Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14782/22.5T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
REVELIA OPERANTE
PRIVAÇÃO DO USO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
ABUSO DO DIREITO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A prolação de uma sentença de forma aligeirada, em caso de revelia operante, nos termos permitidos pelo art. 567.º, não dispensa, no entanto, um mínimo de fundamentação de facto e de direito, sendo que, no tocante aos factos, o juiz não fica dispensado de indicar com clareza e de forma discriminada, quais os que considera provados e não provados, assim como a respetiva motivação, como resulta do disposto no art. 607º, nº 4, sendo nula, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), quando não contenha a indicação dos factos considerados provados e não provados.
2. É no sentido da incompatibilidade lógica entre o facto real, concreto, individual, invocado pelo autor como base da sua pretensão (causa de pedir) e o efeito jurídico por ele requerido (pedido) através da ação judicial, que deve ser aferida a contradição entre o pedido e a causa de pedir.
3. Numa ação de reivindicação:
a) cuja causa de pedir é integrada:
- pelo direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada; e,
- pela violação desse direito pelo reivindicado (possuidor ou mero detentor da coisa reivindicada); e,
b) cujo pedido consiste:
- no reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa; e;
- na condenação do reivindicado a restituir-lhe a coisa reivindicada,
instaurada por um Instituto Público contra um particular, não contestada, em que não se discute a existência ou validade de qualquer contrato, de arrendamento ou de outra natureza, materialmente competente para a sua preparação e julgamento é o tribunal comum e não o tribunal administrativo.
4. Numa ação de reivindicação, à luz das regras do direito probatório material, o ónus da prova do reivindicante limita-se à demonstração de que é proprietário de uma coisa que se encontra sob o uso material do réu.
5. Uma vez provada a propriedade do autor e a detenção pelo réu, caberá ao demandado, se quiser eximir-se à condenação de restituição da coisa, provar que a detém a título legítimo, enquanto facto impeditivo do efeito essencial reivindicante.
6. Sendo invocada uma forma de aquisição derivada (compra e venda, doação, mortis causa, etc.), não basta a prova do negócio, porque o mesmo não é constitutivo, mas meramente translativo, do direito de propriedade.
7. Como ninguém pode transferir mais direitos do que os que tem (“nemo plus ad alium transferre potest quam ipse habet”), é preciso, então, provar que o direito já existia no transmitente (dominium auctoris), prova que costuma apelidar-se diabólica (“probatio diabólica”), dada a dificuldade de a conseguir em muitos casos, razão pela qual:
- não se deve ser muito exigente neste aspeto, tendo em conta as necessidades práticas, sendo suficiente que o reivindicante demonstre uma simples probabilidade que o torne preferível ao seu adversário;
- assumem especial importância as presunções legais resultantes da posse ou do registo, nos termos dos artigos 1268.º do CC e 7º do CRP.
8. No caso em que o transmitente é o último titular (do direito) inscrito no registo (facto que, naturalmente, necessita de ser provado), mesmo que não esteja apoiado numa cadeia ininterrupta de transmissões desde a descrição e a primeira inscrição registral do imóvel, a prova do direito do adquirente beneficia já da presunção de existência do direito do transmitente, que resulta do registo.
9. Limitando-se o autor a afirmar, conclusivamente, que «é o único e legítimo proprietário» de um imóvel, com base numa simples cópia da caderneta predial:
- nem alega factos suscetíveis de fazerem presumir o seu direito de propriedade sobre o imóvel;
- nem alega suscetíveis de demonstrarem a aquisição originária do imóvel.
10. No entanto, ao não contestarem a ação de reivindicação, apesar de devidamente citados para o efeito, os réus reconheceram, por confissão, a propriedade do autor sobre o bem imóvel reivindicado.
11. Sendo função dos tribunais apenas a de dirimir conflitos existentes e que lhes sejam colocados pelas partes, não pode o juiz postergar o princípio do dispositivo, salvo quando a lei lho impuser, como sucederá, designadamente, no domínio das relações indisponíveis.
12. Assim, estando uma das partes de acordo quanto à existência do direito de propriedade da contraparte sobre determinado bem, não pode o juiz, indo além ou contra a vontade da primeira, declarar que tal direito inexiste.
13. É que, desde logo, não havendo questão controvertida entre as partes, relativamente a esse direito, falha o pressuposto da intervenção do juiz neste capítulo: a existência do litígio.
14. Com os pedidos próprios da ação de reivindicação (reconhecimento do direito de propriedade e restituição da coisa) pode o autor cumular outros pedidos, acessórios, como o pedido de indemnização, sendo a ocupação pelo réu, sem título, do imóvel reivindicado, fundamento para a sua condenação no pagamento de uma quantia, a título de privação do uso, a qual, decorrendo de ocupação ilícita importa, em regra, na existência de um dano de que o lesado deve ser compensado, tudo se resumindo à deteção do método mais adequado para a quantificação da indemnização compensatória.
15. A apreciação e decisão quanto à existência de abuso do direito não depende de expressa invocação pelas partes, pois que se trata:
- de uma questão de direito (art. 5.º, n.º 3);
- de matéria de interesse e ordem pública,
sendo, por isso, permitido o seu conhecimento oficioso.
16. No entanto, a pronúncia oficiosa quanto à matéria do abuso de direito depende do tribunal se deparar com factos que manifesta e inequivocamente apontem no sentido do direito ter sido ilegitimamente acionado pelo autor;
17. (...) pelo que, no caso de a questão do abuso de direito não ter sido suscitada pelas partes, ao tribunal apenas se imporá o seu conhecimento quando a matéria de facto revele a necessidade de convocar os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social, de modo a determinar se o titular do direito o vem exercer, excedendo manifestamente aqueles limites, em clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
Instituto intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra JT[1] e HT[2], alegando, em suma, que é dono da fração autónoma designada pela letra “_”, correspondente ao 2º andar do prédio urbano sito na Rua ____, lote __, em Lisboa[3].
Os réus ocupam a fração sem qualquer título que a tal os legitime e contra a vontade do autor.
Tal ocupação é causadora de prejuízos ao autor, pelos quais pretende ser ressarcido.
O autor conclui assim a petição inicial:
«Nestes termos e pelo exposto, deve a presente acção ser julgada procedente e, em consequência, serem condenados os Réus a:
a) - reconhecer o direito de propriedade do A. sobre o imóvel que ocupam[4];
b) - restituir o imóvel ao A;
c) - pagar ao A. uma indemnização no valor de € 20.736 com juros de mora à taxa supletiva legal, contados a partir da citação, acrescida do valor mensal de €384 até efectiva entrega do imóvel ao A., livre e devoluto de pessoas e bens.»
                                              *
Os réus foram pessoal e regularmente citados para os termos da ação e não contestaram.
                                             *
No dia 19 de setembro de 2022, o 1.º réu juntou procuração a favor de mandatário judicial.
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Por despacho de 28 de setembro de 2022, foram considerados confessados os factos alegados pelo autor, nos termos do art. 567.º, n.º 1.
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Ordenado o cumprimento do disposto no art. 567.º, n.º 2, apenas o autor apresentou alegações por escrito.
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Posteriormente, foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Tendo em atenção as considerações expendidas e as normas legais citadas, julga-se a acção procedente por provada e, em consequência, decide-se:
a) Reconhecer o direito de propriedade do Autor Instituto, IP sobre a fracção autónoma designada pela letra “__”, correspondente ao 2.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua ____, lote __, em Lisboa e condenar os Réus JT e HT a restituir ao Autor a referida fracção.
b) Condenar os Réus no pagamento de indemnização pelos prejuízos sofridos - privação de uso - no valor de € 384,00 mensais, desde 31/12/2017 até à efectiva restituição pelos Réus ao Autor do local reivindicado, a que acresce juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento.»
*
Inconformado, o 1.º réu interpôs o presente recurso, concluindo assim as respetivas alegações:
«1ª
O RR HT não constituiu advogado e segundo o ora Recorrente julga nem sequer terá sido citado para proceder a tal constituição ou pelo menos não foi nomeado qualquer advogado oficioso, omissão que inquina todo o processado de nulidade insuprível (artº 33º do CPC)

Os factos essenciais, numa aceção estrita, cumprem a função individualizadora da causa de pedir, são eles que individualizam a pretensão do autor. Diz-se inepta a petição quando exista uma desarmonia irreversível entre a exposição dos factos na petição inicial e a pretensão jurídica formulada na ação. Nesta hipótese, prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 186.º do Código de Processo Civil, verifica-se contradição entre a causa de pedir e o(s) pedido(s) deduzido(s), facto que inviabiliza qualquer tutela jurisdicional. Essa contradição ocorre quando o demandante interpõe contra os demandados ação de reivindicação, pedindo, designadamente, que nela sejam estes condenados a reconhecerem o direito de propriedade daquele relativamente a imóvel que os Réus ocupam, pedindo que sejam estes condenados a restituí-lo, quando na exposição dos factos os demandantes alegam a existência de um contrato de arrendamento celebrado com os Réus, que, por virtude de tal contrato, ocuparam o imóvel, mas que se recusam a desocupá-lo, terminado o prazo do arrendamento e tendo o senhorio lhes comunicado o propósito de o não renovar, instando-os a procederem à entrega do local arrendado.

Resulta do Ponto III que o Instituto, IP é proprietário do locado em causa e que o mesmo foi objeto de celebração de contrato de arrendamento para habitação, na modalidade de renda apoiada, pelo valor de € 8,95.
Ora, nos termos legais a questões relativas à validade de tal contrato de habitação social ou relativas a rendas e transmissão são da exclusiva competência do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.

A competência em razão da matéria afere-se pelo pedido, esclarecido ou iluminado pela «causa petendi». Se atendermos ao contrato dos autos, temos de convir que respeita a habitação social, cujo regime – inserto no DL n.º 797/96, de 6/11 – sujeitava a atribuição dos fogos «a critérios de legalidade estrita».

Efetivamente, o mesmo contrato «se reveste de aspetos substantivos de direito público e se reconduz, por isso, à previsão da al. f) do art. 4º do ETAF» – pelo que «o pleito em apreço» seria «da competência dos tribunais administrativos».

Com efeito, tal alínea submete à jurisdição administrativa três tipos de questões, todas relativas «à interpretação, validade e execução de contratos»: as que se ligam a «contratos de objeto passível de ato administrativo»; as referentes a «contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos específicos do respetivo regime substantivo»; e as relacionadas com «contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público».

