéria de facto decidida pela 1ª instância:
FACTOS PROVADOS
1. A Autora é uma sociedade comercial que exerce a sua atividade na área da mediação imobiliária.
2. No âmbito do exercício da respetiva atividade comercial de mediação imobiliária, a Autora, através do seu agente imobiliário PV, prestou serviços de mediação imobiliária ao Réu, com o acordo deste, tendo publicitado para venda o imóvel, de que o mesmo é comproprietário, sito na Rua …, Almada e intermediado várias propostas de interessados até à aceitação de uma das propostas por parte do Réu e da comproprietária.
3. No dia 21 de janeiro de 2020, PV informou, por email, o Réu e a comproprietária SF que obteve, em parceria com outro colega, uma proposta de compra do imóvel supra identificado pelo valor de €225.000,00, referindo que o valor da comissão devida pela mediação seria de 5% mais IVA.
4. O Réu concordou com a obrigação de proceder ao pagamento da comissão da Autora, devida como contrapartida pela prestação dos serviços de mediação imobiliária, nos termos propostos pela Autora naquele email.
5. O Réu e comproprietária SF aceitaram a proposta apresentada e no dia 30 de outubro de 2020, por documento particular autenticado, foi celebrado contrato de compra e venda do referido imóvel, no qual o Réu e SF intervieram na qualidade de vendedores e MJR e IFR na qualidade de compradores.
6. Aquando da celebração deste contrato de compra e venda, o Réu e a comproprietária SF confirmaram a existência de mediação imobiliária, quer da parte do comprador, quer da parte dos vendedores, a aqui Autora.
7. Na sequência da prestação dos serviços de mediação imobiliária, a Autora emitiu as respetivas faturas, quer ao aqui Réu, quer à comproprietária, na proporção de 50% para cada um, tendo esta última pago o valor que lhe era devido.
8. Assim, a Autora emitiu em nome do Réu, em 25/11/2020 a fatura de prestação de serviços FT 2020/13, com vencimento em 5/12/2020, no valor total de € 6.918,75.
9. Até à presente data o Réu não procedeu ao pagamento do valor dessa fatura.
10. O Réu foi, por diversas vezes, interpelado extrajudicialmente, quer através de correio eletrónico, quer por carta registada, para proceder ao pagamento do montante da fatura vencida e não paga, tentativas que se revelaram infrutíferas.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem. Logrou-se a prova de todos os factos com relevância para a decisão da causa.
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3-As Questões Enunciadas.
3.1- A Invocada nulidade da sentença.
O réu/apelante invoca que a sentença é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do artº 615º. Nº 1, al. d), porque a causa de pedir da acção era o alegado contrato de mediação imobiliária celebrado e não a nulidade desse contrato, fundamento em que a 1ª instância se baseou para condenar o réu; ou seja, segundo o réu, o juiz conheceu de questão de que não podia conhecer.
Será assim?
Adiantando a resposta diremos que o réu/apelante não tem razão.
A 1ª instância pronunciou-se sobre a pretensa nulidade da sentença, dizendo:
“…não tem o mesmo razão porquanto, como o próprio réu recorrente admite no requerimento de interposição de recurso, foi por si invocada a nulidade do referido contrato, enquanto exceção perentória, impondo-se, assim, ao Tribunal a apreciação de tal nulidade e dos respetivos efeitos na sentença proferida, sob pena de nulidade da mesma por falta de pronúncia nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª Parte do Código de Processo Civil.”
Vejamos então.
Em termos simples, o excesso de pronúncia ou pronúncia indevida ocorre quando o juiz conhece de questões de que não devia tomar conhecimento, como decorre do artº 615º nº 1, al. d), 2ª parte, que está relacionado com o artº 608º nº 2, 2ª parte.
