Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26123/09.2T2SNT-B.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: RENÚNCIA DO MANDATÁRIO
NULIDADE DA VENDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A irregularidade decorrente da preterição de notificação à executada do requerimento de renúncia do seu mandatário, configura no caso em apreço, uma nulidade que influi no exame ou na decisão da causa, uma vez que, muito embora, com a não notificação do requerimento de renúncia, nos termos dos n.ºs. 1 e 2 do artigo 47.º do CPC, o mandato subsistisse até que tal notificação tivesse lugar, não foi proporcionado àquela executada, o pleno exercício do seu direito de defesa, uma vez que, ao seu mandatário não foram efetuadas as notificações dos atos e decisões que precederam a concretização da venda, acarretando a nulidade desta, em conformidade com o disposto nos artigos 195.º e 839.º, n.º 1, al. c), do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

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1. Relatório:
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1. Nos autos de execução que como n.º 26123/09.2T2SNT, correm termos no Tribunal recorrido, em que é exequente PROMONTORIA MARS DESIGNATED ACTIVITY COMPANY, e executados, AM e HM, em 30-10-2018, o mandatário constituído pelos executados, Dr. AG – que juntou aos autos, em 01-02-2011 procurações forenses passadas nessa data a seu favor (e, bem assim, aos Drs. JR e MF – apresentou requerimento de renúncia aos mandatos que lhe tinham sido conferidos pelos executados.

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2. Em 13-05-2021, o Agente de Execução tomou decisão do seguinte teor:
“Considerando que:
a) Foi aprovado, por despacho n.º 12624/2015 – D. R. n.º 219/2015, Série II de 2015-11-09, a plataforma de venda em leilão eletrónico disponível em www.eleiloes.pt, encontrando-se a mesma em funcionamento desde 9 de abril de 2016;
b) Nos termos do artigo 837.º do CPC, a venda de móveis e imóveis é feita preferencialmente em leilão eletrónico;
c) A venda por proposta em carta fechada implica um injustificado protelar da concretização da venda;
d) Encontram-se assegurados os direitos das partes;
e) Não foram ainda marcados data e hora para a venda em carta fechada, e de acordo com o Provimento 1/2014 da Comarca De Lisboa Oeste - Sintra – Secção de Execução.
Bem em Venda:
Prédio urbano sito na freguesia de Agualva-Cacém, Concelho de Agualva-Cacém, descrito na conservatória de registo predial do respectivo concelho sob o nº … e inscrito na matriz sob o Artº … da freguesia de São Marcos.
Decide-se:
Alterar a decisão anteriormente tomada (carta fechada) no sentido de a venda ser feita através de leilão eletrónico, assim como o valor base (anteriormente fixado em €416.000,00) passando o valor base a €247.058,82 (Duzentos e Quarenta e Sete Mil e Cinquenta e Oito Euros e Oitenta e Dois Cêntimos), sendo o valor mínimo a anunciar para venda €210.000,00 (Duzentos e Dez Mil Euros);
Da decisão do agente de execução cabe reclamação a ser apresentada, através de requerimento dirigido ao juiz do processo, no prazo de 10 dias contados da presente notificação”,

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3. A decisão de 13-05-2021 do Agente de Execução foi notificada aos executados, mas não, ao respetivo mandatário renunciante ou a algum dos demais advogados constantes das procurações emitidas pelos executados.

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4. Em 12-07-2021, o Agente de Execução tomou a decisão seguinte:
“Por decisão de 01/07/2013 foi decidida a venda por negociação particular, tendo sido designado encarregado de venda, a sociedade Paterfamilia, Lda..
Objeto da Venda
Prédio urbano sito na Freguesia de Agualva-Cacém, Concelho de Sintra, descrito na CRP de Agualva-Cacém sob o nº …, e inscrito na matriz sob o artigo … da União das Freguesias do Cacém e São Marcos, pertencente ao Executado AM, NIF …, casado no regime de comunhão de adquiridos com a Executada HM, NIF …, e residentes na Rua … nº …, 2735-498 Agualva Cacém.
O valor mínimo de venda é € 210.000,00.
No prazo fixado para a venda o encarregado de venda obteve a (s) seguinte (s) proposta(s):
1. €230.000,00
A melhor proposta apresentada foi a do proponente Toplatino, Unipessoal, Lda., NIPC …, com sede na Rua …, Terrugem, no valor de €230.000,00 (Duzentos e Trinta Mil Euros).
Uma vez que o valor apresentado é superior ao valor mínimo de venda, DECIDO vender ao proponente o imóvel acima descrito pelo valor oferecido”.

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5. A decisão de 12-07-2021 do Agente de Execução foi notificada aos executados, mas não, ao respetivo mandatário renunciante ou a algum dos demais advogados constantes das procurações emitidas pelos executados.

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6. Por requerimento de 06-11-2021 o executado juntou aos autos procuração forense emitida a favor de advogado – Dr. JG.

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7. Por despacho de 14-06-2022 foi indeferida a pretensão do executado – de cancelamento do leilão eletrónico publicitado para venda do imóvel de sua propriedade descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o Nº …, casa de rés-do-chão e 1º andar, com a área total de 465 m2 e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesia do Cacém e São Marcos sob o artº … - considerando-se “precludido o direito de pôr em crise o valor mínimo de venda, bem como a respetiva modalidade”.

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8. Em 08-10-2022, AM veio a juízo requerer fosse admitida a exercer direito de remição, relativamente ao bem objeto de venda, relativamente ao qual foi apresentada melhor proposta por ONLY WISDOM, UNIPESSOAL, LDA.

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9. Por requerimento apresentado em juízo em 28-11-2022, a executada veio requerer seja “decretada a nulidade da venda operada por escritura realizada no dia 11 de Novembro de 2022, no Cartório Notarial da Srª Drª AR, relativa a venda por negociação particular, lavrada de fls. … a … do livro de escrituras diversas número cento e noventa e nove, sendo a nulidade consequência da nulidade da falta de notificação da renúncia do mandato do mandatário da executada, efetuada no dia dia 30 de Outubro de 2018, e que não lhe foi notificada, constituindo a omissão de ato, a nulidade de todo o processado, e consequentemente, da venda, seguindo-se os demais termos até final”.