É, pois, claríssimo que o contrato dos autos proveio («ex ante») do que se dispunha no DL n.º 797/76. Ora, o art. 8º deste diploma – relacionado com o «regime de atribuição das habitações sociais», conforme a sua epígrafe – estabelecia que «a atribuição de habitações, segundo os regimes legalmente aplicáveis, construídas ou propriedade do Estado e demais entidades referidas no n.º 1 do art. 3º (…) será feita mediante concurso, cujo regulamento será aprovado por decreto dos Ministros da Administração Interna e da Habitação, Urbanismo e Construção, atento o disposto nos números e artigos seguintes». O que mostra que estava aí previsto um procedimento pré-contratual de selecção dos arrendatários dos fogos sociais que, como se dizia no art. 13º, n.º 1, do mesmo diploma, culminaria por um «acto administrativo» de «atribuição» do «direito ao arrendamento».

Perante isto, não há dúvida que, no que concerne ao contrato em causa, havia uma «lei específica» – o DL n.º 797/76 – que o submetia «a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público». Ademais, a «ação de despejo» ora em presença versa sobre a «execução» do contrato de arrendamento, na medida em que nela se imputam ao réu vários incumprimentos contratuais. Sendo assim, temos que as «quaestiones juris» suscitadas na lide perfeitamente se enquadram, não na al. f) do n.º 1 do art. 4º do ETAF, mas na sua al. e) – onde se atribui à jurisdição administrativa a competência para conhecer dos litígios que tenham por objecto «questões relativas à (…) execução de contratos a respeito dos quais haja lei especial que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público».

Nos termos do disposto no artº 101º do CPC a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal.
10ª
Nos termos do disposto no nº 1 do artº 102º a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
11ª
Se for arguida posteriormente ao despacho, deve conhecer-se logo da arguição. A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância a qual se invoca para todos os efeitos legais.
12ª
Nos termos do disposto no artº 65ºnº 1 da CRP todos têm direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
13º
Trata-se de uma disposição inserida nos Direito e Deveres Sociais e têm como sujeito/destinatário o Estado Português tal como resulta do Ac. do TC de 26/6/96, nº 968291.
14º
No que respeita à suspensão da execução do despejo é flagrante a existência de base legal pois que ainda que o INSTITUTO insista em ignorar tal disposição a verdade é que se encontra em vigor desde 1 de Setembro de 2016 um novo diploma que para além de banir o NRAU da aplicação ao arrendamento social baniu ainda o recurso aos despejos administrativos, atribuiu o exclusivo dos despejos aos Tribunais Administrativos deixando assim o Tribunal de Comarca de pode aceitar ou prosseguir e muito menos ordenar a efetivação de um despejo de uma casa notoriamente abrangida pelo parque habitacional de cariz social que se encontre como é o caso sob a gestão do INSTITUTO.
15º
Efetivamente, ao abrigo da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2016 resulta do artº 28ºnº 6 que os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais.
16ª
O anterior arrendatário JB celebrou o contrato em 1974 veio a falecer em 2009, sempre tendo o INSTITUTO conhecimento do respetivo agregado familiar afigurando-se que se trata de factualidade que só poderia ser objeto de prova através da ficha do agregado familiar o que só poderia ter lugar com a junção do PA no Tribunal Administrativo.
17ª
Só mediante a junção do original da ficha do agregado familiar se poderia ou não concluir se nos 5 anos que antecederam o óbito do titular o filho vivia ou não com o pai e tendo sido esse o caso é manifesto que o arrendamento se transmitiu ao filho nunca podendo ser dado como assente o contrário apenas com base na falta de apresentação da Contestação por a tal não permitirem princípios de interesse e ordem pública.
18ª
Assim, nunca poderia ser dado como assente que nem o R nem o seu filho viveram em economia comum com o progenitor JB na qualidade de primitivo arrendatário quando o mesmo faleceu em 2009 e o INSTITUTO sempre soube de tal óbito; sempre soube quem com ele residia em comunhão de mesa e habitação e que foi precisamente o ora Recorrente afigurando-se existir uma flagrante confusão entre titular/filho/neto pis que nada foi provado por documento a esse respeito pelo A e não se concebe que factos dessa natureza possam dispensar a prova documental através de certidão, o mesmo se considerando quanto ao registo predial, tratando-se matéria que deveria ter determinado a imediata absolvição da instância que quanto ao demais alegado continua a ser do conhecimento oficioso, ou seja, nem carecia de ser alegada para que fosse decretada a competente exceção dilatória.
19ª
Verifica-se assim a legitimidade do R e respetivo agregado na manutenção na habitação social em causa, com base no direito a beneficiar da transmissão do direito ao arrendamento como base no disposto no CC na década de 90 aplicável por efeitos de repristinação desde 1 de Setembro de 2016 visto que viveram em comunhão de mesa e habitação nos últimos 5 anos de vida da anterior arrendatária e tendo sido entregue o assento de óbito tendo lugar de forma automática a transmissão com manutenção do valor da renda de € 8,95. Recorde-se que o assento de óbito foi junto aos autos pelo próprio INSTITUTO.
20ª
Por último, a partir de 1 de Setembro de 2016, em vez do período de 6 meses, o locado social passou a poder estar vazio pelo período até 2 anos, por razões de trabalho ou falta de saúde.
Devido à total falta de um dos fatores não se pode concluir que se tenha verificado falta de habitação do locado com relevância jurídica pelo que não se compreende com foi dada como assente factualidade impossível de ser dada como provada.
21ª
No que respeita ao valor da indemnização importa reiterar que se trata de uma habitação social que nada tem a ver com o alegado valor de mercado e que quanto muito apenas seria devida a quantia mensal de € 8,95 a qual só não foi paga porque o INSTITUTO se recusou a recebê-la e pretende agora o INSTITUTO qual “empresa comercial” alterar a sua natureza jurídica para que através do Tribunal possa receber lucros astronómicos recusando-se a receber a renda devida quando bem sabe que não tendo efetuado quaisquer obras no locado nos últimos 20 anos nem sequer pode ter o pensamento de pretender um aumento de renda social!!!!
22ª
A fundamentação da sentença, como a de qualquer outra decisão judicial, sendo exigência muito antiga, tem atualmente assento constitucional. De facto, art. 205º nº 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objetivo - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjetivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários.
23ª
A fundamentação da douta sentença recorrida afigura-se contrária com os fundamentos na medida em que:
24ª
As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
25ª
A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente.
26ª
Por outro lado, a douta sentença não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo A, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto.
27º
Prescreve, então e no que ora nos interessa, o artigo 334.º do C.C., primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
28ª
Quer-se, pois, tutelar ou permitir uma válvula de escape perante um determinado modo de exercício de direito ou direitos, que, apresentando-se formal e aparentemente admissível, redunda em manifesta contrariedade à ordem jurídica.
29ª
Há abuso de direito quando um determinado direito – em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. RL, de 16 de Maio 1996, processo nº 0012472, sumário em dgsi.pt). Ora, é o que sucede quando tendo tomado conhecimento do óbito em 2009 , quando o Recorrente vivia em comunhão de mesa e habitação com o titular quando o INSTITUTO espera 22 anos para intentar uma ação de revindicação quando se trata de um contrato de arrendamento no Tribunal Cível quando bem sabe que só o poderia fazer no Tribunal Administrativo, mas aí teria de entregar o PA donde consta que o Recorrente era autorizado e adquiriu no todo ou em parte do direito à transmissão do arrendamento.
Termos em que deve o presente Recurso ser admitido, com efeito suspensivo e subindo nos próprios autos; julgado procedente por provado declarando-se a incompetência em razão da matéria; julgando-se ainda oficiosamente procedentes as exceções que deveriam ter sido reconhecidas e absolvendo-se o Recorrente da instância se fará Justiça!»
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O autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer “ex officio”, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, “ius novarum”, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal “a quo” (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, “ex vi” do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos são as seguintes as questões a decidir neste recurso:
a) da «nulidade insuprível» do processado por falta de citação do 2.º réu, e por falta de constituição de advogado pelo mesmo;
b) da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial com fundamento em contradição entre o pedido e a causa de pedir;
c) da (in)competência absoluta do tribunal "a quo", em razão da matéria, para a preparação e julgamento desta ação;
d) do direito do autor a ver os réus condenados a restituírem-lhe a fração;
e) do direito indemnizatório do autor;
f) do abuso de direito.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
Na sentença recorrida consignou-se o seguinte:
«Atento o disposto no artigo 567.º, n.º 1 e n.º 3 do Código de Processo Civil e face à manifesta simplicidade da questão, dou por integralmente reproduzidos os factos articulados pelo Autor.»
Dispõe o n.º 3 do art. 567.º que «se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.»
É injustificada, no caso concreto, a aplicação do citado preceito legal, conforme, aliás, o revela a própria sentença recorrida, cuja fundamentação jurídica está longe de poder considerar-se sumária.
A invocação do n.º 3 do art. 567.º serviu apenas como pretexto para a não prolação de decisão sobre a matéria de facto, que deveria incidir sobre a factualidade essencial ou principal para a decisão da causa, a única que obrigatoriamente deve constar da fundamentação de facto da sentença, sob a forma de juízos probatórios positivos (factos provados) e negativos (factos não provados).
Não é, salvo o devido respeito, aceitável a técnica usada pela senhora juíza "a quo" para fundamentar, em termos de facto, a sentença ora sob recurso.
Tal como certeiramente se afirma no Ac. da R.L. de 20.12.2028, Proc. n.º 383/18.6T8ALM.L1-7 (Diogo Ravara), in www.dgsi.pt, «(...) se é certo que o art. 567º, nº 1 do CPC dispõe que sendo o réu regularmente citado na sua pessoa e não contestar se consideram confessados os factos alegados pelo autor na petição inicial, acrescentando o nº 3 do mesmo preceito que se a resolução da causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado, julgando-se a causa conforme for de direito (nº 2), a verdade é que a jurisprudência dos tribunais superiores vem entendendo que esta forma aligeirada da sentença não dispensa um mínimo de fundamentação de facto e de direito, e que, no tocante aos factos, não fica o juiz dispensado de indicar com clareza e de forma discriminada quais os factos que considera provados e não provados, e a respetiva motivação, como resulta do disposto no art. 607º, nº 4 do CPC – vd., entre outros, os acs. RC de 20-05-2004 (Fernandes da Silva), p. 697/04, e RG 03-07-2014 (Amílcar Andrade), p. 4215/13.3TBRRG.G1[4].
Nos citados arestos chega mesmo a concluir-se que quando não contenha a indicação dos factos considerados provados e não provados, a sentença é nula, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. b) do CPC».
Impunha-se que a senhora "a quo" fundamentasse a sentença recorrida em termos de facto, discriminando os factos essenciais provados e não provados, e que, em seguida, procedesse à respetiva motivação.