Essas questões, que se impõem ao juiz que resolva na sentença são, em primeira linha, por uma ordem de precedência lógica, as questões de forma (vícios de natureza processual, excepções dilatórias) susceptíveis de conduzir à absolvição da instância e consequente ineficácia do processo e que não tenham sido resolvidas no despacho saneador (artº 608º nº 1), quer tenham sido alegadas pelas partes, quer devam ser apreciadas oficiosamente. Depois e principalmente, o juiz aprecia e decide as questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das excepções peremptórias e, ainda, das que o juiz possa, rectius, deva conhecer ex officio (artº 608º nº 2).
Ora, no caso em apreço, o próprio réu alegou que o invocado contrato de mediação imobiliária, mesmo a ter sido acordado, seria nulo, por falta de forma, nos termos do artº 16º da Lei 15/2013, de 08/02 (RJAMI).
É claro que a 1ª instância tinha de conhecer dessa invocada nulidade do contrato. Só que a solução, rectius, a consequência jurídica que a 1ª instância retirou dessa nulidade, por falta de redução a escrito do contrato de mediação, não foi aquela que o réu pretendia.
Ora, como é evidente, a circunstância de o juiz não seguir a linha de argumentação jurídica que é invocada por uma das partes, não implica nulidade da sentença por excesso de pronúncia, pela simples e singela razão de que o tribunal, ao decidir, não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artº 5º nº 3 do CPC) – Cf., entre outros, Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL, 2020, pág. 89 e seg.).
Em suma: sem necessidade de outros considerandos, conclui-se que a sentença não padece da pretendida nulidade por pronúncia excessiva.
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3.2- A Impugnação da Matéria de Facto.
O réu/apelante impugna parte da decisão da meteria de facto, pretendendo que seja considerado não provado o ponto 1º dos factos provados, sejam parcialmente considerados não provados trechos dos pontos 2º e 5º dos factos provados e, ainda considerado não provado o ponto 4º do factos provados.
Vejamos cada um deles e a argumentação que o réu/apelante invoca para fundar a sua pretensão das alterações de acto que pretende ver levada a efeito.
Assim:
3.2.1-Quanto ao ponto 1º.
É a seguinte a redacção dada pela 1ª instância a este ponto de facto.
“1. A Autora é uma sociedade comercial que exerce a sua atividade na área da mediação imobiliária. “
O réu defende que deve ser considerado não provado porque, segundo ele, impugnou esse facto na oposição à injunção e, não foi junta certidão da matrícula da autora único meio de prova do objecto social da autora.
Será assim?
A 1ª instância fundamentou a sua decisão sobre este ponto 1º, escrevendo:
Quanto à atividade de mediação imobiliária da Autora, pese embora o Réu alegue, em sede de contestação, desconhecer o objeto social da Autora, a verdade é que o próprio declarou, aquando da celebração do contrato de compra e venda, que recorreu a mediação imobiliária prestada pela Autora, tornando-se, assim, manifesto o exercício dessa atividade por parte da Autora. Ademais, o exercício dessa atividade foi sustentado por PV que referiu desempenhar as funções de agente imobiliário da Autora.
Afigura-se-nos que a 1ª instância tem razão.
Na verdade no documento autenticado que titula o contrato de compra e venda do imóvel, consta:
Pelos Outorgantes foi declarado que as partes recorreram a mediação imobiliária, prestada por R – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda, titular da Licença AMI …., e PW, Lda, titular da licença AMI nº … tendo-lhe sido feita a advertência de que a omissão ou a prestação de falsas declarações sobre a intervenção de mediador imobiliário no contrato, faz incorrer as partes na pena aplicável ao crime de desobediência, previsto artigo 348º do Código Penal, por aplicação do nº 3 do artº 40º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro.”
Esta declaração/reconhecimento do facto pelo réu de que recorreu à mediação imobiliária prestada pela PW, Lda, titular da licença AMI …, é suficiente para se poder considerar provado que a autora exerce actividade na área da mediação imobiliária.