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10. Por requerimento de 07-12-2022, a exequente pronunciou-se pelo indeferimento da nulidade arguida.

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11. Em 07-02-2023 foi proferido despacho de onde, nomeadamente, se lê o seguinte:
“Requerimento de 28.11.2022 e resposta de 07.12.2022:
Veio a executada HM deduzir incidente de nulidade da venda do imóvel dos autos consubstanciada pela escritura celebrada no dia 11 de novembro de 2022, relativa a venda por negociação particular, nos termos e para os efeitos o artigo 839º do CPC, na sequência da nulidade de todo o processo após o dia 30/10/2018, data da renúncia do mandato operada pelo Sr. Dr. AC, e que não lhe foi notificada, sendo assim o ato nulo por omissão, nos termos do artigo 195º do CPC.
Alega, para o efeito, que
1º A executada foi notificada no dia 17 de Novembro de 2022, da venda do imóvel penhorado à ordem dos autos.
2º A executada que tinha mandatário constituído, soube contudo agora, e através da sua filha, que o mandatário renunciou ao mandato por requerimento apresentado no dia 30/10/2018, pois que a sua filha lhe transmitiu a informação prestada pela sua mandatária.
3º Assim, desde o dia 30 de Outubro de 2018 que a executada está desacompanhada de mandatário, sem o saber, porquanto não foi informada nem pelo mandatário, nem notificada pelo tribunal de que o mesmo havia renunciado ao mandato.
4º Aliás, da consulta efetuada ao portal Citius, foi possível verificar que no dia 30/9/2020, o Sr. AE, notificou o Sr. Dr. AC apenas para que o mesmo contactasse os executados para permitirem o acesso ao imóvel, sendo que o nome do mandatário continua associado à executada, o que, numa primeira análise apenas aos últimos atos efetuados no portal Citius, não possibilita sequer saber da renúncia efetuada em 2018, sendo que nem o tribunal, nem o SR. AE, depois de 30 de Outubro de 2018, nunca mais notificaram o mandatário.
5º A executada estava convicta de que as notificações que lhe estavam a ser efetuadas, o estavam de igual modo a ser feitas para o seu mandatário, e que o mesmo estaria a tomar as devidas diligências, sendo contudo que todas as notificações efetuadas nos autos posteriormente ao dia 30/10/2018, o foram exclusivamente para os executados.
6º Conforme dispõe o artigo 40º do CPC, na sua alínea a), é obrigatória a constituição de mandatário “nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário”.
7º Considerando o valor da ação, de 78.761,81€, verifica-se que o mesmo admite recurso ordinário, sendo por isso obrigatória a constituição de mandatário.
8º Nos termos do disposto no artigo 47º do CPC, é estatuído que:
“1- A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária.
2 - Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número seguinte.
3 - Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias:
a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente;
b) O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando-se os atos anteriormente praticados;
c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante.
4 - Sendo o patrocínio obrigatório, se o réu, o reconvindo, o executado ou o requerido não puderem ser notificados, é nomeado oficiosamente mandatário, nos termos do n.º 3 do artigo 51.º.
5 - O advogado nomeado nos termos do número anterior tem direito a exame do processo, pelo prazo de 10 dias”.
9º Ou seja, quer por via da constituição de mandatário, quer por via da nomeação de advogado oficioso, sempre a executada teria direito a ser acompanhada no processo por mandatário, sendo que desde Outubro de 2018, que o tribunal teve muito tempo para a notificar e não o fez.
10º Na verdade, a executada havia promovido a venda do imóvel dos autos a particular, tendo já o mesmo vendido por preço muito superior ao da venda.
11º Assim, a falta de notificação da renúncia ao mandato, determina a nulidade de tudo quanto foi processado posteriormente, porquanto, não foi por culpa da executada que a notificação lhe não foi efetuada.
12º Constitui nulidade a falta de notificação da renúncia nos termos do disposto no Artigo 195.ºdo CPC:
Regras gerais sobre a nulidade dos atos
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
13º Não tendo a executada acesso ao portal Citius, e não tendo a mesma sido notificada da renúncia ao mandato por parte do seu mandatário, não podia adivinhar se teria de ser notificada de algo no processo, estando descansada pois que confiava na representação conferida.
14º Tendo deixado de existir uma igualdade de direitos processuais, a partir do momento em que a executada deixou de ser acompanhada por mandatário.
15º Considerando a notificação que lhe foi efetuada no dia 17 de Novembro de 2022, pelo Sr. AE, e estando dentro do prazo para a arguição de nulidade, invoca a executada a nulidade da venda, devido à omissão da notificação de renúncia do mandato efetuada pelo seu mandatário no dia 30 de Outubro de 2018, sendo que, somente a distração da secretaria, determinou a omissão da notificação, impedindo a executada de constituir mandatário, sendo certo que os atos que devem de ser praticados pela secretaria, apenas a esta incumbem, não constituindo obrigação da executada tomar conhecimento dos atos que lhe respeitam por outras pessoas.
16º Conforme dispõe o nº 2 do artigo 195º do CPC, a executada invoca a nulidade da venda efetuada no dia 11 de Novembro de 2022 e que lhe foi notificada por ofício recebido no dia 17 de Novembro de 2022, porquanto, a falta de notificação da renúncia ao mandato, determina a nulidade de todos os atos subsequentes.
17º Aliás, a inexistência de mandatário, determinou que lhe tivesse sido enviada notificação pelo Sr. AE no dia 13 de Maio de 2021, a informar que foi decidido proceder à venda através de leilão eletrónico, e que o valor base da venda, passou de 416.000€, para 247.058,82€, sem que tivesse sido fundamentada sequer a decisão, conforme doc. 1, e em 12/10/2021, foi-lhe enviada uma notificação, a informar que a venda se  encontrava publicitada até ao dia 30/11/2022, conforme doc. 2, induzindo assim a executada em erro, que muito confusa ficou quando recebeu a notificação a informar que a escritura seria efetuada no dia 11 de Novembro de 2022.