Substituindo-se à 1.ª instância, vai este tribunal "ad quem" elencar os factos essenciais relevantes para a decisão da causa, tarefa que, repete-se, incumbia ao tribunal recorrido:
Assim, são os seguintes os factos que se consideram provados:
1 - A fração autónoma designada pela letra “S”, correspondente ao 2.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua ____, Lote __, em Lisboa, foi pertença do FFH;
2 - Na sequência da extinção do FFH, todo o seu património mobiliário e imobiliário, bem como todos os direitos de que aquele Fundo era titular, incluindo, portanto, a fração, e os direitos a ela inerentes, foram transferidos para o IGAPHE;
3 - Posteriormente, por força da extinção do IGAPHE, a fração identificada em 1., passou a integrar o património do autor;
4 - Por acordo escrito realizado no dia 1 de agosto de 1974, o FFH deu de arrendamento a fração a JB, para habitação, pelo prazo de um ano, sucessivamente renovado por iguais períodos;
5 - No âmbito de um procedimento levado a cabo pelo autor no sentido de ser concretizada a venda de um conjunto de imóveis aos respetivos arrendatários, foi solicitada informação junto de JB, acerca do seu eventual interesse na aquisição da fração;
6 – No dia 25/09/2008, JB manifestou interesse na aquisiçãoda fração, declarando autorizar que essa compra fosse efectuada pela sua filha, AGR, casada com AMR;
7 - Por ofício datado de 23/07/2009, o autor informou JB do deferimento da sua pretensão, condicionado à constituição de usufruto a seu favor e ónus de inalienabilidade pelo prazo de 5 anos, tendo sido solicitada confirmação quanto às referidas condições, até ao dia 10/08/2009;
8 - Sucede que JB não respondeu ao ofício referido em 7, razão pela qual o autor deu como encerrado o procedimento de alienação da fração;
9 - No dia 28/12/2010, PC compareceu nas instalações do autor, apresentando-se como companheira de NR, filho de JB;
10 - (...) ocasião na qual PC informou a funcionária do autor que a atendeu, que JB tinha falecido em 2009;
11 - (...) e que, à data do seu decesso, viviam na fração, para além de JB, a própria PC, o companheiro desta, NR, e a filha de ambos, MCT;
12 - Posteriormente, por meio de comunicação escrita datada de 23/01/2012, NR, comunicou ao autor o falecimento do seu pai, JB, ocorrido no dia 22/04/2009, e solicitou a transmissão do contrato de arrendamento para o seu nome, uma vez que continuava a residir na fração;
13 - Por ofícios datados de 11/07/2014 e 21/08/2014, endereçados para a morada identificada em 1., e dirigidos aos familiares de JB, o autor solicitou o envio de um conjunto de documentos, «de forma a proceder à análise de da situação habitacional» da fração;
14 - O autor não obteve resposta a tais ofícios;
15 - No dia 14/09/2017, funcionários do autor deslocaram-se à fração, não lhes tendo, no entanto, sido possível aceder ao seu interior ou contactar com qualquer ocupante;
16 – No dia 07/11/2017, o autor remeteu um novo ofício para a morada identificada em 1., dirigida aos familiares de JB, convocando-os para uma reunião a realizar no dia 21/11/2017;
17 - (...) essa carta essa foi devolvida com a indicação de «não reclamada»;
18 - No dia 11/12/2017 o autor remeteu novo ofício para a morada identificada em 1., dirigida aos familiares de JB, agendando nova data para reunião;
19 - (...) o autor não obteve qualquer resposta a essa carta;
20 - No dia 24/01/2018, o autor recebeu um e-mail remetido por RT, neto de JB e filho de NR, informando do falecimento do seu pai, ocorrido em dezembro de 2017;
21 - Consta desse e-mail, além do mais, o seguinte:
«No início do mês de Dezembro, após o meu pai ser hospitalizado, e vivendo pero dele desloquei-me a casa do mesmo para verificar a correspondência dado que ele morava sozinho, acabei por tomar conhecimento de algumas cartas da vossa parte com a marcação de reunião (...).
Dada a situação, sendo que a casa ainda estava em nome do meu avô, mas o único que lá habitava era o meu pai como devo proceder?
(...)
Gostaria também de saber caso exista alguma possibilidade como posso concorrer ao aluguer da casa, uma vez que não me encontrava na ficha de habitação. Sabendo de antemão que irão existir ajustes no valor da renda»;
22 - Em posterior contacto telefónico entre um funcionário do autor e RT, este informou aquele que entregou as chaves da fração a uma tia, também residente no mesmo bairro;
23 - No dia 30/01/2018 realizou-se uma reunião nas instalações do autor, na qual participaram, para além de funcionários daquele, LT e os aqui réus, todos filhos de JB;
24 - Nessa reunião o 1.º réu afirmou residir desde sempre na fração;
25 - Por considerar não demonstrada a coabitação do 1.º réu com JB à data da morte deste, o autor, através de ofício datado de 07/06/2018, solicitou àquele a entrega do imóvel locado, no prazo de 30 dias;
26 - Os réus responderam a tal ofício através de carta datada de 05/07/2018, pela qual solicitaram a regularização da sua situação habitacional;
27 - O autor respondeu a tal missiva através de ofício datado de 09/10/2018, pelo qual informou os réus que, por despacho de 24/07/2018, foi indeferido o pedido de celebração de um contrato de arrendamento em regime de renda apoiada, pelo que, deveriam proceder à entrega do locado no prazo máximo de 30 dias;
28 - Até ao momento os réus não procederam à entrega das chaves da fração ao autor, apesar de interpelados para o efeito;
29 - O autor encontra-se impedido de arrendar a fração a alguém carenciado que dela necessite para sua habitação desde 31/12.2017, data desde a qual os réus a vêm ocupando;
30 - O valor da renda mensal da fração é de € 384,00.
Motivação:
A presente é, inequivocamente, uma ação de reivindicação.
Dispõe o art. 1311.º CC:
1 - O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
2 – Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.
A alegação e prova do direito de propriedade do demandante e da detenção por parte dos demandados, ou seja, da causa de pedir, cabem àquele, por via do disposto no artigo 342.º, n.º 1, CC.
Quer isto dizer que à luz das regras do direito probatório material, o ónus da prova do reivindicante limita-se à demonstração de que é proprietário de uma coisa que se encontra sob o uso material do réu.
Uma vez provada a propriedade e a detenção pelo réu, caberá ao demandado provar que detém a coisa a título legítimo, se quiser eximir-se à condenação; ou seja, tem o utente da coisa o ónus de alegação e prova de factos legitimadores do uso da coisa, portanto, dos factos impeditivos do efeito essencial reivindicante (art. 342.º, n.º 2).
Nos termos do art. 1316.º CC, «o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, acessão e demais casos previstos na lei».
Sucede que as circunstâncias são diferentes, consoante a forma de aquisição do direito de propriedade que se invoque.
Sendo invocada uma forma de aquisição originária (usucapião, ocupação ou acessão, por exemplo), nenhum problema se coloca, desde que sejam alegados os factos integrantes dessa forma de adquirir.
No entanto, sendo invocada uma forma de aquisição derivada (compra e venda, doação, mortis causa, etc.), não basta a prova do negócio, porque o mesmo não é constitutivo, mas meramente translativo, do direito de propriedade.
Ora, como ninguém pode transferir mais direitos do que os que tem, é preciso, então, provar que o direito já existia no transmitente (dominium auctoris).
A esta prova chamam alguns autores probatio diabolica, dada a dificuldade de a conseguir em muitos casos[5].
Uma vez que a prova da aquisição originária é (ou pode ser) diabólica, entende-se que «não se deve ser muito exigente neste aspecto, tendo em conta as necessidades práticas, sendo suficiente que o reivindicante demonstre uma simples probabilidade que o torne preferível ao seu adversário»[6].
Por isso, neste particular, assumem especial importância as presunções legais resultantes da posse ou do registo, nos termos dos artigos 1268.º CC e 7º do Código do Registo Predial[7].
A este propósito, refere Antunes Varela[8], com o brilho que caracteriza os seus escritos: «É certo que a nossa jurisprudência tem insistido repetidas vezes, a propósito da definição da causa de pedir nas acções de reivindicação, em que não basta ao reivindicante a prova de ter adquirido por qualquer forma de aquisição derivada, mesmo que esta aquisição tenha sido levada ao registo.
Faltaria sempre, nesse caso, a prova do direito do transmitente, essencial à válida existência do direito do adquirente, em face do velho e sempre actual brocardo de que “nemo plus ad alium transferre potest quam ipse habet”.
A ideia de que na aquisição derivada, não basta para provar a existência do direito do reivindicante a alegação do negócio de aquisição (da compra e venda, da doação, da permuta, etc.) nem o registo deste negócio, porque pode faltar o direito do transmitente, é perfeitamente compreensível e justificada.
Mas já não assim quando o transmitente seja o último titular (do direito) inscrito no registo - facto que, naturalmente, necessita de ser provado.
Quando assim suceda, mesmo que o último inscrito no registo não esteja apoiado numa cadeia ininterrupta de transmissões desde a descrição e a primeira inscrição do imóvel no registo (...) a prova do direito do adquirente beneficia já da presunção de existência do direito do transmitente, que resulta do registo».
No caso concreto, na petição inicial com que introduziu em juízo a presente ação, o autor limita-se a alegar que «é o único e legítimo proprietário da fracção (...) (cfr. documento n.º 1 que ora se junta).
Além de se tratar de um enunciado conclusivo e de direito, salta à evidência que o documento n.º 1 junto com a petição inicial é insuscetível de demonstrar ou fazer presumir o direito de propriedade do autor sobre a fração.
Trata-se de uma simples cópia da caderneta predial referente à fração, emitida pelo competente Serviço de Finanças.
Alega ainda o autor que «a propriedade sobre o mencionado imóvel, inicialmente pertença do FFH, veio a ser transmitida para o IGAPHE, por força da transferência para si de todo o património mobiliário e imobiliário, bem como, de todos os direitos de que era titular aquele Fundo (cfr. artigo 30º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 88/87, de 26 de Fevereiro e Decreto-Lei n.º 194/89 de 9 de Junho).
Posteriormente, tal fracção autónoma veio para a propriedade do Autor, por força da extinção e fusão do IGAPHE com o aqui Autor (anteriormente denominado de INH, IP, cfr. D.L. n.º 223/2007, de 30/05), por força do disposto no artigo 29º do D.L. n.º 207/2006, de 27/10.»
Como facilmente se constata, tais enunciados são insuscetíveis de demonstrar a aquisição originária de fração.
No entanto, os réus, apesar de devidamente citados, não contestaram a ação, não se mostrando, por isso, impugnado ou controvertido o direito de propriedade do autor sobre a fração.
Ou seja, ao não contestarem a ação, apesar de devidamente citados para o efeito, os réus reconheceram, por confissão, a propriedade do autor sobre o bem reivindicado, a fração acima identificada.