A questão essencial em discussão nos autos não reside em saber se a autora exerce actividade de mediação imobiliária, mas, antes, saber se a autora prestou ao réu serviços de mediação imobiliária.
Se estivesse em causa uma acção em que se discutisse, rectius, tivesse por objecto a questão fulcral de saber qual fosse a actividade/objecto social da autora, então poder-se-ia colocar o problema de saber se apenas e somente através da certidão de matrícula da ré poderia ser feita a prova desse objecto social da ré. No entanto, o objecto da acção não é relativo ao objecto social da autora.
De resto, note-se que consta do ponto 6º dos factos provados, que o réu não impugnou, que “6. Aquando da celebração deste contrato de compra e venda, o Réu e a comproprietária SF confirmaram a existência de mediação imobiliária, quer da parte do comprador, quer da parte dos vendedores, a aqui Autora.”
Por conseguinte, somos a concordar com a 1ª instância e, por conseguinte, mantém-se como provado o ponto 1º.
3.2.2- Quanto aos pontos 2º, 4º e 5º dos factos provados.
O réu/apelante pretende que o seguinte trecho do ponto 2º dos factos provados, seja considerado não provado: “…a Autora, através do seu agente imobiliário PV, prestou serviços de mediação imobiliária ao Réu, com o acordo deste, tendo publicitado para venda o imóvel, de que o mesmo é comproprietário…”
Quanto ao ponto 4º, pretende que seja integralmente dado como não provado.
Relativamente ao ponto 5º, entende que deve considerar-se como não provado o seguinte trecho: “O Réu e comproprietária SF aceitaram a proposta apresentada e no dia 30 de outubro de 2020,…”.
Para fundamentar a sua pretensão de alteração dos pontos 2º (parcialmente), ponto 4º (totalmente) e ponto 5º (parcialmente), o réu baseia-se no email de 17/07/2019 (remetido ao réu pelo Dr. RSF) do qual, segundo ele, decorre que quem contratou os serviços de mediação da autora ou do PV, foi a sua ex-companheira e não o réu; que ele nada acordou ou concordou quanto à prestação de serviços de mediação imobiliária nem quanto ao pagamento desses serviços. E que os depoimentos do PV e de SF (sua ex-companheira e comproprietária do imóvel) foram confusos, incongruentes e contraditórios e, segundo ele, deles não se pode retirar que o réu acordou a prestação dos serviços de mediação imobiliária, ou que esses serviços lhe tivessem sido prestados, ou que tivesse concordado com a obrigação de proceder ao pagamento da comissão.
Será assim?
A 1ª instância fundamentou essa factualidade, do seguinte modo:
A prestação efetiva, por parte da Autora ao Réu, dos serviços de mediação imobiliária, designadamente, na angariação de compradores para o imóvel sito na Rua …Almada, para além de encontrar respaldo nos documentos juntos aos autos, foi admitida pelo próprio Réu, que não negou que esses serviços tivessem sido prestados por PV, negando apenas ter-se obrigado a efetuar qualquer pagamento por conta dos mesmos. Com efeito, o Réu nas declarações que prestou, alegou que a prestação dos serviços de mediação imobiliária foi acordada, sem o seu conhecimento, entre SF, comproprietária do imóvel e PV, negando que alguma vez tivesse aceite ou acordado com PV o pagamento de qualquer comissão, assim como, negou que alguma vez tivesse acordado com SF que pagaria metade do valor da comissão devida à Autora, justificando que nunca o fez porque quis vender o imóvel em causa.