18º Relativamente à nota de honorários do encarregado da venda, a mesma não está devidamente descriminada, sendo que se desconhece de que forma foram calculados os honorários, quantas deslocações foram efetuadas ao imóvel, já que nunca mostrou o imóvel fosse a quem fosse, não percebendo muito bem, como, e na sequência da primeira proposta, tenha sido o encarregado da venda a decidir pela continuação da venda, assim como não se percebe como foi alterada a forma de venda do imóvel dos autos, pelo que se impugna a nota de honorários e despesas apresentada pelo encarregado da venda, considerando inclusive que o valor que lhe foi comunicado anteriormente pelo Sr. AE, como o valor que tinha a receber, é inferior ao que atualmente lhe foi enviado, não se percebendo de que forma foram obtidos os valores.
Pugna, a final, pela nulidade da venda operada por escritura realizada no dia 11 de Novembro de 2022, no Cartório Notarial da Sr.ª Dr.ª AR, relativa a venda por negociação particular, lavrada de fls. 117 a 119 do livro de escrituras diversas número cento e noventa e nove, sendo a nulidade consequência da nulidade da falta de notificação da renúncia do mandato do mandatário da executada, efetuada no dia 30 de Outubro de 2018, e que não lhe foi notificada, constituindo a omissão de ato, a nulidade de todo o processado, e consequentemente, da venda, seguindo-se os demais termos até final.
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A exequente Promontoria Mars Designated Activity Company pronunciou-se, alegando o seguinte:
(…) consta do Requerimento apresentado pelo Mandatário dos Executados nessa data, e com a referência citius 13414825, que foi por falta de respostas e de cooperação por parte dos mesmos que tal renúncia se deu.
6. Assim, apenas se conclui que foi por desinteresse e negligência por parte dos Executados que o Mandatário por eles constituído tenha decidido renunciar à procuração por eles outorgada.
7. Será de estranhar que, apenas volvidos 4 (quatro) anos, tenha a Executada tomado conhecimento das diligências efectuadas nos presentes Autos.
8. Num assunto que é tão importante na vida dos Executados, é de estranhar que não tenha havido, no mínimo, uma preocupação por parte da Executada quanto ao andamento dos Autos.
Mais,
9. Apesar de vir a Executada arguir a nulidade por falta de notificação da renúncia de mandato nos termos do artigo 195º do CPC, a verdade é que o Mandatário renunciou não só o mandato constituído a favor da Executada, mas também o mandato constituído a favor do Executado AM.
10. Ora, a verdade é que o Executado AM há muito que já constituiu mandatário a seu favor, mais precisamente a 06/11/2021, tendo nessa data junto procuração forense a seu favor.
11. Mais se diga que Executado e Executada são marido e mulher.
12. Sendo que por isso, apenas se pode concluir que, pelo menos, desde 06/11/2021, a Executada tinha ou deveria ter tido conhecimento de que deveria constituir mandatário a seu favor, caso assim o entendesse.
13. Efetivamente, o artigo 40.º do CPC refere, como indica a Executada, na sua alínea a), é obrigatória a constituição de mandatário “nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário”.
14. Contudo, o artigo aplicável nestes autos processo executivo é o 58.º do CPC.
15. Efetivamente, o artigo invocado tem aplicabilidade às ações declarativas sendo que, nas execuções, tal obrigação apenas é contemplada caso ocorra algum procedimento que siga os termos do processo declarativo.
16. Caso assim não fosse, a esmagadora maioria das Execuções teria obrigação de constituição de mandatário o que, como sabemos, não é o caso.
17. Lamenta-se a situação da Executada, mas esta foi regularmente notificada de toda a tramitação do processo, conforme a própria confessa, pelo que a haver alguma quezília com o seu Ilustre Mandatário deverá ser resolvida em sede própria.
18. No mais, e sem prejuízo, sempre se deverá considerar a Executada regularmente notificada para constituir mandatário a seu favor, o que de resto aconteceu quanto ao seu marido e executado AM.
19. Mas, reitere-se, sempre por faculdade e não por obrigação legal.
20. Importa, por último, referir que a venda do imóvel já foi efetuada, conforme notificações feitas à Executada, e os resultados entregues à ora Exequente, conforme se pode verificar por consulta aos Autos pelo que a presente reclamação é manifestamente intempestiva.
Pugna, a final, pelo indeferimento da arguição da nulidade apresentada pela Executada e consequente normal prosseguimento dos presentes Autos.
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Notificado o Sr. Agente de Execução para informar (documentando): (i) Se procedeu à notificação do requerimento de renuncia ao mandato de 30.10.2018 à executada HM; (ii) Se notificou o Ilustre Senhor Advogado renunciante dos atos processuais praticados nos autos a partir de 30.10.2018; (iii) Se notificou a executada HM dos atos processuais praticados nos autos a partir de 30.10.2018 (cf. despacho de 15.12.2022), o mesmos veio, por comunicação de 27.12.2022, informar o seguinte:
- Que pelo aqui Agente de Execução não foi efetuada notificação à executada HM do requerimento de renúncia ao mandato de 30/10/2018;
- Que a notificação dos atos processuais posteriores foi efetuada à própria executada, e não ao Ilustre Mandatário renunciante (…).
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Apreciando.
De acordo com a alínea c) do nº 1 do art.º 839 do CPC a venda fica sem efeito «Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º».
Determinando o nº 1 daquele art.º 195 que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. E consignado o nº 2 do mesmo artigo que quando um acto tenha sido anulado anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente.
Como sublinha Lebre de Freitas (in Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, p. 22.) em processo civil a nulidade ou anulação de um acto da sequência repercute, em regra, a sua eficácia nos actos subsequentes que entretanto hajam sido praticados; e, num movimento de sentido inverso, o efeito da nulidade ou anulação do acto só se verifica quando o vício é susceptível de afectar a realização da finalidade do processo (como sequência).
Sendo que na acção executiva a verificação da influência da prática ou omissão concreta no exame ou na decisão da causa se reportará à realização das providências executivas penhora, venda, pagamento.
Deste modo, a anulação do acto da venda nos termos do art.º 195 pode ocorrer quer por nulidade da própria venda (consoante o nº1 do art.º 195) quer por nulidade de acto anterior de que ela dependa absolutamente (consoante o nº 2 do art.º 195) Ver Amâncio Ferreira, «Curso de Processo de Execução», Almedina, 12ª edição, pág. 407, e Lebre de Freitas, «A Ação Executiva», Gestlegal, 7ª edição, pág. 402.