No Ac. do S.T.J. de 25.06.1998, CJSTJ, VI, 2.º, p. 129, afirma-se de forma lapidar que «a função dos tribunais é, apenas, a de dirimir conflitos existentes e que lhes sejam colocados pelas partes, não podendo o juiz postergar o princípio do dispositivo, salvo quando a lei lhe impuser, como sucederá, designadamente, no domínio das relações indisponíveis.
Assim, estando uma das partes de acordo quanto à existência do direito de propriedade da contraparte sobre determinado bem, não pode o juiz, indo além ou contra a vontade da primeira, declarar que tal direito inexiste.
É que, desde logo, não havendo questão entre as partes, relativamente a esse direito, falha o pressuposto da intervenção do juiz neste capítulo – a existência do litígio».
Como se disse, os réus não contestaram a ação, apesar de regular e pessoalmente citados para o efeito, pelo que está reconhecido, por confissão, o direito de propriedade do autor sobre a fração.
Ou seja, não ocorrendo qualquer uma das hipóteses a que se refere o artigo 354.º CC, a propriedade do autor sobre a fração reivindicada, deveria ser tida como um facto[9].
Ainda a este propósito, escreveu-se no Ac. da R.L. de 21.05.2000, Proc. n.º 12917/17T8SNT.L1-2 (Gabriela Cunha Rodrigues). in www.dgsi.pt:
«Quanto à questão da prova do direito de propriedade na ação de reivindicação, a jurisprudência maioritária tem-se pronunciado no sentido de que cabe ao demandante a prova daquele direito, a qual terá de ser feita através de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, por sua parte ou por qualquer dos antepossuidores. Quando a aquisição for derivada, têm de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, exceto nos casos em que se verifique a presunção legal da propriedade, como a que resulta da posse ou do registo (artigos 1268.º do Código Civil e 7.º do Código de Registo Predial) - cf., a título exemplificativo, o acórdão do TRL de 21.6.2012 (p. 7213/11.8TBOER.L1-2) e o acórdão do TRC de 14.1.2014 (p. 224/12.8TBCTB-C.C1), ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
(...)
Cumpre, pois, ponderar se, mesmo sem a certidão comprovativa da inscrição no registo (...)[10], tal documento seria desnecessário uma vez que ambas as partes admitem o direito de propriedade àquela data.
Na verdade, ou o Autor juntava tal documento, beneficiando da presunção registal, ou teria de demonstrar a aquisição originária do veículo ou toda a corrente do trato sucessivo na sequência de eventuais aquisições derivadas.
Entendemos que tal não seria necessário.
Neste sentido, respigamos aqui as palavras do acórdão do STJ de 9.11.2017 (p. 1964/14.2TCLRS.L1.S1, in www.dgsi.pt), ainda que a propósito de um bem não sujeito a registo, assim sumariado:
“I. Segundo a doutrina e jurisprudência dominantes, nas ações reais - maxime na ação de reivindicação prevista no artigo 1311.º do CC -, a pretensão não se poderá fundar exclusivamente na invocação de um título de aquisição derivada do direito peticionado.
II. Nesse domínio, em consonância com a teoria da substanciação subjacente ao disposto no atual artigo 581.º, n.º 4, do CPC, torna-se necessário que o adquirente demonstre que o direito existia na esfera do alienante, alegando e provando os factos que consubstanciam a sua causa genética - usucapião, ocupação ou acessão.
III. Todavia, num caso em que ambas as partes admitem, inequivocamente, o direito de propriedade do transmitente que interveio no contrato de compra e venda alegado pelo autor, estando apenas questionada a celebração deste contrato, não se mostra exigível que o autor alegue e prove a aquisição originária, por via usucapião, daquele direito por parte do transmitente.
IV. A admissão pelas partes da existência desse direito de propriedade na esfera do transmitente reconduz-se a uma situação jurídica consolidada, face à qual restará provar a subsequente celebração do contrato de compra e venda com o autor.”»
Sobre o citado Ac. da R.L., Teixeira de Sousa teceu o seguinte comentário:
«A RL decidiu bem.
b) Não se põe em causa que, quando não exista uma presunção de titularidade do direito, se exige habitualmente que, numa acção de reivindicação, o autor faça prova de um título de aquisição originária. O que não se pode aceitar é que isto possa colocar o autor perante a necessidade de realizar uma probatio diabolica.
A solução deve, por isso, ser repensada à luz dos parâmetros actuais do processo civil. Uma solução possível consiste em exigir a prova dessa aquisição originária apenas quando, através de uma contestação substanciada do réu, esta parte alegue factos que possam colocar em causa essa aquisição.»[11].
Eis, portanto, a razão pela qual este tribunal "ad quem" considerou provado o enunciado descrito em 1.
Os enunciados descritos em 2. e 3. resultam dos textos legais mencionados pelo autor nos arts. 2.º e 3.º da petição inicial.
O enunciado descrito em 4. resulta provado pelo teor do contrato de arrendamento junto aos autos.
Os enunciados descritos em 5. a 7. resultam provados por confissão; sempre resultariam provados face ao teor dos documentos juntos com a petição inicial sob os n.ºs 3 a 5.
O enunciado descrito em 8. a 11. resultam provados por confissão.
O enunciado descrito em 12. resulta provado por confissão; sempre resultaria provado pelo teor dos documentos juntos com a petição inicial sob os n.ºs 8 e 9.
O enunciado descrito em 13. resulta provado por confissão; sempre resultaria provado pelo teor dos documentos juntos com a petição inicial sob os n.ºs 10 e 11.
O enunciado descrito em 14. resulta provado por confissão.
O enunciado descrito em 15. resulta provado por confissão.
Os enunciados descritos em 16. e 17. resulta provado por confissão; sempre resultariam provados pelo teor do documento junto com a petição inicial sob o n.º 12.
O enunciado descrito em 18. resulta provado por confissão; sempre resultaria provado pelo teor do documento com a petição inicial sob o n.º 13.
O enunciado descrito em 19. resulta provado por confissão.
Os enunciados descritos em 20. e 21. resultam provados por confissão; sempre resultariam provados pelo teor do documento junto com a petição inicial sob o n.º 14.
O enunciado descrito em 22. resulta provado por confissão.
Os enunciados descritos em 23. e 24 resultam provados por confissão.
O enunciado descrito em 25. resulta provado por confissão; sempre resultaria provado pelo teor do documento junto com a petição inicial sob o n.º 15.
O enunciado descrito em 26. resulta provado por confissão; sempre resultaria provado pelo teor do documento junto com a petição inicial sob o n.º 16.
O enunciado descrito em 27. resulta provado por confissão; sempre resultaria provado pelo teor do documento junto com a petição inicial sob o n.º 17.
Os enunciados descritos em 28. a 30. resultam provados por confissão.
3.2 – Fundamentação de direito:
Discriminados os factos provados e efetuada a motivação da decisão sobre a matéria de facto, tarefa da qual a 1.ª instância se descartou com a singeleza que se deixou assinalada, importa agora enquadrar juridicamente as questões suscitadas pelo 1.º réu no presente recurso, todas elas, desde já se adianta, sem o mínimo fundamento, nalguns casos, incompreensíveis até.
3.2.1 – Nota prévia: as conclusões do recurso:
O n.º 1 do art. 639.º impõe que o recorrente apresente conclusões que sintetizem os fundamentos da argumentação desenvolvida no corpo das alegações.
As conclusões devem, assim, além do mais, satisfazer o imperativo legal de síntese dos argumentos do recorrente.
Para maior compreensibilidade, convencimento e eficácia, elas devem ser breves, claras e bem sistematizadas.
Ou seja, para serem efetivamente, na prática, conclusões, elas devem constituir-se como o culminar do raciocínio argumentativo acabado de desenvolver em sede de motivação, no corpo das alegações, e expresso em frases claras, objetivas e sintéticas, que possam delimitar objetivamente a esfera de atuação do tribunal "ad quem", nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1.
Não é exatamente o que ocorre no caso presente, em que nos encontramos perante conclusões complexas e prolixas, contendo frases extensas, nalguns casos de difícil compreensão e deficientemente sistematizadas.
O art. 639.º, n.º 3 prevê a possibilidade de prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões.
A prolação desse despacho fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorreções, em conjugação com a efetiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais.
Para tal, pode ser conveniente tomar em consideração os efeitos que a intervenção do juiz e as subsequentes intervenções das partes determinem na celeridade.
Parece ainda adequado que o juiz atente na reação do recorrido manifestada nas contra-alegações de forma a ponderar se alguma irregularidade verificada perturbou o exercício do contraditório, designadamente quando se esteja perante conclusões obscuras.
No caso do recurso sobre o qual nos debruçamos não parece que tenha resultado prejudicado o exercício do contraditório por parte do apelado.
Além disso, cimo refere Abrantes Geraldes, a experiência confirma que se entranhou na prática judiciária um verdadeiro círculo vicioso: em face do número de situações em que se mostra deficientemente cumprido o ónus de formulação de conclusões, os Tribunais Superiores acabam por deixá-las passar em claro, preferindo, por razões de celeridade (e também para que a parte recorrente não seja prejudicada), avançar para a decisão, na qual é feita a triagem do que verdadeiramente interessa em face das alegações e da sentença recorrida.
Agindo deste modo, os Tribunais Superiores colocam os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspetos de natureza formal
É exatamente por essa razão que não se determina o aperfeiçoamento das conclusões da alegação de recurso do apelante, deixando-se, no entanto, claro, que elas constituem um texto que não cumpre o sentido da lei quando impõe que o recorrente conclua a sua alegação de forma sintética, indicando os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
3.2.2 – Quanto às questões a resolver no recurso:
É, como já foi afirmado, pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Por outro lado, conforme igualmente já referido, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, “ius novarum”, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal “a quo”.
Tudo, reitera-se, sem embargo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer oficiosamente.
Assim:
3.2.2.1 – Da «inquinação» de «todo o processado de nulidade (artº 33º do CPC)», por falta citação do 2.º réu e de constituição de advogado pelo mesmo.
Afirma o apelante que «O RR HT não constituiu advogado e segundo o ora Recorrente julga nem sequer terá sido citado para proceder a tal constituição ou pelo menos não foi nomeado qualquer advogado oficioso, o missão que inquina todo o processado de nulidade insuprível (artº 33º do CPC)».
O mínimo que se pode dizer é que custa a crer que o 1.º réu, apelante neste recurso, representado por mandatário judicial, desenvolva, perante um tribunal de recurso, uma argumentação como a transcrita.
Um processo judicial e um recurso, não servem, seguramente, para este tipo de argumentação.
Não pode, não deve, como é evidente, em sede de recurso, o 1.º réu afirmar que segundo julga o seu co-réu «nem sequer terá sido citado para proceder» à constituição de advogado.
