Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | AUDIÊNCIA PRÉVIA DISPENSA DECISÃO SURPRESA NULIDADE SANEADOR-SENTENÇA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | I-Após a fase dos articulados, entendendo o Juiz que os autos contêm todos os elementos necessários a habilitá-lo a proferir decisão de mérito que ponha termos ao processo, deverá convocar a audiência prévia nos termos e para o fim previsto no art.º 591.º n.º 1 alínea b) do CPC. II-A não realização dessa audiência prévia, impondo a lei a sua realização, constitui nulidade processual, podendo ser arguida em sede de recurso, conduzindo à anulação do saneador sentença que decidiu do mérito da causa. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I-Após a fase dos articulados, entendendo o Juiz que os autos contêm todos os elementos necessários a habilitá-lo a proferir decisão de mérito que ponha termos ao processo, deverá convocar a audiência prévia nos termos e para o fim previsto no art.º 591.º n.º 1 alínea b) do CPC. II-A não realização dessa audiência prévia, impondo a lei a sua realização, constitui nulidade processual, podendo ser arguida em sede de recurso, conduzindo à anulação do saneador sentença que decidiu do mérito da causa. I-RELATÓRIO J …, residente na Rua (…), instaurou ação declarativa de condenação, pedindo a anulação das deliberações tomadas na assembleia ocorrida em 06/02/2017 e destituição da administração em exercício contra: 1.º S…– Gestão de Condomínio, empresa de condomínios representada por(…), na qualidade de administração externa do condomínio; 2.º C…, proprietária da Fração designada pela letra C, sita na Rua (…) 3.º F…, proprietária da Fração designada pela letra D, sita Rua (…) 4.º E…, proprietária da Fração designada pela letra G, sita Rua (…) 5.º A…, proprietário da Fração designada pela letra N, sita Rua (…) 6.º JS… proprietário da Fração designada pela letra M, sita Rua (…) 7.º M…., proprietário da Fração designada pela letra L, sita Rua (…) 8.º N…, proprietário da Fração designada pela letra O, sita Rua (…) 9.º MG…, proprietário da Fração designada pela letra AO, sita Rua(…); 10.º JRS…, proprietário da Fração designada pela letra AP, sita Rua(…); 11.º A…, proprietário da Fração designada pela letra AQ, sita Rua(…); 12.º VC…, proprietário da Fração designada pela letra AQ, sita Rua (…) 13.º CA… proprietário da Fração designada pela letra AQ, sita Rua (…) 14.º JC…, proprietário da Fração designada pela letra AV, sita Rua (…) 15.º PB…, proprietário da Fração designada pela letra BA, sita Rua (…) 16.º DP…, proprietário da Fração designada pela letra AV, sita Rua (..) 17.º CG…, proprietário da Fração designada pela letra BF, sita Rua (…) 18.º NC…, proprietário da Fração designada pela letra BG, sita Rua (…) 19.º JBO, proprietário da Fração designada pela letra BN, sita Rua (…) 20.º BB…, proprietário da Fração designada pela letra BM, sita Rua (…) 21.º FD…, proprietário da Fração designada pela letra BP, sita Rua (…) 22.º FF…, proprietário da Fração designada pela letra BQ, sita Rua (…) 23.º N.., proprietário da Fração designada pela letra BR, sita Rua (…) 24.º PM…, proprietário da Fração designada pela letra BT, sita Rua (…) 25.º JO, proprietário da Fração designada pela letra CB, sita Rua (…) 26.º D…, proprietário da Fração designada pela letra CF, sita na Rua (…) 27.º T.., proprietário da Fração designada pela letra CA, sita Rua(….). Alegou, em síntese o seguinte: É dono da fração autónoma designada pela letra “X”, correspondendo ao rés-do-chão esquerdo do n.º 6 da Rua(…). Pelas 20:30 horas, do dia 06 de fevereiro de 2017, realizou-se a assembleia geral de condóminos do condomínio sito na Urbanização (….), sendo remetida convocatória em 13 de janeiro de 2017. Constava na indicada convocatória: - 1. – Apresentação, discussão e aprovação das contas do ano de 2016, pela empresa Fidalser; 2. – Apresentação da empresa S.. – Gestão de Condomínios; 3. – Apresentação, discussão e aprovação do orçamento para 2017; 4. – Apreciar a existência de débitos ou dívidas de prestações para encargos do condomínio; 5. – Deliberar sobre as medidas a adotar com vista à cobrança das quantias em dívida; 6. – Outros assuntos de interesse geral. Não concordando com as deliberações tomadas impugnou-as, tendo solicitado a convocação de assembleia geral extraordinária, o que contudo foi indeferido. Assim, entende: a) – Ter existido violação da ordem de trabalhos referidos na convocatória. Constatou ter existido deliberação referente à alteração da repartição de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, o que não constava na ordem de trabalhos e também não foi considerado na respetiva convocatória. Porém a questão acabou por ser debatida no ponto 2 onde tão só constava para ser discutida a apresentação e eleição da nova administração de condomínio. b) – Não ter sido observada a maioria necessária para aprovação de deliberação. Embora a assembleia tenha deliberado que a referida temática fosse submetida a votação, ocorreram 69 votos contra (frações P; Q; S; U (R.P.) e X, sendo que os restantes condóminos votaram a favor. No entanto, a aprovação não foi obtida pela maioria necessária 2/3). Por essa razão entende que a votação padece do vício de anulabilidade. c) – Do regulamento do condomínio. O regulamento de condomínio foi implantado aquando a conclusão da construção do edifício em 2009, nele se definindo a repartição das despesas necessárias à conservação, reparação e fruição das partes comuns do edifício, bem como a sua inerente definição. Assim, a administração de condomínio não pode negar a sua existência. d) – Da destituição da empresa de condomínio eleita em assembleia. Verifica-se não ter existido deliberação em assembleia relativamente à adjudicação do serviço de limpeza das partes comuns a uma empresa. Contudo, a administração (que ainda não se encontrava em funções), procedeu à adjudicação unilateral dessa tarefa a si própria. Ainda quanto à repartição das despesas de condomínio inerentes às partes comuns, verifica-se pelo orçamento de 2017 que às moradias (que na verdade são triplexes), não é atribuído qualquer valor, o que não se compreende, já que os respetivos comproprietários fruem a totalidade das partes comuns. Também os valores atribuídos às moradias são menores, não comportando os custos da luz com os apartamentos (despesas de eletricidade dos edifícios) e do material elétrico. Tais despesas devem ser repartidas em função da inerente permilagem. Essas despesas, para melhor compreensão devem ser divididas do seguinte modo: Quanto às despesas de manutenção de bombas de água, não é possível compreender-se o motivo pelo qual se encontram as mesmas repartidas em apartamentos e ‘’moradias’’ pelo facto de serem partes comuns a todos os condóminos e serem afetas a todas as frações; Quanto às despesas de correio e administrativas referentes à administração, o mesmo princípio que o acima explanado deverá ser aplicado, porquanto não fará sentido que estas despesas não sejam, senão, repartidas em função da permilagem; 3) - Quanto às despesas EDP Garagem/jardim e outros, implica mencionar que as designadas no Orçamento como sendo moradias, usufruem de igual maneira quer do jardim que se encontra no interior dos edifícios quer da luz da garagem, motivo pelo que deverá a mesma ser repartida em função da permilagem; 4) - Quanto às despesas do portão da garagem atenta a discrepância existente, também denota a mesma a necessidade de ser discriminada, atento o facto de os portões da garagem de saída do parqueamento comum serem utilizados, igualmente, pelos proprietários dos triplexes. 