Rui Pinto (in «Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, 2013, pág. 975.) diz-nos que para que o acto processual da venda possa ser anulado nestes termos, basta que «seja processualmente inválido algum dos actos - sequência que compõem a fase da venda», exemplificando com a falta ou irregularidade da notificação do despacho que ordenou a venda, designadamente por falta de identificação dos bens e valor base, a nulidade da publicidade da venda, a omissão da notificação dos preferentes e a ausência do juiz na abertura das propostas.
O pedido de anulação do acto há-de ser deduzido no prazo previsto no art.º 199 do CPC.
Vejamos, então.
Na execução a que nos reportamos a executada não teria de se fazer representar por advogado, já que não se verificava a necessidade de patrocínio judiciário obrigatório, nos termos do art.º 58 do CPC.
Todavia, não se poderá negar que a executada tinha direito a ser assistida por mandatário judicial, uma vez que foi essa a sua opção estaremos no âmbito do exercício do seu direito de defesa - sendo que o nº 2 do art.º 20 da Constituição assegura que todos têm direito «a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade».
Resulta dos autos que não foi efetuada notificação à executada HM o requerimento de renúncia ao mandato de 30/10/2018, tendo os atos processuais posteriores sido notificados à própria executada, e não ao Ilustre Mandatário renunciante.
Assim, à executada foi proporcionado o acompanhamento da execução em toda a fase da venda, sendo-lhe dado conhecimento de que a venda tinha ocorrido, pelo que dificilmente poderemos concluir que estivesse alheada do processo.
Estranha-se que, caso não tivesse entendido a significação e alcance das notificações recebidas ao longo de cerca de quatro anos, a executada não houvesse contactado com o mandatário que havia constituído para procurar esclarecer-se.
Note-se, a este propósito, à semelhança do evidenciado pela exequente, que o Mandatário renunciou não só o mandato constituído a favor da Executada, mas também o mandato constituído a favor do Executado AM. Ora, a verdade é que o Executado AM há muito que já constituiu mandatário a seu favor, mais precisamente a 06/11/2021, tendo nessa data junto procuração forense a seu favor. Mais se diga que Executado e Executada são marido e mulher.
Porém, a executada alicerça a sua alegação na circunstância de o mandato que havia conferido haver cessado pela aludida renúncia, sem que ela de tal tivesse sido notificada, não havendo sido dado cumprimento ao disposto no art.º 47 do CPC.
As razões que aduz assentam na circunstância de por omissão dessa notificação deixar de ter mandatário nos autos de execução, sem que o soubesse, com consequências no processamento daqueles autos.
Efectivamente, nos termos do art.º 47 do CPC a renúncia por parte do mandatário deverá ser notificada ao mandante logo, deveria ter sido notificada à executada.
Todavia, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que os efeitos da renúncia se produzem a partir daquela notificação que é pessoalmente notificada ao mandante.
Assim, a renúncia será imediatamente eficaz na data em que ocorrer a notificação pessoal do mandante se o patrocínio judiciário não for obrigatório ver, a propósito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, Almedina, 2018, pág. 79 como é o caso.
Com referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in «Código de Processo Civil Anotado», I vol., Coimbra Editora, 3ª edição, pág. 101) aquele acto (a renúncia) realiza a sua eficácia no momento em que chega ao conhecimento do seu natural destinatário, tendo a notificação ao mandante uma função extintiva do mandato como acto exterior que aperfeiçoa o acto jurídico da renúncia.
Nas palavras de Alberto dos Reis (in «Comentário», vol. I, Coimbra Editora, 1960, pág. 52): «Enquanto a notificação se não fizer, o acto não produz efeitos».
Do que acabámos de expor decorre que não havendo a executada/mandante sido notificada pessoalmente da renúncia, esta não teria eficácia no processo mantendo-se o mandatário constituído como tal, com os direitos e deveres que lhe assistiam.
Sucede que para exercer esses direitos e estar sujeito a esses deveres ao mandatário constituído deveriam ter sido dirigidas oportunas notificações referentes aos termos do processo (cf. artigo 247.º, nº1, do CPC), o que não ocorreu.
No requerimento do incidente de declaração de nulidade a executada afirmou que sempre esteve plenamente convencida que, paralelamente às suas notificações, as mesmas estariam igualmente a ser dirigidas ao seu Ilustre Mandatário, afirmação, esta, que não foi infirmada pela exequente ou por qualquer elemento constante dos autos.
O que assume extrema relevância para o enquadramento da situação dos autos é o facto de o mandatário constituído manter-se como tal, em face da ineficácia da renúncia por falta de notificação à executada/mandante do requerimento de renúncia.
No entanto, assumindo o Tribunal que a notificação da renúncia fora efectuada e que aquele já não era mandatário da executada (o que configura um desajustamento da realidade face ao disposto no nº 2 do art.º 47 do CPC) - razão pela qual não lhe foram notificados quaisquer atos processuais desde a data da entrada em juízo do requerimento de renúncia , foi colocado em causa o direito da executada a um processo equitativo, considerada a proibição da indefesa, se convencida de que continuava a litigar assistida por advogado. Com efeito, “a omissão das notificações na pessoa do advogado produz irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa, pelo que ocorre nulidade relevante.
Enquanto o advogado não for notificado, não pode dizer-se que a parte teve conhecimento da nulidade, e que por isso precludiu a possibilidade de a arguir” - cf. Ac. RG, de 18.01.2006, relatado por Manso Rainho (in www.dgsi.pt).
Neste contexto, a nulidade por preterição do ato de notificação à executada do requerimento de renúncia do respetivo ilustre mandatário oportunamente constituído, constitui in casu, uma nulidade com influência “no exame ou na decisão da causa” - cf. Ac. RL, de 27.06.2019, relatado por Maria José Mouro (in www.dgsi.pt).
Em face de todo o exposto, declaro nulos todos os atos praticados nos autos desde a entrada em juízo do requerimento de renúncia do ilustre mandatário da executada HM.
Notifique.(…)”.