Sucede que, ainda que se admita que o Réu não tenha solicitado, inicialmente, os serviços da Autora ou de PV, a verdade é que a partir do momento em que tomou conhecimento da intervenção de PV na qualidade de angariador de compradores, conformou-se com a mesma, aceitando-a, porquanto passou a interagir diretamente com este agente imobiliário, solicitando-lhe inúmeras informações quanto aos interessados e respetivas propostas, assim como, sobre o estado das negociações em curso e solicitou esclarecimentos sobre os elementos necessários à conclusão do contrato de compra e venda e à forma de obtenção dos mesmos, como se alcança da correspondência eletrónica junta aos autos pelo próprio Réu. Este comportamento evidencia que o Réu se conformou com o acordo celebrado entre a SF e PV e aceitou que este passasse a prestar-lhe serviços de mediação imobiliária.
Por outro lado, a prova documental junta aos autos pelo próprio Réu com a contestação, demonstra que, no dia 21 de janeiro de 2020, PV dirigiu um email ao Réu e à comproprietária do imóvel, dando-lhes conta da existência de uma proposta que obteve através dum parceiro seu. E, nesse email, PV informa não só os termos da proposta apresentada pelos interessados na aquisição do imóvel do Réu, mas também o valor concreto da sua comissão, fazendo constar os seguintes dizeres “Valor de comissão 5% mais iva= 11.250+2587,5=Valor total para vós de €211.162,50”. Este email, para além de ser dirigido a ambos os comproprietários, refere expressamente que a comissão iria ser deduzida do valor total do preço, o que equivale a imputar a ambos os comproprietários o pagamento da comissão. E, consubstancia uma verdadeira proposta, apresentada pela Autora ao Réu e SF, quanto ao valor e forma de pagamento dos seus serviços de mediação imobiliária.
E na resposta a esse email, enviada no dia seguinte e que se mostra junta aos autos, o Réu não se opôs ao pagamento da comissão, nem ao respetivo valor, declarando, ao invés, que nada tinha a opor a que as negociações da proposta apresentada pelos interessados no imóvel se iniciassem naqueles termos. Com efeito, não obstante saber qual era a comissão pretendida por PV e de saber, porque não podia ignorar face ao email supra mencionado, que PV tinha a convicção de que o pagamento seria efetuado pelos dois comproprietários, o Réu nunca manifestou, nem perante PV, nem perante a comproprietária do imóvel, que não aceitava pagar a comissão - como, aliás, o próprio Réu admitiu nas declarações que prestou - e continuou a interagir com PV, solicitando-lhe informações e esclarecimentos, designadamente, sobre as negociações em curso com os interessados, a quem acabaram por vender o imóvel, o que demonstra que o Réu concordou com o pagamento da comissão, nos termos propostos pela Autora.
Neste segmento, foi ainda determinante para a convicção do Tribunal, depoimento de PV que corroborou a sua interação direta com o Réu, negando que alguma vez este lhe tivesse dito que não aceitava pagar a comissão ou que esta seria da responsabilidade exclusiva da comproprietária SF. De igual modo, SF também negou que alguma vez tivesse acordado com o Réu que suportaria sozinha o pagamento da comissão ou sequer que o Réu lhe tivesse dito que não aceitava pagar a comissão, referindo ao invés, que depois da outorga do contrato de compra e venda, o Réu chegou a questioná-la de como deveria ser feito o pagamento ao PV.
Em suma, o comportamento do Réu, após a receção do email de PV, mais concretamente, o envio de um email em que declara que nada tem a opor a que se iniciem as negociações com os interessados na aquisição do imóvel, depois de lhe ter sido diretamente apresentada uma proposta do valor da comissão devida pela angariação desses interessados, conjugado com a ausência de qualquer manifestação de oposição ao pagamento da comissão da Autora, com a inexistência de qualquer acordo com a comproprietária do imóvel no sentido de que ser esta a suportar sozinha a comissão da Autora e, por último, conjugado com as informações e esclarecimentos que o Réu continuou a solicitar a PV depois de saber que lhe estava a ser pedida aquela comissão, consubstancia, necessariamente, uma aceitação tácita da obrigação de proceder ao seu pagamento.