5) - Por último, o mesmo princípio se deverá aplicar quanto à limpeza da entrada e saída da garagem que é utilizado pelos proprietários dos triplexes. Assim se verifica que a atuação da administradora tem sido prejudicial para todos os condóminos, em prol de interesses próprios e de determinados condóminos, sem que seja possível aos restantes entender os fundamentos para as alterações que realizou. É ainda indício da atuação negligente da administração quando se verifica que, no ano de 2016, ficou orçamentada a soma de €2.214,00 sob a rubrica de “processos judiciais”. No entanto apenas foi utilizada a quantia de €8,85, não se sabendo o destino da soma remanescente. Mesmo que esse remanescente tenha sido utilizado para colmatar outras despesas de condomínio, apesar de interpelada para o efeito, a administração não deu qualquer explicação sobre o respetivo uso. Acresce que da conta corrente inerente ao período até 12/2016, os condóminos das frações AV e AP mantinham respetivamente a dívida de €171,73 e €379.03, mas não consta na ata da assembleia de 2017 que tivesse ocorrido pagamento dessas quantias. Entende, assim, que a administração praticou diversas irregularidades no exercício do cargo, existindo fundamento para a sua destituição. S…, na qualidade de administradora do condomínio, veio apresentar contestação, alegando em síntese: A impugnação que o autor dirigiu à administração de condomínio, carecia de fundamento, já que inexistiam deliberações inválidas ou ineficazes e, por tal motivo, a administração não convocou assembleia geral extraordinária conforme lhe foi requerido. Quanto à alteração da ordem de trabalhos, alega que desde a assembleia de condóminos realizada em 19/01/2015 (ata n.º 7), prolongando-se pela assembleia realizada em 05/01/2016, se discute quem deve pagar as despesas com a iluminação e com a limpeza dos lanços de escadas que dão acesso (de cada um dos lotes) à garagem. O prédio, constituído em propriedade horizontal, é composto por moradias, apartamentos e lojas, sendo que os apartamentos e as lojas foram erigidos em conjuntos ou lotes, em número de 16 de quatro ou seis apartamentos, com ou sem lojas, sendo que cada conjunto ou lote apresenta entradas próprias e separadas, quer dos outros lotes quer das moradias, tendo sido edificados seis lojas, nove moradias e 60 apartamentos. Na cave do edifício situa-se a garagem composta por boxes, espaços de estacionamento e as arrecadações. As boxes encontram-se integradas nas moradias. Os espaços de estacionamento e as arrecadações estão integrados nas frações (apartamentos e lojas). Para aceder às boxes, os proprietários das moradias dispõem de entrada autónoma e separada. Do interior da sua fração dispõe de uma porta na sala que permite por escada o acesso à garagem sita na cave. À garagem acedem também os proprietários das frações (apartamentos e lojas), através de uma escada que parte do lote ou conjunto de apartamentos para se atingir a garagem. Existem tantas escadas para entrar na garagem a partir dos lotes ou conjunto de apartamentos e lojas quanto o número de lotes, ou seja, existem 16 escadas de acesso de cada uma dos lotes ao interior da garagem. Assim, quanto ao pagamento das despesas de conservação e manutenção quer da garagem quer das escadas de acesso dos lotes à garagem, todos os condóminos, incluídos os das moradias, os dos apartamentos e lojas, pagam as respetivas despesas de acordo com a sua permilagem. A questão que tem suscitado conflito e divergência é a de saber quem deve pagar as despesas com a limpeza e iluminação das escadas de acesso dos lotes às garagens. No entanto, conforme decorre da lei (art.º 1424.º n.º 3 do Código Civil), as despesas relativas aos diversos lanços de escadas que sirvam em exclusivo alguns dos condóminos, ficam a cargo dos que deles se servem. Assim sendo, as despesas com a limpeza e iluminação das escadas de acesso à garagem provindo dos lotes para a garagem devem ser suportadas apenas pelas frações que compõe os lotes, apartamentos ou lojas, mas não pelos condóminos das frações edificadas como moradias. Os proprietários das moradias não se servem dos lanços de escada para aceder à garagem ou à rua ou destas para as suas frações. A única entrada comum existente na garagem é o portão de entrada de veículos. Entrando na garagem, os condóminos dispõem, conforme for o caso, da entrada do interior das boxes para as respetivas moradias e os outros, de uma escada de acesso da garagem ao lote onde se situa o seu apartamento ou loja. Os condóminos das moradias não têm acesso às suas frações pelas 16 escadas de acesso a cada um dos lotes, compostos por apartamentos ou apartamentos e lojas. Daí não lhe ser exigido pagamento das despesas com a limpeza e iluminação desses lanços de escadas. Mas já as despesas de conservação e manutenção dos lanços de escadas de acesso aos lotes – paredes, chão, rede elétrica – caso se mostre necessário, serão suportados por todos, incluindo os condóminos das moradias. Os condóminos das moradias não têm de pagar as despesas com a limpeza e iluminação dos 16 lanços de escadas de acesso aos 16 lotes que não usam. Todos estes factos foram elucidados aos condóminos na assembleia de 06 de fevereiro de 2017. Não ocorreu nenhuma alteração na ordem de trabalhos, mas sim de salientar o entendimento que resulta da lei quanto à repartição das despesas de condomínio. Aliás Aliás (conforme decorre do conteúdo da ata n.º 21 de 06 de fevereiro de 2017) os próprios condóminos foram avisados da desnecessidade de proceder a uma deliberação no sentido do que se encontra previsto por lei (art.º 1424.º n.º 3 do Código Civil), mas acabaram por entender conveniente mostrarem o entendimento expresso que a maioria porfiava do conteúdo daquele normativo legal. Assim, entende a contestante não ocorrer fundamento para que seja decretada a anulabilidade de uma deliberação que não foi sequer tomada. Do regulamento do condomínio: Não ocorreu (até à data da apresentação da contestação) qualquer deliberação sobre o regulamento do condomínio, não correspondendo à verdade que tenha sido elaborado aquando a assembleia constitutiva do condomínio. A escritura pública de constituição de propriedade horizontal do prédio não contém regulamento do condomínio. Na verdade não foi constituído nos termos previstos pela lei, porque não foi elaborado aquando a constituição da propriedade horizontal; por deliberação da assembleia ou através de execução pelo administrador. A junção à ficha técnica do imóvel de várias folhas de papel intituladas “regulamento de condomínio” não obedece aos requisitos para a sua elaboração, porque não conforme ao preceito legal que o rege (alínea b) do n.º 2 do art.º 1418.