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12. Não se conformando com esta decisão, dela apela a exequente, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que indefira o incidente de nulidade suscitado, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. O presente Recurso de Apelação tem por objeto o Despacho que que decretou a nulidade de todos os atos praticados nos autos executivos desde a entrada em juízo do requerimento de renúncia do Ilustre Mandatário dos Executados.
B. Os presentes autos tiveram início a 01/10/2009 data que que deu entrada, no Tribunal a quo, o Requerimento Executivo.
C. A 01/02/2011 foi junta aos presentes autos procuração forense a favor do Exmo. Dr. AC, em representação de ambos os Executados.
D. Tal mandato vigorou até 30/10/2018, data em que o Ilustre Mandatário renunciou nos autos ao mandato que lhe tinha sido conferido, alegando como causa predominante para tal a falta de resposta e cooperação dos mandantes.
E. Desta feita, veio a Executada HM arguir a nulidade da venda realizada através de escritura pública no passado dia 11/11/2022, em consequência da falta de constituição de mandatário por esta, na sequência da falta de notificação à própria da revogação do mandato anteriormente constituído.
F. Nesta senda, refere o Ilustre Mandatário Dr. AC, que terá procedido ao envio de comunicação escrita para o domicílio dos executados, por forma a contactar com estes com a máxima urgência.
G. Contacto este que, por inércia dos Executados, nunca terá sido atendido ou sequer retornado por qualquer um destes.
H. Por sua vez, a 06/11/2021, veio o Executado AM constituir mandatário nos presentes autos, tendo junto procuração forense para o efeito, a favor do Exmo. Dr. JG.
I. Mais se diga que o Executado e a Executada são marido e mulher.
J. A Executada mulher não logrou constituir novo mandatário, até à data, após renúncia do mandato pelo anterior mandatário, a 30/10/2018, alegando, para o efeito, desconhecimento de tal renúncia.
K. Nestes termos, não compreende e tão pouco pode aceitar a Apelante que haja efetivo e natural desconhecimento de tal renúncia por parte da Executada, pelos motivos supra elencados, nomeadamente, pela inércia recorrente na manutenção do contacto com o Ilustre Dr. AC.
L. Adicionalmente, partilhando esta uma comunhão de vida com o Executado marido, não se entende que, volvidos 4 (quatro) anos, tal assunto tão prominente na vida de ambos não tenha sido um tema por estes abordado.
M. Embora continuem casados e em comunhão de habitação, a 06/11/2021, apenas o Executado constitui mandatário.
N. Ainda, após notificação da decisão de venda – da qual os Executados tomaram conhecimento – veio a filha de ambos remir, aceitando, portanto, o respetivo valor.
O. Acontece que a filha dos executados não logrou proceder ao depósito do preço, motivo pelo qual o imóvel não lhes foi adjudicado.
P. Quanto muito, por estratégia, apenas um dos Executados constituiu mandatária para tudo falhando, tentarem invocar a nulidade do processado, como veio a acontecer.
Q. No mais, diga-se que o imóvel já foi vendido – e transmitido ao adquirente – pelo valor de €270.000,00 (duzentos e setenta mil euros), dos quais apenas €158.889,39 (cento e cinquenta e oito mil oitocentos e oitenta e nove euros e trinta e nove cêntimos) foram entregues à Apelante.
R. Mais foi pago o credor Estado e as despesas e honorários do Sr. Agente de Execução, resultando um saldo de € 107.583,07 (cento e sete mil quinhentos e oitenta e três euros e sete cêntimos) a favor dos Executados.
S. Por sua vez, o artigo 40.º do CPC refere, como indica a Executada, na sua alínea a), que é obrigatória a constituição de mandatário “nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário”.
T. No entanto, o artigo aplicável nos presentes autos – processo executivo – é o Art.º 58.º do CPC, já que artigo referido pela Executada apenas teria aplicabilidade nas ações declarativas.
U. Desta feita, na execução a que nos reportamos, os executados não teriam de se fazer representar por advogado, já que não se verificava a necessidade de patrocínio judiciário obrigatório.
V. No mais, conforme invocado pela Executada esposa, nos termos do Art.º 47º do CPC a renúncia por parte do mandatário deverá ser notificada ao mandante, e, por ingerência, aos executados.
W. Contudo, não sendo o patrocínio judiciário obrigatório – como é o caso, conforme supra exposto –, se os executados não puderem ser notificados, não se afigura necessária nomeação oficiosa de mandatário – cf. número 4 do Art.º 47º CPC, a contrario.
X. Sem prejuízo do supramencionado, foram, desde sempre, os executados notificados dos desenvolvimentos tidos nos autos, pelo Exmo. Agente de Execução, pelo que não se poderá dizer que não tiveram acesso às diligências efetuadas durante toda a fase de venda do imóvel penhorado.
Y. Nestes termos, ainda que a questão em apreço se traduza numa irregularidade processual, nos termos do número 2 do Art.º 118.º do Código de Processo Penal, tal não poderá ser tida por uma nulidade, conforme indica a Executada, por via do Art.º 195º do CPC,
Z. irregularidade esta que sempre deverá ser considerada suprida, pelo menos, desde 06/11/2021, data em que o co-executado, cônjuge e coabitante da Executada constituiu mandatário nos autos.
AA. Como bem refere o Tribunal da Relação de Lisboa, no Ac. de 2/7/2009, disponível in www.dgsi.pt “Fora das situações enunciadas nos artigos 193º a 200º CPC, que integram as nulidades principais, dispõe o nº 1 do artigo 201º CPC, que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa”.
BB. Por esse motivo, e sem prescindir do demais acima alegado, deverá o Despacho proferido pelo Tribunal a quo ser revogado e substituído por outro que indefira o incidente de nulidade suscitado na ação executiva de processo comum.”.