Ou seja, o 1.º réu, aqui apelante, que no dia 19 de setembro de 2022 juntou aos autos procuração forense a favor de mandatário judicial, não se deu sequer ao trabalho de, antes de afirmar o que afirmou, em sede de apelação, se certificar se o co-réu, o seu irmão HT, foi, ou não, efetivamente citado para os termos da ação e, em caso afirmativo, em que termos, antes optando por aventar expressões inconsequentes como a que se transcreveu.
Tivesse o 1.º réu, aqui apelante, consultado, ainda que superficialmente, os presentes autos, através do seu ilustre advogado, e logo teria constatado que o 2.º réu, seu irmão, foi pessoal e regularmente citado para os termos da causa, considerando-se tal ato como ocorrido no dia 20 de junho de 2022[13].
E mais constataria que essa citação foi feita, além do mais, com as seguintes advertências:
- «Se quiser defender-se, responda a esta carta
Se não responder dentro do prazo, o tribunal pode achar que concorda e que foi por isso que não respondeu. A lei chama a isso a confissão dos factos».
- «É obrigatório ter um/uma advogado/a para se defender
Para contestar o que é dito no pedido contra si, vai precisar de um/uma advogado/a. Se não tiver meios económicos para pagar, consulte nesta carta a secção “Precisa de apoio judiciário?”».
- «Tem 30 dias para se defender
Se quiser contestar o que é dito no pedido contra si, o/a seu/sua advogado/a tem de responder no prazo de 30 dias após receber esta carta. Para saber como se conta este prazo, consulte nesta carta a secção “Como se contam os prazos”»
Depois, não se percebe, de todo, o que pretende o apelante significar com a expressão «(...) ou pelo menos não foi nomeado qualquer advogado oficioso, o missão que inquina todo o processado de nulidade insuprível ( artº 33º do CPC)».
Pretenderá o 1.º réu significar que ao 2.º réu, citado que foi:
- com a advertência, além do mais, de que para contestar «vai precisar de um/uma advogado/a» e que «se não tiver meios económicos para pagar, consulte nesta carta a secção “Precisa de apoio judiciário?”»;
- com os esclarecimentos acerca dos procedimentos a adotar caso precisasse de apoio judiciário,
e nada tendo dito no processo, teria de ser o próprio tribunal a nomear-lhe um «advogado oficioso»?
Ao abrigo de que norma?
Não faz qualquer sentido, evidentemente!
E com referência ao art. 33.º do CPC?
Mas o art. 33.º do CPC reporta-se ao litisconsórcio necessário!
Nada disto faz, na realidade, o mais pequeno sentido.
3.2.2.2 – Da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial com fundamento na contradição entre o pedido e a causa de pedir:
No extenso ponto 2. das conclusões afirma o apelante o seguinte:
«Os factos essenciais, numa aceção estrita, cumprem a função individualizadora da causa de pedir, são eles que individualizam a pretensão do autor. Diz-se inepta a petição quando exista uma desarmonia irreversível entre a exposição dos factos na petição inicial e a pretensão jurídica formulada na ação. Nesta hipótese, prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 186.º do Código de Processo Civil, verifica-se contradição entre a causa de pedir e o(s) pedido(s) deduzido(s), facto que inviabiliza qualquer tutela jurisdicional. Essa contradição ocorre quando o demandante interpõe contra os demandados ação de reivindicação, pedindo, designadamente, que nela sejam estes condenados a reconhecerem o direito de propriedade daquele relativamente a imóvel que os Réus ocupam, pedindo que sejam estes condenados a restituí-lo, quando na exposição dos factos os demandantes alegam a existência de um contrato de arrendamento celebrado com os Réus, que, por virtude de tal contrato, ocuparam o imóvel, mas que se recusam a desocupá-lo, terminado o prazo do arrendamento e tendo o senhorio lhes comunicado o propósito de o não renovar, instando-os a procederem à entrega do local arrendado.»
É, também nesta parte, incompreensível o afirmado pelo apelante, dando até a sensação de que se reportará a outro processo que não o presente.
Dispõe o n.º 1 do art. 186.º que «é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial», estatuindo a al. b) do n.º 2, que «diz-se inepta a petição (…) quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir.»
Conforme referem Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Sousa, «se o pedido deve ser a consequência ou o corolário lógico da causa de pedir, numa ideia de silogismo, a contradição entre esses dois elementos implica a impossibilidade de a petição cumprir a sua função; em rigor, este motivo de ineptidão resulta de um verdadeiro antagonismo entre o pedido e a causa de pedir, e não de uma mera desadequação entre uma coisa e outra (...). A petição inicial, assim como a sentença final, deve apresentar-se sob a forma de um silogismo, ao menos implicitamente enunciado, que estabeleça um nexo lógico entre as premissas e a conclusão; em tal silogismo, a premissa maior é constituída pelas razões de direito invocadas, a premissa menor é integrada pelas razões de facto e o pedido corresponderá à conclusão. Por isso mesmo a causa de pedir não deve estar em contradição com o pedido, o que não se confunde com a simples desarmonia entre pedido e causa de pedir.»[14].
Como dilucida Antunes Varela, a «contradição não pressupõe uma simples desarmonia, mas uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto… uma conclusão que pressupõe exactamente a premissa oposta àquela de que se partiu.»
Segundo o Autor, «é no sentido da incompatibilidade lógica entre o facto real, concreto, individual, invocado pelo autor como base da sua pretensão (causa de pedir) e o efeito jurídico por ele requerido (pedido) através da acção judicial, que a doutrina e a jurisprudência justificadamente interpretam a aplicam a contradição prevista (e regulada) na al. b) do nº 2 do art. 193º do Código de Processo Civil[15]»[16].
À luz de tais considerandos, é por demais evidente que a petição inicial com que foi introduzida em juízo a presente ação não padece do apontado vício.
No caso concreto, não se lobriga qualquer antagonismo entre o pedido e a causa de pedir, não se vislumbra qualquer incompatibilidade lógica entre o pedido e a causa de pedir que o sustenta, não se vê qualquer negação entre os facto reais, concretos, individuais, invocado pelo autor como base da sua pretensão (causa de pedir) e o efeito jurídico por ele requerido (pedido) através da presente ação.
Não corresponde, manifestamente, à verdade, o afirmado pelo apelante, ainda que de forma confusa, sem qualquer clarividência, que «na exposição dos factos os demandantes[17] alegam a existência de um contrato de arrendamento celebrado com os Réus, que, por virtude de tal contrato, ocuparam o imóvel, mas que se recusam a desocupá-lo, terminado o prazo do arrendamento e tendo o senhorio lhes comunicado o propósito de o não renovar, instando-os a procederem à entrega do local arrendado.»
É que o autor não alega rigorosamente nada disto na petição inicial.
Em momento algum da petição inicial o autor alega:
- ter celebrado qualquer contrato de arrendamento com os réus;
- que os réus ocuparam a fração no âmbito de tal (inexistente) contrato de arredamento;
- o termo do prazo desse (inexistente) contrato de arrendamento celebrado com os réus;
- ter comunicado aos réus o seu propósito de não renovar esse (inexistente) contrato de arrendamento.
Improcede, sem necessidade de mais considerandos, por absolutamente desnecessários, a arguida nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial com fundamento na contradição entre o pedido e a causa de pedir.
3.2.2.3 – Da (in)competência absoluta do tribunal "a quo", em razão da matéria, para a preparação e julgamento desta ação:
Trata-se de mais um evidente equívoco do recorrente!
É que, à luz do que constitui o objeto da ação, tal como ele surge configurado pelo autor na petição inicial, composto pelo pedido e pela causa de pedir que o suporta, não se colocam «questões relativas à validade de tal contrato de habitação social ou relativas a rendas e transmissão
É verdade, nisso assistindo inteira razão ao apelante, que «a competência em razão da matéria afere-se pelo pedido, esclarecido ou iluminado pela causa petendi».
É, no entanto, por isso mesmo, que carece em absoluto de fundamento a invocação incompetência material do tribunal "a quo" para a preparação e julgamento desta causa.
A presente ação não tem por objeto qualquer contrato, de arrendamento, ou de outra natureza.
A presente é, como já afirmado, uma ação de reivindicação de propriedade, portanto, uma ação real.
Numa ação de condenação a causa de pedir é necessariamente complexa, consistindo não apenas no direito ou nos invocados factos constitutivos deste, mas também numa situação a ele contrária e que se quer ver transcendida através da condenação.
A ação de reivindicação é dirigida à entrega a coisa, o que significa que a causa de pedir não é apenas a titularidade ou os factos constitutivos do direito, mas também necessariamente uma situação de desconformidade na relação com a coisa, consistente na sua detenção (ou posse) por terceiro, que implicitamente contraria a situação de direito real, e a que a entrega, enquanto momento essencial, deve pôr termo.
Por isso, a causa de pedir, na ação de reivindicação, é necessariamente complexa, composta não só pelo direito real ou pelos seus factos constitutivos, mas também pela detenção da coisa por terceiro, em desconformidade com aquele direito, constituindo até a situação de facto desconforme um momento prévio sem o qual o recurso à reivindicação carece de sentido[18].
Tal como referem Pires de Lima e Antunes Varela[19], são dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação:
a) por um lado, o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio);
b) por outro lado, a restituição da coisa (condenatio).
Só através destas duas finalidades se preenche o esquema da ação de reivindicação.
A ação de reivindicação tem, assim, uma vertente de simples apreciação positiva (pede-se que o tribunal declare a existência do direito de propriedade sobre uma coisa) e uma vertente de condenação (pede-se a condenação de alguém a restituir a coisa).
Com efeito, o primeiro dos pedidos integra-se naquilo a que pode chamar-se a parte meramente declarativa da ação de reivindicação; nesta parte apenas se deve declarar o direito.
Ou seja, na ação de reivindicação, a ação real por excelência:
a) a causa de pedir é integrada:
- pelo direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada; e,
- pela violação desse direito pelo reivindicado (possuidor ou mero detentor da coisa reivindicada).
b) o pedido consiste:
- no reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa; e;
- na condenação do reivindicado a restituir-lhe a coisa reivindicada.
É nisto, exatamente nisto, que consiste o pedido e a causa de pedir nesta ação de reivindicação instaurada pelo autor contra os réus.
A leitura, ainda que oblíqua, da petição inicial, não deixa dúvidas que o autor:
a) alega:
- ser o proprietário da fração;
- que os réus ocupam a fração sem qualquer título válido para o efeito;
b) pede, além do mais, que os réus sejam condenados a restituir-lhe a fração.
Assim, contrariamente ao que o apelante pretende fazer crer em sede de recurso, a presente ação não em por objeto qualquer contrato, seja de arrendamento, seja de outra natureza, sua validade ou invalidade, sua renovação ou caducidade, e por aí fora.