º do Código Civil), sendo pois tal escrito nulo. Relativamente ao pedido de destituição da administração de condomínio: A ré S….. foi nomeada administradora na assembleia de condóminos realizada em 12 de dezembro de 2016. Até ao dia 31 de dezembro a anterior administração (empresa Fidalcer) continuou a administrar o condomínio, assumindo a ré a administração quando aquela empresa apresentasse contas e fossem aprovadas, o que só veio a acontecer em 06/02/2017, data em que tomou posse. Assim, entre 01 de janeiro de 2017 e 06 de fevereiro de 2017 a administração do condomínio ficou em gestão corrente assegurada pelos administradores residentes. Ocorre que passados 15 dias sem limpeza, as partes comuns do edifício apresentavam-se sujas, razão pela qual os administradores cessantes cuidaram de realizar a limpeza. Assim, considerando que a empresa Fidalcer tinha realizado a última limpeza em 31 de dezembro de 2016, houve necessidade de encontrar pessoa que realizasse nova limpeza com compra dos produtos necessários para esse efeito. Foi assim que acabou por ser indicada uma colaboradora da ré (que trabalhava consigo na administração de outros condomínios), para que aquele trabalho de limpeza fosse realizado, o que acabou por acontecer em janeiro de 2017. O condomínio pagou diretamente a essa senhora (V…), a soma de €150,00 para o trabalho de limpeza realizado (incluindo um balde e produtos necessários), o que foi pago através de cheque (junto aos autos). Após ter tomado posse como administradora, a ré passou a encarregar-se da limpeza pelo valor orçamentado e aprovado na assembleia de 12 de dezembro de 2016. É falso que tenha adjudicado unilateralmente (sem qualquer deliberação e sem que estivesse em funções) o serviço de limpeza pelo custo quinzenal de €2.784,00. O demandante assinou a ata da assembleia de 12 de dezembro de 2016 onde foi aprovado o orçamento apresentado pela ré, sendo que tal orçamento apenas seria executado, tal como prestados os serviços de limpeza, após a administração tomar posse. Inexiste, assim qualquer fundamento para a destituição da administração, já que não foram praticados atos que tenham prejudicado o condomínio e que justifiquem essa destituição. Relativamente ao orçamento de 2017 e repartição das despesas entre as moradias e apartamentos. A ré S… embora habite no condomínio não é dona nem reside em alguma moradia que o integra. É sim proprietária da fração designada pela letra BN que corresponde a apartamento. O orçamento para despesas apresentado pela administração e aprovado pela assembleia de condomínio de 06/02/2017 foi elaborado conforme a lei (art.º 1424.º n.º 1 do Código Civil), sendo todas as despesas pagas pelos condóminos de acordo com o valor da permilagem das suas frações, sendo exceção, as despesas com a limpeza e iluminação das escadas de acesso dos lotes à garagem comum, que são suportadas apenas pelos condóminos dos lotes, apartamentos e lojas. Não corresponde, assim, à verdade que às moradias seja atribuído um valor mais diminuído, que não comporta os custos da eletricidade e despesas com material elétrico inerente aos apartamentos. As moradias não têm custos de eletricidade nem com material elétrico porque não têm lanços de escadas nem corredores de acesso como acontece com os apartamentos e lojas que compõe os lotes. As moradias tal como os apartamentos e as lojas têm custos e despesas com eletricidade na rubrica EDP/garagem jardins e outros (conforme documentação junta), sendo ainda comum as despesas com a bomba de água, portão de garagem, de limpeza da entrada e saída da garagem e despesas inerentes a correio e administração. A diferença no suporte dessas despesas é resultante da permilagem que também é diferente entre apartamentos e moradias, sendo de 60 o número de apartamentos, 9 as moradias e 6 as lojas. No que tange à quantia de €2.214,00 prevista no orçamento de 2016: A administração tomou posse em 06/02/2017. No entanto as contas de 2016 foram aprovadas por unanimidade na assembleia de condóminos de 06 de fevereiro de 2017, que o autor não impugnou. Nos exercícios de 2015 e 2016 foi autorizado o recurso ao Fundo Comum de Reserva para pagamentos das despesas correntes, tendo sido passado para conta à ordem, a totalidade da quantia que estava em Fundo Comum de Reserva. Foi deliberado o pagamento de uma quota extraordinária no exercício do ano de 2016 para reposição do Fundo de Reserva Comum. Usado no exercício de 2015. Em 31 de dezembro de 2016 o valor do fundo de reserva era de €4.903,83 e o saldo da conta bancária à ordem nessa data era de €5.963,65, mas se for tido em conta o valor dos créditos a devolver aos condóminos, o saldo seria negativo (- €1.238,62), o que significa que, até final do ano de 2016, o condomínio necessitava e estava autorizado a recorrer ao Fundo Comum de Reserva para pagamento das despesas correntes. Assim, a ré estava impossibilitada sem que tivesse conhecimento aprofundado da situação financeira que ocorria aquando a transição das empresas na administração do condomínio e sem que contactasse diretamente os condóminos, incluir uma regra para devolução de créditos. Foi orçamentada uma rubrica para “despesas judicias”, por se ter entendido justificar a sua inclusão, tendo em conta as questões a ser solucionadas com recurso a tribunal, sendo tal rubrica aprovada por larga maioria de condóminos. No que respeita à cobrança de créditos a condóminos: Os pagamentos realizados pelos condóminos no ano civil de 2016 não podem constar no orçamento de 2017, mas sim nas contas de 2016. Caso ocorram créditos por cobrar mencionados em assembleias e vertidos em atas de datas anteriores a 06 de fevereiro de 2017, nada impede a sua cobrança, mas terá de ser verificado se determinados condóminos que se supõe sejam devedores não serão antes credores conforme já se apurou. Através do diálogo com os condóminos e com redobrada atenção nas despesas, a administração ré, após ser empossada em 06 de fevereiro de 2017, detinha em 30 de junho de 2017 um saldo de conta à ordem no valor de €9,956,76, estando assim asseguradas as despesas correntes e o Fundo de Reserva Comum. Consequentemente: Entende que a ação deverá ser considerada totalmente improcedente por não provada, sendo os réus absolvidos do pedido de anulação de deliberações tomadas na assembleia de 06/02/2017, bem como a administração ré igualmente absolvida do pedido da sua destituição. Findos os articulados foi proferido (nos termos do art.º 590.º do CPC) o seguinte despacho: “ A presente ação conforma dois pedidos distintos: a) – Anulação das deliberações tomadas na assembleia geral de condóminos ocorrida em 06/02/2017 b) – Destituição da administração em exercício. Embora na causa de pedir se situem as várias circunstâncias que (aparentemente) conformam o pedido efetuado, o certo é que na indicada ata ocorreram deliberações que não estão inseridas no pedido de anulação formulado. Verifica-se assim que o autor pede em termos globais - a anulação das deliberações – e não especifica concretamente na economia do pedido as deliberações que pretende anuladas. Consequentemente, nos termos do disposto no art.º 590.º n.º 3 do CPC, convido o demandante a concretizar (por mero requerimento), os termos do pedido…” Veio o Autor satisfazer o convite, reformulando o pedido nos seguintes termos: “ a) – Ser determinada a anulação das deliberações tomadas em sede de assembleia geral de condóminos de 06/02/2017, designadamente: 1. – A deliberação de alteração da repartição da quota de condomínio; 2. – A aprovação do orçamento do condomínio; 3. – A aprovação da nomeação do mandatário, bem como; 4. – A menção da inexistência do regulamento do condomínio. b) – Ser destituída a administração em exercício.” Mais alegou o Autor que a contestante utilizou na oposição a expressão “Artur Varandas e o seu grupo”, fazendo crer que o verdadeiro autor da ação seria o Sr. Artur Varandas, testemunha por si arrolada. Consequentemente, tal conduta processual não pode ser admitida, já que utilizou a expressão de meios impróprios no sentido de humilhar não só a testemunha arrolada como os restantes vizinhos que corroboram da sua opinião, incorrendo assim na previsão do disposto no art.