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13. Dos autos não consta terem sido apresentadas contra-alegações.

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14. O requerimento recursório foi admitido por despacho de 26-04-2023.

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15. Foram colhidos os vistos legais.

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2. Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
Em face do exposto, identifica-se a seguinte questão a decidir:
A) Se a decisão recorrida deve ser revogada?

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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso, conforme resultam dos autos, os elencados no relatório.

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4. Fundamentação de Direito:

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A) Se a decisão recorrida deve ser revogada?
Conclui a apelante no sentido de que a decisão recorrida deverá ser objeto de revogação, em suma, pela seguinte linha de argumentos:
- O executado e a executada são marido e mulher e esta não logrou constituir novo mandatário, até à data, após renúncia do mandato pelo anterior mandatário, a 30/10/2018, alegando, para o efeito, desconhecimento de tal renúncia, o qual não se pode aceitar pela inércia na manutenção de contacto com o Ilustre Dr. AC;
- Partilhando a executada comunhão de vida com o executado, não se entende que, volvidos 4 anos, tal assunto tão prominente na vida de ambos não tenha sido um tema por estes abordado e embora continuem casados e em comunhão de habitação, a 06/11/2021, apenas o Executado constitui mandatário;
- É aplicável aos presentes autos – processo executivo – o art.º 58.º do CPC e na execução os executados não teriam de se fazer representar por advogado, já que não se verificava a necessidade de patrocínio judiciário obrigatório;
- Nos termos do art.º 47º do CPC a renúncia por parte do mandatário deverá ser notificada ao mandante e aos executados, mas não sendo o patrocínio judiciário obrigatório, se os executados não puderem ser notificados, não se afigura necessária nomeação oficiosa de mandatário – cf. número 4 do art.º 47º CPC, a contrario;
- Foram, desde sempre, os executados notificados dos desenvolvimentos tidos nos autos, pelo Exmo. Agente de Execução, pelo que não se poderá dizer que não tiveram acesso às diligências efetuadas durante toda a fase de venda do imóvel penhorado;
- Ainda que a questão em apreço se traduza numa irregularidade processual, nos termos do número 2 do Art.º 118.º do Código de Processo Penal, tal não poderá ser tida por uma nulidade, conforme indica a Executada, por via do Art.º 195º do CPC, irregularidade que se deverá considerar suprida, pelo menos, desde 06/11/2021, data em que o co-executado, cônjuge e coabitante da Executada constituiu mandatário nos autos.
Vejamos:
Dispõe o artigo 47.º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), que a renúncia do mandato deve ter lugar no próprio processo e é notificada ao mandante e à parte contrária.
De harmonia com o disposto no artigo 47.º, n.º 2, do CPC, os efeitos da renúncia (assim como os da revogação) produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do previsto nos demais números do mesmos preceito legal, sendo que, a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante com a advertência e os efeitos previstos no artigo 47º, nº 3, do CPC, no caso de ser obrigatória a constituição de advogado (cfr. artigo 40.º, nº 1, do mesmo Código): “Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias:
a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente;
b) O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando-se os atos anteriormente praticados;
c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante”.
De harmonia com o artigo 47.º, n.º 4, do CPC, “sendo o patrocínio obrigatório, se o réu, o reconvindo, o executado ou o requerido não puderem ser notificados, é nomeado oficiosamente mandatário, nos termos do n.º 3 do artigo 51.º” (caso em que se aplica às nomeações em caso de urgência, o previsto na lei para as nomeações urgentes em processo penal).
Conforme decorre do disposto no artigo 1170.º, n.º 1, do CC, o mandato judicial é livremente revogável, devendo a parte declarar tal revogação no próprio processo e o mandatário, bem como, a parte contrária, ser notificada de tal ato. O mesmo sucede com a renúncia, devendo o mandatário declará-la no processo a que respeite e o mandante e a parte contrária, serem notificados da renúncia.
A renúncia “é imediatamente eficaz na data em que ocorrer a notificação pessoal do mandante, se o patrocínio judiciário por advogado não for obrigatório (RG 18-4-21, 2128/15, RG 25-2-21, 944/16, RC 23-2-21, 5403/18). Já nos demais casos, deu-se guarida à necessidade de tutelar dos interesses da parte patrocinada, persistindo o mandato por mais 20 dias após a notificação da renúncia, sendo o mandante advertido dos efeitos que decorrem da falta de constituição de novo mandatário” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., Almedina, 2022, p. 85).
Conforme salientam estes Autores (ob. cit., pp. 85-86) este regime de renúncia “obsta a que se produzam efeitos imediatos que poderiam por exemplo, refletir-se na preclusão relacionado com a prática de atos cujo prazo estivesse ainda em curso (…)”.
Assim, enquanto perdurar o mandato forense mantêm-se os deveres que emergem dos termos que conjuguem as regras de direito civil com as normas deontológicas e os deveres consignados no Estatuto da Ordem dos Advogados.
Se em ação em que seja obrigatório o patrocínio – ou seja, nas causas (declarativas) de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário (causas de valor superior a € 5.000,00 – cfr. artigo 44.º, n.º 1, da LOSJ) ou nas execuções de valor superior a €30.000,00 (cfr. artigo 58.º, n.º 1, do CPC) ou nas execuções de valor superior à alçada do tribunal de 1.ª instância (€5.000,00) quando sejam deduzidos embargos de executado ou ocorra algum procedimento que siga os termos do processo declarativo (v.g., liquidação ou embargos de terceiro); , nas causas em que seja sempre admissível recurso independentemente do valor (cfr. artigo 629.º, n.º 3, al. a) do CPC); e nos recursos e nas causas propostas (diretamente) nos tribunais superiores - não se mostrar possível a notificação pessoal do mandante, será nomeado mandatário oficioso, no caso de se tratar de réu, reconvindo, executado ou requerido.