Pois bem, adiantando a resposta, diremos que concordamos com a decisão da 1ª instância.
Na verdade e em primeiro lugar, apesar de o réu ter feito, essencialmente, referência ao email de 17/07/2019 que o Dr. RSF lhe enviou (e no qual, para além de fazer referência ao “Imóvel da Aroeira”, menciona propostas de metodologias para resolverem os diferendos decorrentes da separação entre o réu e ex-companheira, não só relativas ao imóvel da Aroeira, mas de outro em Sete Rios, de um motociclo e de despesas e de viagem), é feita também referência/informação, nesse email de 17/07/2019, que o mediador que está a fazer a mediação do imóvel da Aroeira (PV), informou “…Cara Dra. SF. Tenho uma proposta de 230 000€, com ocupação da casa por seis meses onde vão ser realizadas obras, pode ser celebrado um contrato de arrendamento com opção de compra, os 5 000 de entrada eu já mencionei que terá de ser 10 000€.
Ora, a verdade é que os contactos por via electrónica não se ficaram por apenas este email.
Com efeito, na junção de documentos ocorrida a 13/12/2021 (a convite da juíza) constam, com relevância, os seguintes documentos:
- Email de 27/05/2020, remetido pelo réu ao PV, pelo qual lhe envia “Conforme combinado, segue em anexo” uma minuta do CPCV e o “meu IBAN”;
- Email de 27/03/2020, pelo qual o réu responde ao PV, dizendo:
A proposta (não vinculativa e sujeita a melhor ponderação) é a seguinte:
-Celebração de CPCV com sinal de 55 000€;
-Entrega da posse para desenrascar os compradores;
-Sem autorização de realização de obras;
-Contrato definitivo 60 dias após CPCV;
- Com o sinal (55 000€) mais de 25 000€ para cada um de nós (P e SF) amortiza-se o empréstimo de Benfica e faz-se a permuta por 225 000€ e subsequente venda por igual aos promitentes vendedores para não haver lugar a mais valias;
Será viável assim?”
-Email de 25/03/2020, do réu para o PV, no qual escreveu:
-“Boa tarde PV, decorrida uma semana sem novidades, atrevo-me a questionar se há algum problema no desenvolvimento do negócio.”
-Email de 18/03/2020, do réu para o PV.
-“Conforme conversa telefónica de há pouco, que creio ter sido bastante esclarecedora, segue o contributo que prometi.
Introduziria, neste contexto de COVID, uma cláusula temporal de salvaguarda, nos termos da qual, suspende-se o cômputo dos prazos estabelecidos, que não possam ser observados em virtude da limitação do exercício de direitos e cumprimento de deveres…;
Questiono se é necessária a menção à certificação energética.
Com os melhores cumprimentos, aguardo feedback.
-Email de 16/03/2020, do réu para o PV:
“-Boa tarde PV,
-Tive à pouco feedback do meu advogado quanto à minuta do CPCV;
-Chamou-me a atenção para uma série de pontos que passo a expor;
-Identifica-se um único outorgante, porém, no texto do contrato referencia a quartos – plural;
-Podemos saber qual a identificação dos compradores?
-Valores de venda, sinal e reforço;
Causa de incumprimento imputável à primeira outorgante;
-Pagamento de sinal, reforços e preço em diferentes meios de pagamento;
-Possibilidade de identificação do segundo imóvel permutado e ónus que sobre o mesmo incide;
-Qual a posição da primeira outorgante a quem impõe também colher a anuência.”
-Email de 22/01/2020, do réu para o PV:
-“Tanto quanto me é dado saber, trata-se de uma proposta que antecede o pedido de avaliação bancária.
Por conseguinte, nada tenho a opor a que as negociações se iniciem nesses termos.”
De resto, este email de 22/01/2020, do réu para o PV, consubstancia uma resposta ao email do PV, de 21/01/2020, para o réu e para a SF (ex-companheira do réu e comproprietária do imóvel), no qual o PV comunicava:
Caríssimos,
Tenho proposta para a moradia em parceria com outro colega.