º 542.º do CPC. Facultados aos réus o seu direito de resposta, vieram (na pessoa da administradora do condomínio), reproduzir o que tinham alegado em sede de contestação. Por despacho de 31/10/2017, consignou-se o seguinte: “Conforme resulta da causa de pedir e pedidos formulados na ação (veja-se despacho de 11/10/2017), pretende-se com um desses pedidos a destituição da administração em exercício. Sem por ora cuidar dos factos que o autor elenca como causa de pedir da destituição, interessa antes de mais, conforme o prevê o disposto no art.º 1055.º n.º 3 “in fine” “ex vi” art.º 1056.º do CPC, “ouvir todos os condóminos” habitantes do prédio, sobre a pretendida destituição que a acontecer terá sempre o fundamento “da prática de irregularidades ou em negligência” no exercício da administração. Assim, para esse efeito, determino a notificação de todos os condóminos identificados na petição, para querendo e no prazo de dez dias, dizer o que se lhes oferecer sobre a pretensão do autor e possam enunciar expressamente se concordam ou não com a destituição”. As notificações foram realizadas conforme se documenta a fls. 214 a 270. A maioria dos notificados veio expressar a sua oposição à destituição da administração. Em face da tramitação operada até essa fase processual, exarou-se o despacho de 18/12/2017 com o seguinte teor: “Conforme se verifica pelo resultado das notificações realizadas para efeito do despacho de 31/10/2017 significativa maioria dos condóminos pronunciaram-se contra a destituição da administração de condomínio Esta manifestação de vontade, embora por si não absolutamente decisiva para a decisão a tomar pelo tribunal, terá obviamente relevância nos pressupostos que justificarão esse veredicto. Assim, tendo em conta o sentido das declarações remetidas aos autos e ponderados os argumentos constantes nos respetivos articulados, entendo justificar-se a realização de uma audiência de partes que será designada nos termos dos art.ºs 6.º n.º 1 e 7.º n.ºs 1 e 2 do CPC, de forma a ser esclarecido devidamente da situação dos vários prédios que constituem o condomínio; onde e como se realizam as respetivas assembleias e qual o método que tem sido seguido para as respetivas convocações. Serão sopesados os argumentos que sejam apresentados e procurará proporcionar-se a interação entre os interessados para que se encontre eventualmente uma solução para o litígio que acabou por ser criado. Eventualmente a audiência de partes poderá ser convolada em audiência prévia (nos termos do art.º 591.º do CPC), caso se entenda existir necessidade de produzir outra prova que não a constante nos autos e que seja necessário para esse efeito a designação de audiência de julgamento “. A referida audiência veio a realizar-se em 29/01/2018, da qual resultou o seguinte: “ a) A administração do condomínio informou encontrar-se já designada uma assembleia ordinária para o próximo dia 8 de fevereiro de 2018, com a ordem de trabalhos devidamente estabelecida, tendo sido já enviadas convocatórias a todos os condóminos para comparecimento na mesma. No entanto, ambas as partes reconheceram a manifesta utilidade de aproveitar a referida assembleia para que aí possam ser discutidas as questões elencadas na presente ação, propondo-se para o efeito modificar a data da realização da assembleia, (que de todo o modo terá de ser realizada durante o mês de fevereiro), alterando-se para esse efeito a ordem de trabalhos, incluindo-se novos temas inerentes às questões controversas discutidas na presente ação. Embora a nova convocatória apresente um custo acrescido de despesas para os condóminos, as partes entenderam fazer todo o sentido a aplicação de tal gasto, já que o resultado da deliberação que venha a ser tomado poderá resolver em grande parte (se não totalmente), a controvérsia que suscitou a instauração da presente ação. b) Após a realização da referida assembleia, as partes comprometem-se a remeter aos autos a respetiva ata com as deliberações tomadas manifestando igualmente a sua posição relativamente aos ulteriores termos da ação que será igualmente indicado em requerimento a enviar ao processo, cuja tramitação ficará suspensa por 60 dias nos termos do art.º 272.º n.º 4 do CPC “. Veio o Autor em 02/04/2018 apresentar articulado onde desenvolve argumentos pelos quais considera existir fundamento para ampliação do pedido inicialmente formulado, pretendendo que a assembleia realizada em 15/03/2018 fosse incluída na causa de pedir da presente ação, porque se encontra conexa com o conjunto dos factos discutidos, pretendendo se decida (através do deferimento da pretendida ampliação) a anulação da deliberação nessa assembleia referente aos pontos 2; 3 e 4 da ordem dos trabalhos aí estabelecida. Mais entendeu que a ré S… fosse condenada no pagamento de indemnização de valor não inferior a €5,000,00 a reverter para o condomínio. S…, na qualidade de administradora do prédio, veio responder, alegando a sua ilegitimidade como representante dos condóminos para o pedido de ampliação. Pronunciou-se ainda contra a ampliação do pedido de anulação das deliberações da assembleia de condóminos de 06/02/2017, por violação do disposto no art.º 265.º do CPC, bem como contra a admissibilidade do pedido (em ampliação) de anulação das deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 15/03/2018, por violação do princípio da estabilidade da instância, constituindo tal pretensão alteração do fixado objeto processual, do pedido e da causa de pedir que o fundamenta, por não ser a deliberação de 15/03/2018, nem desenvolvimento nem consequência do pedido de anulação daquelas deliberações. Mais entendeu que o pedido de condenação de S… na soma de €5.000,00 a favor do condomínio, não pode considerar-se igualmente o desenvolvimento ou consequência daqueles pedidos. A acta da assembleia de condóminos n.º 22 realizada em 15/03/2018 foi junta pela administradora S…, ficando nos autos a fls. 327 e seguintes, aí constando a ordem dos trabalhos, relação dos condóminos presentes com referência às respetivas permilagens, assinaturas de presenças e outro expediente inerente à realização da assembleia. Posteriormente, veio a administradora demonstrar o cumprimento do disposto no art.º 1432.º n.º 6 do Código Civil relativamente aos condóminos ausentes e não representados, para efeito nos n.ºs 7 e 8 do mesmo preceito. Tal expediente ficou a constar a fls. 360 e seguintes. A fls. 380 e seguintes foi junta nova ata de assembleia geral de condóminos realizada em 22/05/2018, que visou designadamente a eleição de nova administração para o ano civil de 2018, cujo expediente ficou a constar até fls. 399. Por despacho de 13/09/2018 decidiu-se: “Não se reconhecer que a então administradora S.. seja parte ilegítima para a ampliação do pedido formulado pelo autor; Não se tomar conhecimento de pedido de condenação de €5.000,00 de S… por eventual comportamento contrário aos ditames da boa-fé relativamente à assembleia de condóminos realizada em 15/03/2018; Não se admitir a ampliação do pedido formulado pelo autor por não obedecer aos critérios enunciados na parte final do art.º 265.º n.