Por outras palavras, e para simplificar: a presente ação, contrariamente ao que o apelante pretende fazer crer, não tem por objeto qualquer questão atinente a qualquer contrato.
Perante isto, não se crê que subsistam grandes dívidas quanto à competência material do tribunal "a quo" para a preparação e julgamento desta ação.
Acompanhemos, no entanto, o Ac. da R.E. de 06.10.2018, Proc. n.º 3652/09.T8FAR.E1 (Florbela Moreira lança), in www.dgsi.pt, que no âmbito de uma ação de reivindicação em que também figurava como autor o Instituto tratou de modo exemplar a questão ora em apreço:
«Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (art.º 211.º, n.º 1 da CRP), competindo aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas ou fiscais (art.º 212.º, n.º 3 da CRP), sendo que as relações jurídicas administrativas são as reguladas por normas de direito administrativo[20].
Na sequência destes princípios programáticos, também o legislador ordinário, nos art.º 64.º do CPC e n.º 1 do art.º 40.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, estabeleceu que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, estabelecendo o art.º 144.º da referida Lei que aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Assim, a competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual. Segundo o critério de atribuição positiva, pertencem à competência do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial. Segundo o critério da competência residual, incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal não judicial. Isto é: os tribunais são os tribunais com competência material residual e, no âmbito dos tribunais judiciais, são os tribunais comuns aqueles que possuem essa competência residual.
Constituem, pois, os tribunais judiciais a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não descriminada (competência genérica), enquanto os restantes tribunais, constituindo excepção, têm a sua competência limitada às matérias que lhe são especialmente atribuídas, o que significa que todas as acções, que exorbitem das matérias especificamente conferidas aos tribunais especiais (hoc sensu) cabem na esfera geral da competência indiscriminada dos tribunais judiciais.
Será, portanto, através da consulta das disposições determinativas da competência dos tribunais administrativos – e da verificação do enquadramento ou não da situação em apreço no âmbito dessa competência – que se há-de concluir pela afirmação positiva da competência dos tribunais administrativos ou pela negativa competência residual dos tribunais comuns, in casu, dos tribunais cíveis.
Do n.º 3 do art.º 212.º da CRP emerge que os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Todavia, a importância deste critério mostra-se actualmente algo esbatida.
É que, como já salientavam MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA[21], a administratividade de uma relação jurídica não coincide necessariamente com os “factores que delimitam o âmbito da jurisdição administrativa pois (…) há litígios que o legislador do ETAF submeteu ao julgamento dos tribunais administrativos independentemente de haver neles vestígios de administratividade ou sabendo, mesmo, que se tratam de relações ou litígios dirimíveis por nomas de direito privado.”.
Esse dissídio foi agora plenamente assumido pelo legislador do Dec.-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, ao preconizar, no n.º 1 do art.º 1.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.”.
É a essa luz que se deve entender a previsão do art.º 4.º do ETAF.
Nesse preceito, o legislador da reforma de 2015 concentrou a delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, aí enumerando os litígios cuja resolução lhe é confiada. Fá-lo de forma que, a partir da entrada em vigor desse diploma, se deve ter por taxativa, reservando um papel subsidiário ao critério constitucional[22], ainda que se possa afirmar que a maioria das normas nele contidas se limitam a concretizá-lo em face de determinadas matérias e questões[23].
Como vem sendo entendido, a determinação do tribunal materialmente competente para o conhecimento da pretensão deduzida pelo requerente deve partir do teor desta pretensão e dos fundamentos em que se estriba, sendo, para este efeito, irrelevante o juízo de prognose que se possa fazer relativamente à viabilidade da mesma, mas sendo igualmente certo que o tribunal não está vinculado às qualificações jurídicas efectuadas pelo A..
É assim que a competência dos tribunais é aferida em função dos termos em que a acção é proposta, “seja quanto aos seus elementos objectivos (v.g. natureza da providência ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal – ensina Redenti – “afere-se pelo quid disputantum (quid decidendum, em antíntese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”. (…) É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor, compreendidos aí os respectivos fundamentos”[24].
Esta posição está em sintonia com a essência do direito dos cidadãos acederem aos tribunais para verem apreciados os seus direitos (art.º 20.º, n.º 1 da CRP), que reclama que os particulares possam ver apreciados por um órgão jurisdicional os direitos que entendam arrogar-se.
Temos, pois, que a competência em razão da matéria afere-se, em princípio, pelos termos em que o autor propõe ao tribunal que decida a questão, definida esta pela causa de pedir, pelo pedido e a natureza das partes. “A competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, concretamente, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como configurada na petição inicial, designadamente, a identidade as partes, pretensão e os seus fundamentos”[25].
Apreciar-se-á o caso dos autos, à luz dos princípios indicados, atendendo, desde logo, à factualidade invocada pelo apelante na petição inicial e acima referida.
(...)
Vista a causa de pedir e conhecido o pedido, dúvidas, pois, não se suscitam que estamos perante uma acção de reivindicação.
Com efeito, nos termos do disposto no art.º 581.º, n.º 4, 2.ª parte, do CPC, nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real - no que constitui a consagração legal da teoria da substanciação.
Adentro das acções reais, a reivindicação é uma acção específica que se caracteriza pela pretensão de ver efectivado o direito à entrega de uma coisa, com fundamento no direito de propriedade sobre ela.
A reivindicação tem, no nosso direito positivo, a natureza duma pretensão do proprietário não possuidor contra um possuidor não proprietário.
A pretensão decompõe-se em duas providências: reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante e restituição da coisa reivindicada.
Reconhecido aquele direito, não pode recusar-se-lhe a segunda, e o possuidor terá então de restituir a coisa possuída ao proprietário.
É o que se estabelece no art.º 1311.º, n.º 2 do Cod. Civil, onde se declara que, “havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”.
Casos previstos na lei serão, desde logo, os excepcionalmente previstos nas hipóteses legais dos artºs. 754.º, 755.º ou 1323.º, n.º 4 do Cod. Civil.
Mas não é apenas nesses casos que o possuidor não proprietário poderá recusar a restituição, pois, como tem sido reconhecido pela doutrina, o possuidor poderá “contestar o seu dever de entrega, sem negar o direito de propriedade do autor, com base em qualquer relação (obrigacional ou real) que lhe confira a posse ou a detenção da coisa (a título de usufrutuário, locatário, credor pignoratício, etc.)”[26].
O pedido de reconhecimento do direito de propriedade que se invoca não é mais do que o mero antecedente ou pressuposto do pedido de restituição, o que significa ser um só, do ponto de vista substancial ou material, que não formal, o pedido.
Com isto se significa que há apenas uma cumulação aparente de pedidos - o de reconhecimento do direito de propriedade invocado (formal) e o de entrega da coisa sobre que incide (substancial ou material)[27].
Tanto assim é, que a falta do pedido de reconhecimento do direito de propriedade não é decisivo para o destino da acção, uma vez que, invocado esse direito, aquele está implícito no da entrega[28].
Isto não obsta, contudo, a que ocorra uma cumulação real de pedidos, a saber, o da entrega e o de indemnização, tal como o consente o art.º 555.º, n.º 1 do CPC[29].
“Há na acção de reivindicação um individuo que é titular do direito de propriedade, que não possui, há um detentor ou possuidor que não é titular daquele direito, há uma causa de pedir que é o direito de propriedade e há, finalmente, um fim, que é constituído pela declaração de existência da propriedade e pela entrega do objecto sobre que o direito de propriedade incide”[30].
Com efeito, na acção de reivindicação cabe ao A. demonstrar a propriedade da coisa que possui. Incumbe ao R., por sua vez, a prova de que detém ou possuiu a mesma coisa com a bênção da lei, sendo porque relação obrigacional ou real lhe confere a detenção ou posse legítima da mesma coisa, ou porque aquela lhe faculta a simples recusa da restituição, como é o caso do direito de retenção[31] ou seja para evitar a restituição da coisa os RR. deverão lograr demonstrar uma de três coisas:
- que a coisa lhes pertence, por qualquer dos títulos admitidos em direito;
- que têm sobre a coisa outro qualquer direito real que justifique a sua posse;
- que detêm a coisa por virtude de direito pessoal bastante[32].
A verificação de qualquer uma destas circunstâncias incumbe aos RR. provar, por força do disposto nos art.ºs 342.º, n.º 2 e 1311.º, n.º 2 do Cod. Civil, como, aliás, já se aludiu.
Não se esgota aqui, contudo, a actividade processual exigida ao demandante, pois o sucesso da presente acção depende ainda da conclusão de que os RR. ocupam a aludida fracção sem título - a causa de pedir em acção de reivindicação é de natureza complexa, compreendendo tanto o acto ou o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade do autor, como a ocupação sem título em que se apoie[33].
Acompanha-se, pois o entendimento expresso no Ac. da RL de 28.01.2014[34]:
“(…) Assente, pois, estarmos perante uma típica e comum acção de reivindicação, cumulada com uma acção de indemnização pelos lucros cessantes advindos ao reivindicante da ocupação indevida (isto é, sem para tanto dispor de título bastante) do imóvel reivindicado (por parte do demandado), não sofre dúvidas que a competência para a sua apreciação está reservada aos tribunais judiciais, visto não estar em causa nenhuma relação jurídica de índole administrativa”.
Dúvidas não se suscitam, na esteira da jurisprudência firmada[35], que a competência para a apreciação da acção de reivindicação está reservada aos tribunais judiciais, não estando em causa nenhuma relação jurídica de índole administrativa.»
É exatamente o que sucede no presente caso:
a) em que o autor:
- alega ser proprietário da fração;
- alega que os réus ocupam a fração sem qualquer título válido para o efeito;
- pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a fração;
- pede a condenação dos réus na restituição da fração;
b) em que os réus não contestaram sequer a ação, nenhuma questão se colocando, portanto, atinente à existência de qualquer título válido para tal ocupação.
É que, contrariamente ao que parece ser a pretensão do réu apelante, o presente recurso de apelação não é sede para invocação de questões relacionadas com a existência de qualquer pretenso título, pretensamente (perdoe-se-nos a redundância) legitimador da ocupação da fração.
Essa sede era a contestação, e não o recurso, o qual o réu apelante dá mostras de pretender transformar nisso mesmo…numa contestação.
Sucede que nenhum dos réus contestou, apesar de pessoal e regularmente citados para o efeito.
Sibi impetet, portanto!
Termos em que se conclui ser o tribunal recorrido o materialmente competente para a preparação e julgamento desta ação.
3.2.2.4 – Do direito do autor a ver os réus condenados a restituírem-lhe a fração:
É questão isenta de dúvidas o reconhecimento do autor como proprietário da fração reivindicada.