Valor da compra 225 000€;
Valor do CPCV de 45 000€ (liberta o receio de avaliação mais baixa, porque o sótão e o anexo não são tidos em conta, assim como o estado geral da moradia).
Valor da comissão 5% mais IVA = 11 250€+2 587,50€= valor total para vós de 21 116,50€.
Agradeço resposta célere para fazer chegar os documentos aos compradores para que iniciem processo bancário.”
Ora bem, destes documentos decorre que o réu foi aceitando a actividade desenvolvida pelo PV, interagindo com ele, apresentando elementos documentais e sugerindo redacções do contrato-promessa e, acima de tudo, declarou mesmo “…nada tenho a opor a que as negociações se iniciem nesses termos…”. E os termos que constavam da comunicação não eram somente a proposta de compra por 225 000€, mas também a comissão de 5% com especificação dos valores respectivos.
E da audição das declarações de parte do réu, resulta que apesar de negar ter negociado com a autora ou com o PV, a verdade é que reconheceu que ter sido ele a elaborar e enviar minuta do CPCV e trocou várias comunicações electrónicas com o dito PV e, não deu justificação para a declaração de concordância com os termos do contrato propostos pelo PV, que incluíam a indicação expressa da percentagem e valor da comissão.
Por outro lado, das audições dos depoimentos das testemunhas SF e PV, não decorre que os seus depoimentos tenham sido confusos, incongruentes e contraditórios.
Na verdade, a testemunha SF esclareceu que a determinada altura foi decidido (por ela e pelo réu) vender a casa da Aroeira e contactaram a Century 21 que chegou a avaliar a casa, para ela e o P (réu) terem uma noção de quanto valia. Depois veio o PV que era das relações deles (alguns anos antes tinha tentado vender uma quinta no Alentejo e arrendar uma casa em Algés e deu-lhes dicas para comprarem a casa das Laranjeiras que pertencia a um Fundo Imobiliário). O P conhecia o PV há alguns anos. Mais disse que nunca foi acordado que a comissão da agência imobiliária seria paga só por ela “…isso nunca esteve em cima da mesa…”; admitiu que a ideia de recorrer ao PV partiu dela, mas o P estava a par da opção do PV. Ele sabia que o PV estava a agenciar a casa; estava claro que a comissão era paga pelo dois. Mais disse que na altura em que surgiram uns primeiros interessados o P que a comissão era de 3%, mas a venda nunca se concretizou; depois, nos segundos interessados, o P questionou o porque da comissão ter passado para 5% e foi esclarecido que esse aumento da comissão se devia a haver outra agência imobiliária que também participava na angariação dos compradores e, como eram duas agências elas teriam de partilhar a comissão (01:07:15). O P nunca disse que quem pagava a comissão era ela (01:07:31); e que depois de terem saído da “escritura” de venda, o P lhe telefonou a perguntar “Então como é que vai ser isto da factura da mediação, vem já, é logo a seguir não é?”. Mais disse que o P fez algumas obras em casa, por sugestão do PV. Nas conversas dela com o P este estava de acordo com a intervenção do PV (01:18:23). Ela e o P falaram sobre a venda da casa muito antes do email do Dr. RSF. Esse email tratava de outras questões. O que o P pediu foi que enviassem o contrato de mediação.