º 2 do CPC”. Em 19/12/2018 foi proferido o seguinte despacho: “ Para efeito de ser proferida decisão final sobre o mérito da presente ação, tendo em conta a realização da assembleia geral de condóminos em 15/03/2018 e sequente aprovação do regulamento de condomínio, considero relevante a realização de uma inspeção ao prédio identificado nos autos de forma a inteirar-me e registar fotograficamente as situações inerentes à repartição de encargos de conservação, reparação e fruição das partes comuns do edifício e sindicar assim a conformidade legal do constante no art.º 4.º daquele regulamento por referência ao art.º1424.º do Código Civil. Assim, sendo propósito a obtenção de documentos fotográficos, notifique para além das partes a administração em exercício para no prazo de dez dias indicarem querendo, forma expedita para o referido registo e seu ulterior envio aos autos, com advertência de nada informando se providenciar na nomeação de fotógrafo para a indicada tarefa (que poderá também ser indicado por acordo entre as partes). Após resolução desta questão será indicada a data conveniente para realização da diligência” Após a realização das diligências necessárias para a efetivação da inspeção, foi designada, para o efeito, a data de 09/07/2019, pelas 14:30 horas. Entretanto em 25/02/2019 realizou-se a assembleia geral de condóminos, sendo indicada a seguinte ordem de trabalhos (ata número 29): 1.- Ponto prévio – nomeação do presidente da assembleia e secretário/a da assembleia; 2. – Apresentação das contas do exercício da atividade do condomínio, relativas ao ano de 2018; 3. – Escolha da empresa para gestão do condomínio para o ano de 2019; 4. – Nomeação de uma nova administração para o condomínio para 2019; 5. – Proposta de orçamento para o ano de 2019; 6. – Apresentação e deliberação sobre orçamentos, para realização de peritagem por empresa credenciada; 7. – Análise do pagamento de prestações em atraso ao condomínio, procedimento a tomar; deliberar para propor ações judiciais e nomear mandatário; 8. – Deliberar sobre a utilização de verba de conta corrente, para iniciar obra de canalização; 9. – Analisar e deliberar sobre os danos nas frações individuais e outros bens causados por infiltrações e outros provenientes das partes comuns. Os condóminos presentes representaram 466/1000 votos, o que permitiu deliberar sobre os assuntos constantes na ordem de trabalhos, Entre as várias deliberações foi nomeada para a administração a Loja do Condomínio. A realização de inspeção ao local ocorreu na data agendada, conforma ata de 09/07/2019, onde ficou a constar a disciplina que iria presidir à decorrência da diligência. No local foram observados a constituição do próprio condomínio e composição da garagem e respetivos acessos, designadamente os que ocorrem desde cada um dos pisos e das vivendas, consignando-se no essencial que: O prédio, constituído em propriedade horizontal, é composto por moradias, apartamentos e lojas, sendo que os apartamentos e as lojas foram erigidos em conjuntos ou lotes, em número de 16 de quatro ou seis apartamentos, com ou sem lojas, sendo que cada conjunto ou lote apresenta entradas próprias e separadas, quer dos outros lotes quer das moradias, tendo sido edificados seis lojas, nove moradias e 60 apartamentos. Na cave do edifício situa-se a garagem composta por boxes, espaços de estacionamento e as arrecadações. As boxes encontram-se integradas nas moradias. Os espaços de estacionamento e as arrecadações estão integrados nas frações (apartamentos e lojas). Para aceder às boxes os proprietários das moradias dispõe de entrada autónoma e separada. Do interior da sua fração dispõe de uma porta na sala que permite por escada o acesso à garagem sita na cave. À garagem acedem também os proprietários das frações (apartamentos e lojas), através de uma escada que parte do lote ou conjunto de apartamentos para se atingir a garagem. Existem tantas escadas para entrar na garagem a partir dos lotes ou conjunto de apartamentos e lojas quanto o número de lotes, ou seja, existem 16 escadas de acesso de cada uma dos lotes ao interior da garagem (conforme fotografias 9 e 10); Junto à primeira boxe existe uma porta que permite o acesso (entrada e saída) da garagem a peões, ao exterior (conforme se vê na fotografia n.º 4). Na reportagem fotográfica realizada, observa-se , o seguinte: Fotografia 1 e 2: - vista geral das 9 moradias; Fotografia 3: - acesso de veículos (rampa) do exterior para a garagem; Fotografia 4: - 9 boxes individuais (de cada moradia) e porta para o exterior; Fotografia 5: - uma boxe, sendo visível a porta de acesso ao interior da casa; Fotografia 5 e 7: - escadas de acesso da box ao interior das vivendas (9); Fotografia 8: - vista geral da garagem; Fotografia 9 e 10; acesso de um dos blocos (16) ao interior da garagem; Fotografia 11; 12 e 13: - cobertura e terraço. * Notificado do conteúdo da perícia fotográfica, o Autor veio reiterar que “os acessos aos blocos (desde a garagem) permite também aceder à sua cobertura /terraço); contrariamente ao que se verifica nos acessos exclusivos das moradias aos respetivos lugares de parqueamento na garagem, estes acessos da garagem aos blocos são espaços comuns do condomínio, a que todos podem aceder e que comunicam e permitem a passagem e o acesso de todos os condóminos a outras partes comuns do condomínio e ao seu exterior em diversos pontos; Assim, os acessos aos blocos sempre foram comumente usados por todos os condóminos, no seu dia-a-dia, como local de passagem para acederem a diversos locais exteriores ao condomínio, que se encontram localizados mais perto de cada um desses acessos. Ao longo dos anos sempre houve e continua a haver uma utilização efetiva dos acessos da garagem aos blocos por todos os condóminos (independentemente de a sua fração ser uma moradia individual ou um apartamento num dos blocos residenciais; Os acessos aos blocos (16) encontram-se permanentemente abertos (porque também funcionam como saídas de emergência), podem ser utilizados por qualquer residente independentemente de o ser de apartamento situado em cada um dos blocos ou das moradias” Entende assim que os espaços de acesso da garagem aos blocos devem ser considerados espaços comuns do condomínio. * Realizadas as diligências descritas foi seguidamente proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu os réus do pedido. Inconformado com a decisão proferida, o Autor interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1-O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que determina a absolvição dos réus do pedido. 2-No caso em apreço, o Tribunal a quo não procedeu à realização de audiência de julgamento, nem tão pouco procedeu à realização de audiência prévia. 3-Ora,findos os articulados, ao Tribunal a quo só restavam as seguintes soluções: (i)convocação de audiência prévia para o fim previsto no artigo 591.º n.º 1 alínea b); (ii)convocação de audiência prévia para os fins previstos na alínea c) do mesmo artigo; (iii)proferir despacho a dispensar a audiência prévia nos termos do artigo 593.º n.º 1, com referência, no caso, à alínea f) do número 1 do artigo 591.º doCPC. 4-Sendo certo que, ao proferir a sentença recorrida, tratou-se de uma decisão surpresa, sendo por isso, ilegal e violadora dos mais elementares direitos de defesa das partes constitucionalmente garantidos. 