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-02-2021 (Pº 5403/18.1T8VIS.C1, rel. JORGE ARCANJO), “o art.º 47º, nº 3 CPC deve ser interpretado no sentido de que, nas ações em que é obrigatório o patrocínio, havendo o mandatário renunciado ao mandato sem que a parte, notificada pessoalmente, tenha constituído entretanto advogado, a renúncia ao mandato só produz efeitos após o decurso do prazo de vinte dias legalmente estabelecido para o mandante constituir novo mandatário, significando que durante esse período se mantém o mandato inicial”.
Por outro lado, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-06-2019 (Pº 43/06.0TBCDV-B.L1-2, rel. MARIA JOSÉ MOURO), “a renúncia ao mandato será imediatamente eficaz na data em que ocorrer a notificação pessoal do mandante se o patrocínio judiciário não for obrigatório - enquanto aquela notificação se não fizer, o acto não produz efeitos. Não havendo os executados/mandantes sido notificados pessoalmente da renúncia, esta não teve eficácia no processo, mantendo-se o mandatário constituído como tal; haverá, todavia que apurar o demais circunstancialismo envolvente, (designadamente se em termos de facto o mandatário constituído continuou a ser tratado pelo Tribunal como tal) para concluir se ocorreu uma nulidade processual com influência na venda executiva e se teve lugar um processo equitativo com observância do contraditório”.
Sobre os casos de invalidade da venda executiva, regem os artigos 838.º e ss. do CPC.
No artigo 838.º do CPC regulam-se os casos em que a venda fica sem efeito, por iniciativa do comprador, enquanto que, no artigo 839.º, n.º 1, do CPC se estabelecem os demais casos em que a venda fica sem efeito, o que sucederá:
“a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada;
b) Se, tendo corrido à revelia, toda a execução for anulada nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 851.º, salvo o disposto no n.º 4 do mesmo artigo;
c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º;
d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono”.
De acordo com o n.º 1 do artigo 195.º do CPC, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Nos termos do n.º 2 do artigo 195.º do CPC, quando um ato tenha sido anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente.
Como sublinha Lebre de Freitas (Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, p. 22.), em processo civil a nulidade ou anulação de um ato da sequência repercute, em regra, a sua eficácia nos atos subsequentes que entretanto hajam sido praticados; e, num movimento de sentido inverso, o efeito da nulidade ou anulação do ato só se verifica quando o vício é suscetível de afetar a realização da finalidade do processo (como sequência).
Na ação executiva a verificação da influência da prática ou omissão concreta no exame ou na decisão da causa reportar-se-á à realização das providências executivas – penhora, venda, pagamento.
Deste modo, a anulação do ato da venda nos termos do art.º 195 pode ocorrer quer por nulidade da própria venda (consoante o nº1 do art.º 195) quer por nulidade de ato anterior de que ela dependa absolutamente (consoante o nº 2 do art.º 195) (assim, Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 12ª edição, p. 407, e Lebre de Freitas, A Ação Executiva; Gestlegal, 7ª edição, p. 402).
Para que o ato processual da venda possa ser anulado nestes termos, basta que “seja processualmente inválido algum dos atos - sequência que compõem a fase da venda” (assim, Rui Pinto; Manual da Execução e Despejo; Coimbra Editora, 2013, p. 975), exemplificando este Autor, que tal sucederá com a falta ou irregularidade da notificação do despacho que ordenou a venda, designadamente por falta de identificação dos bens e valor base, a nulidade da publicidade da venda, a omissão da notificação dos preferentes e a ausência do juiz na abertura das propostas.
O pedido de anulação do ato deve ser deduzido no prazo previsto no art.º 199 do CPC.
No caso, está em questão ação executiva de valor superior à alçada do Tribunal da Relação, na qual os executados constituíram advogado que os patrocinasse.
Sucede que, tendo um dos advogados constituídos pelos executados, renunciado ao mandato, não se promoveu ao cumprimento da notificação da renúncia a que se reportam os n.ºs. 1 e 2 do artigo 47.º do CPC, pelo que, os efeitos da renúncia não se produziram, mantendo-se o mandato conferido ao mandatário renunciante.
Mas, certo é que, aos executados passaram a ser remetidas outras notificações – designadamente as decisões do Agente de Execução de 13-05-2021 e 12-07-2021 – o que ocorreu pessoalmente aos mesmos, sem efetivação de notificação ao mandatário renunciante ou a algum dos demais advogados constantes das procurações emitidas pelos executados.
Os executados não se pronunciaram, sendo que, ulteriormente, o executado veio a constituir outro advogado, circunstância que não sucedeu com a executada.
Os autos prosseguiram os seus termos, até que a executada arguiu a nulidade da venda, por falta de notificação da renúncia ao mandato do advogado renunciante.
O Tribunal recorrido, reconhecendo que não foi efetuada notificação à executada HM do requerimento de renúncia ao mandato de 30/10/2018, tendo os atos processuais posteriores sido notificados à própria executada, e não ao Ilustre Mandatário renunciante, declarou nulos todos os atos praticados nos autos desde a entrada em juízo do requerimento de renúncia.
A decisão recorrida, depois de reconhecer que “à executada foi proporcionado o acompanhamento da execução em toda a fase da venda, sendo-lhe dado conhecimento de que a venda tinha ocorrido, pelo que dificilmente poderemos concluir que estivesse alheada do processo” e de estranhar que “caso não tivesse entendido a significação e alcance das notificações recebidas ao longo de cerca de quatro anos, a executada não houvesse contactado com o mandatário que havia constituído para procurar esclarecer-se”, considera o seguinte:
“(…) não havendo a executada/mandante sido notificada pessoalmente da renúncia, esta não teria eficácia no processo mantendo-se o mandatário constituído como tal, com os direitos e deveres que lhe assistiam.
Sucede que para exercer esses direitos e estar sujeito a esses deveres ao mandatário constituído deveriam ter sido dirigidas oportunas notificações referentes aos termos do processo (cf. artigo 247.º, nº1, do CPC), o que não ocorreu.
No requerimento do incidente de declaração de nulidade a executada afirmou que sempre esteve plenamente convencida que, paralelamente às suas notificações, as mesmas estariam igualmente a ser dirigidas ao seu Ilustre Mandatário, afirmação, esta, que não foi infirmada pela exequente ou por qualquer elemento constante dos autos.