O autor pede ainda que os réus sejam condenados a restituir-lhe a fração
Essa pretendida restituição apenas poderia ser evitada caso os réus provassem dispor de um título legítimo válido para possuírem ou deterem a fração, nos termos do art. 1311.º CC.
Essa prova essa que não foi feita, tanto mais que nem sequer constaram a ação, apesar de, insiste-se, pessoal e regularmente citados para o fazerem.
O autor tem, por isso, inequivocamente, direito a ver os réus condenados a restituírem-lhe a fração.
Bem andou, por conseguinte, a sentença recorrida, ao «condenar os Réus JT e HT a restituir ao Autor a referida fracção.»
3.2.2.5 – Do direito indemnizatório do autor:
Com os pedidos próprios da ação de reivindicação (reconhecimento do direito de propriedade e restituição da coisa) podem cumular-se outros pedidos acessórios, v.g. o pedido de indemnização.
A ocupação pelos réus, sem título, da fração pertencente à autora, é fundamento para a sua condenação no pagamento de uma quantia, a título de privação do uso; na verdade, a privação do uso de um bem decorrente de ocupação ilícita importa, em regra, na existência de um dano de que o lesado deve ser compensado.
Conforme afirmado no Ac. da R.L. de 12.15.2011, Proc. nº 1470/08.4TCSNT.L1-8 (Ilídio Sacarrão Martins), in www.dgsi.pt, a privação do uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui uma perda patrimonial que deve ser considerada, tudo se resumindo à deteção do método mais adequado para a quantificação da indemnização compensatória.
No mesmo sentido veja-se o Ac. da R.L. de 10.06.2009, Proc. nº 652/05.5TBSSB.L1-7 (Maria do Rosário Morgado), in www.dgsi.pt: «O art. 1305º, do Código Civil confere ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa pelo que, estando o autor impedido de fruir o prédio e não tendo o autor logrado convencer que o detém com base em título válido oponível ao proprietário, assiste à ré o direito de formular o correspondente pedido de indemnização, como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação.
Nesta matéria, acolhemos a tese que defende que o ressarcimento não está dependente da prova, em concreto, de prejuízo efectivo, sendo suficiente a prova da mera privação temporária do uso».
No caso concreto está provado que:
- o autor encontra-se impedido de arrendar a fração a alguém carenciado que dela necessite para sua habitação desde 31/12.2017, data desde a qual os réus a vêm ocupando;
- o valor da renda mensal da fração é de € 384,00.
Assim, não merece qualquer censura o decido na sentença recorrida ao «condenar os Réus no pagamento de indemnização pelos prejuízos sofridos -privação de uso – no valor de € 384,00 mensais, desde 31/12/2017 até à efectiva restituição pelos Réus ao Autor do local reivindicado.»
A sentença recorrida condenou os réus no pagamento ao autor, de indemnização, pelos prejuízos por este sofridos (privação de uso), no valor de € 384,00 mensais, desde 31 de dezembro de 2017, até à efetiva restituição, por aqueles a este, da fração reivindicada, «a que acresce juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento.»
Parece evidente que os juros não podem ser contados desta maneira, sob pena de evidente enriquecimento injustificado do autor à custa dos réus.
Os juros, que são civis, serão contados assim:
a) desde o dia 20 de junho de 2022, data em que ambos os réus se consideram citados para os termos da ação, sobre o montante global correspondente ao somatório de cada valor mensal indemnizatório de € 384,00, até então apurado desde 31 de dezembro de 2017, até efetivo e integral pagamento, conforme peticionado pelo autor;
b) sobre cada um dos valores mensais indemnizatórios de € 384,00 vencidos após a citação dos réus e até efetiva entrega da fração ao autor, desde a data do vendimento de cada um desses valores e até efetivo e integral pagamento.
3.2.2.6 – Do abuso de direito:
Diz o réu apelante que «no que ora nos interessa», prescreve «o artigo 334.º do C.C., primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Quer-se, pois, tutelar ou permitir uma válvula de escape perante um determinado modo de exercício de direito ou direitos, que, apresentando-se formal e aparentemente admissível, redunda em manifesta contrariedade à ordem jurídica.
abuso de direito quando um determinado direito em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. RL, de 16 de Maio 1996, processo 0012472, sumário em dgsi.pt). Ora, é o que sucede quando tendo tomado conhecimento do óbito em 2009 , quando o Recorrente vivia em comunhão de mesa e habitação com o titular quando o INSTITUTO espera 22 anos para intentar uma ação de revindicação quando se trata de um contrato de arrendamento no Tribunal Cível quando bem sabe que o poderia fazer no Tribunal Administrativo, mas teria de entregar o PA donde consta que o Recorrente era autorizado e adquiriu no todo ou em parte do direito à transmissão do arrendamento.»
Dispõe o art. 334.º C.C. que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.»
O abuso do direito, sendo integrado por factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, constitui uma exceção perentória imprópria ou inominada, pelo que, não obstante ser de conhecimento oficioso, é sobre os réus que recai o ónus de alegação e prova dos factos de que tal abuso possa resultar (art. 342.º, n.º 2 CC).
A apreciação e decisão quanto à existência de abuso do direito não depende de expressa invocação pelas partes, pois que se trata:
- de uma questão de direito (art. 5.º, n.º 3);
- de matéria de interesse e ordem pública,
sendo, por isso, permitido o seu conhecimento oficioso.
No entanto, a pronúncia oficiosa quanto à matéria do abuso de direito depende do tribunal se deparar com factos que manifesta e inequivocamente apontem no sentido do direito ter sido ilegitimamente acionado pelo autor; ou seja, no caso de a questão do abuso de direito não ter sido suscitada pelas partes, ao tribunal apenas se imporá o seu conhecimento quando a matéria de facto revele a necessidade de convocar os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social, de modo a determinar se o titular do direito o vem exercer, excedendo manifestamente aqueles limites, em clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.
No caso de o tribunal reconhecer, perante os factos provados e à luz das pertinentes normas convocadas para resolução do litígio, o direito invocado pelo autor, sem que se lhe suscitem dúvidas, face ao quadro disponível, quanto à legitimidade do seu exercício, não tendo a parte levantado a questão, não pode falar-se:
- de lapso manifesto ou de erro patente de julgamento quanto ao enquadramento jurídico dos factos; ou, sequer,
- de omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, uma vez que, conforme resulta do afirmado, não tendo a questão sido suscitada pela parte interessada, ao tribunal apenas se impõe dela conhecer e sobre ela decidir se, mediante um juízo prévio sobre o quadro factual disponível, entender necessário fazê-lo para obviar a uma solução do pleito clamorosamente injusta, o que, como daqui a pouco se verá, não é, manifestamente, o que ocorre no caso concreto.
Como paradigmaticamente é referido por Menezes Cordeiro, “abuso de direito” é «uma mera designação tradicional, para o que se poderia dizer “exercício disfuncional de posições jurídicas”. Por isso, ele pode reportar-se ao exercício de quaisquer situações e não, apenas, ao de direitos subjectivos. De facto e em boa hora, cada vez menos surgem afirmações de inaplicabilidade do regime do abuso do direito … por não haver um direito subjectivo. Esta figura foi, todavia, paradigmática na elaboração do instituto: donde o discurso sempre usado.
A aplicação do abuso do direito depende de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos — salva a hipótese de se tratar de posições indisponíveis. Além disso, as consequências que se retirem do abuso devem estar compreendidas no pedido feito ao Tribunal, em virtude do princípio dispositivo.
Verificados tais pressupostos, o abuso do direito é constatado pelo juiz, mesmo quando o interessado não o tenha expressamente mencionado: é, nesse sentido, de conhecimento oficioso. O Tribunal pode, por si e em qualquer momento, ponderar os valores fundamentais do sistema, que tudo comporta e justifica. Além disso, não fica vinculado às alegações jurídicas das partes.
O abuso do direito, nas suas múltiplas manifestações, é um instituto puramente objectivo. Quer isto dizer que ele não depende de culpa do agente nem, sequer, de qualquer específico elemento subjectivo. Evidentemente: a presença ou a ausência de tais elementos poderão, depois, contribuir para a definição das consequências do abuso.
Pergunta-se, por fim, quais são as consequências do abuso. O artigo 334.° fala em “ilegitimidade” quando, como vimos, se trata de ilicitude. As consequências podem ser variadas:
- a supressão do direito: é a hipótese comum, designadamente na suppressio;
- a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito;
- um dever de restituir, em espécie ou em equivalente pecuniário;
- um dever de indemnizar, quando se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, com relevo para a culpa.»[36].
O instituto mais claro do abuso de direito a que alude o art. 334.º C.C. é a chamada conduta contraditória (“venire contra factum proprium”), em combinação com o princípio da tutela da confiança (exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, vindo esta com base na confiança gerada, e de boa fé, a programar a sua vida e a tomar decisões).
No entanto, existem duas figuras próximas: a renúncia e a “neutralização do direito”.
Diz-nos Batista Machado[37], que «em geral considera-se a “Verwirkung” como modalidade especial da proibição do “venire contra factum proprium”. Mas há quem acentue mais ou menos a sua posição autónoma no quadro do “abuso do direito” (art. 334º). O caso é que a maioria das vezes a inadmissibilidade do exercício serôdio e desleal de um direito resultará ao mesmo tempo daquela proibição e da «Verwirkung».
Nas situações em que a «Verwirkung» opera combinam-se as seguintes circuns­tâncias:
a) o titular de um direito deixa passar longo tempo sem o exercer;
b) com base neste decurso do tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido;
c) movida por esta confiança, essa con­traparte orientou em conformidade a sua vida, tomou medidas ou adoptou programas de acção na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvan­tagem maior do que o seu exercício atem­pado.
Não há para a «Verwirkung», como para a prescrição e a caducidade, limites fixos de tempo. O tempo necessário dependerá muito das circunstâncias que, combinada­mente, contribuam para a formação do «estado de confiança». O mais que pode dizer-se é que a «Verwirkung» pode verifi­car-se antes de decorridos os prazos de prescrição ou de caducidade, excepto quando estes sejam prazos muito curtos. Acresce que os direitos sujeitos a «Verwirkung» são, em regra, direitos potestativos.
Do acima exposto resulta que a «Ver­wírkung» tem muito de comum com a proi­bição da «conduta contraditória»: desde logo, o facto de ambas se integrarem no campo do «abuso do direito» (art. 334º) e o facto de em ambas o fundamento da consequência ini­bitória ser a tutela da confiança (exigindo-se, pois, a criação de um «estado de confiança»). Mas, independentemente de na primeira in­tervir o factor tempo e de a conduta do titular do direito consistir tipicamente em um não agir, há ainda outros traços que a destacam da segunda.