5-Foi, pois, cometida uma nulidade, traduzida na prolação de decisão final de mérito com dispensa de uma prévia diligência que era imposta por lei, suscetível de influenciar o exame e a decisão da causa. 6-Ora, a omissão de convocação da audiência prévia, ou a sua dispensa devidamente fundamentada nos termos do artigo 593.º n.º 1, por referência à alínea f) do n.º 1 do artigo 591.º. obrigatória neste caso, configura uma nulidade processual inominada sujeita ao regime do artigo 195.º e seguintes do CPC, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais. 7- Pelo que, face ao acima aduzido, deverá a sentença proferida ser revogada e ordenado o prosseguimento dos autos com a convocação de audiência preliminar, nos termos e a os efeitos do artigo 591.º do Código de Processo Civil. 8-Estatui o artigo 1424.º, n.º2 do Código Civil que ‘’Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.” 9-Na assembleia de 06/02/2017 que levou à instauração dos presentes autos, foram determinados condóminos isentos de comparticipar nas despesas de limpeza e iluminação das escadas de acesso às garagens e posteriormente, em assembleia datada de 15/03/2018 foi apresentada proposta de regulamento, o qual veio a ser aprovado na sua globalidade, ainda que sem preencher a maioria necessária legal para o efeito, voltando a referir a isenção de comparticipação nas de limpeza e iluminação das escadas de acesso às garagens pelos condóminos das frações AO, AP, AQ, AR, AS, AT, AU, AV, AX. 10-Porém, tal situação leva que tenham sido tomadas deliberações que contrariam lei imperativa, e como tal são nulas, de conhecimento oficioso e invocáveis a todo o tempo, pelo que, o Tribunal a quo não as poderia ter ignorado e decidido de forma contrária à lei. 11-Pois, não só a isenção de comparticipações nas despesas comuns importaria uma maioria qualificada sem oposição, o que não se veio a verificar em nenhuma das duas assembleias referidas, como também a alteração de regulamento de condomínio sempre importaria uma decisão unânime porque foi com tal maioria que na primeira assembleia foi aprovada, fazendo igualmente parte da ficha técnica de habitação de cada fração autónoma. 12-No caso vertente, verifica-se claramente uma situação de abuso de direito por parte da maioria dos condóminos que por inércia, tendo-se remetido ao silêncio permitiram que os réus estipulassem uma isenção para apenas uma minoria de condóminos, quando nem sequer se pode falar de uma impossibilidade objetiva de utilizarem tal parte comum, muito pelo contrário, pois caso tivesse sido realizada prova testemunhal, prontamente, o Tribunal a quo teria se apercebido que os lanços de escadas em causa eram frequentemente utilizados pelos condóminos em causa. 13-Sendo tal posição confirmada por variadíssima jurisprudência portuguesa, como por exemplo o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 27.02.2005, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/241911cc9a84a7e 480256fc700475a5b que “O que releva é o uso que cada condómino pode fazer das partes comuns, medido em princípio pelo valor relativo da sua fracção e não o uso que efectivamente se faça delas; a responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem (por si ou por intermédio de outrem ) as respectivas fracções e se não sirvam, por conseguinte, das partes comuns do prédio. Se uma "sala do condomínio" e uma "arrecadação geral" do edifício - partes comuns - se localizam no 11° piso do prédio, apenas aí sendo possível aceder através das escadas comuns e dos ascensores do imóvel - também partes comuns - há que concluir, segundo um critério aferidor de carácter objectivo - o único legalmente definidor da situação - ser manifesta a susceptibilidade (abstracta) de as diversas fracções poderem ser servidas pelas referidas partes e equipamentos comuns. Não se pode considerar isento de responsabilidade pelos encargos relativos às partes comuns, qualquer condómino cuja fracção esteja objectivamente em condições de ser servida por essas partes ou equipamentos comuns.” (sublinhado nosso) 14-Pelo que em face do acima exposto sempre deverá o Tribunal ad quem considerar a nulidade da sentença por preterição da realização de audiência prévia obrigatória e bem assim por preterição de nulidades de conhecimento oficioso, concretamente, as maiorias necessárias para a alteração da contribuição para as despesas comuns. Não foram apresentadas contra alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: II-OS FACTOS Na 1.ª instância, foram dados como provados os seguintes factos: a)Autores e réus residem no condomínio sito na Urbanização Jardim Central em Alhos Vedros; b) – O prédio onde radica o condomínio (constituído em propriedade horizontal), é composto por moradias, apartamentos e lojas, sendo que os apartamentos e as lojas foram erigidos em conjuntos ou lotes, em número de 16 de quatro ou seis apartamentos, com ou sem lojas, sendo que cada conjunto ou lote apresenta entradas próprias e separadas, quer dos outros lotes quer das moradias, tendo sido edificados seis lojas, nove moradias e 60 apartamentos; c) – Na cave do edifício situa-se a garagem composta por boxes, espaços de estacionamento e as arrecadações As boxes encontram-se integradas nas moradias. Os espaços de estacionamento e as arrecadações estão integrados nas frações (apartamentos e lojas); d) – Para aceder às boxes os proprietários das moradias dispõe de entrada autónoma e separada. Do interior da sua fração dispõe de uma porta na sala que permite por escada o acesso à garagem sita na cave; e) – À garagem acedem também os proprietários das frações (apartamentos e lojas), através de uma escada que parte do lote ou conjunto de apartamentos para se atingir a garagem. Existem tantas escadas para entrar na garagem a partir dos lotes ou conjunto de apartamentos e lojas quanto o número de lotes, ou seja, existem 16 escadas de acesso de cada uma dos lotes ao interior da garagem; f) – A entrada comum existente na garagem é o portão de entrada de veículos. g) – Após a entrada na garagem, os condóminos dispõe (normalmente e conforme for o caso), da entrada do interior das boxes para as respetivas moradias ou de uma escada de acesso da garagem ao lote onde se situa o seu apartamento ou loja. h)Os condóminos das moradias não têm acesso às suas frações pelas 16 escadas que servem cada um dos lotes, compostos por apartamentos ou apartamentos e lojas. i) – Aquando a instauração da ação, as despesas de conservação e manutenção quer da garagem quer das escadas de acesso dos lotes à garagem, todos os condóminos, incluídos os das moradias, os dos apartamentos e lojas, contribuem nas respetivas despesas de acordo com a sua permilagem; j) – Porém as despesas com a limpeza e iluminação das escadas de acesso à garagem provindo dos lotes para a garagem eram apenas suportadas apenas pelos condóminos das frações que compõe os lotes, apartamentos ou lojas, mas não pelos condóminos das frações edificadas como moradias; k) – Só… foi nomeada administradora na assembleia de condóminos realizada em 12 de dezembro de 2016; l) – Até ao dia 31 de dezembro de 2016 a anterior administração (empresa Fidalcer) continuou a administrar o condomínio, assumindo S… a administração quando aquela empresa apresentasse contas e fossem aprovadas, o que só veio a acontecer em 06/02/2017, data em que tomou posse; m) – Por tal motivo, entre 01 de janeiro de 2017 e 06 de fevereiro de 2017 o condomínio ficou em gestão corrente assegurada