O que assume extrema relevância para o enquadramento da situação dos autos é o facto de o mandatário constituído manter-se como tal, em face da ineficácia da renúncia por falta de notificação à executada/mandante do requerimento de renúncia.
No entanto, assumindo o Tribunal que a notificação da renúncia fora efectuada e que aquele já não era mandatário da executada (o que configura um desajustamento da realidade face ao disposto no nº 2 do art.º 47 do CPC) - razão pela qual não lhe foram notificados quaisquer atos processuais desde a data da entrada em juízo do requerimento de renúncia , foi colocado em causa o direito da executada a um processo equitativo, considerada a proibição da indefesa, se convencida de que continuava a litigar assistida por advogado. Com efeito, “a omissão das notificações na pessoa do advogado produz irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa, pelo que ocorre nulidade relevante.
Enquanto o advogado não for notificado, não pode dizer-se que a parte teve conhecimento da nulidade, e que por isso precludiu a possibilidade de a arguir” - cf. Ac. RG, de 18.01.2006, relatado por Manso Rainho (in www.dgsi.pt).
Neste contexto, a nulidade por preterição do ato de notificação à executada do requerimento de renúncia do respetivo ilustre mandatário oportunamente constituído, constitui in casu, uma nulidade com influência “no exame ou na decisão da causa” - cf. Ac. RL, de 27.06.2019, relatado por Maria José Mouro (in www.dgsi.pt)”.
Ora, ponderado o recurso da apelante, conclui-se que os argumentos aduzidos em contrário pela mesma não permitem alterar a decisão recorrida.
De facto, as circunstâncias invocadas pela apelante de que executado e executada são marido e mulher, de que continuam casados em comunhão de habitação, bem como, a ausência de discussão do “assunto” entre o casal, ou o facto de apenas o executado ter constituído outro mandatário, não são circunstâncias que obstem à procedência da nulidade.
É que, na realidade, o vício assenta – como bem se explica na decisão recorrida – não na circunstância de se ter mantido o mandato (por força da não efetivação da notificação da renúncia), mas sim, no facto de, a partir de tal momento, as notificações operadas aos executados passarem a ter sido efetuadas na própria pessoa dos executados, como se a renúncia tivesse já operado plenamente os seus efeitos, o que não tinha sucedido.
Note-se que, inclusive, não foi efetuada qualquer notificação aos demais advogados mandatados pelos executados.
Tudo o mais invocado pela recorrente, assentando no pressuposto, que não se verifica, de que a constituição de patrocínio não era obrigatória, soçobra.
Conforme se referiu no já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-06-2019 (Pº 43/06.0TBCDV-B.L1-2, rel. MARIA JOSÉ MOURO) – considerações que são plenamente aplicáveis à situação dos autos, muito embora aí estivesse em questão execução em que o patrocínio não era obrigatório):
“(…) Sucede que para exercer esses direitos e estar sujeito a esses deveres ao mandatário constituído deveriam ter sido dirigidas oportunas notificações referentes aos termos do processo – o que não é evidenciado (em sentido positivo ou negativo) pelos factos que o Tribunal de 1ª instância consignou.
No requerimento do incidente de declaração de nulidade os executados afirmaram que «sempre estiveram plenamente convencidos que, paralelamente às suas notificações, as mesmas estariam igualmente a ser dirigidas ao seu Ilustre Mandatário», mas nada sabemos sobre tal – nem se alguma ou nenhuma das notificações foi dirigida ao ainda mandatário dos executados, nem sobre o convencimento dos executados.
O que teria relevância para o enquadramento da situação dos autos - o mandatário constituído mantinha-se como tal, mas a carência das necessárias notificações sobre os termos do processo, assumindo o Tribunal que a notificação da renúncia fora efectuada e que aquele já não era mandatário dos executados (o que configurava um desajustamento da realidade face ao disposto no nº 2 do art.º 47 do CPC) teria consequências no âmbito do invocado direito dos executados a um processo equitativo, considerada a proibição da indefesa, se convencidos de que continuavam a litigar assistidos por advogado.
Temos, pois, que se em tese e por si só a falta de notificação da renúncia aos executados, quando dessa renúncia foi dado conhecimento no processo, não constituirá uma nulidade com influência “no exame ou na decisão da causa” – desde logo na venda que teve lugar; na realidade tudo dependerá do circunstancialismo envolvente e que não foi apurado, não bastando para tal os factos consignados pelo Tribunal de 1ª instância para a decisão do incidente (…)”.
Ora, no presente caso, certo é que, se omitiu a notificação a que se reportam os n.ºs. 1 e 2 do artigo 47.º do CPC aos mandantes e, paralelamente, passaram os executados, em exclusivo, e não os seus advogados, a ser notificados dos atos e termos do processo executivo, desembocando na concretização da venda operada.
O executado veio a constituir novo advogado e não arguiu nulidade.
Contudo, o mesmo não sucedeu com a executada que veio arguir nulidade da venda, por falta da notificação da renúncia.
Verifica-se, pois, que a irregularidade decorrente da preterição de notificação à executada do requerimento de renúncia do seu mandatário, configura, no caso em apreço, uma nulidade que influi no exame ou na decisão da causa, uma vez que, muito embora, com a não notificação do requerimento de renúncia, nos termos dos n.ºs. 1 e 2 do artigo 47.º do CPC, o mandato subsistisse até que tal notificação tivesse lugar, não foi proporcionado àquela executada, o pleno exercício do seu direito de defesa, uma vez que, ao seu mandatário não foram efetuadas as notificações dos atos e decisões que precederam a concretização da venda, acarretando a nulidade desta, em conformidade com o disposto nos artigos 195.º e 839.º, n.º 1, al. c), do CPC.
A apelação deverá, pois, ser julgada improcedente, com manutenção da decisão recorrida.

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De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária inerente incidirá, in totum, sobre a exequente/apelante, que decaiu, para este efeito, integralmente – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.

*
5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pela exequente/apelante.
Notifique e registe.

*
Lisboa, 25 de maio de 2023.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
João Miguel Mourão Vaz Gomes