Por sua vez, a testemunha PV, disse que já conhecia o P de outros imóveis, já desde 2014 ou 2015, designadamente de arrendamento de apartamento de Algés, da venda (tentativa) de quinta no Alentejo e que os ajudou a comprarem a casa nas Laranjeiras. Talvez por isso, foi contactado pela Drª SF para angariar o imóvel da Aroeira. Foram os três, ele a Drª SF e o Dr. P, fazer visita à casa para a angariação. Sempre foi do conhecimento do Dr. P que ele estava a agenciar a casa. Nunca houve desacordo por parte de nenhum deles quanto à comissão. Em 12/12/2019 falou com o Dr. P sobre a possibilidade de arrendarem a casa da Aroeira. Entretanto, como a casa estava fechada já havia tempo, ganhou humidades e ele sugeriu ao Dr. P que fossem reparadas e o próprio Dr. P pintou as divisões. Nas mediações que havia acordado antes com o Dr. P e a Drª SF (arrendamento de Algés e venda da quinta do Alentejo), também não fez contratos de mediação por escrito (00:27:40). O email de 18/07/20219 do Dr. P na sequência do email do Dr. RSF tinha em vista ele poder saber calcular “…os valores líquidos, após comissão e IVA…”. E nessa altura já havia tempo que ele estava a angariar compradores e já havia tempo que tinham idos os três à casa (da Aroeira) para acordarem a angariação. Tem a certeza que falou das comissões, embora não se recordem em que momento.
Pois bem, além de não serem depoimentos confusos, incongruentes e contraditórios, não permitem fundar as pretensões de alteração da matéria de facto nos termos pretendidos pelo réu.
Efectivamente, do teor desses depoimentos de que acima se fez um resumo, conjugados com o teor dos documentos juntos 13/12/2021 (acima referidos e parcialmente transcritos) e ainda dos teor dos documentos juntos aquando da oposição à injunção não resulta informado o trecho do ponto 2 pretendido pelo réu a Autora, através do seu agente imobiliário PV, prestou serviços de mediação imobiliária ao Réu, com o acordo deste, tendo publicitado para venda o imóvel, de que o mesmo é comproprietário…”. Pelo contrário, decorre desses meios de prova que o réu foi dialogando e até colaborando com o PV na venda da casa, o que permite concluir que estava de acordo com essa mediação imobiliária. De resto, no email de 20/01/2020 (acima transcrito), chegou mesmo a concordar com o desenvolvimento das negociações.
E o mesmo se diga quanto à pretendida eliminação do ponto 4 do elenco dos factos provados: quer do email do próprio réu, de 20/01/2020, quer dos depoimentos das testemunhas SF e PV, decorre o réu estava de acordo em suportar a sua parte da comissão.
Finalmente, quanto a pretendida retirada do trecho do ponto 5 dos factos provados quanto à aceitação da proposta, decorre essa aceitação da circunstância de no dia 30/10/2020 ter sido concretizada a venda, o que demonstra a aceitação da proposta.
Em suma, não há fundamento para alterar qualquer dos pontos de facto decididos pela 1ª instância.
*
3.3- A revogação da sentença, com absolvição do réu do pedido.
3.3.1- Por ausência de qualquer acordo entre o réu e a autora para a prestação dos serviços de mediação imobiliária.
Um dos fundamentos suscitados pelo réu/apelante para revogar a decisão da 1ª instância que o condenou a pagar metade da comissão da mediação imobiliária residia na alegação de que jamais acordou com a autora ou com o PV qualquer contrato de mediação ou, jamais acordou ter de suportar a comissão por o acordo ter sido estabelecido entre a SF (sua ex-companheira) e o PV.
Este argumentário do réu/apelante baseava-se na pretendida alteração da matéria de facto, essencialmente dos pontos 2º (quanto a ter acordado com o PV a prestação de serviços de mediação imobiliária), ponto 4º (quanto a ter concordado em pagar a comissão) e no ponto 5º (quanto a ter aceitado a proposta de compra angariada pelo PV).
Ora, como vimos, inexistiu fundamento para alterar a matéria de facto que, de resto, permaneceu inalterada.
Caindo pela base a argumentação de facto em que o réu/apelante baseava a sua pretensão de inexistência, da sua parte, de qualquer acordo de mediação imobiliária e de ter de suportar o pagamento de comissão, soçobra essa pretensão do réu quanto a este fundamento para revogar a decisão da 1ª instância que o condenou a pagar a sua parte da comissão.