pelos administradores residentes: n) – Nesse período o condomínio pagou diretamente a V…, a €150,00 para trabalho de limpeza realizado (documento cheque junto aos autos); o) – As contas da administração relativas a 2016 foram aprovadas por unanimidade na assembleia de condóminos de 06 de fevereiro de 2017, não ocorrendo qualquer impugnação; p) – Nos exercícios de 2015 e 2016 foi autorizado o recurso ao Fundo Comum de Reserva para pagamentos das despesas correntes, tendo sido passado para conta à ordem, a totalidade da quantia que estava em Fundo Comum de Reserva. q) – Foi deliberado o pagamento de uma quota extraordinária no exercício de 2016 para reposição do Fundo de Reserva Comum. Usado no exercício de 2015. r)Em 31 de dezembro de 2016, o valor do fundo de reserva era de €4.903,83 e o saldo da conta bancária à ordem nessa data era de €5.963,65; s) – Tendo porém em conta o valor dos créditos a devolver aos condóminos, o saldo seria negativo (- €1.238,62), o que significava que até final do ano de 2016 o condomínio necessitava e estava autorizado a recorrer ao Fundo Comum de Reserva para pagamento das despesas correntes. t) – Na ata n.º 22 da assembleia de condóminos realizada em 15/03/2018, consta como assuntos a deliberar os seguintes: 1. – Ponto prévio da ordem de trabalhos: - nomeação do presidente da assembleia e secretário/a da assembleia. 2. – Apresentação das contas do exercício da atividade do condomínio, relativas ao ano de 2017. 3. – Proposta de regulamento de condomínio. 4. – Analisar e deliberar sobre a repartição das despesas de fruição no corredor das habitações do edifício que se projetam na vertical no acesso à garagem comum. 5. – Esclarecimento sobre a quantia de €2000,00, alegadamente para serviços jurídicos em 2016. 6. – A administração irá comunicar ao condomínio o teor da reunião realizada com os serviços municipais da Moita, no que diz respeito ao parque infantil. 7. – Nomeação de uma nova administração para o condomínio no ano de 2018, com ou sem remuneração. 8. – Escolha da empresa para gestão do condomínio para o ano de 2018. 9. – Proposta de orçamento para o ano de 2018: a) – Orçamento para despesas correntes; b) – Proposta de orçamentos para obras de conservação (coberturas, telhados, pavimentos de cobertura da garagem, substituição da canalização do ramal de abastecimento, até ao ramal de acesso às habitações); c) – Proposta de orçamento para obra de substituição das lâmpadas da garagem, para lâmpadas Led. 10-Análise do pagamento de prestações em atraso ao condomínio, procedimento a tomar, deliberar para propor ações judiciais e nomear mandatário. Consta a relação dos condóminos presentes que representavam 691/1000 do capital representado dos votos, o que permitiu deliberar sobre os assuntos constantes na ordem de trabalhos. u) - Conferidas as deliberações, apurou-se o seguinte: 1. – Foi eleito novo presidente e secretário da assembleia (votos favoráveis de 568/100; contra 123/1000 do capital representado); 2. – Aprovação das contas (votos favoráveis 504/1000; contra 96/1000 e abstenção de 64/1000); 3. – Regulamento de condomínio aprovado (votos favoráveis 518/100; contra 96/1000 e abstenção 27/1000); 4. – Previsto no art.º 4.º n.º 2 do regulamento de condomínio aprovado onde consta o modo de repartição do pagamento das despesas (votos favoráveis 530/1000; contra 111/1000 e abstenção 27/1000). 5. – “A administradora … informou que a (administração cessante) não pode prestar contas relativamente a factos do ano civil de 2016, porquanto nesse ano essa administração não representava o condomínio, além do que essas contas foram aprovadas pela assembleia” 6. – Reparação do parque infantil e apresentação a breve prazo do orçamento, com anuência de toda a assembleia. 7. – “A administradora cessante S… confirmou não desejar continuar na administração do condomínio. Não sendo possível proceder-se a nova eleição foram os trabalhos suspensos para ser retomada em nova data de forma a providenciar-se na nomeação de nova administração. A ata foi aprovada pelos votos favoráveis de 509/1000 do capital representado; 96/1000 de votos contra e abstenção de 27/1000. v) - Em 22 de Maio de 2018 foi elaborada a ata n.º 24 inerente a assembleia geral de condóminos, com a seguinte ordem de trabalhos: 1.-Eleição do presidente e secretário para a mesa da assembleia: 2. – Eleição da administração do condomínio para o ano civil de 2018 3. – Aceitação e deliberação das propostas apresentadas de empresas para a gestão do condomínio, nos termos do anúncio apresentado. Os condóminos presentes na assembleia representaram 538/1000 do capital investido, tendo sido nomeados o presidente e secretário pelos votos favoráveis de 538/1000. Foi eleita nova administração, sendo eleitos oc condóminos das frações H; AJ; AR e BD, que de imediato foram nomeados administradores. Na mesa da assembleia chegou uma proposta de gestão do condomínio pela empresa S…., a qual foi aprovada pelos votos a favor de 439/1000; 72/1000 votos contra e 27/1000 de abstenções; w) – Em 25/02/2019 realizou-se a assembleia geral de condóminos, sendo indicada a seguinte ordem de trabalhos (ata número 29): 1.- Ponto prévio – nomeação do presidente da assembleia e secretário/a da assembleia; 2. – Apresentação das contas do exercício da atividade do condomínio, relativas ao ano de 2018; 3. – Escolha da empresa para gestão do condomínio para o ano de 2019; 4. – Nomeação de uma nova administração para o condomínio para 2019; 5. – Proposta de orçamento para o ano de 2019; 6. – Apresentação e deliberação sobre orçamentos, para realização de peritagem por empresa credenciada; 7. – Análise do pagamento de prestações em atraso ao condomínio, procedimento a tomar; deliberar para propor ações judiciais e nomear mandatário; 8. – Deliberar sobre a utilização de verba de conta corrente, para iniciar obra de canalização; 9. – Analisar e deliberar sobre os danos nas frações individuais e outros bens causados por infiltrações e outros provenientes das partes comuns. Os condóminos presentes representaram 466/1000 votos, o que permitiu deliberar sobre os assuntos constantes na ordem de trabalhos. Entre as várias deliberações foi nomeada para a administração a Loja do Condomínio. x) – Em 09/07/2019 foi realizada diligência de inspeção ao local onde se situa o condomínio ficando a constar na inerente ata a disciplina que presidiria á realização da diligência; y) – O relatório foi junto a 17/07/2019, constando a respetiva legendagem dos documentos fotográficos que no essencial consta da seguinte descrição: Fotografia 1 e 2: - vista geral das 9 moradias; Fotografia 3: - acesso de veículos (rampa) do exterior para a garagem; Fotografia 4: - 9 boxes individuais (de cada moradia) e porta para o exterior; Fotografia 5: - uma boxe, sendo visível a porta de acesso ao interior da casa; Fotografia 5 e 7: - escadas de acesso da box ao interior das vivendas (9); Fotografia 8: - vista geral da garagem; Fotografia 9 e 10; acesso de um dos blocos (16) ao interior da garagem; Fotografia 11; 12 e 13: - cobertura e terraço; z) – A maioria dos condóminos notificados para que se pronunciasse sobre a destituição da administração do prédio, pronunciou-se pela sua continuidade. III-O DIREITO Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, as questões a apreciar são as seguintes: 1-Nulidade processual 2-Anulação das deliberações tomadas na assembleia geral de condóminos de 06-02-2017. 