À primeira intuição dir-se-ia que na «Verwirkung» não é essencialmente a con­duta contraditória do titular do direito que torna o exercício do mesmo direito inadmissí­vel, mas algo diferente. Claro que a conduta do titular do direito, enquanto fundamento da confiança, tem significado e peso. Mas parece não ter o mesmo significado e o mesmo peso que na proibição do “venire contra factum proprium”. Na «Verwirkung» parece estar mais em causa, além do decurso do tempo, o resultado a que o exercício tardio do direito conduziria e a questão de saber se ainda será exigível da contraparte conformar-se à pre­tensão do titular do direito e suportar esse resultado.
Daí que, pelo que respeita à imputabili­dade da conduta anterior do titular do di­reito (que tipicamente consistirá num «não agir»), se questione se ela é de apreciar ape­nas segundo pontos de vista objectivos, ou se deve exigir-se que o dito titular tivesse conhecimento do seu direito ou que só o não tivesse exercido antes porque, de todo em todo, lhe não foi possível. Em suma, a dúvida tem a ver com a necessidade ou não da imputação pessoal da «situação de confiança» para efeitos de «Verwirkung».
Em todo o caso, repita-se, a maioria das vezes a inadmissibilidade do exercício do direito resultará também da proibição do “venire contra factum proprium”»[38].
Para que se verifique abuso de direito, exige-se que o excesso cometido seja manifesto.
Como explicam Pires de Lima / Antunes Varela, «os tribunais só podem fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso.»[39].
Manuel de Andrade esclarece que, «grosso modo», existirá abuso de direito quando, «admitido um certo direito como válido em tese geral, todavia no caso concreto ele aparece exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida segundo o critério social reinante. Então, aquele princípio autorizará a pessoa prejudicada a reagir contra o titular do direito abusivamente exercido, obtendo que ele seja tratado como se de todo em todo lhe faltasse o mesmo direito ou, pelo menos, fazendo-o condenar a uma indemnização por facto ilícito extra-contratual.»[40].
O Autor reporta-se, assim, aos direitos «exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça», entendendo que é «abusivo o exercício de um direito toda a vez que o comportamento do titular, por factor subjectivos, ou objectivos, ou duma ou doutra natureza, apareça como gravemente chocante e reprovável para o sentimento prevalente na comunidade social.»[41].
Há, pois, abuso de direito nos casos em que a invocação e aplicação de um preceito legal resultaria, no caso concreto, intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico da respetiva comunidade social, embora lealmente se aceitando a sua estatuição como boa e valiosa para o comum dos casos.
Retornando ao caso concreto, conforme já afirmado e reafirmado, os réus não contestaram a ação de reivindicação que lhes foi movida pelo autor, na qual foi cumulado um pedido indemnizatório nos termos acima apreciados.
Por conseguinte, natural, lógica e evidentemente, não alegaram um único facto suscetível de, uma vez provado, demonstrar qualquer atuação do autor abusiva do seu direito, sendo que, conforme atrás referido, sobre eles incumbia o ónus de alegação e prova de concretos factos jurídicos comprovativos do abuso de direito por parte do autor.
As consequências da falta de contestação pelos réus, no que à matéria de facto diz respeito, são as anteriormente assinaladas.
Nada há, nos factos provados, que deixe sequer indiciar que o autor, ao instaurar a presente ação contra os réus, nos termos em que o fez, tenha abusado do seu direito:
- à restituição da fração;
- à indemnização pela privação do uso da mesma,
quanto mais, que o exercício de tal direito se traduza numa manifesta ou clamorosa ofensa do sentimento de justiça, do sentido ético-jurídico dominante.
Já agora, uma palavra final, ainda a propósito do abuso de direito, relativamente à suppressio, figura de que o réu apelante parece socorrer-se e que a doutrina e a jurisprudência têm reconduzido à boa fé.
São-lhe genericamente assinalados dois requisitos:
a) a necessidade de um determinado período de tempo sem exercício do direito; e,
b) a existência de indícios objetivos de que esse direito não mais seria exercido.
Comentando estes requisitos, escreve Menezes Cordeiro que «o tempo sem exercício é eminentemente variável, consoante as circunstâncias, para que possa haver suppressio; o segundo factor - o dos indícios objectivos de que não haverá mais actuações - cuja necessidade é muito sublinhada, mas de conteúdo pouco explicitado, pode ter, na sua determinação, um papel fundamental.»[42].
Ora, ainda que outras razões não houvesse (e há-as, a começar, desde logo, pela não demonstração de qualquer violação da boa fé, designadamente, na modalidade do «venire contra factum proprium»), a ausência de quaisquer indícios objetivos de que o direito dos autores não mais seria exercido, faria cair por terra a invocação da referida figura jurídica.
Não tem, por isso, outrossim, qualquer cabimento, a invocação, pelo recorrente, apenas e só em sede de apelação, da exceção perentória de abuso de direito.
Em conclusão: o recurso carece de fundamento, em qualquer uma das suas vertentes, devendo, por isso, ser julgado improcedente, com a consequente manutenção da sentença recorrida, com exceção da parte atinente à condenação em juros de mora.
***
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, confirmando, em consequência, a sentença recorrida, com exceção da parte respeitante à contagem dos juros de mora, os quais serão contados assim:
a) desde o dia 20 de junho de 2022, data em que ambos os réus se consideram citados para os termos da ação, sobre o montante global correspondente ao somatório de cada valor mensal indemnizatório de € 384,00, até então apurado desde 31 de dezembro de 2017, até efetivo e integral pagamento, por assim ter sido peticionado pelo autor;
b) sobre cada um dos valores mensais indemnizatórios de € 384,00 vencidos após a citação dos réus e até efetiva entrega da fração ao autor, desde a data do vendimento de cada um desses valores e até efetivo e integral pagamento.
As custas do recurso, na vertente de custas de parte, são a cargo do apelante (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2).

Lisboa, 16 de maio de 2023
José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
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[1] Doravante identificado por 1.º réu.
[2] Doravante identificado por 2.º réu.
[3] Doravante identificada apenas por “fração”.
[4] Não é possível alguém pedir a condenação de outrem a reconhecer a sua propriedade.
No Ac. do S.T.J. de 25/03/2009, C.J., XVII, 1.º, 2009, 159, afirma-se que normalmente pede-se, de forma esdrúxula a condenação do réu a reconhecer o direito de propriedade do autor, como se fosse possível pedir a condenação de alguém a reconhecer a sua propriedade.
Conforme certeiramente refere Oliveira Ascensão, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor João de Castro Mendes, Lex, 1995, pp. 21-22, «há que afastar uma ambiguidade que se oculta em certas referências ao pretenso pedido de reconhecimento da propriedade.
Diz-se que o reivindicante pode exigir do réu o reconheci­mento. Observemos desde já que isto não tem em Direito nenhum sentido. O réu não é condenado a reconhecer, não tem de prestar facto ou declaração com este conteúdo. A única declaração que pode estar em causa é a do próprio tribunal»[4].
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição, p. 115.
[6] Rodrigues Bastos, Direito das Coisas, I, pp. 135 ss., citado no Ac. do S.T.J. 04.02.1993, CJSTJ, I, 1º, p. 137.
[7] Cfr. Ac. da R.C. de 01.06.04, C.J., XXIX, 3.º, p. 13.
[8] R.L.J., 120.º, p. 221.
[9] No mesmo sentido, cfr. o Ac. da R.C. de 03/24/2009, Proc. nº 1879/06.8TBCVL.C1, in www.dgsi.pt e os Acs. do S.T.J. de 29.04.1992 e de 20.09.1994, B.M.J. 416º, 595 e 439º, 538.
[10] No caso, tratava-se de um veículo automóvel, mas o afirmado tem plena aplicação aos bens imóveis.
[11] Acessível em https://blogippc.blogspot.com/2021/01/jurisprudencia-2020-136.html.
[12] Recursos em Processo Civil, 7.ª Ed., Almedina, 2022, pp. 185-188.
[13] Cfr. Ref.ª Citius 32939400.
[14] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, 2022, p. 244.
[15] Correspondente à al. b) do n.º 2 do art. 186.º do CPC/13.
[16] R.L.J., Ano 121º, pp. 121 ss.
[17] É manifesto o equívoco do apelante na referência a «demandantes», pois no caso presente existe apenas um demandante, o IHRU – Instituição da Habitação e da Reabilitação Urbana.
[18] Cfr. Oliveira Ascensão, Acção de Reivindicação, in Estudos em Memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lex, 1995, p. 32.
[19] Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2ª Edição, p. 113.
[20] «Assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, anotada, pp. 815.»
[21] «MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados, Almedina, vol. I, pág. 26.»
[22] «Assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 3.ª Edição, págs. 158 a 160.»
[23] «Assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4.ª Edição, págs. 21 e 22.»
[24] «MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares do Processo Civil, pp. 91.»
[25] «Ac. do Tribunal de Conflitos de 20.09.2012, proferido no proc. n.º 02112.»
[26] «PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, III, pp. 103.»
[27] «Neste sentido vide Ac. da RP de 22.10.1991, in CJ IV, pp. 271 e 272.»
[28] «Assim Ac. da RC de 20.10.87, in BMJ 370, 619.»
[29] «Neste sentido, ANTUNES VARELA, in RLJ, anos 115º e 116º, pp. 272, nota 2, e pp. 16, nota 2, respectivamente.»
[30] «MANUEL RODRIGUES, in RLJ, 57, pp.144.»
[31] «Neste sentido, vide, Ac. STJ de 25.01.74, in BMJ 233, 195.»
[32] «Menezes Cordeiro, Direitos Reais, pp. 848.»
[33] «Neste sentido, Ac. da RP de 04.10.93, in www.dgs.pt, proferido no proc. nº 9241069.»
[34] «Proferido no proc. n.º 5/12.9TVLSB.L1-1, acessível em www.dgsi.pt.»
[35] «Neste sentido, vide entre outros, Ac. do STJ de 12.02.2009, proferido no proc. n.º 08A4090, acessível em www.dgsi.pt»
[36] António Menezes Cordeiro, Do abuso de direito: estado das questões e perpectivas, in Revista da Ordem dos Advogados, 2005, Ano 65.º, Vol. II, setembro de 2005, acessível na internet em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/
[37] Justamente apelidado na R.L.J., após a sua morte, como “um príncipe ilu­minado das letras jurídicas portuguesas” (Ano 124.º, pp. 289 e 336).
[38] R.L.J., Ano 118º, nº 3737, pp. 228-229.
[39] Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição, pp. 298-299.
[40] Teoria Geral das Obrigações, Almedina, Coimbra, 1958, pp. 63-66.
[41] Ob. e loc. cit.
[42] Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, 1997, pp. 810-811.