3.3.2- Nulidade do contrato por falta de forma.
O réu/apelante invoca o artº 16º nº 5 da Lei 15/2013, de 08/02, para considerar que o invocado de mediação imobiliária é nulo por não ter sido reduzido a escrito.
Sem dúvida que a inobservância da forma escrita no contrato de mediação imobiliária tem como consequência legal a nulidade do contrato que apenas pode ser invocada pelo cliente e não pela empresa de mediação, como decorre limpidamente do mencionado 16º nº 5 da Lei 15/2013 (RJAMI).
Porém, a circunstância de esse contrato de mediação ser nulo – nulidade essa, de resto, declarada na sentença – não significa que a empresa de mediação, caso tenha angariado interessado que concretizou o negócio pretendido pelos clientes, não tenha direito à remuneração do seu serviço, como de resto bem decidiu a 1ª instância.
Apenas se acrescenta à fundamentação da 1ª instância mais alguns argumentos ainda que de modo sintético, seguindo, no essencial a posição de Higina Castelo (Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, 2015, Almedina, pág. 107 e segs.) “Tem-se reconhecido unanimemente que a nulidade prevista no RJAMI é atípica ou sui generis, ou seja, que não lhe corresponde o regime geral ditado pelo Código Civil para o negócio jurídico nulo. Praticamente não há acórdão sobre a matéria que não o refira. O significado dessa atipicidade, em que medida o regime da nulidade do RJAMI se afasta do regime geral, suscita várias questões: quem pode invocar o vício; que consequências ele tem na contraprestação pecuniária quando o contrato desejado seja efectivamente celebrado na sequência na sequência da actividade do mediador; (…) Quanto à segunda questão, as respostas também não são unânimes: para uns, a compensação nos termos do artº 289º nº 1 do CC, deve corresponder ao valor dos serviços que em concreto o mediador tiver prestado; para outros, a compensação deve corresponder à remuneração acordada. Quando o direito não nos conduz à manutenção do contrato, declarada a sua nulidade, haverá que ter em consideração o disposto no artº 289º nº 1 do CC – a nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Creio que o melhor critério para aferir este valor é fazê-lo corresponder à remuneração acordada, pois foi esta que o cliente entendeu que a actividade bem sucedida do mediador para si valia.”
Aliás, neste mesmo sentido, veja-se Fernando Baptista de Oliveira (Manual da Mediação Imobiliária, 2019, pág. 86) “A posição a seguir: a compensação deve equivaler ao valor da remuneração acordada. Parece-nos que esta posição é a mais correcta: afinal, não sendo possível restituir a prestação de facto positiva (“…tudo o que tiver sido prestado”), o critério para encontrar o valor o valor a restituir deverá ser o da retribuição comissão que foi acordada pelas partes contratantes, pois parece ser a única quantia que, de forma objectiva, se poderá reconduzir ao conceito de “valor correspondente”.” Na jurisprudência vejam-se, entre outros, Ac. STJ, de 21/03/2006 (Paulo Sá); Ac. TRL, de 22/11/2011 (Orlando Nascimento); ac. STJ, de 19/04/2012 (Álvaro Rodrigues); ac. STJ de 11/02/2010 (Pereira da Silva); Ac. STJ 20/04/2004).
Ou seja, não há fundamento para revogar a sentença sob recurso e absolver o reu do pedido.
Em suma: restará concluir pela improcedência do recurso.
*
III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença impugnada.
Custas no recurso: pelo réu/apelante na vertente de custas de parte (as custas na vertente das taxas de justiça mostram-se previamente satisfeitas e não ocorreram actos geradora de custas na vertente de encargos).

Lisboa, 10/11/2022
Adeodato Brotas
Vera Antunes
Jorge Almeida Esteves