1-O Apelante invoca a nulidade da sentença decorrente da omissão de convocação da audiência prévia. É certo que, analisados os autos, verifica-se que nem se realizou a audiência prévia, nem foi proferido qualquer despacho a decidir a respectiva dispensa devidamente fundamentada. A verdade é que tal como impõe o art.º 591.º do CPC[1], “concluídas as diligências resultantes do preceituado no art.º 2.º do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia (…) destinada a algum ou alguns dos fins seguintes: a)Realizar tentativa de conciliação (…) b)Facultar às partes a discussão de facto e de direito (…) ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa. (…)” O art.º 592.º indica os casos em que não se realiza a audiência prévia e são apenas dois: “1.º Nas acções não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do art.º 568.º; 2.º-Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.” A lei processual civil abre ainda a hipótese de o Juiz dispensar a realização da audiência prévia, quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 591.º. Logo, no caso em apreço, a possibilidade de dispensa da audiência prévia estava excluída legalmente, dado que o fim da audiência prévia seria o previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 591.º, ou seja, a intenção de conhecer imediatamente do pedido. Como resulta do despacho datado de 18/12/2017, foi designado dia para uma “audiência de partes”, com a finalidade ali mencionada, que nada tem a ver com as finalidades previstas no art.º 591.º. Chegou mesmo a referir-se nesse despacho que “eventualmente a audiência de partes poderá ser convolada em audiência prévia (nos termos do art.º 591.º do CPC), caso se entenda existir necessidade de produzir outra prova que não a constante nos autos e que seja necessário para esse efeito a designação de audiência de julgamento”. Contudo, nessa audiência de partes nunca chegou a proceder-se a tal “convolação”, tendo ficado a instância suspensa por 60 dias. E decorrida a suspensão, o Tribunal decidiu conhecer imediatamente do mérito da causa, sem que tivesse realizado a audiência prévia. Ora, não tendo sido dispensada, nem havendo fundamento legal para tanto, impunha-se a realização da audiência prévia para assegurar o cumprimento da finalidade imposta pelo n.º1 alínea b) do art.º 591.º Como destaca o acórdão da Relação de Lisboa de 05.05.2015[2] “não se verificando nenhuma das situações previstas no art. 592º, e se a acção não houver de prosseguir, nomeadamente por se ir conhecer no despacho saneador do mérito da acção, deve ser convocada audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito (art. 591º, nº 1, al. b))”. E prossegue afirmando que “a convocação da audiência prévia para o fim previsto no art. 591º, nº 1, al. b) visa assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisões-surpresa (art. 3º, nº 3)(…)” As partes não foram advertidas da eventual dispensa da audiência prévia, pelo que podiam legitimamente esperar que pudessem fazer valer nesse acto, através da garantia do primado da oralidade, os seus derradeiros argumentos. Na medida em que viram defraudada essa expectativa que a lei lhes assegurava, não pode deixar de constituir decisão-surpresa a que conheceu do mérito da causa à revelia do estabelecido no mencionado artigo 591º, nº1, b).[3] Nesta questão, a posição da doutrina é clara, sublinhando que fora dos casos expressamente previstos no art.º 593.º “o juiz não pode dispensar a audiência prévia,[4] .E acrescentam aqueles Autores “ser bastante duvidosa” a interpretação que permite a dispensa de audiência prévia com fundamento em que a matéria da causa já fora suficientemente debatida nos articulados. Conclui-se portanto que “A convocação da audiência prévia é um ato processual obrigatório. A sua omissão constitui nulidade processual inominada sujeita ao regime dos artigos 195.º e seguintes”[5]. Afigura-se-nos, pois, incontornável concluir que ao decidir-se do mérito da causa sem proceder à realização da audiência prévia em violação do disposto no art.º 591.º n.º 1 b) foi cometida uma nulidade processual sujeita ao regime previsto no art.º 195.º. Segundo este preceito, “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”. Ora, a decisão que conhece do mérito da causa no saneador, sem prévia realização de audiência prévia, imposta por lei, defraudando-se os objectivos legais tal como supra explanado, é claramente susceptível de influir no exame e decisão de causa, pelo que não pode deixar de se concluir que tal omissão constitui nulidade. Porém, importa clarificar, constitui uma nulidade processual e não uma nulidade da sentença cujos pressupostos estão elencados no art.º 615.º. Aqui chegados, tratando-se de uma nulidade processual, sujeita ao regime dos art.º 195.º e 199.º, importa saber se poderá e deverá ser conhecida nesta sede de recurso, tendo em consideração o prazo de dez dias ali previsto, a contar do respectivo conhecimento, ou seja, dez dias a contar da notificação da sentença. Se assim for, deveria a nulidade considerar-se sanada, pois na data em que foi invocada, em sede de alegações de recurso, já tinha decorrido o referido prazo de dez dias.[6] A questão está, pois, em saber se a invocada nulidade podia ser suscitada por via recursiva, ou se devia antes ser objecto de reclamação perante o tribunal onde o vício se consumou. Tal como já Alberto dos Reis[7] fazia notar, embora num quadro legislativo diferente, mas cujo pensamento se mantém actual neste aspecto: “a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente”. E, de acordo com idêntica orientação, defendia o Prof. Manuel de Andrade[8] que “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo.” Também Antunes Varela[9] ensina igual procedimento afirmando que “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”. No caso sub judice, a nulidade processual cometida está a coberto da decisão judicial que se lhe seguiu, que a sancionou e confirmou, pelo que o meio processual próprio para a arguir não é a reclamação, podendo o vício em causa ser objecto de recurso e ser declarado por esta Relação.[10] Assim, a nulidade cometida implica a anulação da sentença proferida, procedendo a pretensão recursiva. IV-DECISÃO Pelo exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, consequentemente, anular a sentença recorrida. Custas pela parte vencida a final. Lisboa, 22 de Outubro de 2020 Maria de Deus Correia Maria Teresa Pardal Anabela Calafate _______________________________________________________ [1] Serão do Código de Processo Civil todos os artigos que vierem a ser citados sem indicação de proveniência. [2] Processo 1386/13.2TBALQ.L1-7, disponível em www.dgsi.pt [3] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-09-2015, Processo 128/14.0T8PVZ.P1, disponível em www.dgsi.pt. [4] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª Edição, págs. 650/651. [5] Rui Pinto, in “ Notas Ao Código de Processo Civil”, 1.ª edição, 2014, Coimbra Editora, pág. 369. [6] Assim foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-05-2018, Processo 10442/15.1T8STB-A.E1, disponível em www.dgsi.pt [7] “Comentário ao Código de Processo Civil”, II, p.507-508. [8] “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, p.183. [9] “Manual de Processo Civil, 1985, p. 393. [10] Assim decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 30-06-2011, disponível em www.dgsi.pt |